The media-instant sacredness
La sacralisation de l’instant médiatique
Sacralización de lo instante mediático
Paulo Barroso1
Universidade do Minho
RESUMO
Face à tendência e apetência pós-moderna em se banalizar o banal, creio que a posição mais salvífica para superar a mediocridade mediática é a paradoxal e própria desbanalização. Como? Através do fomento de atitudes críticas sobre os valores sociais mais essenciais, preservando uma cultura que nunca pode ser mercadoria popular das massas, como defendeu a Escola de Frankfurt. Por conseguinte, proponho, com este artigo, relevar os principais critérios mediáticos para a compreensão de sociedades atuais que vivem e dependem de idolatrias populares, banais e instantâneas e interpretar as implicações das designadas novas tecnologias da comunicação para o culto de privacidades e celebridades cada vez mais globalizadas, mas imediatas e efémeras.
Palavras-chave: Banalidade; Celebridade mediática; Esfera pública; Pós- modernidade.
ABSTRACT
Given the post-modern trend and will to trivialize the trivial, I argue the more accurate position to overcome such media-mediocrity is the paradoxical and peculiar non-trivialization. How? With a critical attitude about the most essential social values, preserving a culture that can never become merchandise, popular and fast-culture, according to the Frankfurt School. The aims of this article are: a) to identify the main criteria to understand the media field in contemporary societies that live and depend on popular and banal idolatries; b) to interpret the implications of the designated new communication technologies, useful to the cult of celebrities increasingly globalized, but also immediate and ephemeral.
RÉSUMÉ
En admettant la propension et le besoin pos-moderne de banaliser le banal, je soutiens que la position la plus convenaient pour surmonter une certaine médiocrité médiatique est la paradoxale et singulière non-banalisation. Comment? À travers de une attitude critique sur les valeurs sociales les plus essentielles, en préservant une culture qui ne peut jamais devenir marchandise populaire des masses, comme l’a soutenu l’École de Francfort. Par conséquent, le but de cet article sont les suivants: a) identifier les principaux critères pour comprendre le domaine des moyens de communication de masses dans les sociétés contemporaines qui vivent et dépendent de idolâtries populaires, banales et instantanées; b) interpréter les implications des nouvelles technologies de communication pour le culte de privautés et célébrités plus en plus mondialisés, mais aussi immédiates et éphémères.
Mots-clés: Banalité, Célébrité médiatique; Pos-modernité; Sphère publique.
RESUMEN
Dada la tendencia y la propensión post-moderna de trivializar lo trivial, sostengo que la posición más sencilla para superar la consecuente mediocridad de los medios de comunicación es a través de la paradójica y peculiar no-trivialización. ¿Cómo? Con actitudes críticas sobre los valores sociales más esenciales y la preservación de una cultura que nunca puede convertirse en mercancía popular de las masas, de acuerdo con la Escuela de Frankfurt. Consecuentemente, los objetivos de este artículo son: a) identificar los principales criterios para entender el campo de los medios de comunicación en las sociedades contemporáneas que viven y dependen de idolatrías populares, banales y momentáneas, b) interpretar las implicaciones de las nuevas tecnologías de la comunicación para el culto de privacidades y celebridades cada vez más globalizadas, sino también inmediatas y efímeras.
Palabras-clave: Celebridad mediática, Esfera pública, Pos-modernidad, Trivialidad.
“A celebridade é um plebeísmo” Fernando Pessoa
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Introdução
Em fevereiro de 1968, Andy Warhol apresentou a sua primeira exposição retrospetiva internacional na galeria Moderna Museet, em Estocolmo. O que hoje a memória coletiva mais lembra não foi este facto, já relevante per se, porque se tratava já de um criador de renome na moda e na vanguarda artística, cuja obra simbolizava uma emergente sociedade de massa. O que é mais sublinhado nesse acontecimento é o que o próprio artista escreveu no catálogo de apresentação da exposição: o slogan/manifesto artístico “15 minutos de fama” que, segundo Warhol (apud Harris, 2010: 217), todos teriam direito.
Então, como hoje, nas atuais sociedades e culturas de massa, este slogan/manifesto parecia apelar a um tempo sem imanência, sem presente nem duração. O slogan/manifesto ou mera provocação de Warhol sobre a fama desbragada a almejar por todos é, ele próprio, uma expressão famosa para compreender a instantaneidade mediática que hoje, mais do que nas décadas de 1960-70, em que o artista a enunciou e a enquadrou, caracteriza os discursos mediáticos de massa.
Warhol teria dito que, no futuro (hoje?) todas as pessoas teriam fama mundial durante 15 minutos. Ora, isso foi, até ao momento, impossível e continuará a sê-lo, por mais celebridade instantânea que os media permitam e por mais eletrónicas que se constituam as sociedades e culturas mediáticas, como as definiu, entre outros, Ed Shane (2001: 56) ou até mesmo o visionário Marshall McLuhan (1972: passim), na década de 1960, em A Galáxia de Gutenberg. Mas o sentido da expressão de Warhol parece residir na leitura crítica que o próprio fez de uma sociedade massificada de há cerca de 40 anos, altura em que, precisamente, surgiu a Arpanet que, depois, se desenvolveria na Internet, na redentora forma de comunicação global.
Foi com o advento da Internet que o fenómeno da globalização se tornou numa atmosfera tecnológica que varreu toda a superfície terrestre, segundo Anthony Giddens (2000: 19-29) acentuando a instantaneidade e a homogeneização das vidas quotidianas: a economia, o comércio, a geografia, a cultura, os hábitos de consumo e as necessidades, a informação, o entretenimento e até a celebração do banal. Uma celebração instantânea do instantâneo, própria dos cidadãos anónimos de um tempo efémero. Cidadãos que participam no mediatismo televisivo e adquirem uma nova, repentina, descartável e notória identidade.
Há uma evidente perversidade paradoxal neste mediatismo, que surge quando a mediocridade moral narcísica, típica da ausência de valores da pós-modernidade, acirra estes cidadãos a adquirirem essa característica identidade. E quanto mais escândalo televisivo para todos verem (por exemplo, num formato de reality show), mais celebridade instantânea se obtém.
Ora, esta perversidade paradoxal do mediatismo é típica de uma época pós- moderna. À letra, de uma época posterior à modernidade; de uma época que suscita estudos sobre as implicações recíprocas entre a sociedade de massa e a comunicação global. Esta é a abordagem dos estudos que levaram Giddens (2000: 22-3) a admitir que a “comunicação eletrónica instantânea não é apenas um meio de transmitir informações com maior rapidez”, pois, sendo esta uma consequência da modernidade, “a sua existência altera o próprio quadro das nossas vidas, ricos ou pobres” (Giddens, 2000:22-3). As ditas implicações entre a sociedade de massa e a comunicação global tornam emergentes as preocupações em compreender os efeitos que as formas e os modelos de comunicação exercem nos indivíduos, nas culturas e nas sociedades. Neste domínio, a posição de Giddens sobre uma vida moderna transformada pela globalização é bastante moderada, cautelosa e descontínua no uso do conceito “pós-moderno”, pois, na introdução de As Consequências da Modernidade, este autor preferiu considerar que, em vez de estarmos a entrar num período de pós-modernidade, “estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão a tornar-se mais radicalizadas e universalizadas do que antes” (Giddens, 1996: 9). Giddens (1996:58 e 71) admite, com mais rigor, a preponderância do papel dos media e dos dispositivos tecnológicos de comunicação na transformação e reformação social, cívica, cultural, educacional e política dos indivíduos, pois, criar mitos, celebridades e fãs é apanágio do campo dos media.
Por conseguinte, justifico a adoção da epígrafe de Fernando Pessoa, no introito, como descrição acurada da celebridade necessariamente plebeia, ou seja, popular, porque impõe um parentesco exterior com a banalidade (Pessoa, s.d.: 66-7). Só existe celebridade com banalidade, porque é a banalidade popular e grosseira que cria e sustenta a celebridade, supostamente diferente, mas idêntica, na sua essência estéril.
A ideia de modernidade que as sociedades de massa possuem é, particularmente, uma ideia decalcada do mediatismo televisivo. É como se só existisse a realidade virtual que está no ecrã de um televisor, telemóvel, computador pessoal, MP4, tablet ou outro dispositivo tecnológico moderno. Esta ideia de modernidade assume, por isso, o estatuto de um “produto” ou “mercadoria” para os indivíduos, que assimilam tudo como verdade e realidade. Todavia, esta ideia de modernidade, que poderia e deveria ser reconhecida por um modo mais tradicional e cultural, é construída pelos media, nomeadamente pela televisão. Assim, na modernidade assiste-se a uma latente e necessária confrontação entre uma prolífera sacralidade de instantes mediáticos e uma emergente e paradoxal carência de desbanalização do próprio banal. É duplamente paradoxal: a) por ser emergente, isto é, necessariamente decorrente dos tempos modernos; e b) por ser carente nas próprias pessoas, culturas e sociedades, sendo, contudo, negligenciada ou estando no inconsciente coletivo.
No primeiro polo de confrontação, sobrevalorizam-se instantes mediáticos com referentes popularizados, conteúdos pouco exigentes e efémeros, enquadrados numa cultura de massa que valoriza, acima de tudo, o espetáculo gratuito, como é o caso dos reality shows, simples formatos de telenovela típicos das culturas de massa, mas muito apreciados pelo homo videns modernus (sujeito que contempla e que deseja) e, por isso, cultivados pelos media, sendo prática recorrente em Portugal, desde 2000, com o Big Brother. Os instantes mediáticos são espetáculos que funcionam através desta lógica de simulações e simulacros da realidade para distrair atenções, segundo Jean Baudrillard (1991: passim), tal como os diretos noticiosos.
No segundo polo da confrontação, o banal constitui um elemento característico da aludida cultura de massa, pelo que oriento esta abordagem para um relativo criticismo sobre as transformações superficiais (ou não essenciais) advindas da modernidade no necessário desenvolvimento crítico, cultural e moral das sociedades paradoxais: cada vez mais complexas e, por isso, menos capazes de desenvolver solidariedades e cidadanias entre as pessoas; mais informadas (ou mais “wiki- informadas” e com “wiki-conhecimentos”) e, por isso, mais incultas; mais virtualmente interrelacionadas (agora, numa vastíssima rede mundial, o ciberespaço) e menos humanamente interpessoais e tendentes à vida em comum; enfim, mais modernas e menos conscientes da banalidade que grassa nos estilos de vida e nos conteúdos mediatizados, estes últimos com mais responsabilidades na formação dos indivíduos e das massas, no cumprimento das suas funções de informação, esclarecimento, socialização e educação.
1. A fronteira pós-moderna da solidão plural e da banalidade pública
Os novos meios tecnológicos de comunicação e informação trouxeram uma latente ambivalência às atuais sociedades e culturas de massa que deles resultam: o diferendo entre a reserva de privacidade constitucional e a necessidade social de exposição pública. Hoje, mais do que nunca, o acesso à esfera pública tornou-se democratizado e virtual. Por esta circunstância, a esfera pública é o palco privilegiado de afirmações de falsas ou pretensas identidades privadas (isto é, de um “Eu social” conveniente e estereotipado), que almejam a celebridade instantânea, mas efémera.
Face a estas pretensões do “cidadão-mundo ciber-espacial”, a mediasfera serve para veicular tudo e todos. O protagonismo das notícias deixou de ser, por exemplo, apanágio de quem é objeto das mesmas (as celebridades, as figuras públicas, os políticos, etc.) ou de quem as produzia, os jornalistas, para se democratizar e se tornar acessível a qualquer pessoa. Verifica-se a expansão global do privado, através dos media (principalmente os media com ecrãs, porque a sociedade é iconófila) que tornam público o que é apenas banal.
2. Sacralização da mediasfera: modernidade vs. pós-modernidade
No seu conhecido Ensaio sobre a Dádiva, Marcel Mauss expressou claramente a ideia de que “é da natureza da sociedade expressar-se simbolicamente nos seus costumes e nas suas instituições; pelo contrário, as condutas individuais normais ‘nunca são simbólicas por si mesmas’”, porque estas são os elementos a partir dos quais se constrói um sistema simbólico, que não pode ser senão coletivo (Mauss, 1988: 15). Nos dias de hoje, este aspeto coletivo do simbolismo tem sofrido profundas alterações desde o ano 1950 em que Mauss escreveu estas palavras.
Segundo Adriano Duarte Rodrigues (1999: 16), Mauss procurou mostrar, ao estudar a instituição do Potlatch nas tribos trobriandesas, que a criação e o restabelecimento dos laços sociais dependem de um processo de troca simbólica generalizada, constituído pela obrigação de dar, de receber e de retribuir. É este dispositivo da sociabilidade que funda, também, a lógica da comunicação. De acordo com Adriano Duarte Rodrigues, Mauss descobria, no processo generalizado de troca e de circulação, um dos princípios fundamentais do vínculo social, fonte de todo o valor: o dispositivo para a gestação do valor.
Serve esta referência a Mauss para salientar a sua pertinência em situações de crise da modernidade, em que as relações de sociabilidade através das ]]>
Os modos de comunicação estabelecem inter-relações, formam partilhas de informações e de situações em comum, características de uma troca generalizada, de que é exemplo o caso da instituição primitiva Potlatch enquanto fundamento da sociabilidade. O papel desempenhado pelo sistema simbólico nas atividades de interação está ao serviço de processos de sacralização, de culto ou de celebração de pessoas, objetos, produtos e marcas. Este papel assemelha-se a muitos outros que, quotidianamente, acontecem nas sociedades contemporâneas. É um sistema que realça o valor de ritual coletivo na esfera pública mediatizada e suscita a interação e a inserção social. Por exemplo, a leitura da imprensa cor-de-rosa permite pontos de conversa consonante entre muitas pessoas.3. Sacralização do instante mediático
]]> A celebridade só é valorizada ou colocada em causa em sociedades tipificadas pela massificação mediática, onde a procura existencial e coletiva por novas identidades ilusórias é relevante para as necessidades que a própria sociedade cria nos indivíduos e, ao mesmo tempo, lhes apresenta os modos consumistas de as satisfazer. Por conseguinte, trata-se de uma celebridade do instante mediático fabricada pela mediasfera, porque esta mediasfera é massificadora de interesses, motivações, gostos, necessidades, hábitos e consumos mediáticos.4. A expansão global do privado e celebridade das imagens mediáticas
O papel dos meios de comunicação social na formação cultural e social dos indivíduos e das sociedades é determinante. As sociedades atuais são o que os media apresentam e propõem. Principalmente nos ecrãs, cujas imagens estereotipadas são conceções totalitárias (ideológicas ou impositivas) e hiperbólicas (amplificadoras das mensagens) da realidade.
Os principais ingredientes do mercado de massa são a informação, o consumo, o entretenimento, o espetáculo (cf. Baudrillard, 1981, 1991 e 2001), a celebridade do popular e o respetivo culto de imagens (de figuras públicas, de marcas publicitárias e comerciais, etc.) nos ecrãs das televisões, dos telemóveis e dos computadores pessoais. O consumo de marcas e de produtos globais contribui para a formação do próprio mercado de massa e para a modificação dos indivíduos, cada vez mais com propensão para o individualismo (cf. Camps, 1996).
A época das massas passou a ser um mercado-mundo de consumos homogeneizados e popularizados. A comunicação social é uma indústria de celebridades: produtos, marcas, pessoas, valores, ideias. A televisão é como uma indústria das consciências e como uma forma de organização e controlo das sociedades. O papel determinante dos meios de comunicação social é ainda mais efetivo no Ocidente. Os media atuam como meios ideológicos. A interação dos media com as novas tecnologias tornam os próprios media mais influentes sobre os indivíduos.
Como a sociedade de massa baseia-se mais nas necessidades básicas (necessidade de entretenimento), a força do mercado e a importância dos hábitos de consumo de determinadas imagens devem-se ao marketing e às técnicas de sedução. A cultura de massa é definida pelo conjunto de comportamentos, mitos e representações produzidas e difundidas segundo uma técnica industrial (conteúdos difundidos pelos meios de comunicação).
Se a cultura de massa diz respeito a todos os produtos fabricados para o mercado de massa, então, a celebridade do instante mediático também é um produto do mercado de massa. A celebridade deixou de ser privilégio de alguns (poucos) para ser apanágio de todos os que expõem a sua condição mundana nas redes sociais ou nos típicos reality shows.
Em função deste mercado de massa mediático, hoje há, cada vez mais, um só público para a televisão, porque os gostos são popularizados e estandardizados. Os géneros televisivos típicos nas sociedades e culturas de massa são programas de entretenimento, que sobrevivem porque são ópios úteis e porque oferecem referências e símbolos de pertença, mas não por terem qualidade. O mercado de massa determina, por conseguinte, comportamentos sociais desviantes dos ideais outrora modernos e idílicos.
Nas massas populares predomina o conjunto e não se distinguem as pessoas; revoluciona-se tudo o que é diferente (singular ou individual). O conjunto de pessoas é homogéneo. Nas massas, as pessoas não se conhecem, mas têm possibilidade de exercer influências recíprocas. As celebridades do instante, tal como as massas, não possuem tradições.
Estas características das sociedades e das culturas de massa apresentam consequências na esfera pública que são, por vezes, paradoxais, como a necessária ambivalência entre uma tendência para o anonimato e uma exposição pública que fomenta a celebridade; o incitamento do individualismo face ao nivelamento dos próprios indivíduos e a sujeição de influências; a exposição às imagens e às mensagens de celebridades mediáticas sacralizadas na sociedade e a respetiva autoidolatria.
Como os meios de comunicação social são instrumentos de iconolatria, que promovem ou influem nos comportamentos e atitudes sociais, as imagens da televisão, designadamente, provocam o que Régis Debray (1993: passim) designou por um formidável efeito de realidade, como se a imagem emitida trouxesse a coisa real ao domicílio, como se não fosse uma imagem. As transmissões em direto, por exemplo, sacralizam os sujeitos e objetos transmitidos em celebridades. A idolatria ou o feiticismo é quando se confunde a divindade com a sua imagem material. O real desaparece nos simulacros do real. Cada imagem de uma celebridade é uma escolha, uma interpretação, uma montagem e, portanto, uma mentira ou, pelo menos, uma construção mental imposta às audiências para consumo e cultivo simbólico.
Hoje, com a utilização democratizada da Internet, somos todos produtores e consumidores, observadores (leitores) e analistas (intérpretes) de imagens. Entre a multiplicidade de imagens produzidas e consumidas, algumas são de celebridades. São imagens do cinema, fotografia, publicidade, escultura, pintura, desenho, graffitis, cartazes, imagem virtual, imagem mental.
Esta nossa civilização é a da imagem. É evidente a omnipresença de imagens no espaço público e a própria generalização da utilização das imagens. Hoje, ]]>
Considerações finais
Um aspeto que me parece evidente na paradoxal distinção e complementaridade entre fãs e celebridades prende-se com um cariz emocional que define quem se assume como fã, face a um cariz mais racional que define quem se assume como celebridade. Os fãs necessitam de emoções para exacerbarem o seu pathos sobre quem admiram; as celebridades necessitam de racionalidade para planearem estratégias concertadas e “politicamente corretas” de aparição pública de um ethos. Os fãs dependem tanto da emoção para serem fãs, como as celebridades dependem da racionalidade para serem celebridades. O pathos dos primeiros alimenta-se de emoções; o ethos dos segundos alimenta-se de razões. Mas a racionalidade das celebridades contribui para formar fãs e a emoção dos fãs contribui para a construção social das celebridades.
A própria cultura noticiosa, explorada com perspicácia por Nelson Traquina (2002: 171), vai ao encontro desta associação entre emoção dos fãs e racionalidade das celebridades na construção de conteúdos mediáticos resultantes de critérios de noticiabilidade mais populares, imediatos e efémeros, como são os casos de valores- notícia baseados na referência, proeminência, notoriedade, celebridade, elite ou sucesso.
A partir da década de 1980, a mediasfera começou a transformar-se gradualmente, não apenas em termos de meios tecnológicos utilizados e difundidos, como em termos de conteúdos mediáticos mais popularizados, instantâneos e efémeros. Passou-se a assistir também à mais frequente presença omnipotente dos media e dos multimédia, que provocou e provoca invasões da esfera social e pessoal. Por outro lado, estes mesmos media e multimédia têm provocado desejáveis exposições públicas. Os reality shows são flashes da vida moderna transmitidos ao vivo para todo o mundo. Os discursos dos media são, por conseguinte, espetáculo para atrair atenções. Os diretos funcionam pela lógica de simulações da realidade. Os media oferecem fantasias sofisticadas a quem não encontra satisfação na realidade, ou seja, a quem alimenta e se alimenta de celebridades. Por conseguinte, há uma saturação informativa e a uma velocidade vertiginosa sobre celebridades.
As celebridades instantâneas são o produto das sociedades e culturas de massa, típicas de uma época do “pronto-a-pensar” e da fast culture. Mas as celebridades instantâneas também simbolizam o triunfo da banalidade pública. Como sustentei, o antídoto para a banalização do mediático (do que não possui relevância nem mérito e aparece na televisão) que contribui para a celebridade do instante passa pelo processo difícil e inverso de desbanalização do banal: o cultivo de massa crítica interessada e participativa nos assuntos de relevância geral. O processo é difícil, como disse, numa sociedade cada vez mais propensa ao fetichismo de um “Eu social”, do self-media e da solidão plural pós-moderna.
Sendo estas sociedades e culturas assim depreciativamente caracterizadas, por serem incapazes de facultarem aos indivíduos mecanismos de autoconsciência e de defesa sobre elas próprias, suscitam, todavia, a necessidade de se falar delas em abordagens cada vez mais contundentes e incisivas. Abordagens compreensivas e desenvolvidas sob a égide do realismo crítico do que elas mesmas são e representam no campo do social, cultural, político ou tecnológico para os indivíduos.
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Notas
1 Licenciado, Mestre e Doutor em Filosofia. Investigador de pós-doutoramento na Universidade do Minho (Braga, Portugal). E-mail: pbarroso1062@gmail.com
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