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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.24 Porto mar. 2021  Epub 14-Jun-2021

https://doi.org/10.21011/apn.2021.2408 

Artigo Original

QUANTIFICAÇÃO DO DESPERDÍCIO ALIMENTAR EM REFEITÓRIOS ESCOLARES: IMPACTO DE UMA CAMPANHA DE SENSI- BILIZAÇÃO

QUANTIFICATION OF FOOD WASTE IN SCHOOL CANTEENS: IMPACT OF AN AWARENESS CAMPAIGN

Patrícia Moreira1  *

Helena Ávila1 

Maria João Correia1 

1 Uniself, SA, Rua de S. Gens, n.º 3380-N, 1.º, 4460-409 Matosinhos, Portugal


RESUMO

INTRODUÇÃO:

O desperdício alimentar acarreta implicações éticas, económicas, ambientais e nutricionais, sobretudo a nível escolar. Uma unidade de alimentação coletiva deverá assegurar refeições seguras e adequadas nutricionalmente, podendo os benefícios da sua ingestão nem sempre serem garantidos se o desperdício alimentar se revelar elevado.

OBJETIVOS:

Quantificar o desperdício alimentar resultante de refeições servidas ao almoço em quatro unidades de restauração

coletiva do ensino básico e secundário de um município português, com avaliação da eficácia de uma campanha de sensibilização.

METODOLOGIA:

O estudo foi dividido em três etapas. Na primeira etapa quantificou-se o desperdício alimentar; na segunda, realizou- se uma campanha de sensibilização em duas escolas e, na terceira etapa, fez-se uma nova quantificação do desperdício alimentar. Para o cálculo da sobra e resto, considerou-se o método físico de pesagem. Através da entrega e análise de um questionário pretendeu-se elencar os fatores promotores de desperdício em duas escolas.

RESULTADOS:

Verificou-se um desperdício alimentar de 32,3% (considerando prato e sopa) na primeira quantificação e 21,9% na segunda quantificação. Após intervenção, verificou-se que a campanha de sensibilização foi impactante na redução do desperdício alimentar. Quando comparadas as escolas com e sem intervenção relativamente ao desperdício alimentar verificou-se uma diminuição no desperdício obtido entre a primeira e segunda quantificação. Relativamente ao desperdício de conduto, verificou-se um índice de resto de 18,1% para “pescado” e de 11,8% para “carne”, sem significado estatístico. Os principais fatores promotores de desperdício alimentar encontrados foram: barulho durante a hora de almoço, lotação do refeitório e ementa servida.

CONCLUSÕES:

O presente trabalho vem expor a necessidade de se considerarem diversos fatores como influenciadores do desperdício, nomeadamente a refeição, mas também todo o ambiente envolvente, desde a qualidade do serviço ao próprio espaço físico onde se realizam as refeições.

PALAVRAS-CHAVE: Alimentação coletiva; Desperdício alimentar; Inquéritos; Quantificação; Refeitórios escolares

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Food waste culminates in ethical, economical, environmental and nutritional implications, having more emphasis at school level. A collective feeding unit should guarantee the supply of secure and nutritional appropriated meals. However, the benefits of its ingestion may not always be guaranteed and if it is verified a high food waste.

OBJECTIVES:

Quantification of the food waste resulting from a lunch in four collective restauration units, i.e. one middle school and one high school. Also, the efficiency of the awareness campaign to the reduction of food waste was assessed.

METHODOLOGY:

The present study is divided into three phases. The first phase was developed to quantify the food waste in schools. The second phase carried out an awareness campaign in two of the four schools inspected. The food waste was also quantified in the third phase. For the quantification of the leftovers and remain food, the physical method of weighing was considered. Through the delivery and analysis of a questionnaire, it was intended to list the predictor´s that promote waste in two schools.

RESULTS:

A total wastage of 35.1% and 21.9% corresponding, respectively, to the first and second quantification was verified in the whole meal (dish and soup). The sensitization campaign contributed significantly for the reduction of the food waste. The comparison between the schools subjected to intervention campaigns regarding the food waste showed a significant decrease of the food waste, when compared to the initial phase between the first and second quantifications. Regarding the protein component there was a rest index of 18.1% for fish and 11.8% for meat, without statistical significance. The main predictor´s of food waste found were: noise during school lunch, many people in lunch time, and menu served.

CONCLUSIONS:

The conducted study increased the scientific spirit, showing the need of considering other food waste predictors which may influence this problem.

KEYWORDS: Feeding unit; Food waste; Surveys; Quantification; Contract catering

INTRODUÇÃO

A Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) define como desperdício alimentar (DA) a quantidade de alimentos perdidos ou desperdiçados ao longo da cadeia alimentar, da qual faz parte todo o alimento que era inicialmente destinado ao consumo humano, mas que foi desviado da cadeia alimentar humana (1). Em tempos em que cerca de um bilião de pessoas padece de fome e um terço de todos os alimentos produzidos anualmente são desperdiçados (2), este é reconhecido como um problema com impacto significativo a nível social, económico, ambiental e nutricional (3). Em 2009, o Parlamento Europeu sugere à Comissão Europeia a elaboração de medidas para a redução do desperdício, tendo como fim a redução deste em 50% até 2025 (4). Do DA mensurado, cerca de 14% resulta diretamente dos serviços de alimentação (5). Em Portugal, estudos evidenciam um desperdício na ordem dos 131 kg per capita (6), exercendo o consumidor um papel determinante no DA apurado (7). Do ponto de vista escolar, verifica-se um desperdício na ordem dos 11 e 31% (8). A avaliação do DA relaciona-se estreitamente com as consequências nutricionais a este inerente, refletindo-se na ausência do benefício nutricional da refeição (9). Neste sentido, as escolas são parceiras fundamentais no desenvolvimento de programas direcionados à adoção de hábitos alimentares saudáveis (9), nos quais se deverá incluir a consciencialização para o desperdício de alimentos (5). Inúmeros fatores são indicados na literatura como impulsionadores do DA, nomeadamente o horário para a realização do almoço (8, 10, 11, 12, 13), o ambiente vivenciado no refeitório (7, 8, 10, 11,13), as preferências alimentares (7, 8, 14), o apetite (8, 11, 12), o fornecimento de uma segunda porção (8, 11), a disponibilidade de alimentos provenientes de outras fontes (11), o tempo disponível para a realização da refeição (12), dificuldades práticas no momento do consumo (8, 11), presença de auxiliares que incentivem a ingestão da refeição (8, 11), e a ausência de sensibilização do consumidor para esta problemática (5, 8). Assim, as diretrizes para a redução do DA passarão pelo apuramento e validação destes determinantes, de modo a desenvolver estratégias que o atenuem (7, 8). Desta forma, levanta-se a emergência desta problemática subjacente à realidade atual, pretendendo-se assim advertir a comunidade para as questões associadas ao DA em meio escolar, com o intuito de prevenir e reduzir o volume do mesmo.

OBJETIVOS

Avaliar o DA resultante das refeições servidas ao almoço em unidades de restauração coletiva (URC) do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário de um município português, adjudicadas a uma Empresa de Restauração Coletiva (sopa e prato: conduto e guarnição); Avaliação do impacto de uma campanha de sensibilização (CS) sobre o DA; Determinação dos fatores que originam o DA.

METODOLOGIA

A recolha de dados realizou-se no ano letivo de 2018/2019, englobando o primeiro e terceiro período, com um total de vinte e dois dias de trabalho de campo. Para a realização do mesmo foi solicitada autorização à Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). O estudo foi dividido em três etapas: na primeira calculou-se o DA em quatro URC escolares com uma média de refeições servidas de 194, 218, 245 e 286, entre novembro e dezembro, durante dois dias não consecutivos. Foram selecionadas as seguintes refeições: sopa da horta, pescada com arroz branco; sopa de feijão-verde, massa esparguete com frango; sopa de abóbora e massinhas, hambúrguer com massa esparguete; sopa de grão-de-bico com couve lombarda, rissóis de peixe com arroz de cenoura; sopa camponesa, pescada assada com arroz; sopa de couve lombarda, strogonoff de frango com esparguete; sopa de couve-flor com cenoura, filetes de pescada com arroz de tomate; sopa macedónia de legumes, pá de porco com massa.

Na segunda etapa, foi aplicada uma CS (Tabela 1), entre abril e maio, em duas das quatro URC escolares, tendo como critério para a sua seleção as duas URC escolares com maior índice de DA na etapa um (URC de intervenção).

Na terceira etapa procedeu-se a nova quantificação do DA nas mesmas duas URC, uma semana após a intervenção, e nas outras duas escolas que não foram alvo de intervenção, com quantificação e com a duração da fase inicial. As ementas selecionadas seguiram o mesmo processo da primeira etapa: sopa feijão vermelho com couve lombarda, pescada no forno com molho de limão e arroz branco; sopa espinafres, frango assado com massa; sopa saloia, filetes de pescada com arroz de legumes; creme de legumes, pá de porco assada com esparguete; sopa legumes com ervilhas, lulas à sevilhana com arroz de cenoura; sopa primavera, carne à bolonhesa com massa; sopa: abóbora com massinhas, prato atum com arroz branco; creme de alho francês com cenoura e curgete, prato panadinho de frango no forno com arroz de cenoura. Na etapa um e três utilizou-se o método físico de pesagem de alimentos, metodologia de Henriques (2013), por permitir a obtenção de informação precisa de resto e de sobra (14). Recolheu-se o peso dos alimentos produzidos (PAP) (referente à pesagem dos alimentos confecionados prontos a seguir para a linha de self), o peso da sobra (PS) (referente à pesagem dos alimentos confecionados que não são servidos) e de resto (PR) (referente à pesagem de todos os alimentos que sobram nos pratos), dos itens da refeição “sopa” e “prato: conduto e guarnição”, e o número de refeições servidas (referente ao número de alunos presentes diariamente na URC). O peso dos recipientes não foi contabilizado, tendo-se procedido à sua subtração do valor global obtido, e o dos sacos de plástico utilizados foi desprezado. Quando necessário o cálculo da parte edível do componente do prato “conduto” foi o descrito no referencial “Capitações de Géneros Alimentícios para Refeições em Meio Escolar: fundamentos, consensos e reflexões” (15). Foram calculadas as seguintes variáveis: peso dos alimentos distribuídos (PAD) (diferença entre o PAP e o PS), peso dos alimentos consumidos (PAC) (diferença entre o PAD e o PR), peso dos alimentos consumidos per capita (divisão do PAC pelo número de refeições servidas), peso da sobra per capita (divisão do PS pelo número de refeições servidas), índice de sobra (IS) (divisão do PS pelo PAP), peso do resto per capita (divisão do PR pelo número de refeições servidas) e índice de resto (IR) (divisão do PR pelo PAD). Para análise estatística foi utilizado o Statistical Package for Social Sciences (versão 21) e o Microsoft Office Excel para a elaboração de tabelas e gráficos. A análise descritiva das variáveis foi efetuada a partir da determinação da média, mediana, desvio-padrão, frequência, máximo e mínimo. De modo a testar a relação existente entre variáveis utilizou-se o teste estatístico não paramétrico de Mann- Whitney para variáveis sem distribuição normal, o teste não paramétrico de Komolgorov-Smirnov e o teste de Wilcoxon para duas amostras relacionadas. O nível de significância adotado foi de 95% (p ≤ 0,05). Efetuou-se o teste de Qui2 de Pearson para analisar uma possível relação existente entre variáveis. Na segunda etapa desenvolveu-se uma CS nas duas URC piloto, durante três dias consecutivos em cada, tendo-se avaliado a sua eficácia pelos valores de DA obtidos. A CS direcionou-se a manipuladores de alimentos: sessão de sensibilização e fardamento referente ao projeto; e a todos os alunos que frequentaram o refeitório escolar: apresentação de um vídeo, exposição de géneros alimentícios, afixação e exposição de cartazes e roll-up, entrega de folhetos e flyers, uma atividade prática (tômbola) e desenvolvimento de uma plataforma digital (Tabela 1).Para determinação dos fatores que originam o DA, aplicou-se um questionário de avaliação do almoço escolar de administração direta, em conformidade com as diretrizes da Direção da Escola, à totalidade dos alunos das duas URC com CS. Na sua formulação foi tido em consideração o modelo de Avaliação da Qualidade do Serviço na Perceção do Cliente (Servqual) (16). Nesta ferramenta de medida da qualidade em serviços, a qualidade do serviço prestado é comparada com a qualidade do serviço esperado, e em função dos determinantes referenciados na literatura como promotores de DA ao nível do consumidor (5, 7, 8, 10-12) designadamente: dados sobre a utilização do refeitório, opinião sobre o refeitório, avaliação do ambiente do refeitório, avaliação da qualidade do serviço, avaliação do ambiente da refeição almoço e avaliação da refeição almoço.

RESULTADOS

Avaliação do Desperdício Alimentar: Etapas 1 e 3

Na fase um, de um total de 1909 refeições servidas em dois dias nas quatro escolas, produziram-se 746,5 kg de alimento dos quais se consumiram 67,7% (503,9 kg), obtendo-se um IS de 18,6%, um IR de 17,1% e um DA de 32,3% que corresponde a 127,0 g per capita. Da sopa produzida (184,8kg) consumiram-se 99,5kg, tendo-se obtido 76,6 kg de sobra e 7,6 kg de resto, o que perfez um DA de sopa per capita de 44,0 g. Dos oito pratos servidos (556,9 kg) consumiram-se 410,8 kg, tendo-se obtido 54,6 kg de sobra e 91,5 kg de resto, o que perfez um DA de prato per capita de 76,5 g. Na terceira fase num total de 2015 refeições em dois dias nas quatro escolas, produziram-se 548,0 kg de alimento dos quais se consumiram 78,1% (427,7 kg), o que perfez um IS de 11,7% e um IR de 11,6%. Da sopa produzida (141,8 kg) consumiram-se 85,6 kg, obtendo-se 50,5 kg de sobra e 5,8 kg de resto, o que perfez um DA de sopa per capita de 25,0 g. Dos pratos servidos (410,4 kg), consumiram-se 345,6 kg, obtendo-se um total de 14,1 kg de sobra e 50,7 kg de resto, o que perfez um DA de prato per capita de 32,0 g. Na primeira fase, foram servidas 1031 refeições nas URC de intervenção, produzindo-se 357,8 kg de alimento dos quais se consumiram 66,6% (238,3 kg) o que perfez um IS de 18,2% e IR de 18,5%, perfazendo um DA 33,4% (116 g per capita). Nas URC controlo, foram servidas 878 refeições, produzindo-se 383,8 kg de alimento dos quais se consumiram 71,1% (273,0 kg) o que perfez um IS de 17,2% e IR de 14,1%, perfazendo um DA de 28,9% (126 g per capita). Na terceira fase, foram servidas 958 refeições nas URC de intervenção, produzindo-se 277,8 kg de alimento dos quais se consumiram 62,2% (172,69 kg) o que perfez um IS de 10,5% e IR de 7,9%, perfazendo um DA alimentar de 37,8% (110 g per capita). Nas URC controlo foram servidas 1062 refeições, produzindo-se 314,5 kg de alimento dos quais se consumiram 81,5% (256,34 kg) o que perfez um IS de 10,9% e IR de 10,8%, perfazendo um DA alimentar de 18,5% (54,0 g per capita). No que respeita às diferenças no DA do conduto da primeira para a terceira fase de quantificação, verificou-se uma diminuição significativa (p <0,05) nas URC de intervenção de 16,4% para 14,9% (conduto carne) e de 35,4% para 14,3% (conduto peixe). Nas URC controlo, verificou-se igualmente uma redução significativa (p <0,05), de 18,2% para 10,3% (conduto carne) e de 23,5% para 20,7% (conduto peixe). Na primeira fase do estudo verificou-se um DA superior 17,1% e 28,8% para a carne e pescado, respetivamente, e 12,3% e 18,2% na terceira fase. Apesar da diferença obtida esta é unicamente significativa para o conduto pescado não se verificando o mesmo para o conduto carne (Tabela 2). A nível estatístico a diferença do DA entre condutos não é significativa com um desperdício de 24,9% para o pescado e 15,2% para a carne (Tabela 3).

Tabela 1: Atividades implementadas no decorrer da campanha de sensibilização 

DA: Desperdício alimentar

URC: Unidades de Restauração Coletiva

Tabela 2: Comparação do desperdício alimentar entre condutos nas diferentes fases de quantificação 

Freq: Frequência

IR: Índice de Resto

IS: Índice de Sobra.

PAP: Peso dos Alimentos Produzidos

PR: Peso do Resto

PS: Peso da Sobra p de acordo com o teste de Mann-Whitney para um intervalo de confiança de 95%

Tabela 3: Comparação do desperdício alimentar entre os diferentes condutos servidos 

Freq: Frequência

IR: Índice de Resto

IS: Índice de Sobra.

PAP: Peso dos Alimentos Produzidos

PR: Peso do Resto

PS: Peso da Sobra p de acordo com o teste de Mann-Whitney para um intervalo de confiança de 95%

Tabela 4: Comparação do desperdício de alimentos entre Unidades de Restauração Coletiva piloto e placebo 

IS: Índice de Sobra ´

IR: Índice de Resto

PAP: Peso dos Alimentos Produzidos

PAPpc: Peso dos Alimentos Produzidos Per Capita p de acordo com o teste de Mann-Whitney para um intervalo de confiança de 95%

Avaliação do Impacto de uma Campanha de Sensibilização: Fase 2

Quando comparadas as URC intervenção com as URC controlo, verificou-se uma diminuição significativa (p <0,05) na redução do DA global, de 30,1% para 22,8%. Mesmo nas URC controlo, os valores de DA per capita diminuíram da primeira para a terceira fase, de 29,9% para 18,5% (p <0,05) (Tabela 4). Por análise do coeficiente de correlação, verificou-se uma maior associação com a diminuição do DA nas URC controlo (r=-0,163) por comparação com as URC piloto (r=0,013).

Inquéritos de Satisfação do Almoço Escolar

Foram recebidos 1834 inquéritos, dos quais 1062 alunos (58,0%) diziam frequentar o refeitório escolar. Os alunos do ensino básico (eb=80,0%) apesentaram adesão significativamente superior ao refeitório escolar comparativamente com os do ensino secundário (s=45,0%), com p <0,05, não havendo diferenças significativas relativamente ao sexo. Os principais motivos para a frequência do refeitório escolar foram: preço acessível (eb=34,9%; s=71,2%), pais considerarem o local mais indi- cado (eb=47,5%; s=39,9%) e convivência com os amigos (eb=50,3%; s=38,5%). Quem não almoça na escola, fá-lo em casa de familiares (eb=41,2%; s=19,9%) ou no restaurante (eb=9,6%; s=20,0%). O am- biente do refeitório é classificado como: local agradável (eb=44,5%; s=82,7%), confortável (eb=38,3%; s=76,0%) e limpo (eb=47,1%; s=81,9%), contudo barulhento (eb=80,6%; s=62,1%), demasiado lotado (eb=83,4%; s=86,2%) e com elevado tempo de espera na fila (eb=70,8%; s=51,8%). O serviço prestado é qualificado principalmente pela simpatia dos colaboradores (eb=75,6%; s=84,1%) e pelo seu incentivo ao consumo da refeição (eb=61,5%; s=47,8%). No âmbito do ambiente da refeição, revelam concordância com o horário da refeição (eb=61,9%; s=68,9%) e sentir fome na hora do almoço (eb=67,3%; s=77,4%), ter tempo suficiente para realizar a refeição (eb=86,2%; s=91,2%) e comer calmamente (eb=74,4%; s=76,8%). Pelo contrário, quando questiona- dos acerca do consumo de alguma merenda muito próximo da hora de almoço (eb=59,4%; s=46,7%) ou abdicar da refeição para ir para outras atividades (eb=68,8%; s=83,1%) exibem uma relação de discórdia. A refeição almoço foi também avaliada, sendo considerada pela maioria dos alunos como saudável em ambas as escolas (eb=49,4%; s=83,0%). Contudo revelam desagrado para com a ementa servida (eb=46,5%; s=40,6%), sobretudo em relação à variedade (eb=62,9%; s=52,9%). Mais de metade dos alunos em ambas as escolas demostram estar satisfei- tos com apresentação do prato (eb=51,7%; s=51,4%) e temperatura (eb=65,5%; s=52,0%), o mesmo não se verifica relativamente ao sabor (eb=46,3%; s=42,9%). Quando questionados acerca das dificuldades práticas na realização da refeição (eb=80,7%; s=85,3%), estes referem não ser motivo de desperdício. Ao nível da sopa percecionou-se se a consistência creme, impulsionaria um maior consumo, o que não se con- firmou (eb=65,7%; s=58,8%). Verificou-se que ao nível do DA, os alunos de ambas as escolas afirmaram deixar sopa e resto no prato (eb=56,1%; s=52,7%). Por último, percecionou-se uma possível associação entre a existência de fome e deixar comida no prato, verificando-se uma dife- rença significativa. Quem habitualmente tem fome na hora da realização da refeição tende a deixar menos comida no prato.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A avaliação inicial do DA nas quatro URC, revelou que apenas 67,7% do que é produzido é efetivamente consumido, com um desperdício médio diário per capita de 127,0g por aluno. Campos (2010), na avaliação do DA resultante do almoço em cantinas escolares portuguesas, reporta resultados semelhantes, onde apenas 65% da refeição é consumida (17). A avaliação da sobra deverá ser um parâmetro inerente a qualquer URC no sentido de promover a melhoria contínua (18). A quantidade de sobra obtida deve ter em consideração o número de refeições servidas e a margem de erro calculada no planeamento (18). Neste sentido deve ser considerado segundo Muller (2008) que cada URC apresenta os seus próprios processos, oscilação no número de refeições servidas (19) e preferências alimentares (6). Logo, o uso de valores de referência como caraterizadores desta podem não ser adequados (19). Deste modo, a quantidade de sobra aceitável deve ser determinada consoante as especificidades de cada URC e todos os intervenientes envolvidos (20). O presente estudo obteve um IS de 18,6% na primeira fase correspondente à quantificação global das quatro URC e 11,7% na segunda fase, valores inferiores aos obtidos por Rocha e Araújo (2017) no seu estudo de intervenção em quatro escolas do Município de Barcelos (6). Em relação ao resto, deverá ser considerado o valor mínimo possível, sendo preconizado um valor inferior a 10% em coletividades adultas sadias (18). A nível nacional, em contexto escolar, não existem valores de referência (11). Logo, apontar um valor ideal poderá ser precipitado. Moreira (2012), após recolha de dados referentes a trinta e três dias de desperdício, menciona que os valores de resto deverão ser comparados ao longo do tempo dentro de cada URC (21). As quatro URC consideradas obtiveram um IR de cerca de 17% na quantificação inicial, com um decréscimo após a CS, apurando-se cerca de 12%. Mesmo assim ainda superior ao valor de IR de 5% obtido por Rocha e Araújo (2017) no seu estudo (6). Relativamente ao conduto servido o DA mostrou-se mais elevado na fase inicial com 17,1% e 28,8% para a carne e pescado, respetivamente, e 12,3% e 18,2% na segunda fase. Teixeira (2017) obteve um resultado inverso, com uma diferença estatisticamente significativa para a opção carne por comparação com a opção peixe (7). As diferenças apuradas entre condutos são concordantes com os resultados obtidos por Figueira (2012) (22) no seu estudo em seis URC do sector escolar. Outros trabalhos evidenciam um DA do componente pescado superior à carne, contudo o nível de significância considerado não é referenciado (5, 20). Teixeira (2017), ao avaliar o impacto de uma ação de redução do DA numa URC do Ensino Superior Português, aponta que a opção de carne foi uma das que obteve maior DA (7). Também Machado (2017), ao avaliar o desperdício numa cantina institucional no Porto, refere não terem sido encontradas diferenças significativas entre a média de IR das ementas avaliadas (18). Sendo assim, o estabelecimento de uma associação negativa com a baixa adesão ao consumo de pescado poderá não ser acertada, mais estudos são necessários neste âmbito. A CS mostrou-se impactante na redução do DA, com uma diminuição em cerca de 7% no DA global. Tal como no nosso estudo, Pinto et al. (2018) obteve por meio de uma CS direcionada a manipuladores de alimentos e universitários, uma redução significativa do DA (4). A mesma redução no DA foi reportado por outros autores (6, 8). Quando comparadas as escolas com e sem intervenção relativamente ao DA entre a primeira e terceira quantificação verificou-se uma diminuição no DA obtido, relativamente à fase inicial em todas as URC. Neste sentido a realização de uma CS poderá não ser o único fator influenciador da diminuição do DA. A presença regular de um nutricionista poderá contribuir para uma maior sensibilização e perceção de fatores influenciadores. Por análise da frequência de respostas obtidas dos questionários aplicados, determinados fatores referenciados anteriormente como promotores de DA, foram assinalados em ambas as URC, nomeadamente: barulho durante a hora de almoço, lotação do refeitório, e a ementa servida. Outros trabalhos estabelecem o mesmo vínculo positivo para com estes fatores e a rejeição do almoço escolar (8, 23). Contrariamente, foi obtida uma percentagem considerável de respostas positivas em relação ao refeitório ser um local confortável e limpo (ambiente do refeitório escolar), simpatia dos colaboradores e incentivo para o consumo da refeição (qualidade do serviço), horário para a realização da refeição, sentir fome, tempo disponível para a realização da refeição e comer calmamente. Neste sentido alguns dos determinantes do DA (11), foram refutados neste grupo particularmente, contudo deverão ser consideradas as variáveis que caracterizam a população em questão, como a faixa etária, género, classe social e hábitos alimentares.

CONCLUSÕES

A quantificação do DA em meio escolar permitiu apurar que efetivamente uma parte considerável da refeição é desperdiçada. Contudo, atendendo à inexistência de indicadores nacionais, as conclusões sobre o DA deverão ter em consideração as características individuais de cada URC, para que se possam retirar conclusões mais fidedignas. Seria importante a realização de mais estudos neste âmbito e o desenvolvimento de diretrizes que considerassem a realidade avaliada (tipo de setor) e a faixa etária, devido às suas inúmeras características. No presente estudo o ambiente do refeitório (barulho e lotação) e a preferência pela ementa servida, foram identificados como determinantes significativos do DA, levantando a hipótese que o espaço do refeitório e a gestão de alunos no momento da realização da refeição pode ter um caráter mais preditor no DA do que o considerado. Para além disso, a adaptação das ementas à faixa etária poderá ser um elemento a considerar, uma vez que as preferências alimentares são mutáveis ao longo da idade, tal como as suas necessidades energéticas e nutricionais, mostrando-se necessário garantir que a capitação servida é adequada. As diferenças entre o que é servido e consumido evidenciam também uma parte do desperdício obtido, sendo necessária uma contínua melhoria neste âmbito. A associação entre o conduto servido e o DA obtido, não se mostrou significativa, o que é concordante com alguns trabalhos. Assim, afirmar que o pescado é o conduto mais desperdiçado poderá não corresponder à realidade, sendo necessários mais estudos. A CS permitiu a promoção de boas práticas junto da equipa das URC e o conhecimento de uma realidade certamente distante para a maioria dos alunos, revelando-se eficaz na redução do DA. Em suma, ressalva-se a importância da implementação de forma contínua de práticas

preventivas que se direcionem para a monotorização, consciencialização e desenvolvimento de estratégias ao nível da redução do DA.

DECLARAÇÃO DE INTERESSES

Helena Ávila exerce a sua atividade profissional como diretora da qualidade de uma empresa de restauração coletiva e é professora convidada da licenciatura em Ciências da Nutrição de instituições do ensino superior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Figura 1 : Anexo 1 

Figura 2 : Anexo 2 

Recebido: 15 de Junho de 2020; Aceito: 20 de Março de 2021

*Endereço para correspondência: Patrícia Moreira Rua de Oleiros, n.º 175, Penafiel, Portugal patricia_019moreira@hotmail.com

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