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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.10 Porto set. 2017

 

ARTIGO DE REVISÃO

Suporte Nutricional na Doença de Crohn

Nutrition Support in Crohn’s Disease

Carina Oliveira1; Catarina Antunes1; Catarina Santos1; Ana Marques1; Mónica Sousa1*

1Escola Superior de Saúde de Leiria,

Campus 2 – Morro do Lena – Alto do Vieiro, Apartado 4163,

2411-901 Leiria, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

As doenças inflamatórias intestinais incluem a doença de Crohn, que se manifesta maioritariamente ao nível do íleo e do cólon, mas também pode provocar alterações em qualquer região do trato gastrointestinal. Pessoas com este tipo de patologias possuem maior risco de carências nutricionais devido a várias razões relacionadas com a doença e com o próprio tratamento. Assim, o objetivo primário da alimentação é restaurar e manter o estado nutricional do indivíduo. Para tal utilizam-se alimentos, suplementos alimentares, e a nutrição entérica e parentérica. A dieta oral e os outros meios de suporte nutricional podem ser alterados durante as fases características da Doença de Crohn.

O presente trabalho tem como objetivo rever as evidências mais recentes acerca do suporte nutricional na doença de Crohn e elaborar uma pequena reflexão sobre estas. Através desta reflexão, concluiu-se que a educação alimentar é fundamental para alertar os doentes em relação à variedade de alimentos que dispõem e que podem consumir, caso os tolerem, de forma a evitar as dietas extremamente restritas indicadas no passado, que contribuíam para maior frustração dos doentes e consequentemente menor qualidade de vida. A nutrição entérica é o tratamento de primeira linha para a indução da remissão da doença em fase ativa em crianças, sendo que também apresenta benefícios na remissão da doença em adultos. Por sua vez, a nutrição parentérica apenas é recomendada quando a nutrição entérica é contraindicada.

Palavras-Chave

Doenças gastrointestinais, Doenças inflamatórias intestinais, Nutrição artificial, Nutrição entérica, Nutrição parentérica, Suporte nutricional

 


 

ABSTRACT

Inflammatory bowel diseases include Crohn’s disease, which manifests mostly in the ileum and colon, but can also cause changes in any region of the gastrointestinal tract. People with this type of disease have a higher risk of nutritional deficiencies due to a number of reasons related to the disease and the treatment itself. Thus, the primary purpose of feeding is to restore and maintain the nutritional status of the individual by using foods, dietary supplements, and enteral and parenteral nutrition. Oral nutrition and other nutritional support means may be changed during the characteristic phases of Crohn’s Disease.

This study aims to review the most recent evidence related to Crohn’s disease and to elaborate a summarised reflection on these. Through this reflection, it was concluded that food education is fundamental to warn patients regarding the variety of foods they are able to consume, if they tolerate them, in order to avoid the extremely restricted diets indicated in the past, which contributed to a greater frustration of patients and consequently lower quality of life. Enteral nutrition is the first-line treatment for the induction of remission of the disease in the active phase in children, and it also has benefits in the remission of the disease in adults. In turn, parenteral nutrition is only recommended when Enteral Nutrition is contraindicated.

Keywords

Gastrointestinal disorders, Inflammatory bowel diseases, Artificial nutrition, Enteral nutrition, Parenteral nutrition, Nutrition support

 


 

INTRODUÇÃO

As doenças inflamatórias intestinais (DII) são consideradas doenças crónicas que afetam o trato gastrointestinal, sendo a doença de Crohn (DC) e a colite ulcerativa as principais formas (1, 2). A DC é uma DII severa, que se manifesta maioritariamente no íleo e cólon, podendo provocar alterações em qualquer região do trato gastrointestinal (3). Cerca de 20 a 85% dos doentes com esta patologia estão desnutridos, sendo a má ingestão oral, a malabsorção, o hipercatabolismo e os efeitos colaterais da terapêutica farmacológica os fatores que comprometem o aporte nutricional adequado. Para além do défice proteico-energético também podem ocorrer deficiências em micronutrientes e oligoelementos (4).

A dieta oral e os restantes tipos de suporte nutricional podem ser alternados durante os períodos de remissão e exacerbação da patologia (5). Quando as necessidades não são atingidas por via oral, é necessário recorrer-se ao suporte nutricional através da nutrição entérica (NE) e em situações extremas, quando as vias de administração anteriores não são eficazes, pela nutrição parentérica (NP) (6, 7). Assim, este artigo surge com o intuito de rever as evidências mais recentes relacionadas com a DC.

Doença de Crohn

As DII são estados crónicos que causam a inflamação do revestimento e da parede do intestino, onde se incluem a colite ulcerativa e a DC (1, 2), ocorrendo com maior frequência em indivíduos entre os 15 e os 30 anos de idade, e de igual prevalência em ambos os géneros (5). A DC é uma patologia de origem idiopática caracterizada pela inflamação recorrente do trato gastrointestinal (TGI), que pode ser afetado em toda a sua extensão, desde a boca até ao ânus, sendo o íleo e o cólon as porções mais afetadas. Nesta patologia, todas as camadas da mucosa são atingidas, existindo lesões desde a camada mucosa à serosa, no entanto, as lesões não ocorrem de forma contínua ao longo do TGI, estando as áreas lesadas separadas por uma região sem inflamação (1, 8, 9).

A etiologia da DC não é totalmente entendida, mas compreende-se que fatores imunológicos, microbiológicos, genéticos e ambientais estão implicados na sua expressão. Evidências atuais afirmam que indivíduos geneticamente suscetíveis têm uma desregulação imunológica a um determinado fator ambiental, o que desencadeia uma resposta da microbiota intestinal e consequentemente a patologia (8–11).

Os sintomas desta patologia variam consoante a localização da inflamação e a existência de estenoses e fístulas, podendo diversificar-se consoante a região lesada (8). Assim, características clínicas como diarreia, febre, dor abdominal, anorexia, perda de peso, desnutrição, anemia, intolerâncias alimentares e atraso no crescimento estão presentes na maioria dos casos (12). Por sua vez, as manifestações extraintestinais surgem frequentemente na pele, articulações, olhos e fígado, havendo também maior risco de desenvolver doença tromboembólica venosa, cálculos biliares, cálculos renais e osteoporose (8, 11).

Tipicamente, os doentes com DC sofrem um período de inflamação intestinal crónica, a fase aguda, seguida de um período de recidiva-remissão, a fase de remissão (10). A fase aguda é caracterizada pela subnutrição com perda de peso, deficiência proteico-energética, assim como deficiências específicas em vitaminas, minerais e oligoelementos, e provoca alterações não específicas no metabolismo do substrato semelhantes às observadas em situações de fome e/ou inflamação. Por sua vez, indivíduos em fase de remissão apresentam um estado nutricional aparentemente normal, associado a uma ausência de sintomas inflamatórios e à cicatrização da mucosa (13). A redução da ingestão alimentar provocada pelos sintomas gastrointestinais, má absorção e pelo tratamento farmacológico pode afetar o estado nutricional, nomeadamente com as alterações características da fase aguda (2).

Os biomarcadores séricos utilizados na DC são reagentes de fase aguda ou marcadores de inflamação ativa ou desnutrição, como as proteínas séricas e eletrólitos, ferro, ferritina, capacidade total de ligação de ferro, vitamina B12 e vitamina D. Por outro lado, a lactoferrina e a calprotectina fecal, são proteínas que funcionam como marcadores específicos da inflamação intestinal. Neste sentido, durante a evolução da doença, é fundamental fazer análises periódicas a estes biomarcadores, de forma a realizar o seguimento da atividade da doença, evitando o recurso a métodos invasivos (14).

As indicações que existem, tanto para a intervenção farmacológica como para a cirúrgica, têm em consideração a localização das lesões, a intensidade da apresentação, a resposta à terapia medicamentosa antecedente e o diagnóstico de complicações (15). Estas incluem terapia farmacológica, nutricional e cirúrgica, tendo como principal objetivo a indução e manutenção da remissão, correção de deficiências nutricionais e prevenção de complicações (9, 11). Como tal, o tratamento farmacológico padrão consiste na utilização de corticosteroides e agentes anti-inflamatórios. A terapêutica de primeira linha definida para adultos recém-diagnosticados é a corticoterapia. Porém, esta terapia possui diversos efeitos adversos, alguns deles a longo-prazo devido à utilização repetida ou contínua de corticosteroides, nomeadamente resistência ou dependência a estes (11). Para combater esta realidade existem novas terapêuticas que incluem imunossupressores, antibióticos ou modificadores da resposta biológica (1, 10).

Quando o tratamento clínico e dietético não é suficiente, poderá ser necessário tratamento cirúrgico. As resseções resultantes da cirurgia podem levar a má absorção de líquidos e nutrientes e, em casos mais graves, à síndrome de intestino curto devido às resseções extensas e múltiplas (1, 5).

Terapia nutricional na Doença de Crohn

A garantia de uma boa nutrição é um fator importante na gestão da DC, sendo o objetivo da intervenção e tratamento nutricional a manutenção da remissão e melhoria do estado nutricional (5), uma vez que estes doentes estão em risco de desenvolver desnutrição global e deficiências de nutrientes específicos, o que dificulta os tratamentos e o combate à infeção (16).

Com frequência surgem deficiências nutricionais decorrentes da DC, particularmente quando existe um comprometimento extenso do intestino delgado. A prevalência de desnutrição proteico-energética está associada a uma ingestão diminuta de nutrientes (devido a anorexia, náuseas, vómitos, dor, desconforto intestinal e uso concomitante de farmacoterapia), má absorção dos mesmos, hipermetabolismo e perdas proteicas a nível intestinal aumentadas, levando a imunodepressão e consequentemente maior probabilidade de ocorrência de complicações infeciosas, atraso no crescimento, osteopénia, má cicatrização, maior risco cirúrgico, redução do trofismo da mucosa intestinal, entre outras complicações (5, 7).

As pessoas com DC não têm de se submeter a uma dieta específica, nem existem fatores dietéticos conhecidos que agravem ou causem um aumento da atividade da doença. Por sua vez, a dieta recomendada consiste numa dieta equilibrada focada no aporte energético, proteico, de vitaminas, minerais, e fluidos adequado (16, 17). Assim, não existem alimentos específicos a evitar por todos os doentes, mas alguns indivíduos podem ter intolerâncias alimentares ou desconforto com determinados alimentos, sendo que nesses casos esses alimentos devem ser evitados (16). Alguns alimentos ligados à exacerbação de sintomas incluem a lactose, sacarose, glúten, polióis (como o sorbitol e manitol), baixa ingestão de fruta e vegetais, baixa ingestão de fibras, ingestão de carne vermelha, consumo de álcool, rácio ómega 6/ómega 3 desapropriado e ingestão de vitamina D insuficiente (18). Desta forma, a terapia nutricional na fase de remissão passa por remover alimentos ou ingredientes que possam provocar sintomatologia, ou aos quais o paciente seja intolerante, sendo importante substituir estes por outros alimentos que providenciem os mesmos nutrientes. Na fase aguda, deverão ser adotadas estratégias que revertam a sintomatologia, nomeadamente a evicção de cafeína, de bebidas alcoólicas e de fibra insolúvel, optando por fibra solúvel, e a suplementação com lactase ou a ingestão de produtos sem lactose (5, 17).

Energia e macronutrientes

As necessidades energéticas e proteicas dependem da gravidade e fase da doença (6). As necessidades energéticas nestes doentes não estão necessariamente aumentadas, a menos que seja necessário um aumento ponderal. A recomendação energética indica um aporte de 25-30 kCal/Kg de peso ideal/dia e alguns estudos mostram que um aporte energético de 30-45 kCal/Kg de nutrição entérica está associado a uma taxa de remissão superior (13). Já as necessidades proteicas podem estar aumentadas, uma vez que a inflamação e o tratamento com corticosteroides induzem um balanço negativo de nitrogénio e provocam perda de massa magra, além de que em áreas de mucosa intestinal inflamada e ulcerada também ocorrem perdas proteicas. De forma a manter um balanço positivo de nitrogénio, recomenda-se 1,3 a 1,5 g/Kg/dia de proteína (5,16), sendo que a European Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN) nas suas orientações recomenda um aporte proteico de 1,2-1,5 g/Kg/dia nos adultos e de 1 g/Kg/dia na fase de remissão (19).

Relativamente aos indivíduos desnutridos e com má absorção, estes não devem exceder os 20% do aporte energético total sob a forma de lípidos (20). Existem evidências que afirmam que o consumo de ácidos gordos ómega-3 está associado à diminuição da inflamação e manutenção da fase de remissão, através dos seus mediadores lipídicos (5, 21).

Em relação ao aporte de hidratos de carbono, o excessivo fornecimento de Oligossacáridos, Dissacáridos, Monossacáridos e Polióis Fermentáveis (FODMAPs), poderá ser um fator de suscetibilidade subjacente à DC, dado que a rápida fermentação dos mesmos no intestino induz ao aumento de permeabilidade intestinal (22). Esta hipótese defende que uma dieta com redução de FODMAPs reduz a sintomatologia gastrointestinal, no entanto, pode ocorrer alteração e diminuição da microbiota intestinal nos doentes com DII, que por si já possuem um risco acrescido de disbiose (22). Contudo, são necessários mais estudos para determinar o quão rigorosa deverá de ser a restrição para providenciar resultados favoráveis a longo prazo, sendo que estes estudos têm de considerar fatores para além da sintomatologia, como a evolução da cicatrização da mucosa (21).

No que respeita ao aporte de fibra, indivíduos com DC não necessitam nem de restringir a ingestão de fibra, nem de a aumentar acima dos níveis recomendados para a população saudável. A quantidade de fibra tolerada varia entre os indivíduos e pode também variar ao longo da evolução da patologia, pelo que é necessário regular o seu consumo ao longo do tempo (16).

Micronutrientes

Ao nível das vitaminas, é comum o défice de ácido fólico (induzida também pela farmacoterapia com sulfassalazina) e de vitamina B12, uma vez que as lesões mais comuns ocorrem no íleo e este é o local de absorção destas vitaminas (2, 16). Assim, a suplementação de vitaminas poderá ser necessária, especialmente de vitamina B6, B12 (sobretudo se houver receção do íleo) e ácido fólico (10, 23), tal como de vitaminas lipossolúveis uma vez que doentes com malabsorção estão em risco de deficiências destas vitaminas (20).

As carências vitamínicas podem-se manifestar de diversas formas, como cabelo e unhas secos e quebradiços, alterações dermatológicas, apatia, entre outros. Para reverter esta situação, em caso da má absorção de vitaminas lipossolúveis, recomenda-se a suplementação com triglicéridos de cadeia média (TCMs), que funcionam como veículo na absorção de nutrientes lipossolúveis. Em relação às vitaminas hidrossolúveis, a sua suplementação pode ser um dos métodos de tratamento do seu défice e, no caso dos doentes em fase de remissão, podem-se integrar gradualmente, e de acordo com a tolerância, os alimentos ricos nestes micronutrientes (5, 24).

A reposição de minerais poderá ser necessária devido a má digestão, má absorção, perdas hematológicas, interação fármaco-nutriente e baixa ingestão alimentar. Além disso, a diarreia aumenta a perda de zinco, potássio e selénio. Por sua vez, a carência de ferro é comum devido às perdas de sangue agudas ou crónicas nestes doentes, devendo ser suplementado em caso de deficiência (19). As carências de cálcio e vitamina D são recorrentes, estando os doentes especialmente em risco, uma vez que os laticínios são frequentemente evitados devido a intolerâncias e a absorção de vitamina D está comprometida (25). É importante a monitorização (e suplementação se necessário) dos níveis de cálcio sérico e de vitamina D em doentes, tanto adultos como crianças, em fase ativa da patologia e doentes tratados com esteróides, com vista à prevenção da osteopenia e osteoporose. Se o tratamento com esteroides for superior a 12 semanas, deve ser garantido um aporte de 1000-1500 mg de cálcio/dia, recorrendo-se a suplementação se a dieta não for adequada, e 800 UI de vitamina D (19).

Além do défice destes micronutrientes, o défice de magnésio, cobre, crómio, manganês e molibdénio também pode ser característico destes doentes, pelo que se deve garantir o consumo das Dietary Reference Intakes (DRIs) para cada vitamina e mineral e caso não seja suficiente, recorrer a suplementos (9, 16, 23, 26).

Nutrição Entérica

Quando a via oral, a via de eleição, não garante que as necessidades nutricionais sejam atingidas, deverá optar-se pela NE (6). As indicações para NE no tratamento de DII incluem: NE exclusiva para a doença em fase aguda, NE suplementar para manter a remissão da doença e apoio nutricional para alcançar aumento de peso e crescimento adequados (9, 27).

Uma parte significativa dos doentes necessita de suporte nutricional em determinadas fases evolutivas da doença. Ao contrário do que era recomendado anteriormente, a pausa alimentar e consequente repouso intestinal não é uma forma de tratamento efetiva na remissão (5, 7).

Diversos estudos indicaram que doentes que ingeriam mais de 1200 kCal/dia através da NE apresentavam um melhor estado clínico do que os que consumiam um valor inferior. Nestes, além da NE, os doentes podiam realizar uma dieta padrão. Assim, a NE parcial aparenta ser uma terapia de manutenção eficaz para esta doença (23). No caso de doentes com estenoses intestinais ou estenose em combinação com sintomas obstrutivos, é recomendada uma dieta com adaptação da textura ou NE distal, ou seja, pós-estenose (19).

Em conjunto com a melhoria do estado nutricional, crescimento e composição corporal, a NE exclusiva demonstrou induzir a remissão e cicatrização das mucosas, melhorar a permeabilidade da mucosa, regular as citocinas pró-inflamatórias, reduzir os marcadores inflamatórios séricos, modificar a microbiota intestinal e melhorar a qualidade de vida após o tratamento (10, 28), além de ser mais económica e segura (29), mostrando-se eficaz também em crianças com DC ativa (30). No entanto, a NE exclusiva durante longos períodos de tempo traz ainda algumas dúvidas (31).

A NE exclusiva deverá ser preferida à NP exclusiva, uma vez que ambas apresentam a mesma taxa de remissão, sendo os efeitos colaterais e a taxa de complicações pós-operatória mais baixos na primeira via de administração. Além disso, a NE exclusiva oferece uma abordagem terapêutica alternativa com efeitos secundários mínimos, em comparação com a terapêutica com corticosteroides ou terapia imunossupressora (4, 10).

Estudos recentes referem que a eficácia da NE exclusiva pode ser comparável à dos corticosteroides, pois diminui a atividade da doença e promove a cicatrização da mucosa, mas o mecanismo de ação desta terapêutica ainda é pouco compreendido (9). Assim, a NE deverá ser considerada como alternativa a doentes resistentes aos esteróides e particularmente dependentes destes fármacos. Esta deverá ser utilizada a curto prazo, em indivíduos que se encontrem na fase aguda e que estão desnutridos ou em risco de desnutrição. Aqueles que apresentem DC complicada podem precisar de NE no domicílio a longo prazo, podendo considerar-se a gastrostomia endoscópica percutânea. Já no caso das crianças, a NE é escolhida como terapêutica de primeira linha (9, 11, 27–29).

O uso de suplementos alimentares orais (SAO) ajuda a melhorar o estado nutricional e a eliminar consequências da desnutrição, como o atraso do crescimento nas crianças (13). Para indivíduos desnutridos com DC ou em risco de desnutrição, os SAO podem ser bem tolerados, permitindo melhorias antropométricas, consequentes da satisfação das suas necessidades nutricionais. Assim, a ESPEN recomenda até 600 kCal por dia sob a forma de SAO (4, 13). As fórmulas poliméricas são utilizadas para mimetizar uma dieta geral com proteínas não hidrolisadas, hidratos de carbono e lípidos, por sua vez, as fórmulas semi-elementares e elementares são utilizadas em doentes com má absorção, pelo que os nutrientes são parcialmente (fórmulas semi-elementares) ou completamente hidrolisados (fórmulas elementares) (4, 9, 23). Independentemente do seu tipo, as fórmulas nutricionais utilizadas como tratamento primário parecem apresentar o mesmo grau de efetividade (4, 10, 29) e na NE exclusiva estas fórmulas são consideradas a terapia de primeira linha na Europa (31).

Existem diversas teorias que pretendem explicar a efetividade da NE na remissão da DC, no entanto, não existe nenhum consenso, sendo que existem autores que afirmam que a remissão clínica da DC, durante NE exclusiva, resulta da redução do processo inflamatório e não da melhoria do estado nutricional do paciente (9). Em geral, nenhum dos componentes da NE foi definido como a causa para o efeito curativo desta terapêutica (9). As mais recentes diretrizes da ESPEN não recomendam o uso de nutrientes mediadores imunológicos em NE (9). O mesmo acontece com o tratamento com probióticos, uma vez que não existem evidências científicas sólidas no tratamento ou remissão na DC (32). Assim, o uso de probióticos nestes doentes pode ser recomendado apenas em situações clínicas especiais (27).

Nutrição Parentérica

Apesar da preferência clínica pela NE, a NP poderá ser utilizada quando o paciente não tolera a NE ou quando esta é contraindicada, como em caso de perfuração intestinal, oclusão intestinal, perdas de sangue graves no TGI e fístulas no jejuno, sendo comummente recomendada a longo termo para utentes com síndrome de intestino curto (4, 6, 9, 26, 29). Quando o doente apresenta estomas de alto débito são recomendadas infusões por via parentérica, de fluidos e eletrólitos (19). Este tipo de nutrição é também aconselhado na fase pré-operatória, no caso de doentes com um risco mais elevado de complicações cirúrgicas, isto é, aqueles que se encontram com uma perda ponderal mínima de 10% do peso nos últimos 3 a 6 meses, um Índice de Massa Corporal inferior a 18,5 Kg/m2 ou com uma albumina sérica menor que 3,0 g/dL (9).

Num momento anterior à cirurgia de recessão do intestino, a NP diminui o tempo de internamento uma vez que ocorre uma redução dos níveis de complicações e do comprimento da própria resseção. Quando esta é frequente e se torna extensa, pode levar a síndrome de intestino curto. Numa fase inicial, as necessidades de energia e proteína deverão ser supridas com NP exclusiva, no entanto, pequenas doses de NE podem se administradas com vista a melhorar a adaptação intestinal e evitar a translocação bacteriana. Esta adaptação varia consoante a extensão e o local da resseção (4, 9, 33). Portanto, a NP pode ser solução tanto em pré como pós-operatório, de forma a prevenir perturbações nutricionais ou alcançar a recuperação mais facilmente (9, 26, 34).

A NP de longa duração aumenta o risco de complicações relacionadas com distúrbios metabólicos, insuficiência hepática, colestase, infeção e trombose venosa relacionada ao cateter, implicando uma redução significativa da qualidade de vida do paciente. Assim, se o intestino estiver funcionante, a NE é o método de alimentação de eleição para doentes com DII e deve ser a primeira escolha na fase de remissão do tratamento (9, 10, 13, 23, 26).

ANÁLISE CRÍTICA

Sempre que possível, a primeira linha de tratamento deverá ser a nutrição oral, sendo que a dieta deve garantir o cumprimento dos princípios de uma alimentação saudável, removendo apenas os alimentos não tolerados.

Nos casos em que a nutrição oral não é suficiente para alcançar o aporte energético, a NE deve ser considerada terapia primária em indivíduos com DC leve a moderada, de forma a induzir a remissão da mesma, garantindo as suas vantagens fisiológicas, os menores custos associados, assim como a maior segurança característica desta. A NE parcial, como suplemento à ingestão habitual, parece acarretar alguns benefícios, nomeadamente na modificação da microbiota intestinal. Por sua vez, a NP tem maiores custos e potenciais complicações, sendo por isso a última opção de tratamento.

No que toca ao fornecimento de FODMAPs, são necessários mais estudos que considerem fatores para além da sintomatologia, para determinar o grau de restrição do mesmo de forma a garantir resultados positivos a longo prazo.

CONCLUSÕES

A alimentação nas DII, nomeadamente na DC, tem um papel fundamental, uma vez que é considerada um fator que pode desencadear a doença e um método de tratamento desta.

O suporte nutricional é considerado parte integrante do tratamento do paciente com DC e deve ser individualizado às necessidades de cada utente, visto que para além das necessidades nutricionais diferirem de pessoa para pessoa, também variam consoante a fase de doença, não esquecendo também que cada indivíduo possui intolerâncias que têm de ser consideradas aquando da contabilização da dieta.

Assim, a terapia nutricional deve considerar a fase de doença em que se encontra o individuo, garantindo que as necessidades nutricionais são alcançadas e que existem melhorias ao nível da sintomatologia e da evolução da cicatrização da mucosa, evitando alimentos que agravem o estado inflamatório.

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Endereço para correspondência

Mónica Sousa

Escola Superior de Saúde de Leiria,

Campus 2 – Morro do Lena – Alto do Vieiro, Apartado 4163,

2411-901 Leiria, Portugal

monica.sousa@ipleiria.pt

 

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