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Portuguese Journal of Public Health

versão impressa ISSN 2504-3137versão On-line ISSN 2504-3145

Port J Public Health vol.36 no.2 Lisboa  2018

https://doi.org/10.1159/000492265 

REVIEW ARTICLE

Práticas de literacia familiar: uma estratégia de educação para a saúde para o desenvolvimento integral da criança

Practices of Family Literacy: An Educational Strategy for the Health and Integral Development of the Child

 

Ana Resendea Maria Henriqueta Figueiredob

a Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, Lisbon, Portugal

b Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal 

 

RESUMO

Introdução: A literacia emergente ou precoce é a primeira fase de construção e desenvolvimento da literacia e deve ser vista como um processo de desenvolvimento contínuo que começa nos primeiros anos de vida e se desenvolve em contextos reais de cada pessoa. Método: Procedeu-se a uma revisão integrativa da literatura, cujo objetivo foi sistematizar o conhecimento sobre a nova abordagem da construção e apreensão da literacia. Resultados e discussão: Foram consideradas três principais áreas de apreciação: estratégias/atividades promotoras de literacia familiar, leitura partilhada de histórias (enquanto prática de literacia familiar mais conducente ao desenvolvimento da literacia emergente) e repercussões positivas da promoção precoce desta prática no desenvolvimento integral da criança. Reconhece-se, atualmente, uma nova visão da família em geral, e dos pais/figuras parentais em particular, além da própria criança, frente ao processo de literacia em si. Estes passaram a ser consi­derados como elementos-chave e sua participação nesse processo deve ser mobilizada o mais cedo possível em relação aos Cuidados de Saúde Primários.

Palavras-chave: Literacia emergente Literacia precoce Práticas de literacia familiar Práticas emergentes de literacia Desenvolvimento infantil -

 

ABSTRACT

Introduction: Emergent or early literacy is the first phase of construction and development of literacy and should be seen as a continuous developmental process that begins in the first years of life and which develops in the real environment of each person. Method: An integrative review of the literature was carried out, whose objective was to systematize the knowledge about the new approach to the construction and apprehension of literacy. Results and Discussion: Three main areas of assessment were considered: strategies/activities promoting family literacy, shared reading of stories (as a practice of family literacy more conducive to the development of emerging literacy), and positive repercussions of the early promotion of this practice in the integral development of a child. When looking at the process of literacy, there is currently a new vision involving not only the child but also the family in general and the parents in particular. These are now being regarded as key elements and their participation in this process must be mobilized as early as possible concerning Primary Health Care.

Keywords: Emergent literacy · Early literacy · Family literacy practices · Emergent literacy practices · Child development

 

Introdução

A literacia em saúde tem vindo a ser reconhecida nas últimas décadas como uma estratégia fundamental para a obtenção de ganhos em saúde associada à promoção de saúde através da educação para a saúde, quer em adultos quer em crianças 1.

Para o desenvolvimento da literacia em saúde importa perceber que esta advém naturalmente do desenvolvimento da literacia em geral e tradicionalmente considerava-se que a literacia, tinha apenas o seu início na escolaridade formal ou obrigatória e que esta só seria iniciada por técnicos especializados na área, ou seja, apenas por agentes educativos 2. Contudo, a partir da década de oitenta do séc. XX, o paradigma da abordagem da construção e apreensão do processo de desenvolvimento da literacia foi sendo alterado nomeadamente, quanto à necessidade da precocidade do seu início e do envolvimento dos pais /figuras parentais e da própria criança neste mesmo processo. A literatura parece apontar que a literacia emergente ou precoce, entendida como um conjunto de conhecimentos, competências e atitudes precursoras do desenvolvimento da literacia, deve passar a ter um enfoque especial por parte de todos aqueles que partilham responsabilidades em matéria de infância, e que deverá ser encarada como um processo de desenvolvimento contínuo do qual fazem parte todos os aspetos inerentes à linguagem, como a leitura, a escrita, o ouvir, o falar e o pensar 3 que se desenvolvem simultaneamente e de modo interrelacionado, logo a partir dos primeiros anos de vida e em contextos reais de cada criança. Assim, a promoção da literacia deverá ocorrer o mais precocemente possível com a mobilização intencional e sistemática da participação dos pais/figuras parentais e da própria criança neste mesmo processo de desenvolvimento, através da promoção precoce dos primeiros contactos da criança com o material escrito, atividades e experiências de literacia que lhe possibilitem a aquisição de pré-requisitos (competências de literacia emergente) necessários ao desenvolvimento da literacia ( 4 , 5 ).

 

Método

A Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) 6, integra o termo literacia no eixo dos focos de enfermagem, definindo-a como “capacidade”. Neste sentido, e reconhecendo que a família é o contexto mais natural e eficaz para o desenvolvimento da criança (físico, cognitivo, emocional e social) ( 7 , 8 ) parece ser importante que os enfermeiros ao nível dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), que partilham responsabilidades com outros atores da comunidade nos cuidados à criança, enfatizem também como cuidado antecipatório no âmbito do Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil da Direção-geral da Saúde (DGS) 9, a precocidade do início do processo de construção e apreensão da literacia.

Os CSP numa abordagem centrada no acompanhamento continuado do ciclo vital das famílias, constituem o local mais adequado para a promoção precoce de práticas de literacia familiar conducentes à aquisição de competências de literacia emergente, enquanto estratégia de educação para a saúde para o desenvolvimento integral da criança.

Dada a abrangência do fenómeno e o facto de não terem sido identificados na literatura estudos que sistematizem a atenção a este fenómeno no contexto da Saúde, planeou-se revisão integrativa da literatura, com os seguintes objetivos: identificar estudos empíricos orientados para programas de promoção de práticas de literacia familiar conducentes à literacia emergente disponíveis na literatura; identificar atividades que integram os programas de promoção de práticas de literacia familiar mais conducentes à literacia emergente e identificar indicadores que sustentem ganhos no desenvolvimento integral da criança, sensíveis aos cuidados de enfermagem, com a promoção de práticas de literacia familiar conducentes à literacia emergente.

Revisão integrativa da literatura, cujo objetivo é sistematizar o conhecimento sobre a nova abordagem da construção e apreensão da literacia. Definiu-se a seguinte questão orientadora da revisão: que estudos empíricos orientados para a promoção de práticas de literacia conducentes ao desenvolvimento de literacia emergente em contexto familiar, com indicadores que sustentem ganhos no desenvolvimento da criança, sensíveis aos cuidados de enfermagem, podem ser identificados na literatura?

Foram definidos os seguintes critérios de inclusão: estudos sobre a promoção de programas de literacia familiar que integrem competências de literacia emergente em contexto familiar, em particular, atividades realizadas pelos pais/figuras parentais de crianças com idade entre 6 meses a 5 anos de idade, nos seus domicílios. Considerou-se a inclusão de artigos originais de natureza qualitativa e quantitativa e artigos teóricos, publicados na língua portuguesa, inglesa e espanhola, no espaço temporal de 2000 a 2014.

Como critérios de exclusão considerou-se, estudos com pais de crianças com qualquer tipo de perturbações específicas no seu desenvolvimento.

 

Estratégias de pesquisa

Pesquisa realizada em base de dados eletrónicas através da plataforma EBSCOHost (ERIC, Regional Business News, Medic Latina, Psychology and Behavioral Sciences Collection, PsycARTICLES, PsycBOOKS, CINAHL Plus with Full Text, Nursing & Allied Health Collection, British Nursing Index, Cochrane Collection, Cochrane Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews (CDSR) e Database of Abstracts of Reviews of Effects (DARE), Business Source Complete, Library, Information Science & Technology Abstracts, SPORT Discus with Full Text, MEDLINE with Full Text, Education Research Complete); Biblioteca do Conhecimento Online (Elsevier – Science Direct (Freedom collection), Springer Link (Springer/Kluwer), Wiley Online Library (Wiley)); ISI – Web of Knowledge; NICE – National Institute of Health Excellence; BioMed Central; Informa Healthcare SciElo; RCAAP (Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal). A pesquisa eletrónica foi complementada com a revisão das referências bibliográficas dos estudos incluídos.

A pesquisa foi realizada entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2015, baseada nos três conceitos-chave “Práticas de literacia familiar,” “Literacia emergente” e “Desenvolvimento infantil.” Realizou-se uma pesquisa preliminar para identificação de sinónimos. Os termos “early literacy” e “emergent literacy” não estão classificados como descritores, mas considerou-se a sua integração, por constarem como descritores em vários artigos identificados na pesquisa preliminar e, assim, poderem aumentar a possibilidade de identificar estudos relevantes. A pesquisa final resultou da seguinte estratégia sem limite de campo (early literacy OR emergent literacy practices) AND (home literacy environment OR home literacy practices) AND (child development).

 

Seleção dos estudos

Os estudos foram selecionados em duas fases distintas mas complementares ( 10 , 11 ). Foram obtidos nesta pesquisa 371 resultados e, destes, 215 foram rejeitados após a avaliação dos títulos e 49 excluídos por serem repetidos em diferentes bases de dados.

Na segunda fase, com a avaliação do resumo foram excluídos 79 estudos e 28 estudos passaram à fase de leitura de texto integral. Foram incluídos 16 estudos na revisão (Figure 1).

 

 

Procedeu-se à leitura integral de cada estudo selecionado e efetuou-se a extração de dados identificando o ano, o país, o(s) autor(es), os objetivos, os participantes, as intervenções, os resultados e o tipo de estudo, de modo a caracterizar os diferentes aspetos considerados relevantes para a nossa questão de pesquisa.

E assim, tendo em conta a questão de investigação de revisão e os critérios de inclusão e exclusão previamente definidos, foram rejeitados doze (12) estudos pelos seguintes motivos: cinco (5) por não estarem acessíveis em texto completo e sete (7) por se reportarem a estudos que não descreviam atividades promotoras de competências de literacia emergente, desenvolvidas pelos pais e /ou figuras parentais em contexto familiar, com indicadores que sustentem ganhos no desenvolvimento integral da criança.

 

Resultados

Os resultados avaliados em cada um dos dezasseis (16) estudos incluídos na Revisão Integrativa da Literatura estão organizados por autores, ano e país, título e periódico, tipo de estudo, objetivos, participantes, método e resultados (tabela 1).

 

 

Em relação ao limite temporal estabelecido (2000–2014), a maioria dos estudos foram publicados entre 2006 e 2012 ( n = 10). Em relação ao país de origem, a maioria são provenientes dos EUA ( n = 10), do Canadá ( n = 3), Portugal ( n = 2) e Inglaterra ( n = 1).

A grande maioria dos estudos ( n = 16), enquadram-se num paradigma indutivo utilizando uma metodologia qualitativa ( 12 27 ) remetendo-os para uma análise interpretativa das observações realizadas de modo a descobrir explicações e inter-relações entre as variáveis em estudo. Identificou-se ( n = 8), estudos longitudinais ( 13 , 16 19 , 22 24 ), de carácter exploratório ( 12 , 14 , 15 , 18 , 26 ), ( n = 5), descritivos ( 15 17 , 19 22 , 24 , 25 , 27 ), ( n = 10) e de padrão descritivo-correlacional 26, ( n = 1).

Os estudos têm como foco a identificação da necessidade de se promover práticas de literacia familiar conducentes ao desenvolvimento da literacia emergente a crianças até à entrada da escolaridade formal, com indicadores que sugerem um impacto positivo na aquisição de competências de literacia emergente, facilitadoras do início da aprendizagem e sucesso escolar e consequentemente do desenvolvimento integral da criança.

Relacionam ainda estes estudos práticas de literacia familiar com o desenvolvimento socioeconómico e com as crenças dos pais/figuras parentais em relação à importância destas mesmas práticas para o desenvolvimento da literacia da criança ( 12 , 15 , 18 , 26 ).

Têm como objetivos estes estudos: caracterizar e analisar as relações entre as crenças dos pais/figuras pa rentais e a importância da aprendizagem da literacia emergente ( 12 , 15 , 18 , 26 ), ( n = 4), avaliar o impacto do ambiente e das práticas de literacia familiar no desenvolvimento de competências de literacia emergente na criança com repercussões positivas no desenvolvimento integral ( 13 , 16 22 , 24 , 27 ), ( n = 10), fornecer orientações e ferramentas para ajudar os pais e profissionais com responsabilidade em matéria de infância, a ajudar as famílias a identificarem e criarem oportunidades de promoção de práticas de literacia sustentadas nas forças e rotinas de cada família ( 14 , 23 , 25 ), ( n = 3).

Em relação aos diferentes métodos para a recolha de dados constata-se que a observação participante ( 13 , 15 17 , 19 22 , 24 , 26 , 27 ), ( n = 11), foi o mais usado, seguido da entrevista ( 12 , 13 , 18 , 20 , 21 , 24 , 26 ), ( n = 7, 1 semiestruturada 22), e só depois, o questionário ( 15 , 26 , 27 ), ( n = 3), em que um (1) complementa a entrevista; por via telefónica, 17, ( n = 1). Verifica-se que foi privilegiado o contacto direto (cara-a-cara) com os participantes (pais e crianças), constatando-se ainda, que alguns destes métodos foram usados em simultâneo no mesmo estudo.

Entre os contextos de recolha de dados destaca-se o contexto domiciliar ( 12 , 13 , 16 20 , 22 , 24 ), ( n = 9), instituições de saúde ( 12 , 23 ), ( n = 2) e o jardim-de-infância ( 15 , 17 , 21 , 26 , 27 ), ( n = 5).

A grande maioria dos estudos ( 12 14 , 16 17 , 20 22 , 24 , 26 , 27 ), ( n = 12), utiliza escalas e grelhas de observação como instrumentos de recolha de dados.

 

Discussão

Emergiram três principais áreas de apreciação: estratégias/atividades promotoras de literacia familiar, leitura partilhada de histórias (enquanto prática de literacia familiar mais conducente ao desenvolvimento da literacia emergente) e repercussões positivas da promoção precoce desta prática no desenvolvimento integral da criança.

 

Estratégias/atividades promotoras de literacia familiar

Foram caracterizadas práticas de literacia familiar (práticas de treino, de entretimento e de gestão das rotinas do dia-a-dia) ( 2 , 5 , 26 , 27 ) assim como as vantagens que as crianças na primeira infância podem usufruir pelo facto de não só observarem como se envolverem nessas mesmas práticas ( 2 , 13 , 16 , 20 , 22 , 27 ). A preocupação crescente com a descrição das práticas de literacia no quotidiano da família, parece estar relacionada com as recomendações internacionais para a promoção da leitura, que é condição essencial para o desenvolvimento da literacia e que a investigação demonstra que deve ser associada à promoção de saúde ( 9 , 23 , 28 ). Este conhecimento é fundamental para a adoção de estratégias/atividades de educação para a saúde, adaptadas às famílias, com vista à promoção do desenvolvimento integral da criança e particularmente do desenvolvimento da literacia emergente. Os resultados das investigações apontam ainda para dois aspetos relevantes em relação aos pais/figuras parentais constatando que estes, estão recetivos à adoção de novas funções no seu desempenho parental para facilitar o desenvolvimento da literacia dos seus filhos e que pequenas alterações nos seus comportamentos podem produzir mudanças significativas nas competências de literacia emergente das crianças ( 2 , 3 , 13 , 16 , 17 , 20 22 , 27 ). A implementação de programas de literacia familiar tem-se constituído como uma estratégia para facilitar o desenvolvimento dessas mesmas competências. Estes programas constituem ainda uma resposta à necessidade de capacitar os pais/figuras parentais a tornarem-se elementos-chave neste processo de aquisição e apreensão de competências de literacia emergente e ao modo como podem desempenhar essas funções facilitadoras dessas mesmas aquisições ( 2 , 26 , 27 ). Podemos observar com estes estudos de investigação que a maioria dos destinatários destes programas de literacia familiar, tem sido famílias de nível socioeconómico mais desfavorecidos, com o pressuposto de que as crianças deste nível encontram-se em desvantagem em termos de exposição ao material escrito e atividades promotoras do desenvolvimento da literacia emergente, aumentando o risco de virem a ter mais tarde dificuldades na aprendizagem formal ( 2 , 12 , 15 , 18 , 26 ). Os dados da investigação apontam para o facto de haver um conjunto de crenças e características sociodemográficas dos pais/figuras parentais como: habilitações literárias, o nível socioeconómico e os hábitos de leitura que influenciam, quer o ambiente familiar quanto à quantidade e qualidade de material escrito, existente em casa, querem quanto ao tipo de práticas de literacia e atividades promotoras do desenvolvimento de literacia emergente, que são realizadas com maior frequência no quotidiano e contexto familiar da criança ( 2 , 12 , 15 , 18 , 26 ). A investigação parece apontar o nível de educação dos adultos como um fator mediador do desenvolvimento da literacia emergente das crianças ( 2 , 15 , 18 , 26 ).

Observa-se nos resultados dos estudos apresentados, que apesar das atividades dos programas de literacia familiar serem dirigidas aos pais/figuras parentais, o alvo dos mesmos são as crianças em idade pré-escolar com maior predominância na faixa etária dos quatro, cinco/seis (4-5-6) anos de idade. Contudo, estudos mais recentes apontam para a relevância e a necessidade de se implementarem estes programas a crianças mais novas ( 2 , 3 , 5 , 7 , 26 , 27 ), para a promoção da linguagem oral, do vocabulário recetivo e expressivo e de competências de literacia emergente relacionada com a funcionalidade da linguagem escrita ( 2 5 , 7 , 20 , 24 , 26 , 27 ).

Leitura partilhada de histórias

A leitura partilhada de histórias é uma das práticas de literacia familiar mais estudada e reconhecida consensualmente, como uma atividade e experiência particularmente rica no desenvolvimento da literacia das crianças ( 2 , 5 , 7 , 16 , 17 , 26 , 27 ). A investigação realizada recorrendo a diferentes metodologias permitiu encontrar um conjunto de resultados relativamente ao impacto da leitura de histórias no desenvolvimento de comportamentos emergentes de leitura e escrita, reconhecendo que o maior impacto verifica-se no desenvolvimento de competências linguísticas como: o aumento do vocabulário, o conhecimento morfossintático, a compreensão da linguagem oral e a motivação para a leitura ( 2 , 5 , 7 , 13 , 16 , 17 , 20 , 22 , 26 , 27 ). O estudo sobre a influência da leitura de histórias partilhadas no desenvolvimento da literacia emergente continua a constituir atualmente uma área de investigação. Estudos de investigação sugerem ainda que se deve estudar a relação entre o envolvimento das crianças e as interações produzidas pelos pais/figuras parentais às crianças durante a leitura partilhada, a variabilidade nas interações e o desenvolvimento da literacia emergente ( 2 , 5 , 16 , 20 22 , 26 , 27 ).

Desenvolvimento infantil integral

O desempenho nos diferentes domínios do desenvolvimento infantil na primeira infância, como o desenvolvimento de competências e capacidades motoras, cog­nitivas, emocionais e sociais, pode ser modificado de maneira a melhorar o potencial de saúde e bem-estar e ainda do desenvolvimento de competências essenciais a longo prazo ( 9 , 23 , 28 ). Do ponto de vista do desenvolvimento físico, as atividades promotoras do desenvolvimento da literacia emergente traduzem ganhos ao nível da motricidade fina (e.g. folhear e apontar), da motricidade grosseira (e.g. pegar e o abrir o livro, lidar com jogos), da lateralidade e da coordenação espácio-temporal. O contacto sistemático com o material escrito no contexto familiar (receitas, livros, jornais, revistas, lista de compras, convites, jogos), possibilita o desenvolvimento na criança de competências e capacidades cognitivas que se enquadram nos três grandes domínios da literacia emergente: linguagem oral, linguagem escrita e motivação para a leitura e para a escrita emergente. Destacam-se como componentes da literacia emergente nestes três domínios, o desenvolvimento do conhecimento lexical, do conhecimento morfossintático, da consciência fonológica, da compreensão da narrativa (através da exploração e associação, relacionando as imagens com as palavras escritas), da exploração dos aspetos formais e convencionais da escrita (e.g. conhecimento das letras, linearidade da leitura: da esquerda para a direita e de cima para baixo e da funcionalidade da leitura e escrita) e do envolvimento da criança nas atividades ligadas à leitura e à escrita ( 2 , 8 , 26 , 27 ). Assim, através da interação positiva dos adultos (pais/figuras parentais) com a criança, na leitura partilhada de histórias em voz alta, (acompanhando com o dedo as sílabas e relacionando as imagens com o escrito, e através ainda, da interação verbal (com um tom de voz adequado e mudanças de entoação sempre que a história justifique) e da interação não-verbal (com expressões faciais e gestos), permite à criança um aumento do crescimento de vocabulário e sua compreensão, o gosto e a motivação para a aprendizagem de conhecimentos, habilidades e competências de literacia emergente, fundamentais como comportamentos de pré-leitura e pré-escrita com impacto positivo na escolaridade formal ( 2 , 5 , 13 , 16 , 18 , 20 22 , 24 , 26 , 27 ). Este contacto estimula ainda a imaginação, a associação de ideias, a atenção, a capacidade de concentração e permite a aprendizagem de diferentes letras, números, formas geométricas, cores e diferentes representações. Ajuda e aponta de acordo com a qualidade do material escrito para cada idade, comportamentos, normas e sistema de valores. Ao nível emocional e social 13, a investigação demonstra que as interações das crianças com os pais/figuras parentais através da realização de atividades promotoras de literacia emergente no contexto familiar promovem também uma vinculação positiva com as pessoas mais significativas. Verifica-se ainda que a qualidade dessa relação e da estimulação precoce da criança com essas mesmas práticas, nomeadamente com a leitura partilhada e em voz alta de livros em contexto familiar, é significativamente associada, à adoção de promoção e comportamentos de saúde ( 9 , 23 , 28 ). O contacto precoce no quotidiano da criança com o conteúdo do livro e de jogos interativos ( 2 , 5 , 13 , 16 , 20 , 22 , 27 ) promove a aprendizagem de gestão de sentimentos adversos (e.g. o medo, a doença, a perda, a frustração) e ainda a aprendizagem de habilidades e comportamentos sociais (e.g. saber conviver em família e na sociedade, respeitar regras, saber esperar, saber partilhar, saber interagir entre pares e com outros adultos em diferentes contextos, saber respeitar normas e valores sociais, promover o seu empowerment e a capacidade de resiliência) que permanecem influentes nas diferentes fases da vida com impacto positivo no desenvolvimento pessoal, escolar, profissional e social de cada pessoa ( 9 , 28 ).

Considerações finais

Estudos apontam ( 2 , 5 , 14 , 23 , 25 27 ) para a necessidade de se implementar programas de treino parental de promoção de competências de literacia emergente, bem estruturados e fundamentados e a recorrer-se a um planeamento para avaliação dos seus efeitos.

Os programas de literacia familiar requerem uma abordagem centrada na estimulação o mais precocemente possível da criança, com vista à melhoria da qualidade das interações pais/figuras parentais-criança nas práticas de literacia enquanto janela de oportunidade para o desenvolvimento integral da criança, devendo para isso os pais/figuras parentais serem ajudados a envolverem-se no quotidiano do contexto familiar da criança, em atividades de literacia adequadas às diferentes etapas do seu desenvolvimento ( 2 , 5 ).

Assim, de modo a se promover o desenvolvimento da literacia emergente com impacto positivo no desenvolvimento integral da criança, respeitando sempre, a singularidade e especificidade de cada criança e do seu contexto sociofamiliar, a investigação parece apontar para a necessidade dos profissionais que trabalhem com crianças, promoverem o mais precocemente possível e de modo intencional, a mobilização dos pais/figuras parentais e da própria criança, como agentes ativos neste processo de desenvolvimento ( 2 5 ).

O estudo efetuado permitiu identificar estudos orientados para a promoção de práticas de literacia familiar que integram atividades conducentes ao desenvolvimento de competências de literacia emergente, desenvolvidas pelos pais/figuras parentais em contexto familiar, com indicadores que sustentem ganhos no desenvolvimento integral da criança, sensíveis aos cuidados de enfermagem.

Os Cuidados de Saúde Primários (CSP) numa abordagem centrada no acompanhamento continuado do ciclo vital familiar são o contexto mais adequado, para os enfermeiros enquanto interlocutores privilegiados no âmbito das intervenções autónomas no Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil (PNSIJ) da Direção-Geral da Saúde (DGS) 9, poderem promover a pais/figuras parentais com crianças entre os seis meses e os cinco anos de idade, práticas de literacia familiar conducentes ao desenvolvimento de competências de literacia emergente, enquanto cuidado antecipatório nas consultas de saúde infantil.

Neste sentido, julgamos emergente enquanto estratégia de educação para a saúde para o desenvolvimento integral da criança, a construção de um programa de promoção de práticas de literacia familiar, de modo a dotar os pais/figuras parentais com crianças entre os seis meses e os cinco anos de idade, de conhecimentos que promovam competências de literacia emergente, facilitadoras do início da aprendizagem formal, que devem ser avaliadas no exame global de saúde, aos cinco anos de idade, de acordo com o atual PNSIJ (2013) da DGS 9.

A investigação sugere que os profissionais devem ter em atenção às desigualdades de oportunidades de desenvolvimento de competências de literacia emergente, tendo em conta as características sociodemográficas dos pais/figuras parentais que têm sob a sua responsabilidade nestes programas de literacia familiar, porque a investigação parece apontar, o nível de educação e socioeconómico dos adultos, como fatores mediadores do de senvolvimento da literacia da criança ( 2 , 5 , 26 , 27 ). Os resultados da investigação sugerem ainda em relação à implementação de programas de treino parental ( 2 , 5 , 26 , 27 ), que se tenha em atenção: à natureza das intervenções e atividades a realizar nas diferentes faixas etárias; às melhores estratégias para as desenvolver; à mobilização precoce e intencional dos pais/figuras parentais como modelos nessas práticas; na sensibilização dos pais/figuras parentais para o reconhecimento da aquisição de competências de literacia emergente da criança; à exploração das rotinas do quotidiano da criança no seu contexto familiar; à exploração dos recursos de literacia existentes em cada ambiente familiar (tipo, quantidade e qualidade de material literático a utilizar) e ainda, à promoção da articulação das práticas de literacia familiar com outros recursos da comunidade onde a criança/família se insere (bibliotecas, museus, jardins-de-infância).

Limitações do estudo

Na análise dos dados desta revisão da literatura é importante salientar a predominância de amostras de famílias de nível socioeconómico mais desfavorecido e com crianças entre os três e os cinco/seis (3 e os 5/6) anos de idade (fase pré-escolar) como população-alvo dos programas de literacia familiar, que restringem a generalidade das conclusões e que podem ter limitado a variabilidade dos resultados.

Apesar das técnicas de recolha de dados utilizados nos estudos terem sido diversificados e permitirem obter diferentes perspetivas de relacionamento entre variáveis que influenciam as práticas de literacia familiar, observa-se nestes estudos, falta de informação relevante face ao modo como são implementados e avaliados estes programas de literacia familiar, conducentes à literacia emergente, com repercussões positivas no desenvolvimento integral da criança.

 

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25 Senechal M, LeFevre JA, Smith-Chant BL, Colton KV: On refining theoretical models of emergent literacy: the role of empirical evidence. J School Psych 2001; 39: 439–460.

26 Pacheco PRB, Amante L, Mata L: Literacia(as) familiar(es): ambiente, crenças e práticas dos pais e conhecimentos das crianças. Lisboa, Universidade Aberta, 2012. Tese de Doutoramento. Available from: http://hdl.handle.net/10400.2/2332 (cited 15 December 2014).

27 Cruz JSF, Ribeiro IS: Práticas de literacia familiar e o desenvolvimento literácito das crianças. Braga, Universidade do Minho, 2011. Tese de Doutoramento. Available from: http://hdl.handle.net/1822/14245 (cited 15 December 2014).

28 Portugal, Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, Portal da RCBP: VIII Conferência Internacional do Plano Nacional de Leitura, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 5 e 6 de novembro. Lisboa, DGLAB, 2014. Available from: http://bibliotecas.dglab.gov.pt/pt/noticias/Paginas/VIIIConfPNL.aspx (cited 15 December 2014).

 

Received: June 20, 2016. Accepted: July 16, 2018

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