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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.15 Porto dez. 2018

https://doi.org/10.21011/apn.2018.1503 

ARTIGO ORIGINAL

Resultados do acompanhamento nutricional de crianças e adolescentes com sobrecarga ponderal nos cuidados de saúde primários

Results from the follow-up of overweight children and adolescents in the primary health care

Catarina de Almeida1*; Gisela Morais2; Elisabete Pinto1,3

1Universidade Católica Portuguesa, Centro de Biotecnologia e Química Fina – Laboratório Associado, Escola Superior de Biotecnologia, Rua Arquitecto Lobão Vital, n.º 172, 4200-374 Porto, Portugal

2Agrupamento de Centros de Saúde do Grande Porto III – Maia/Valongo, Avenida Visconde Barreiros, 4470-151 Maia, Portugal

3Grupo de Investigação em Epidemiologia da Nutrição e da Obesidade – EPIUnit, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Rua das Taipas, n.º 135, 4050-600 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: A obesidade infantil é um problema de Saúde Pública, para o qual os hábitos alimentares inadequados e a insuficiente prática de atividade física são fatores de risco e, atualmente, frequentes na população infantil.

Objetivos: Este trabalho pretendeu avaliar a evolução ponderal e dos comportamentos de saúde de um grupo de crianças e adolescentes com pré-obesidade ou obesidade, utentes de uma Unidade de Cuidados de Saúde Primários portuguesa, seguidos em consulta de Nutrição. Avaliaram-se, também, alguns comportamentos de saúde nos respetivos cuidadores e averiguou-se se existia associação entre os comportamentos de ambos.

Metodologia: Este estudo combinou uma vertente retrospetiva, com recolha de dados antropométricos e de comportamentos de saúde, a partir do processo clínico do utente e uma vertente transversal, com recolha de informação durante a consulta em que o participante aceitou pertencer ao estudo. Os cuidadores responderam a um questionário sobre os seus hábitos alimentares e de atividade física.

Resultados: As 36 crianças e jovens incluídos no estudo (44,4% do sexo feminino; idade mediana de 14 anos) estavam a ser acompanhados, em mediana, há 3,6 anos, tendo o Z-Score para o Índice de Massa Corporal mediano descido significativamente desde a primeira consulta até à avaliação presente (2,70 vs. 2,18; p<0,001). Relativamente à aquisição de hábitos salutogénicos, a totalidade dos participantes passaram a tomar pequeno-almoço (no início faziam 91,7%), aumentou a proporção de crianças e adolescentes que ingeriam hortícolas ao almoço diariamente (30,6% vs. 69,4%), bem como de crianças que passaram a comer três peças de fruta por dia (11,1% vs. 33,3%). Os adolescentes eram os que mais praticavam o número de horas de atividade física recomendado. Não se observaram associações entre os hábitos dos cuidadores e os dos respetivos educandos.

Conclusões: O acompanhamento de crianças e adolescentes com sobrecarga ponderal em consulta de Nutrição, nos Cuidados de Saúde Primários, mostrou-se eficaz na aquisição de hábitos salutogénicos e melhoria do estado nutricional.

Palavras-chave

Comportamentos de saúde, Evolução ponderal, Hábitos alimentares e de atividade física, Obesidade infantil

 


 

ABSTRACT

Introduction: Childhood obesity is a Public Health challenge, for which inadequate food habits and insufficient physical activity are major risk factors and very common among children, nowadays.

Objectives: The aim of this research was to assess the weight gain and health behaviors in a group of overweight or obese children and adolescents, accompanied by a nutritionist in a Portuguese primary health care unit. Some health behaviors were also evaluated in the caregivers and it was investigated if there was any association between the behaviors of both.

Methodology: This study combined a retrospective approach, with collection of anthropometric and health behaviors from clinical records and a cross-sectional approach with data collection during the appointment where participant agreed to participate in the study. Caregivers answered a questionnaire about their food habits and physical activity.

Results: The 36 children and adolescents, included in the study (44.4% females; median age of 14 years old) were followed-up for 3.6 years (median) and the median Z-Score for body mass index significantly decreased since the first appointment (2.70 vs. 2.18; p<0.001). Concerning the acquisition of salutogenic habits, it was observed that all participants started to eat breakfast (at the beginning only 91.7% took it), the proportion of youngers that daily consumed vegetables at lunch increased (30.6% vs. 69.4%), as well as the proportion of youngers that consumed three portions of fruit per day (11.1% vs. 33.3%). Adolescents are the ones that more frequently practice the recommended hours of physical activity. There were no associations between the behaviors of children and their caregivers.

Conclusions: The follow-up of overweight and obese children and adolescents by a nutritionist, in primary health care, was effective in the acquisition of salutogenic behaviors and in the improvement of nutritional status.

Keywords

Health behaviors, Weight gain, Food and physical activity behaviors, Childhood obesity

 


 

INTRODUÇÃO

A obesidade infantil é, atualmente, um importante problema de Saúde Pública, estando associada a um risco aumentado de comorbilidades (1). Acresce ainda o facto de ser conhecido que muitas crianças obesas serão adultos obesos (2).

Os hábitos alimentares inadequados são um dos principais fatores que contribuem para a pré-obesidade e obesidade entre a população infantil e juvenil. A prática de uma alimentação saudável é cada vez menos frequente entre os adolescentes, associado a uma diminuição do consumo de fruta e produtos hortícolas e a um aumento no consumo de doces e refrigerantes (1, 3).

Segundo o relatório do estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI), realizado em 2016, Portugal é um dos cinco países da Região Europeia que tem mostrado nos últimos anos maior prevalência de obesidade infantil na Europa. Nessa avaliação a prevalência de pré-obesidade foi de 30,7% e a de obesidade de 11,7% (4).

Os hábitos alimentares adquiridos durante a infância parecem perpetuar-se na idade adulta, fator que enfatiza a importância da aquisição de hábitos alimentares saudáveis precocemente. O comportamento alimentar das crianças é determinado pelo ambiente familiar e a habilidade das crianças para fazer escolhas saudáveis é altamente dependente das escolhas alimentares dos pais. Para além disto, a educação parental desempenha um importante papel na determinação da atual ingestão alimentar das crianças e está associado ao Índice de Massa Corporal (IMC) das mesmas (2, 5).

A pré-obesidade e a obesidade infantis são patologias potencialmente reversíveis e que se podem prevenir através de mudanças no estilo de vida. Os Cuidados de Saúde Primários são o local ideal de incentivo a alterações comportamentais, que hipoteticamente poderão ser eficazes no controlo da obesidade infantil (6).

OBJETIVOS

Este trabalho teve como objetivo avaliar a evolução ponderal e dos comportamentos de saúde de um grupo de crianças e adolescentes com sobrecarga ponderal, utentes de uma Unidade de Cuidados de Saúde Primários portuguesa e que eram acompanhados pela nutricionista da Unidade. Avaliou-se, também, possíveis associações entre os comportamentos salutogénicos dos jovens com os dos respetivos cuidadores.

METODOLOGIA

O estudo combinou uma vertente retrospetiva e uma vertente transversal. A parte retrospetiva consistiu somente na recolha de dados antropométricos e relativa aos comportamentos de saúde, através do processo clínico digital do utente, SClínico – Módulo de Nutrição. No momento do recrutamento (vertente transversal), além da recolha de dados antropométricos e sobre os comportamentos de saúde atuais, recolheram-se, também, dados para efetuar a caracterização sociodemográfica dos participantes, bem como dados relativos ao nascimento e duração de aleitamento materno.

O recrutamento da amostra foi realizado na consulta de Nutrição e foram incluídos todos os utentes da consulta de obesidade infanto-juvenil, que tivessem presença assídua nas consultas e um tempo mínimo de seguimento de 18 meses. Recolheram-se os dados relativos às consultas realizadas há 3, 6, 12 e 18 meses, bem como na primeira consulta, para avaliação da evolução antropométrica e dos comportamentos de saúde.

Para a avaliação presencial, foi elaborado um questionário com 35 questões, subdivididas em seis grupos: “Dados Pessoais”, “Antropometria ao Nascimento e Aleitamento Materno”, “Antropometria”, “História alimentar e Hábitos alimentares”, “Atividade física” e “Outras informações”. No grupo de questões referentes à “Antropometria”, mediram-se a estatura (m) e o peso (kg), calculou-se o Z-Score para o IMC. A medição antropométrica foi realizada de acordo com as normas de orientação da Direção-Geral da Saúde (7). Para a medição da estatura e do peso usou-se um estadiómetro e uma balança da marca SECA®, com uma precisão de 1 mm e 0,1kg, respetivamente. Para o cálculo do Z-Score para o IMC foi utilizado o software WHO AnthroPlus v1.0.4.

O registo da “História Alimentar e Hábitos Alimentares”, no momento da avaliação, contemplou perguntas referentes às 24 horas anteriores à consulta e aos hábitos alimentares da semana antecedente à consulta, tal como está protocolado no SClínico.

No grupo da “Atividade Física” questionou-se sobre a prática de atividade física, as atividades praticadas, duração das mesmas (horas e minutos) e frequência semanal, na avaliação presencial. Relativamente à análise retrospetiva somente se registou se praticava ou não alguma atividade física. Foi contabilizada a atividade física curricular e extracurricular.

No grupo “Outras informações” questionou-se as horas de sono diárias, apenas referentes ao momento atual.

Também foram reunidos dados dos cuidadores através de um inquérito de aplicação direta. O cuidador foi escolhido tendo em conta a sua intervenção direta na alimentação do educando e a presença na consulta. O questionário dirigido aos cuidadores contemplou 10 perguntas subdivididas em três grupos, nomeadamente: “Dados Pessoais”, “Hábitos Alimentares” e “Atividade Física”. Todos os dados dos cuidadores recolhidos refletiam comportamentos de saúde do adulto no momento presente.

O levantamento de dados decorreu entre 2 de março e 2 de junho de 2017, sendo possível reunir um total de 36 participantes. Seis participantes estavam a ser seguidos há 18 meses, sendo que para estes a avaliação coincidiu com a consulta dos 18 meses.

A realização do estudo foi aprovada pela Comissão de Ética da Universidade Católica Portuguesa - Porto.

Variáveis derivadas

No que respeita à idade na consulta, os indivíduos foram agrupados em três classes: crianças (8 e 9 anos), pré-adolescentes (10 a 13 anos) e adolescentes (14 a 17 anos) (8). Foi classificado como “ideal” a quantidade de três peças de fruta por dia, “insuficiente” uma quantidade inferior e “excessivo” uma quantidade superior. Ainda que para crianças com mais de três anos, possa ser enquadrável o consumo de mais de três porções diárias, segundo a Roda dos Alimentos, no aconselhamento preconizado este era o número de porções que permitia um balanço harmonioso com os outros grupos alimentares. Recorde-se que se trata de crianças em consulta para controlo do peso corporal. Finalmente, tendo em conta as recomendações do Instituto de Hidratação e Saúde, foi considerada uma hidratação “ideal” a ingestão diária de sete a dez copos de água e “insuficiente” uma quantidade inferior (9).

Análise estatística

Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a normalidade e homocedasticidade das variáveis. Na análise descritiva das variáveis quantitativas registou-se a mediana e os percentis 25 e 75. Na análise descritiva das variáveis categóricas registaram-se as frequências absolutas e relativas. Para verificar a existência de associações entre variáveis qualitativas e quantitativas utilizou-se o teste do Qui-Quadrado. O grau de correlação entre variáveis normais e quantitativas foi medido através do cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson. A comparação das médias para os Z-Score de IMC em diferentes consultas foi feita através do teste de Wilcoxon. Considerou-se existirem diferenças estatisticamente significativas quando p<0,05. A análise estatística dos dados foi realizada no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 24.0 para Microsoft Windows.

RESULTADOS

Dos 36 participantes, 16 (44,4%) eram do sexo feminino. A mediana das idades correspondeu a 14,0 anos [Percentil (P) P25: 12,0; P75:15,0]. Observou-se que a classe dos adolescentes era a mais prevalente no estudo (n=21; 58,3%). O número mediano de pessoas no agregado familiar era de três, incluindo o indivíduo em estudo. A maioria dos utentes estava acompanhada nas consultas pela mãe (63,8%). Após categorização dos valores de Z-Score para o IMC, observou-se que 16 (44,4%) indivíduos eram pré-obesos, 18 (50,0%) obesos e 2 (5,6%) tinham obesidade grave. Na consulta, a mediana do Z-Score obtida para o IMC foi de 2,18 [P25: 1,73; P75: 2,52], compatível com o estado de obesidade.

Recordatório da alimentação nas 24h precedentes

A maioria (n=34; 94,4%) afirmou ter tomado o pequeno-almoço, maioritariamente (61,8%) acompanhados pela família. Apenas 17 (47,2%) indivíduos fizeram a merenda da manhã. O local do almoço mais referido foi em casa (n= 24; 66,7%), acompanhados pela família (n=25; 69,4%). Em relação à merenda da tarde, a maioria (n=28; 77,8%) realizou esta refeição e na companhia da família (n=9; 64,3%). Apenas 36,1% (n=13) afirmou realizar a segunda merenda da tarde. Do total de inquiridos, 91,7% (n=33) jantou, 93,9% (n=31) dos quais, em casa. Somente 5 (13,9%) indivíduos referiram ter realizado a ceia. O método culinário mais utilizado nas refeições principais foi o assado (n=13; 36,1%). De notar que 24 (66,7%) indivíduos referiram não se tratar de um “dia habitual”, pelo que esta descrição refletirá maioritariamente a ingestão de dias de fim de semana, festa ou férias.

O número de horas em jejum noturno apresentou um valor mediano igual a 11 horas, sendo o valor mínimo 7,5 horas e o máximo 20 horas.

Ingestão alimentar habitual na semana precedente

Metade dos indivíduos realizou 5 refeições por dia na semana anterior à consulta. Todos referiram tomar o pequeno-almoço diariamente, sendo que a maioria (n=26; 72,2%) afirmou ser constituído por leite ou produtos lácteos e pão ou cereais. Mais de metade dos jovens, 58,3% (n=21) afirmaram ingerir quantidades de água abaixo do “ideal”. Apenas 33,3% dos indivíduos afirmou ingerir diariamente três peças de fruta. Da totalidade dos jovens, 44,4% (n=16) dizia comer sopa todos os dias ao almoço, mas somente 22,2% (n=8) o fazia ao jantar. Mais de metade afirmou comer hortícolas todos os dias ao almoço (69,4%; n=25) e ao jantar (55,6%; n=20). A maioria dos participantes afirmou jantar em casa acompanhada pela família (n=31; 33,9%) (Tabela 1).

Atividade física e padrão de sono

Dos 36 indivíduos, 33 (91,7%) afirmaram praticar algum tipo de atividade física, mas apenas dois referiram praticar as 7 horas semanais de atividade física recomendadas (10). A classe de adolescentes correspondeu à classe de idades que mais cumpre esta recomendação (Tabela 2). Somente para 2 participantes a atividade física se restringia à educação física feita em contexto curricular.

O valor mediano de horas de sono correspondeu a 9 horas.

Evolução ponderal e de comportamentos salutogénicos

O tempo de seguimento em consulta de Nutrição apresentou uma mediana de 3,6 anos. Nesse período de tempo ocorreu uma evolução favorável em relação ao valor de Z-Score para o IMC: na primeira consulta a sua mediana era de 2,70 e no momento atual igual a 2,18 (p<0,001) (Tabela 3).

Quanto aos hábitos alimentares dos jovens, na Tabela 4, é possível observar que, globalmente, se observou uma melhoria destes com o seguimento em consulta de Nutrição.

Não se verificou diferença significativa na proporção de praticantes de atividade física quando comparada a primeira consulta e as consultas subsequentes (80,6% vs. 91,7%, p=0,488).

Estilos de vida dos Cuidadores

Dos 36 cuidadores que responderam ao questionário, 28 (77,8%) eram mulheres. A idade mediana correspondeu a 45 anos de idade [P25: 42,0; P75: 49,8], apresentando um IMC mediano de 29,4 kg/m2. A maioria dos cuidadores referiu tomar o pequeno-almoço todos os dias (n=31; 86,1%), sendo que os constituintes da refeição mais referidos foram o leite ou produtos lácteos e pão ou cereais (n=22; 61,1%). Quanto à hidratação, 80,6% afirmou beber 7 a 8 copos de água diariamente. O número de refeições mais referido foram 5 refeições diárias (n=17; 47,2%). Cerca de metade (47,2%) praticavam atividade física, em média, 30 minutos. No entanto apenas 17,6% (n=3) o fazia diariamente.

Não se observou qualquer tipo de associação entre o Z-Score para o IMC dos educandos no momento do recrutamento e o IMC dos respetivos cuidadores (r=0,129; p=0,454). Também não de observou qualquer tipo de associação entre os hábitos salutogénicos dos educandos e dos respetivos cuidadores.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Com o presente trabalho foi possível observar que, globalmente, o acompanhamento de indivíduos com obesidade infantil em consulta de Nutrição nos Cuidados de Saúde Primários é eficaz. Verificou-se uma redução do Z-Score para o IMC ao longo do tempo, bem como uma melhoria dos hábitos alimentares e de atividade física.

Na literatura, a omissão do pequeno-almoço entre os mais novos está associada à falta de tempo, vontade de permanecer a dormir até mais tarde, falta de apetite e dieta para perder peso (12). Quando comparados os valores percentuais do presente estudo com o estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) foi possível observar que, neste estudo, a percentagem de crianças que tomava o pequeno-almoço é mais elevada (100,0% vs. 80%), facto contrastante com a literatura relacionada com os comportamentos de saúde dos mais jovens (3, 13).

Na primeira consulta, o método culinário mais frequentemente referido foi o cozido. Curiosamente, o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física 2015-2016 (IAN-AF) observou exatamente o mesmo (12). Possivelmente, este resultado é indicador de que este método culinário é reconhecido pela sociedade como regra de conduta ideal de uma alimentação saudável. No entanto, com o tempo de seguimento dos utentes em consulta foi possível observar que os métodos culinários mais frequentemente citados alteraram, o que pode também refletir que, com o passar do tempo, estes jovens e respetivos encarregados foram assimilando outros métodos igualmente saudáveis, quando devidamente confecionados.

Segundo a Associação Portuguesa de Nutrição (APN) a constituição do pequeno-almoço deve ser completa, equilibrada e variada, incentivando o consumo de alimentos de pelo menos 3 Grupos da Nova Roda dos Alimentos: Grupo dos Laticínios e derivados, Grupo dos cereais, derivados e tubérculos e Grupo da Fruta (14). No presente estudo observou-se que 72,2% dos participantes realizava um pequeno-almoço com alimentos de pelo menos 2 grupos da Nova Roda dos Alimentos. É de salientar a baixa proporção de jovens que inclui fruta na refeição do pequeno-almoço (5,6%), traduzindo muito provavelmente aspetos culturais, uma vez que não temos por hábito incluir fruta nesta refeição.

Em relação ao consumo de produtos hortícolas, quando comparados os valores obtidos no momento de avaliação com os dados registados na primeira consulta de Nutrição destes jovens, 62,5% (vs. 27,8%) dos participantes afirmaram comer hortícolas todos os dias ao almoço e jantar. Os valores percentuais relatados na primeira consulta mostram-se semelhantes aos valores apresentados pelo estudo HBSC (28,36%) (13). Em relação ao consumo de fruta, no momento da avaliação, a maioria dos participantes afirmou comer 3 peças de fruta por dia (n=12; 33,3%) valores superiores quando comparados com os da primeira consulta (n=4; 11,1%). Estas constatações são representativas das boas práticas alimentares dos participantes, possivelmente resultado da intervenção nutricional em curso.

A ingestão de água apesar de ter aumentado da primeira consulta para as consultas subsequentes, ainda assim se mostrou abaixo das recomendações, sendo necessário o contínuo incentivo ao aumento do consumo de água.

A prevalência de crianças e adolescentes que pratica o número de horas diárias de atividade física recomendadas pela OMS mostrou-se igual a 22,3%, valor ligeiramente inferior aos 57,5% apontados pelo estudo IAN-AF (10). De salientar, que no presente estudo a maioria dos participantes (n=33; 91,7%) afirmou praticar algum tipo de atividade física e, somente para dois esta se restringia à atividade física feita em contexto curricular. (15)

A redução do valor de Z-Score para o IMC foi mais expressiva da primeira consulta para a consulta atual (2,70 vs. 2,18, p<0,001). A terapêutica nutricional instituída parece ter efeito na diminuição do Z-Score para o IMC ainda que não possa ser menosprezado o facto de se tratar de um estudo de natureza retrospetiva. Só o facto de não haver um aumento significativo destes valores já é positivo uma vez que, segundo as orientações clínicas para o tratamento da pré-obesidade e obesidade, o principal objetivo é, no mínimo, prevenir um aumento futuro de peso corporal (11, 16, 17).

Embora os participantes mantivessem sobrecarga ponderal é de salientar as elevadas proporções de hábitos salutares reportadas pelos participantes. Contudo, tratando-se de indivíduos que recebiam aconselhamento nutricional e incentivo à prática de exercício físico há um período de tempo considerável, não pode ser excluída a possibilidade deste reporte estar sobrestimado, pelo facto de já saberem quais são os comportamentos desejados (5).

Relativamente aos hábitos alimentares dos cuidadores, globalmente, estes mostraram-se bastantes semelhantes aos dos seus educandos, à exceção da ingestão diária de água, onde aproximadamente 90% dos cuidadores afirmaram beber, no mínimo, 7 copos de água diariamente. Estes resultados contrastam com os obtidos no IAN-AF, que observou que a população adulta portuguesa ingere cerca de 0,794L/dia de água (15). A prática de atividade física também se mostrou muito mais frequente, entre estes cuidadores, do que na população adulta portuguesa (47,2% vs. 27,3%) (15). Acreditamos que estes dois últimos resultados possam, de alguma forma, estar inflacionados pelo facto de os cuidadores identificarem estes como hábitos saudáveis e responderem de acordo com o que consideram desejável. No entanto, é também possível que os comportamentos destes adultos reflitam, em parte, mudanças de hábitos por influência das consultas de Nutrição dos educandos, cumprindo-se assim uma das premissas da consulta de Nutrição em idade pediátrica, que é conseguir que a mudança comportamental se estenda à família nuclear, tornando-a menos disruptiva (17, 18, 20).

Não se observou nenhuma associação estatisticamente significativa entre o IMC dos cuidadores com o Z-Score para o IMC dos respetivos educandos, ao contrário do que é descrito na literatura (21). Também não se observou qualquer associação significativa entre os hábitos salutogénicos dos cuidadores com os dos respetivos educandos, ao contrário dos resultados obtidos por Ihmels et al. (2009) (20). Estes resultados devem ser vistos com precaução, uma vez que o reduzido tamanho amostral pode não ter permitido mostrar tais associações.

A realização deste estudo permite um olhar factual e crítico sobre o trabalho realizado na consulta de Nutrição, numa Unidade de Cuidados de Saúde Primários portuguesa, com a população infanto-juvenil com sobrecarga ponderal. Permitiu uma extensa avaliação das crianças e adolescentes na consulta de Nutrição, bem como a recolha de informação retrospetiva de qualidade, devido ao seu registo de forma sistemática, num software específico. A possibilidade de averiguar associações entre cuidadores e educandos também constituiu uma vantagem.

As limitações do estudo baseiam-se particularmente no tamanho amostral diminuto, uma vez que sempre que a amostra do estudo é muito restrita é comprometido o desempenho dos testes estatísticos. A heterogeneidade nas idades dos indivíduos e tempo de seguimento em consulta também foram limitações do estudo.

CONCLUSÕES

Os participantes deste estudo demonstraram evolução ponderal razoável, sendo que se pode considerar que a inserção sistematizada e qualificada de ações de alimentação e nutrição na prática de Nutrição Clínica têm um impacto positivo na saúde da população infantil portuguesa. Relativamente aos comportamentos de saúde observou-se que a constituição do pequeno-almoço é mais completa. Foi também possível constatar que a frequência de ingestão de produtos hortícolas e fruta apresentou valores percentuais próximos dos recomendados pela literatura. É importante ressalvar que a maior parte dos participantes, aquando da avaliação do dia alimentar, referiu tratar-se de um dia não habitual e como tal certas conclusões não podem ser extrapoladas.

Os hábitos alimentares têm um papel determinante no controlo ponderal das crianças e jovens sendo por isso de extrema importância a promoção de uma alimentação variada, equilibrada e completa tendo por base as porções da Nova Roda dos Alimentos. Também a atividade física deve fazer parte do quotidiano dos mais jovens, uma vez que, para além de favorecer a aptidão física e socialização, é um ato preventivo da pré-obesidade, obesidade e incidência de patologias associadas. Torna--se evidente, através deste estudo, o papel fulcral que os Nutricionistas desempenham nos Cuidados de Saúde Primários.

 

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Endereço para correspondência

Catarina Isabel Castro de Almeida

Rua Adelino Amaro da Costa, lote 9,

Santa Joana,

3810-202 Aveiro, Portugal

k_almeida100@hotmail.com

 

Recebido a 9 de janeiro de 2018

Aceite a 10 de setembro de 2018

 

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