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Portuguese Journal of Public Health

versão impressa ISSN 2504-3137versão On-line ISSN 2504-3145

Port J Public Health vol.36 no.1 Lisboa  2018

 

EDITORIAL

Revisão das orientações metodológicas de estudos de avaliação económica de medicamentos em Portugal

Revising Methodological Guidelines for the Economic Evaluation of Pharmaceuticals in Portugal

 

João A. Pereira

NOVA National School of Public Health, NOVA University Lisbon, Lisbon, Portugal

 

Em vários países pelo mundo fora, estudos de avaliação económica são usados para informar o processo de decisão sobre novos produtos farmacêuticos e outras tecnologias da saúde, sobretudo a questão do seu financiamento por sistemas públicos. As autoridades desses países normalmente emitem orientações metodológicas sobre a elaboração dos estudos, sendo as orientações genericamente muito semelhantes entre países com diferenças apenas nos detalhes 1.

Em Portugal, o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (Infarmed) publicou em 1999 as Orientações Metodológicas para Estudos de Avaliação Económica de Medicamentos ( 2 , 3 ) . Com o passar do tempo este documento revelou-se algo desatualizado e a precisar de alterações. Portugal é o único país no mundo cujas Orientações remontam ao século passado e praticamente todos os países têm documentos que foram produzidos nos últimos 10 anos 4. Ao contrário do que tem acontecido noutros países, onde as agências governamentais de avaliação de tecnologias procedem frequentemente a revisões das suas orientações (p.ex. 5 - 7 ), o documento nacional não foi ainda sujeito a revisão. No entanto, sabe-se que o Infarmed está neste momento num processo de revisão das Orientações . Seria importante que, no mínimo, fossem consideradas as alterações enunciadas a seguir.

O documento nacional em vigor é constituído por quinze orientações que focam questões relativas ao desenho dos estudos ( p.ex. a perspetiva de análise e as fontes de dados), aspetos próprios da análise económica ( p.ex. o tipo de estudo admitido, a medição e valorização de custos e a análise de sensibilidade) e aspetos processuais (p.ex. a forma de apresentação dos resultados) 8. Resumidamente, as Orientações propõem as seguintes abordagens nos estudos de avaliação económica 2.

1 Perspectiva de análise: Deve ser a da sociedade. Desagregada em outras perspetivas relevantes, com ênfase na perspetiva do terceiro pagador.

2 Fontes de dados: Privilegiados os resultados obtidos a partir de ensaios clínicos metodologicamente válidos com relevância para o país. Admitem-se também outras fontes de dados.

3 Comparadores: A alternativa de referência deve ser a prática corrente, ie. a terapêutica mais comum. Se não coincidir com a mais eficaz e mais barata, estas também devem ser usadas como comparadores.

4 População em estudo: O grupo populacional deve ser o que mais se aproxima da população potencialmente utilizadora da terapêutica em análise.

5 Avaliação do efeito terapêutico: Avaliado, sempre que possível, em termos de efetividade. Na sua falta aceitam-se dados de eficácia, sendo os modelos utilizados para estimar a efetividade completamente descritos e os resultados sujeitos a análise de sensibilidade.

6 Horizonte temporal: Período de tempo que coincida com a duração da terapêutica e das suas consequências. A utilização de modelos é admissível desde que devidamente justificada.

7 Técnicas de análise: Análise de minimização de custos (AMC), análise de custo-efetividade (ACE), análise de custo-utilidade (ACU) e análise de custo-benefício (ACB), com preferência para a análise de custo-utilidade.

8 Identificação de custos: Devem ser incluídos todos os custos relevantes para a análise. Deve ser apresentada uma árvore de decisão clínica. Se a perspetiva for a da sociedade, devem-se incluir custos diretos e indiretos, relatados separadamente. Os custos indiretos devem dizer respeito apenas às perdas de produtividade.

9 Medição e valorização dos custos: Informação sobre recursos utilizados (medidos em unidades físicas) e a forma como são valorizados (preços ou custos unitários) deve ser apresentada separada e detalhadamente e basear-se na prática clínica nacional. Deve ser iniciado um processo de criação, validação e manutenção de tabelas de custos para estudos de avaliação económica de medicamentos.

10 Medição das consequências: A unidade de medida deve ser claramente identificada. Na ACE, as consequências podem ser medidas através de vários indicadores, designadamente anos de vida ganhos, resultados intermédios, etc. Na ACU, devem ser apresentados os ponderadores da qualidade de vida e os anos de vida ganhos, e a agregação deve ser feita de forma transparente. Na ACB, privilegia-se o método da valorização contingente.

11 Análise incremental e total: Custos e consequências devem ser apresentados em termos de variação relativamente aos da prática clínica corrente. Devem também ser calculados os respectivos valores totais.

12 Taxa de actualização: Todos os custos e consequências devem ser actualizados a uma taxa de 5%. Esta taxa deve ser sujeita a análise de sensibilidade. Na ACE e ACU a análise de sensibilidade deverá incluir a taxa zero no que diz respeito às consequências.

13 Avaliação do impacto da incerteza: Deve ser avaliada a sensibilidade dos resultados. No caso de valores obtidos por amostragem, a análise deverá ser feita considerando os intervalos de confiança. Noutros casos, a escolha dos intervalos de variação deve ser justificada detalhadamente com base na evidência empírica ou na lógica.

14 Modelo de referência para apresentação dos estudos: A apresentação dos estudos de avaliação económica deverá obedecer a um formulário próprio que contenha a identificação de todos os aspetos relevantes para a compreensão e análise dos estudos.

15 Aspectos éticos e de procedimento: Na apresentação do estudo, deve ser feita referência à fonte de financiamento e à contribuição real de todos os autores para a sua elaboração. Os investigadores devem ter total independência quanto à metodologia a adotar e ter o direito de publicar os resultados numa revista científica de sua escolha.

As Orientações foram preparadas para cumprir a função regulamentar de apoio aos pedidos de comparticipação de medicamentos. Ao fornecerem um modelo e uma estrutura de análise tiveram um importante efeito pedagógico para a elaboração de estudos num domínio onde havia escassez de experiência e de especialistas. No entanto, é notório que alguns dos métodos aplicados no domínio da avaliação económica em saúde sofreram grandes alterações desde que as orientações nacionais foram publicadas 9. Exemplos de áreas onde houve desenvolvimentos científicos que devem ser incorporados numa futura revisão são:

os métodos de extração e síntese de informação clínica e económica, tais como técnicas de revisão sistemática e de meta-análise ( 10 , 11 ), ou de comparações indiretas e meta-análise em rede 12;

- as técnicas de modelização matemática para incorporar e extrapolar informação clínica, epidemiológica, económica e sobre qualidade de vida 13;

- os processos de análise de sensibilidade, particularmente em termos probabilísticos, praticamente des­conhecidos à data da publicação das Orientações ( 14 - 16 ); e

- os instrumentos de medição de resultados em saúde, onde são vários os avanços que têm sido efectuados ( 17 , 18 ).

Adicionalmente, há questões que foram insuficientemente tratadas nas Orientações mas que merecem hoje um tratamento mais explícito, como por exemplo:

- os métodos de medição do impacto orçamental ( 19 , 20 );

- a consideração da preferência temporal em estratégias de prevenção, como no caso da vacinação ( 21 , 22 );

- os métodos de medição de custos diretos frequentemente ignorados, tais como o tempo dos doentes e familiares, tempo de enfermagem e outros ( 23 , 24 ); e

- a adaptação de resultados de estudos de avaliação económica internacionais 25.

Finalmente, há questões particularmente importantes para a política de saúde que foram ignoradas pelas Orientações de 1999 e que deveriam merecer hoje um tratamento actualizado:

- o impacto da comparticipação do Estado sobre a equidade de acesso, financiamento e resultados ( 26 - 28 );

- casos especiais como medicamentos orfãos, situações de fim de vida e outras ( 29 , 30 );

- a aplicação a outras tecnologias como vacinas e dispositivos médicos, e até, genericamente, a programas e intervenções em saúde ( 21 , 27 , 31 - 33 ).

Espera-se que, num futuro próximo, a revisão da Orientações do Infarmed possa incorporar os desenvolvimentos científicos identificados atrás e que as novas preocupações em política de saúde sejam devidamente enquadradas. Portugal foi pioneiro na Europa ao adotar, em 1999, critérios rigorosos de avaliação económica na decisão sobre comparticipação de medicamentos. A actualização das orientações metodológicas colocará o País, mais uma vez, na linha da frente da aplicação prática destas metodologias.

 

REFERENCES

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