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Acta Portuguesa de Nutrição

On-line version ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.16 Porto Mar. 2019

https://doi.org/10.21011/apn.2019.1604 

ARTIGO ORIGINAL

(In)Satisfação com a imagem corporal: associação com o consumo alimentar e a ingestão nutricional

Body image (di)satisfaction: association with food consumption and nutritional intake

Ana Catarina Araújo1; Andreia Oliveira1,2*

1Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, Rua Carlos da Maia, n.º 296, 4200-150 Porto, Portugal

2EPIUnit – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Rua das Taipas, n.º 135, 4050-600 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: A insatisfação com a imagem corporal pode associar-se à adoção de diferentes práticas alimentares, no entanto, a evidência é escassa e foca-se em grupos específicos de indivíduos, tais como estudantes universitários, mulheres e adolescentes.

Objetivos: Avaliar a associação entre a (in)satisfação com a imagem corporal e o consumo alimentar e nutricional de adultos jovens. METODOLOGIA: Participaram neste estudo 111 adultos (18-35 anos, 67,6% mulheres), selecionados por conveniência. A perceção da imagem corporal foi avaliada através da Escala de Silhuetas de Stunkard et al. e categorizada em satisfação, insatisfação por défice (diferença negativa entre a imagem corporal real e a desejada) e insatisfação por excesso (diferença positiva entre a imagem corporal real e a desejada). O consumo alimentar foi avaliado através da administração direta de um Questionário de Frequência Alimentar validado para a população adulta Portuguesa. As associações foram avaliadas por regressão linear (coeficientes β̂ e respetivos intervalos de confiança a 95% - IC95%), após ajuste para idade, escolaridade e exercício físico e após estratificação por sexo.

Resultados: As mulheres mostraram-se mais insatisfeitas com a sua imagem corporal por excesso (57,3% vs. 30,6%, p=0,009), enquanto a insatisfação por défice foi mais reportada pelos homens (27,8% vs. 9,3%, p=0,009). Os homens insatisfeitos por défice (desejo de aumentar o tamanho corporal) apresentaram consumos mais elevados de pescado (β̂=181,0, IC95%:38,3;323,6), ovos (β̂=23,1, IC95%:2,9;43,2), fruta (β̂=191,3, IC95%:90,0;292,5) e hortícolas (β̂=221,6, IC95%:99,7;343,4), o que se traduziu em ingestões significativamente superiores de energia, proteínas (em contributo percentual para o valor energético total), fibra alimentar, vitamina B12, vitamina C, cálcio, magnésio, potássio e sódio, quando comparados com os satisfeitos com a sua imagem corporal. Nas mulheres, não foram encontradas diferenças significativas.

Conclusões: A maioria dos adultos jovens encontra-se insatisfeito com a sua imagem corporal, sendo que quase 30% dos homens manifestou o desejo de aumentar o seu tamanho corporal. Esta insatisfação da imagem corporal por excesso associou-se a consumos mais elevados de pescado e ovos, bem como fruta e hortícolas, o que se traduziu, do ponto de vista nutricional, em ingestões superiores de energia, proteína (em função do valor energético total), fibra alimentar, vitamina B12, vitamina C, cálcio, magnésio, potássio e sódio.

Palavras-chave

Adultos jovens, Consumo alimentar, Hábitos alimentares, Imagem corporal, Ingestão nutricional

 


 

ABSTRACT

Introduction: Body image dissatisfaction could be associated with different eating practices, however evidence seems scarce and focused in specific groups, such as students, women and adolescents.

Objectives: To evaluate the association between body image (dis)satisfaction and food and nutritional intake in young adults.

Methodology: A total of 111 young adults (18 to 35 year-old) were selected through convenience sampling. Body image perception was assessed using the Stunkard Scale and categorized into satisfaction, dissatisfaction by deficit (negative difference between actual and desired body image) and dissatisfaction by excess (positive difference between actual and desired body image), representing, respectively, the desire to increase and decrease body size. Dietary intake was estimated by a self-reported Food Frequency Questionnaire, previously validated. Associations were assessed through linear regression (β̂ coefficients and the respective 95% confidence intervals – 95%CI), after adjustment for age, education and physical exercise, and sex stratification.

Results: Women were more dissatisfied with their body image by excess than men (57.3% vs. 30.6%, p=0.009), while men were more dissatisfied by deficit (27.8% vs. 9.3%, p=0.009). Men dissatisfied by deficit (desire of increasing body size) showed higher consumption of fish and seafood (β̂=181.0, 95%CI:38.3;323.6), eggs (β̂=23.1, 95%CI:2.9;43.2), fruit (β̂=191.3, 95%CI:90.0;292.5) and vegetables (β̂=221.6, 95%CI:99.7;343.4), which led to significantly higher intake of energy, protein (total energy intake %), dietary fiber, vitamin B12, vitamin C, calcium, magnesium, potassium and sodium, when compared to men satisfied with their body image. In women, no significant differences were observed.

Conclusions: The majority of young adults are dissatisfied with their body image, with almost 30% of men expressing a desire to increase their body size. This body image dissatisfaction by excess was associated with higher intake of fishery and eggs, as well as fruit and vegetables, and therefore, a higher intake of energy, protein (as % of energy intake), fiber, vitamin B12, Vitamin C, magnesium, potassium and sodium.

Keywords

Young adults, Food consumption, Eating habits, Body image, Nutrient intake

 


 

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a temática da imagem corporal e a procura por um ‘corpo ideal’ que vá de encontro às expectativas da sociedade ganham cada vez mais destaque. Tem-se assistido nas últimas décadas a um aumento crescente da preocupação com a imagem corporal (1) e a uma tentativa cada vez maior para atingir os padrões de beleza exaltados pela sociedade.

A imagem corporal é um conceito multidimensional e dinâmico (2, 3), que pode ser definido como a “perceção que o sujeito tem do próprio corpo” (4), sendo que esta perceção engloba os pensamentos e sentimentos acerca do mesmo (3). Assim, a perceção da imagem corporal está em constante alteração ao longo da vida (3), podendo ser influenciada por diversos fatores ambientais, sociodemográficos e psicológicos, destacando-se entre eles o sexo, a idade, a raça, a etnia, as crenças e valores pessoais e ainda os meios de comunicação social (4, 5).

Atualmente, a sociedade e os meios de comunicação assumem um papel importante na determinação dos padrões de beleza atuais, sendo exaltada a magreza como ideal de beleza para as mulheres e um corpo atlético para os homens (1, 2, 6). Constata-se assim que as sociedades modernas atribuem uma grande importância à aparência física (6), transformando-se esta num fator de aceitação social. Assim, há uma elevada pressão para atingir o padrão de beleza socialmente estabelecido, existindo, consequentemente, uma tentativa de aproximação, por parte do público, da sua imagem corporal a estes ideais de beleza (6, 7). Contudo, esta tentativa de ir ao encontro dos ideais de beleza da sociedade, muitas vezes irrealistas e impossíveis de alcançar, pode resultar em perturbações na imagem corporal e insatisfação com o próprio corpo (8, 9). A insatisfação com a imagem corporal tornou-se, assim, “um fenómeno típico da sociedade ocidental” (10), podendo ser definida como os pensamentos e sentimentos negativos do sujeito em relação ao seu corpo (11), que resultam duma avaliação negativa que o mesmo faz acerca da sua aparência física (12). A insatisfação com a imagem corporal tem sido associada a baixa autoestima, a sintomas depressivos e ao desenvolvimento de perturbações do comportamento alimentar (13, 14). Parece também existir uma associação entre esta insatisfação e a adoção de práticas alimentares menos saudáveis (9), sendo que os padrões alimentares e a ingestão nutricional podem ser alterados e influenciados pela (in)satisfação com a imagem corporal (5, 6, 15–18).

Em estudos realizados em adolescentes, os que estão insatisfeitos com a imagem corporal parecem apresentar consumos nutricionalmente menos equilibrados, com maior consumo de alimentos de elevada densidade energética (18), de produtos alimentares processados (6) e um menor consumo de fruta (6). Constatou-se ainda uma maior tendência nos adolescentes insatisfeitos com a sua imagem para seguir padrões alimentares restritivos (17, 18) e rejeitar um padrão alimentar mais ocidentalizado (composto por doces e açúcares, refrigerantes, artigos de pastelaria, fast food, carne bovina, leite e laticínios), em comparação com os satisfeitos com a sua imagem corporal (17).

Os estudos publicados que relacionam a satisfação da imagem corporal com o consumo alimentar focam-se em amostras específicas de indivíduos, tais como estudantes universitários (5), mulheres (5, 15) e adolescentes (6,16–18). No geral, observa-se que os adolescentes, comparativamente aos adultos, apresentavam uma maior satisfação com a imagem corporal, bem como as mulheres comparativamente aos homens (3, 11, 19).

OBJETIVOS

Avaliar a associação entre a (in)satisfação com a imagem corporal e o consumo alimentar e a ingestão nutricional em jovens adultos portugueses de ambos os sexos.

METODOLOGIA

Participaram neste estudo um total de 111 jovens adultos, com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos (67,6% mulheres), selecionados com base num método de amostragem por conveniência.

A recolha de dados foi realizada entre outubro e novembro do ano de 2016, através da administração direta de dois questionários. Um dos questionários permitiu recolher informação sociodemográfica; dados relativos à prática atual de desporto ou exercício físico (incluindo andar, caminhar por lazer, dicotomizado em Não/Sim), toma de suplementos alimentares e nutricionais nos últimos 12 meses (dicotomizado em Não/Sim) e hábito de consumo de bebidas alcoólicas (dicotomizado em bebedores atuais e ex-bebedores/nunca bebedores); dados antropométricos (peso e estatura auto-reportados) e a perceção da imagem corporal real e ideal. O segundo questionário destinou-se à recolha de dados relativos ao consumo alimentar.

Todos os participantes colaboraram de forma voluntária no presente estudo, tendo formalizado essa vontade através do preenchimento de uma declaração de consentimento informado, de acordo com os princípios da Declaração de Helsínquia. O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa.

Dados Antropométricos

Os dados referentes ao peso e estatura dos participantes foram auto-reportados. Estudos prévios em adultos jovens mostram que existe uma concordância moderada a elevada entre a informação de peso e estatura auto-reportados e objetivamente medidos (20, 21). Com os dados recolhidos, procedeu-se ao cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), de modo a avaliar o estado nutricional. Os participantes do estudo foram classificados quanto ao seu IMC e categorizados em: magreza (IMC<18,5 kg/m2), eutrofia (18,5–24,9 kg/m2), pré-obesidade (25,0–29,9 kg/m2) e obesidade (IMC≥30,0 kg/m2), segundo o critério da Organização Mundial da Saúde (22).

Perceção da Imagem Corporal

A perceção da imagem corporal foi avaliada através da Escala de Silhuetas desenvolvida por Stunkard et al. (23). Esta escala consiste numa sequência de 9 figuras, para cada sexo, numeradas de 1 a 9, verificando-se um aumento de peso e tamanho corporal à medida que se avança na escala. Cada participante selecionou a figura, de 1 a 9, que melhor representava a sua imagem corporal atual (“De acordo com a imagem em baixo, qual a figura que melhor representa a sua aparência física atual? Refira uma imagem de 1 a 9.”), bem como aquela que desejava ter (“De acordo com a imagem, qual a figura que gostaria que representasse o seu corpo? Refira uma imagem de 1 a 9.”). A (in)satisfação com a imagem corporal foi avaliada através da diferença entre a imagem corporal atual e a imagem corporal desejada. Quando esta diferença é igual a zero, observa-se uma satisfação com a imagem corporal, sendo que valores diferentes de zero indicam uma insatisfação com a imagem corporal atual. Os valores de insatisfação podem ser negativos (variando de -9 a -1) ou positivos (variando de 1 a 9), indicando os valores positivos desejo de diminuir o tamanho corporal (doravante designado de insatisfação por excesso), enquanto os valores negativos o desejo de aumentar o tamanho corporal (designado de insatisfação por défice).

A Escala de Silhuetas de Stunkard et al. é um instrumento com boas propriedades psicométricas, apresentando adequada fiabilidade teste-reteste, quer para a imagem corporal atual quer para a desejada, bem como uma adequada validade concorrente e convergente (24). Um estudo prévio (25) avaliou a capacidade da escala de identificar indivíduos com obesidade ou magreza numa amostra populacional de mais de 28 000 indivíduos adultos Caucasianos, concluindo que esta é uma técnica robusta para a classificação, usando dados de IMC auto-reportados, tal como realizado no presente trabalho. A escala já foi previamente utilizada na população portuguesa (26).

Consumo Alimentar

Os participantes preencheram um Questionário semi-quantitativo de Frequência Alimentar (QFA), de modo a avaliar o consumo alimentar nos últimos 12 meses. O QFA utilizado encontra-se adaptado e validado para a população adulta portuguesa (27, 28). O questionário em questão contém um total de 86 itens alimentares, agrupados em 8 grupos: I. Produtos Lácteos; II. Ovos, Carnes, Peixes; III. Óleos e Gorduras; IV. Pão, Cereais e Similares; V. Doces e Pasteis; VI. Hortaliças e Legumes; VII. Fruta e VIII. Bebidas e Miscelâneas. Para cada item, os participantes assinalaram a frequência habitual de consumo (número médio de vezes de consumo por mês, semana ou dia), bem como a porção média de consumo pré-definida (perante a opção de uma porção média, o participante indicava se a consumida por ele era menor, igual ou maior à sugerida), indicando ainda se se tratava de um consumo sazonal (quando indicado, o consumo era considerado em apenas 3 meses do ano).

No presente trabalho, foram estudados os seguintes grupos de alimentos: i) alimentos densamente energéticos: batatas fritas de pacote, bolachas, biscoitos, croissants, pastéis, bolos caseiros, chocolate (tablete ou em pó), snacks de chocolate, pizzas, hambúrgueres; ii) Carnes: frango, peru, vaca, porco; iii) Pescado: peixes gordos, peixes magros, bacalhau, peixe em conserva, lulas, polvo, camarão; iv) Produtos Lácteos: leite, iogurtes, queijos, sobremesas lácteas, gelados; v) Sumos e Refrigerantes: Ice Tea, Coca-Cola, outros refrigerantes, sumos de fruta ou néctares embalados; vi) Bebidas Alcoólicas: vinho, cerveja, bebidas brancas e espirituosas.

Posteriormente, utilizou-se o software Food Processor Plus® para converter o consumo de alimentos e bebidas em ingestão energética e de nutrientes. Este software tem por base a composição nutricional de alimentos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, contudo foi adaptado com a inclusão da composição nutricional de alimentos tipicamente portugueses.

Análise Estatística

As variáveis categóricas foram descritas através de frequências absolutas e relativas (%) e comparadas pelo teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. As variáveis quantitativas contínuas foram sumariadas por mediana e distâncias interquartis e comparadas pelo teste não paramétrico Kruskal-Wallis, dada a não normalidade da sua distribuição.

A associação entre a perceção da imagem corporal (variável exposição, usando como classe de referência os satisfeitos com a imagem corporal) e o consumo alimentar e a ingestão nutricional (diferentes variáveis resposta) foi avaliada por regressão linear (coeficientes beta e respetivos intervalos de confiança a 95% (β̂, IC95%)). Os modelos são apresentados em bruto e após ajuste para potenciais confundidores, tendo-se criado dois modelos de ajuste: modelo 1 – ajustado para idade, escolaridade, prática de exercício físico (considerado como modelo final) e modelo 2 – ajustado para idade, escolaridade, prática de exercício físico e IMC. Dado o sexo dos participantes ser uma variável de interação/modificadora de efeito, os resultados são apresentados estratificados por sexo.

A análise estatística dos dados foi realizada com recurso ao programa estatístico IBM SPSS® Statistics Version 25.

RESULTADOS

A maioria dos participantes apresentava um IMC dentro da faixa da eutrofia, sendo que as mulheres apresentavam um IMC mediano significativamente inferior ao dos homens (21,8 kg/m2 vs. 23,8 kg/m2, p=0,004) (Tabela 1). Quase 35% das mulheres e 26% dos homens referiu considerar o seu peso superior ao recomendado. Relativamente à (in)satisfação com a imagem corporal, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre sexos (p=0,009); observou-se uma maior insatisfação da imagem corporal por excesso nas mulheres (57,3% vs. 30,6% nos homens) e uma maior insatisfação por défice nos homens (27,8% vs. 9,3% nas mulheres). Uma menor percentagem de mulheres encontrava-se satisfeita com a imagem corporal, em comparação com os homens (33,3% vs. 41,7%) (Tabela 1).

A associação univariada entre a (in)satisfação com a imagem corporal e o consumo alimentar e a ingestão nutricional encontra-se descrita na Tabela 2.

Após ajuste para potenciais confundidores (Tabela 3), verificou-se que os homens insatisfeitos com a imagem corporal por défice, comparativamente aos satisfeitos, apresentaram consumos significativamente mais elevados de pescado (β=181,0, IC95%: 38,3; 323,6), ovos (β=23,1, IC95%: 2,9; 43,2), fruta (β=191,3, IC95%: 90,0; 292,5) e hortícolas (β=221,6, IC95%: 99,7; 343,4). Apresentaram igualmente uma maior ingestão energética (β̂=1359,2, IC95%: 440,0; 2278,4), uma maior percentagem do valor energético total proveniente das proteínas (β=3,3, IC95%: 1,0; 5,6) e ingestões significativamente superiores de fibra (β=25,1, IC95%: 12,1; 38,0) e de micronutrientes, como vitamina B12 (β=16,2, IC95%: 2,2; 30,1), vitamina C (β=155,9, IC95%: 80,9; 231,0), cálcio (β=799,7, IC95%: 273,2; 1326,2), magnésio (β=383,3, IC95%: 154,6; 612,0), potássio (β=3079,3; IC95%: 1587,2; 4571,4) e sódio (β=2612,1, IC95%: 1198,1; 4026,0). Os homens insatisfeitos por excesso apresentaram um menor consumo de alimentos densamente energéticos, comparativamente aos satisfeitos (β=-37,9, IC95%: -75,3; -0,50), porém, após ajuste para o IMC, esta associação deixou de ser significativa, ou seja, estava dependente do IMC do participante. Nas mulheres, a insatisfação com a imagem corporal por défice associou-se a uma maior ingestão de gordura polinsaturada, contudo após o ajuste adicional para o IMC a associação deixou de apresentar significado estatístico, pelo que não será de valorizar.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O presente estudo sugere que, em adultos jovens, os homens insatisfeitos com a imagem corporal por défice (i.e. que manifestaram o desejo de aumentar o seu tamanho corporal) são os que apresentaram um consumo alimentar e nutricional significativamente diferente dos satisfeitos com a sua imagem corporal. Apresentaram consistentemente consumos mais elevados de pescado e ovos, bem como fruta e hortícolas, o que se traduziu, do ponto de vista nutricional, em ingestões superiores de energia, de proteína em função do valor energético total, fibra alimentar, vitamina B12, vitamina C, cálcio, magnésio, potássio e sódio. Nas mulheres não se encontraram diferenças significativas, nem quantitativamente relevantes, no consumo alimentar e na ingestão energética e nutricional entre as diferentes categorias de (in)satisfação com a imagem corporal.

O presente trabalho apresenta como vantagem o estudo da insatisfação com a imagem corporal sob duas vertentes distintas: insatisfação por défice (desejo de aumentar o tamanho corporal) e por excesso (desejo de diminuir o tamanho corporal). A maioria dos estudos, provavelmente por terem sido realizados em mulheres e em adolescentes, nos quais a insatisfação é maioritariamente por excesso, analisam apenas esta dimensão, o que limita a comparabilidade dos resultados aqui apresentados.

Um estudo prévio, embora num segmento populacional diferente, como mulheres universitárias (15), sugere uma associação entre a insatisfação com a imagem corporal por excesso (ou seja, desejo de ser mais magra) e hábitos alimentares mais saudáveis, incluindo mais fruta, carnes magras, produtos lácteos e menor quantidade de alimentos densamente energéticos.

No presente estudo, a insatisfação por excesso não se associou significativamente ao consumo alimentar. Apenas os homens insatisfeitos com a imagem corporal por excesso apresentaram um menor consumo de alimentos densamente energéticos, provavelmente no sentido de diminuírem o seu tamanho corporal. Contudo esta associação está dependente do IMC, uma vez que após ajuste para esta variável, a associação não se manteve significativa.

Por outro lado, os homens insatisfeitos com a imagem corporal por défice, apresentaram um maior consumo de produtos lácteos, carnes, ovos, pescado, fruta, hortícolas, o que se traduz em ingestões superiores de energia e de proteína, comparativamente aos satisfeitos com a imagem corporal. Como os indivíduos em questão têm o desejo de possuir um tamanho corporal maior, o seu consumo alimentar e consequentemente ingestão nutricional podem representar uma tentativa por parte dos mesmos de atingir esse objetivo. Daí se observar uma maior ingestão energética e nutricional. Reforça-se ainda que entre estes, 40,0% tomou suplementação nutricional no último ano, revelando uma preocupação com o seu estado nutricional.

No geral, a insatisfação por défice, nos homens, parece associar-se a um consumo alimentar nutricionalmente mais saudável. Contudo, no presente trabalho não conseguimos concluir acerca da adequação destes consumos, isto é, o consumo pode ser maior mas ainda assim inadequado (abaixo de determinado ponto de corte) ou mesmo inadequado por excesso (no caso do pescado e ovos). O facto destes indivíduos terem ingestões energéticas medianas próximas das 3000 kcal/dia e ingestões superiores de sódio coloca a hipótese que possam de facto estar a consumir acima de determinadas recomendações.

O sexo dos indivíduos mostrou ser uma forte variável de interação, ou seja modificadora de efeito. Na literatura, existem divergências no que diz respeito à associação entre imagem corporal e o sexo dos indivíduos, sendo que em alguns estudos se observam diferenças significativas na (in)satisfação com a imagem corporal entre sexos, e noutros tal não se verifica. No presente estudo, verificou-se uma maior insatisfação nas mulheres (66,7% vs. 58,3%, p=0,392). Apesar da diferença não ser significativa, este resultado vai de encontro ao observado em estudos prévios na população portuguesa (3, 29). Adicionalmente, após estratificação da insatisfação em insatisfação por défice e por excesso, verificou-se que as diferenças entre sexos são significativas. Observou-se uma maior insatisfação por excesso no sexo feminino, enquanto no sexo masculino constatou-se uma maior insatisfação por défice, o que foi observado também em outros estudos (2, 11). Um dos fatores que se pensa contribuir não só para as diferenças de satisfação com a imagem corporal entre sexos, mas também para a direção da insatisfação é o facto de existirem ideais de beleza distintos para homens e mulheres, sendo um corpo magro o idealizado para as mulheres e um corpo forte e musculado o idealizado para os homens (1, 2, 6).

Assim, os resultados do presente estudo apoiam a opção metodológica de estudar a relação da imagem corporal com o consumo alimentar separadamente por sexos e considerando as duas vertentes da insatisfação, uma vez que as associações encontradas foram diferentes por sexo e por categorias de insatisfação da imagem corporal.

O presente estudo apresenta algumas limitações. O facto de se tratar de uma amostra de conveniência constitui uma limitação, pois esta pode não ser representativa da população em geral. Contudo, a distribuição das principais variáveis, nomeadamente da imagem corporal por sexos, vai de encontro ao previamente descrito na literatura. Além disso, o facto de se tratar de um estudo transversal limita o estabelecimento da direção das associações. Assumiu-se que a (in)satisfação com a imagem corporal influenciaria o consumo alimentar e a ingestão nutricional, mas a associação pode ser bidirecional, isto é, o consumo de determinados alimentos pode também ser determinante para o estabelecimento da satisfação com a imagem corporal, o que só poderá ser esclarecido com estudos longitudinais futuros, onde o viés de causalidade reversa esteja minimizado.

A informação relativa à imagem corporal foi recolhida por administração direta, dado ser considerado um tópico sensível e altamente sujeito a viés de desejabilidade social. A não presença de um entrevistador poderá assim contribuir para a minimização deste viés. Adicionalmente, esta foi recolhida através do uso da escala de silhuetas de Stunkard et al., uma das escalas mais utilizadas (1, 7) por se tratar de uma forma rápida, simples e eficaz de avaliar a perceção da imagem corporal (30). Embora esta não esteja especificamente validada para a população Portuguesa, um estudo prévio realizado numa amostra populacional de mais de 28 000 indivíduos adultos Caucasianos, concluiu que esta é uma técnica robusta para a classificação dos indivíduos com obesidade ou magreza (25).

Por último, os resultados podem ainda estar sujeitos a erros aleatórios, dado o reduzido tamanho amostral. Contudo, o efeito dos erros aleatórios nas estimativas é geralmente no sentido de produzir associações nulas, o que não se verificou no presente estudo entre os homens, mas apenas nas mulheres, curiosamente para as quais o tamanho amostral é superior. Estes factos sugerem que a probabilidade de enviesamento dos resultados por erros aleatórios possa ser baixa, contudo de não desvalorizar.

CONCLUSÕES

O presente estudo sugere que os homens se encontram mais satisfeitos com a sua imagem corporal do que as mulheres (41,7% vs. 33,3%) e que, para ambos os sexos, a maioria dos participantes (adultos jovens) se encontra insatisfeito com a sua imagem corporal, sendo de destacar que quase 30% dos homens apresenta insatisfação por défice, isto é manifestou o desejo de aumentar o seu tamanho corporal. Foi para este grupo de indivíduos que se observaram diferenças quantitativamente relevantes no que diz respeito aos seus hábitos alimentares. Os homens insatisfeitos com a sua imagem corporal por défice reportaram consumos mais elevados de pescado, ovos, fruta, hortícolas e maior ingestão energética (com maior percentagem proveniente das proteínas) e de micronutrientes, comparativamente aos satisfeitos, potencialmente como uma forma de atingirem o seu ideal de imagem corporal.

No presente estudo foi possível mostrar que existe uma associação entre a perceção da imagem corporal e o consumo alimentar e a ingestão nutricional e que o sexo dos indivíduos é uma forte variável modificadora de efeito desta associação. Deverão ser conduzidos estudos longitudinais futuros, com tamanhos amostrais mais robustos e em amostras representativas de segmentos da população, como os adultos jovens, para os quais os hábitos de consumo estão ainda em consolidação, de forma a clarificar melhor a direção e magnitude destas associações.

 

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Endereço para correspondência

Andreia Oliveira

EPIUnit – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto,

Rua das Taipas, n.º 135,

4050-600 Porto, Portugal

acmatos@ispup.up.pt

 

Recebido a 6 de fevereiro de 2019

Aceite a 20 de março de 2019

 

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