João Martins1; Eunice Jorge2; José Camolas3; Isabel do Carmo4
1Estagiário de Ciências da Nutrição, Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Via Alternativa ao Monte da Caparica, 2829 - 511 Caparica, Portugal
2Estagiária de Ciências da Nutrição, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, Portugal
3Nutricionista, Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospital de Santa Maria, Avenida Professor Egas Moniz, 1649-035 Lisboa, Portugal
4Médica Endocrinologista, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Avenida Professor Egas Moniz, 1649-028 Lisboa, Portugal
RESUMO
]]>Palavras-Chave: Gota, Hiperuricémia, Purinas, Obesidade, Etanol, Frutose
ABSTRACT
The prevalence of hyperuricemia and gout have been increasing in the Portuguese population, in recent years, similar to what happens with other developed countries. The purpose of this article is to review the available evidence in relation to nutritional intervention in these pathologies, in order to identify strategies for nutritional intervention in patients with hyperuricemia and gout, with greater potential for effectiveness. Whereas hyperuricemia and gout is often associated with obesity, hypertension, dyslipidemia, atherosclerosis and metabolic syndrome, these patients represent a unique opportunity for an evaluation and a more comprehensive nutritional guidance.
keywords: Gout, Hyperuricemia, Purines, Obesity, Ethanol, Fructose
INTRODUÇÃO ]]>
Ao longo da história, a gota tem sido associada a alimentos ricos em purinas e ao consumo excessivo de álcool (1). Tendo em conta que a sua incidência se relacionava com um estilo de vida habitual nas pessoas com elevados recursos económicos, recebeu a designação de “doença dos reis” (1). A patologia foi primeiramente identificada pelos egípcios, em 2640 a. C., como podagra (gota aguda, que ocorre na articulação metatarso-falângica primária) (1). Posteriormente foi reconhecida por Hipócrates, no século V a. C., como unwalkable disease, tendo este sido responsável pela identificação da ligação entre a doença e o estilo de vida ]]> A hiperuricémia consiste na presença de níveis elevados de ácido úrico sérico, devido à sua produção endógena elevada e à excreção renal reduzida (4-6). O valor normal da uricemia é 5,0mg/dl, valor mantido à custa da excreção do excedente da produção. Desta forma, valores séricos de ácido úrico, superiores ou iguais a 7mg/dL, nos homens, e a 6mg/dL, em mulheres, são critérios de diagnóstico para a hiperuricémia (4, 6). Esta diferença entre sexos poderá ]]> A gota é uma doença reumatológica, inflamatória, metabólica, que resulta de uma ]]> Epidemiologia ]]>ANÁLISE CRÍTICA
A alimentação será uma via segura e efectiva na prevenção e abordagem terapêutica da hiperuricémia e da gota. A evidência disponível sustenta a importância das estratégias nutricionais, muito para além da clássica restrição de purinas. Algumas referências continuam a propor que o doente com gota opte pela evicção de alimentos ricos em purinas, tais como o porco, caça, vísceras, charcutaria, conservas de peixe, mariscos, café, chá e chocolate (5). No entanto, outros autores alargam a lista de alimentos a evitar ao etanol e ao consumo excessivo de frutose (5, 42). Na realidade, a associação entre uma dieta hiperproteica, fonte de alimentos ricos em purinas, com a hiperuricémia e a gota, carece de documentação científica adequada (28, 43). Embora as dietas hiperproteicas possam conter, concomitantemente, grandes quantidades de purinas, a sua ingestão não está directamente associada com os níveis do ácido úrico sérico (31-33). Em boa verdade, Li-Ching e colaboradores já haviam chamado a atenção para o facto do consumo de alimentos ricos em purinas per se não ser factor de risco importante para o aparecimento de gota (42). Numa abordagem holística do doente com hiperuricémia e/ou gota, recomenda-se que se rastreiem e tratem os fatores de risco cardiovascular, que fazem parte da síndrome metabólica, nomeadamente a obesidade, hipertensão, hiperlipidemia, insulinorresistência e diabetes (44-45). De facto, existe investigação que demonstrara um risco aumentado de gota em homens com IMC maior ou igual a 25, sendo que a magnitude dessa associação varia positivamente com o aumento do IMC (46). Em doentes com aumento da adiposidade e naqueles com síndrome de resistência à insulina, a hiperuricémia também estará associada a uma redução na uricosúria (4, 47). Portanto, em doentes obesos, a orientação dietética deve ser no sentido de uma dieta hipocalórica, com vista ao controlo não só da uricemia, mas também do peso e das comorbilidades. Um aspecto de extrema importância na orientação nutricional do doente com hiperuricémia ou gota é o consumo de bebidas alcoólicas e de alimentos ricos em frutose. A ingestão de álcool aumenta a uricemia, por incrementar a degradação do ATP em adenosina monofosfato (AMP), que é rapidamente convertido em ácido úrico e também por reduzir a excreção renal do ácido úrico (4, 11-13). Quanto à ingestão de alimentos ricos em frutose, existe um grande conjunto de evidência científica que os associa ao aumento dos níveis séricos de ácido úrico. Contudo, existe a necessidade de fazer um contraponto, relativamente ao tipo de alimentos ricos em frutose, uma vez que a fruta, por exemplo, é responsável pela alcalinização da urina, o que vai promover o aumento da excreção de ácido úrico. Por outro lado, este efeito uricosúrico pode ser ainda incrementado pelo fornecimento concomitante de vitamina C (30).
CONCLUSÕES
A prevalência da hiperuricémia tem vindo a aumentar na nossa população, sendo essencial definir linhas orientadoras para a intervenção nutricional a este nível. A hiperuricémia e a gota, geralmente, estão associadas com a obesidade, hipertensão, dislipidémia, aterosclerose e síndrome metabólica. Neste contexto, um doente com gota representa uma oportunidade singular para uma avaliação mais abrangente e uma orientação dietética mais objetiva e esclarecida. Assim sendo, as linhas orientadoras em termos de intervenção nutricional devem incidir nomeadamente: a) na adequação do consumo de alimentos ricos em proteínas e purinas, por exemplo, assegurando o consumo adequado de leite e derivados; b) na prescrição de um plano alimentar estruturado e ligeiramente hipocalórico em casos de obesidade; c) na restrição de bebidas alcoólicas; d) na restrição de bebidas ou produtos alimentares com quantidades excessivas de frutose e/ou sorbitol; e) na ingestão diária de cerca de dois litros de água alcalina.
Neste contexto, a terapêutica nutricional não deverá estar limitada às estratégias de evicção de alimentos ricos em purinas, adoptando uma perspectiva holística, baseada na evidência disponível. Com este formato, constituirá uma ferramenta potencialmente mais eficaz, ao dispor dos profissionais de saúde, nomeadamente os nutricionistas, na promoção de ganhos em saúde para os utentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Nuki G, Simkin, PA. A concise history of gout and hyperuricemia and their treatment. Arthritis Research & Therapy 2006; 8: 1-5
2. [ Links ] Garrod AB. Observations on certain pathological conditions of the blood and urine in gout, rheumatism and Bright’s disease. Trans M-Chir Soc Edinburgh 1848; 31: 83-97. [ Links ]
3. Rundles RW et al. Effects of a xanthine oxidase inhibitor on thiopurine metabolism, hyperuricaemia and gout.Trans Assoc Am Physicians 1963; 76: 126-140
4. [ Links ] de Oliveira EP, Burini RC. High plasma uric acid concentration: causes and consequences. Diabetology & Metabolic Syndrome 2012; 4:1-12
5. [ Links ] Miguel C, Mediavilla MJ. Abordagem atual da gota. Acta Médica Portuguesa 2011; 24: 791-798
6. [ Links ] Jin M et al. Uric acid, Hyperuricemia and Vascular Diseases. Front Biosci 2012; 17: 656-669
7. [ Links ] Nicholls A et al. Effect of Oestrogen Therapy on Plasma and Urinary Levels of Uric Acid. British Medical Journal 1973; 1: 449-451
8. [ Links ] Grassi D et al. Chronic Hyperuricemia, Uric Acid Deposit and Cardiovascular Risk. Pharmaceutical Design 2013; 19: 2432-2438
9. [ Links ] Ogbera AO, Azenabor A. Hyperuricaemia and the metabolic syndrome in type 2 DM. Diabetology & Metabolic Syndrome 2010; 2: 24-31
10. [ Links ] Kim TH et al. The relationship between the regional abdominal adipose tissue distribution and the serum uric acid levels in people with type 2 diabetes mellitus. Diabetology & Metabolic Syndrome 2012; 4: 1-7
11. [ Links ] Puig JG, Fox IH. Ethanol-induced activation of adenine nucleotide turnover. J. Clin. Invest 1984; 74: 936-941
12. [ Links ] Boban M, Modun D. Uric acid and antioxidant effects of wine. Croat Med J. 2010; 51: 16-22
13. [ Links ] Lieber CS et al. Interrelation of uric acid and ethanol metabolism in man. Journal of Clinical Investigation 1962; 41: 1863-1870
14. [ Links ] Williams PT. Effects of diet, physical activity and performance, and body weight on incident gout in ostensibly healthy, vigorously active men. Am J Clin Nutr 2008; 87: 1480-1487
15. [ Links ] Choi HK, Curhan G. Soft drinks, fructose consumption, and the risk of gout in men: prospective cohort study. BMJ 2008; 336: 309-312
16. [ Links ] Cohen E et al. Hyperuricemia and Metabolic Syndrome: lessons from a large cohort from Israel. IMAJ 2012; 14: 676-680
17. [ Links ] Hediger MA et al. Molecular physiology of urate transport. Physiology 2005; 20: 125-133
18. [ Links ] Kambara A et al. Urine alkalization facilitates uric acid excretion. Nutrition Journal 2010; 9: 1-5
19. [ Links ] Lee J et al. Association between serum uric acid level and metabolic syndrome. Journal of Preventive Medicine and Public Health 2012; 3: 181-187
20. [ Links ] Roddy E, Doherty M. Epidemiology of gout. Arthritis Research & Therapy 2010; 12: 223-234
21. [ Links ] Zhu Y et al. Prevalence of gout and hyperuricemia in the US general population. The national health and nutrition examination survey 2007-2008 2011. Arthritis and Rheumatism; 63: 3136-3141
22. Abreu E et al. Associação entre a hiperuricémia e a resistência à insulina. Acta Médica Portuguesa 2011; 24: 565-574
23. [ Links ] Nishida Y et al. Influence of Physical Activity Intensity and Aerobic Fitness on the Anthropometric Index and Serum Uric Acid Concentration in People with Obesity. Internal Medicine 2011; 50: 2121-2128
24. [ Links ] Becker BF. Towards the physiological function of uric acid. Free Radic Biol Med 1993; 14: 615-631
25. [ Links ] Kim SY et al. Hyperuricemia and risk of stroke: A systematic review and meta-analysis. Arthritis Rheum 2009; 61: 885-892
26. [ Links ] Otsuki M et al. Association of urine acidification with visceral obesity and the metabolic syndrome. Endocrine Journal 2011; 58: 363-367
27. [ Links ] Choi HK et al. Purine-Rich Foods, Dairy and Protein Intake, and the risk of gout in men. The New England Journal of Medicine 2004; 350: 1093-1103
28. [ Links ] Choi HK et al. Alcohol intake and risk of incident gout in men: a prospective study. The Lancet 2004; 363: 1277-81
29. [ Links ] Choi HK et al. Fructose-Rich Beverages and the Risk of Gout in Women. JAMA 2010; 304: 2270-2278
30. [ Links ] Choi HK et al. Vitamin C Intake and the Risk of Gout in Men – A Prospective Study. Arch Intern Med 2009; 169: 502-507
31. [ Links ] Choi HK et al. Intake of Purine-Rich Foods, Protein, and Dairy Products and Relationship to Serum Levels of Uric Acid. The Third National Health and Nutrition Examination Survey. Arthritis & Rheumatism 2005; 52: 283-289. [ Links ]
32. Villegas R et al. Purine-rich foods, protein intake, and the prevalence of hyperuricemia: The Shanghai Men’s Health Study 2012; 22: 409-416
33. [ Links ] Fam AG. Gout, Diet, and the Insulin Resistance Syndrome. The Journal of Rheumatology 2002; 29: 1350-1355
34. [ Links ] Dessein PH et al. Beneficial effects of weight loss associated with moderate calorie/carbohydrate restriction, and increased proportional intake of protein and unsaturated fat on serum urate and lipoprotein levels in gout: a pilot study. Ann Rheum Dis 2000; 59: 539-543
35. [ Links ] Ishizaka N et al. Changes in waist circumference and body mass index in relation to changes in serum uric acid in Japanese individuals. J Rheumatol 2010; 37: 410-416
36. [ Links ] Liebman SE et al. Uric acid nephrolithiasis. Curr Rheumatol Rep 2007; 9: 251-257
37. [ Links ] Grases F et al. Renal lithiasis and nutrition. Nutrition Journal 2006; 5: 23-30
38. [ Links ] Choi HK, Curhan G. Beer, Liquor, and Wine Consumption and Serum Uric Acid Level: The Third National Health and Nutrition Examination Survey. Arthritis & Rheumatism 2004; 51: 1023-1029
39. [ Links ] Gibson T et al. Beer drinking and its effects on uric acid. Br J Rheumatol 1984; 23: 203-9
40. [ Links ] Tappy L, Lê K. Metabolic effects of fructose and the worldwide increase in obesity. Physiol Rev 2010; 90: 23-46
41. [ Links ] Rho YH et al. The epidemiology of uric acid and fructose. Semin Nephrol 2011; 5: 410-419
42. [ Links ] Khanna D et al. 2012 American College of Rheumatology Guidelines for Management of Gout. Part 1: Systematic Nonpharmacologic and Pharmacologic Therapeutic Approaches to Hyperuricemia. Arthritis Care & Research 2012; 64: 1431-1446
43. [ Links ] Ching L et al. A case-control study of the association of diet and obesity with gout in Taiwan. Am J Clin Nutr 2003; 78: 690-701
44. [ Links ] Kramer HM, Curhan G. The association between gout and nephrolitiasis: the National Health and Nutrition Examination Survey III, 1988-1994. Am J Kidney Dis 2002; 40: 37-42
45. [ Links ] Arromdee E et al. Epidemiology of gout: is the incidence rising J Rheumatol 2002; 29: 2403-6
46. [ Links ] Choi HK et al. Obesity, weight change, hypertension, diuretic use, and the risk of gout in men: the Health Professionals Follow-up Study. Arch Intern Med 2005; 165: 742-8
47. [ Links ] Yamashita S et al. Studies on the impaired metabolism of uric acid in obese subjects: marked reduction of renal urate excretion and its improvement by a low-calorie diet. Int J Obes 1986; 10: 255-64 [ Links ]
Endereço para correspondência
José Camolas
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Piso 6, Hospital de Santa Maria, Avenida Professor Egas Moniz 1649-028 Lisboa, Portugal
jose.camolas@gmail.com