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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.20 no.36 Lisboa jun. 2020

 

ARTIGO

Inteligência Artificial em Relações Públicas? Não, obrigado. Perceções dos Profissionais de Comunicação e Relações Públicas europeus

Artificial intelligence in Public Relations? No thank you. Perceptions of European Communication and Public Relations Professionals

¿Inteligencia artificial in Relaciones Públicas? No gracias. Percepciones de los Profesionales Europeos de Comunicación y Relaciones Públicas

Sónia Pedro Sebastião*
https://orcid.org/0000-0002-4341-8031

* Universidade de Lisboa. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP / FCT), Portugal


 

RESUMO

Este artigo analisa as respostas dos profissionais de comunicação e relações públicas sobre questões do European Communication Monitor 2019 relacionadas com a inteligência artificial. As questões visavam evidenciar o conhecimento dos profissionais sobre a Inteligência Artificial e a sua perceção sobre o impacto, os obstáculos e os riscos para a profissão. Em termos metodológicos, as respostas foram recolhidas em fevereiro de 2019, em toda a Europa, recorrendo à base de dados da EACD e disseminação junto da comunidade profissional pelos national research collaborators de cada país. Recolhidos os dados procedeu-se à seleção das respostas dos profissionais portugueses e à sua análise estatística descritiva. Os resultados portugueses seguem o padrão europeu, apesar de existirem diferenças significativas. Os resultados mostram que os respondentes portugueses estão entre os menos informados sobre a IA da Europa, percebendo maior impacto com a adoção da IA na forma como as profissões de comunicação e relações públicas se terão de ajustar (nível macro). Entre requisitos difíceis de assegurar e que podem ser obstáculos à adoção de IA por departamentos e agências de comunicação e relações públicas, destacam-se as competências destes profissionais (nível micro). Finalmente, os maiores riscos relacionam-se com a necessidade de as organizações se debaterem com a disparidade de competências dos seus colaboradores e com responsabilidades pouco claras (nível micro).

Palavras chave: profissões de comunicação e relações públicas; criatividade; inteligência artificial; ECM2019


 

ABSTRACT

This article analyzes the responses of communications and public relations professionals to European Communication Monitor 2019 questions related to artificial intelligence. These questions aimed to highlight the knowledge of professionals about Artificial Intelligence and their perception of the impact, obstacles and risks to the profession. In methodological terms, responses were collected in February 2019, across Europe, using the EACD database and dissemination to the professional community through national research collaborators. Once the data was collected, the responses of Portuguese professionals were selected and their descriptive statistical analysis was performed. Portuguese results follow the European standard, although there are very significant differences in the results collected. These show that Portuguese respondents are among the least informed about AI in Europe, perceiving greater impact with the adoption of AI in the way the communication and public relations professions will have to adjust (macro level). Requirements that are difficult to meet and may be obstacles to the adoption of AI by communication and public relations departments and agencies include the skills of these professionals (micro level). Finally, the biggest risks relate to the need for organizations to struggle with their employees’ skills gap and unclear responsibilities (micro level).

Keywords: communication and public relations professions; creativity; artificial intelligence; ECM2019


 

RESUMEN

Este artículo analiza las respuestas de los profesionales de comunicaciones y relaciones públicas a las preguntas del European Communication Monitor 2019 relacionadas con la inteligencia artificial. Estas preguntas tenían como objetivo resaltar el conocimiento de los profesionales sobre Inteligencia Artificial y su percepción del impacto, los obstáculos y los riesgos para la profesión. En términos metodológicos, las respuestas se recopilaron en febrero de 2019, en toda Europa, utilizando la base de datos EACD y su difusión a la comunidad profesional a través de los national research collaborators. Una vez que se recopilaron los datos, se seleccionaron las respuestas de los profesionales portugueses y se realizó su análisis estadístico descriptivo. Los resultados portugueses siguen el estándar europeo, aunque existen diferencias muy significativas en los resultados recopilados. Estos muestran que los encuestados portugueses se encuentran entre los menos informados sobre IA en Europa, percibiendo un mayor impacto con la adopción de AI en la forma en que las profesiones de comunicación y relaciones públicas tendrán que adaptarse (nivel macro). Los requisitos que son difíciles de cumplir y pueden ser obstáculos para la adopción de IA por parte de los departamentos y agencias de comunicación y relaciones públicas incluyen las habilidades de estos profesionales (nivel micro). Finalmente, los mayores riesgos se relacionan con la necesidad de que las organizaciones luchen con la brecha de habilidades de sus empleados y responsabilidades poco claras (nivel micro).

Palabras clave: profesiones de comunicación y relaciones públicas; creatividad; inteligencia artificial; ECM2019


 

Introdução

Os avanços tecnológicos são uma das mais distintivas características das sociedades atuais e prevê-se que continuarão a transformar o quotidiano das pessoas e diferentes profissões (Kettrick, 2018; Leonhard, 2017). Em termos digitais e em mercados mais avançados, a “Internet das Coisas” oferece formas inteligentes de gestão em áreas como a saúde e a habitação, onde a utilização dos “assistentes pessoais” como Amazon Echo e Alexa aumenta. Nos locais de trabalho, os desenvolvimentos da inteligência artificial (IA), da automação e da robótica tornam-se ameaça a diferentes tipos de empregos com funções a serem transferidas para robôs, software e outras tecnologias (Carriço, 2018).

A IA tem implicações de alcance global que estão a transformar as sociedades, e que provavelmente o farão cada vez mais no futuro. A IA tem o potencial de melhorar o bem-estar das pessoas, contribuir para uma atividade económica global sustentável positiva, aumentar a inovação e a produtividade, e ajudar a responder aos principais desafios globais. Mas estas transformações podem ter efeitos díspares dentro e entre sociedades e economias, associadas, por exemplo: a mudanças económicas, à concorrência, a transições no mercado de trabalho, a desigualdades e implicações para a democracia e os direitos humanos, à privacidade e proteção de dados, e à segurança digital.

Dado o rápido desenvolvimento e implementação da IA, torna-se necessário um ambiente político estável que promova uma abordagem centrada no ser humano para a promoção de uma IA confiável, que estimule a pesquisa, preserve incentivos económicos para inovar e que se aplique a todas as partes interessadas de acordo com suas necessidades, papel e contexto (OCDE, 2019). Sem esquecer que o ser humano é, por natureza, um ser criativo, capaz de pensar de forma diferente. A criatividade pode ser definida como o uso da imaginação para criar. A criatividade engloba intenções, emoções, juízos estéticos, valores, consciência pessoal e senso moral, algo que um algoritmo - base de um sistema de inteligência artificial - não pode dominar (Carriço, 2018, p. 34).

Neste artigo, procura-se aferir a perceção dos profissionais de comunicação e relações públicas europeus, e, em particular, dos que trabalham em Portugal, sobre a IA em termos de conhecimento, impacto, obstáculos e riscos. Para isso, analisam-se as questões sobre a IA do European Communication Monitor de 2019 procurando responder às seguintes questões de pesquisa: como é que os profissionais de comunicação e RP definem a IA? Qual o impacto percebido da IA nas profissões de comunicação e RP a nível macro, meso e micro? Quais são os obstáculos mais importantes para usar a IA no setor profissional da comunicação? Quais os maiores riscos percebidos associados à implementação da IA para a área da comunicação?

Os objetivos específicos deste estudo são: a) aferir o entendimento dos profissionais de comunicação e RP sobre a IA; b) identificar o impacto percebido da IA nas profissões de comunicação e RP a nível macro, meso e micro; c) identificar os obstáculos mais referidos ao uso da IA em comunicação e RP; e d) identificar os riscos percebidos associados à implementação da IA para a área da comunicação.

Este estudo está dividido em quatro pontos principais. Dois pontos teóricos, onde se apresenta o conceito de inteligência artificial e se caracterizam as profissões e funções de comunicação e relações públicas, seguindo-se a apresentação do procedimento metodológico e dos resultados.

1. Aproximação ao conceito de Inteligência Artificial

As origens do conceito de inteligência artificial remontam aos anos 1950 sendo atribuído a Alan Turing a formulação da questão “poderão as máquinas pensar?” Inicialmente, a IA era descrita por McCarthy (2007) como “a ciência e a engenharia de fazer máquinas inteligentes, especialmente programas de computador inteligentes” (p. 2). A inteligência, por sua vez, pode ser definida como “a parte computacional da capacidade de atingir objetivos no mundo”, sendo indissociável do ser humano (McCarthy, 2007). Contudo, as dificuldades de definição de inteligência e inteligência artificial são notórias, dificultando o seu entendimento e, até, a sua regulação (e.g. Buiten, 2019).

A IA tende a ser definida em associação com sistemas computacionais, máquinas e software que procuram mimetizar a inteligência humana, para aprender, resolver problemas e reconhecer padrões. Agir de forma inteligente implica: 1) adequar a ação às circunstâncias e aos objetivos; 2) ser flexível para mudar a envolvente e os objetivos; 3) aprender com a experiência; e 4) fazer escolhas apropriadas perante limitações percetivas e computacionais (Poole & Mackworth, 2017).

Existem três categorias de IA: 1) estreita, associada à especialização das máquinas que desempenham tarefas específicas com capacidade de aprendizagem; 2) geral, com capacidade de desempenhar tarefas intelectuais e resolver problemas; e a 3) superinteligente com capacidades criativas, científicas e sociais. De acordo com Carriço (2018), dada a dificuldade de entendimento do conceito de inteligência, tanto a IA geral como a superinteligente ainda são hipotéticas, sendo possíveis de ilustrar na ficção científica. Para o autor, o desenvolvimento da IA não deve ser feito pelo aumento da inteligência e da autonomia da máquina, mas pela procura de uma perspetiva colaborativa em que a inteligência humana é reforçada com o auxílio da máquina (Carriço, 2018).

A necessidade de monitorizar e analisar o meio envolvente das organizações é uma realidade e uma necessidade para as tomadas de decisão. Perante uma “economia das máquinas inteligentes” (Leonhard, 2017, p. 84), o processo de recolha e análise de dados tornou-se mais complexo e sofisticado. Neste contexto, o ser humano teve necessidade de criar tecnologia que o apoiasse nestas tarefas. Também esta tecnologia evoluiu e, naquilo a que Davenport (2018) chama Analytics 4.0, encontram-se sistemas cognitivos, com os processos de análise de dados embebidos e automatizados. A IA torna-se parte deste processo, mas a sua implementação requer competências que estão para além da engenharia da codificação, depuração e adequação do software. Torna-se necessário definir e treinar modelos, selecionar variáveis e atributos, parametrizar, reconstruir e atualizar modelos (OCDE, 2019). Ou seja, a implementação da IA requer capacidades de programação, análise de dados, desenvolvimento de negócio, gestão de projetos e conhecimentos da experiência do utilizador, o que implica o recurso a equipas multifuncionais e a capacidade de desenvolver uma estratégia para a implementação da IA.

Em síntese, a IA pode ser descrita como processos flexíveis para tomada de decisão e desenvolvimento de ações baseadas em software. Estes processos adaptam-se à mudança de objetivos e a situações imprevisíveis, aprendem com a experiência e são baseados em tecnologias que permitem o processamento natural de linguagem, a recuperação de dados, a representação de conhecimento, o raciocínio semântico e a aprendizagem.

Contudo, o conhecimento sobre estas novas tecnologias, seus impactos e consequências são ainda pouco conhecidas ou mesmo controversas (Oliveira, 2019). Por isso, a OCDE (22 de maio de 2019) definiu cinco princípios para uma administração responsável e confiável da IA. Estes princípios advogam cinco aspetos fundamentais. Em primeiro lugar, a IA deve beneficiar as pessoas e o planeta, impulsionando o crescimento inclusivo, o desenvolvimento sustentável e o bem-estar. Em segundo lugar, os sistemas de IA devem ser concebidos de forma a respeitar o estado de direito, os direitos humanos, os valores democráticos e a diversidade, e devem incluir salvaguardas adequadas - por exemplo, possibilitando a intervenção humana quando necessário - para assegurar uma sociedade justa e equitativa. Em terceiro lugar, deve haver transparência e divulgação responsável sobre os sistemas de IA para garantir que as pessoas entendem os seus resultados e os possam desafiar. Em quarto lugar, os sistemas de IA devem funcionar de maneira robusta e segura ao longo dos seus ciclos de vida, e os potenciais riscos devem ser continuamente avaliados e geridos. Finalmente, em quinto lugar, as organizações e os indivíduos que desenvolvem, implantam ou operam sistemas de IA devem ser responsabilizados pelo seu funcionamento adequado, de acordo com os princípios anteriores.

Como sublinha Leonhard (2017), existe todo um núcleo de propriedades humanas que a ciência, a tecnologia, a engenharia e a matemática não conseguem racionalizar, calcular, reproduzir ou manipular. Esse núcleo inclui a criatividade, a compaixão, a originalidade, a reciprocidade, a responsabilidade e a empatia. Perante as perspetivas apresentadas sobre o conceito de IA, questiona-se: como é que os profissionais de comunicação e RP definem a IA?

2. Ser profissional de Comunicação e Relações Públicas

As constantes transformações tecnológicas associadas ao desenvolvimento das sociedades têm conduzido ao surgimento, desaparecimento e alterações nas profissões e funções desempenhadas pelo homem. Atualmente prevê-se que as tecnologias digitais móveis, a digitalização de processos e produtos, e a utilização da IA venham a produzir mudanças mais ou menos abruptas na forma como o ser humano trabalha, produz e vive (Oliveira, 2019).

Estudos como Creativity vs. Robots (Bakhshi, Frey, & Osborne, 2015), The future of jobs (World Economic Forum, 2016) e Replaced by Robot (Beiner, 2019) mostram a importância do desenvolvimento de competências humanas transversais (soft skills ou essential skills), que não podem ser dominadas, replicadas ou executadas por máquinas ou robôs, pois estão associadas à capacidade humana de criar linguagens e manipular símbolos para descrever e comunicar ideias complexas e abstratas, e para criar cultura (Oliveira, 2019).

As funções de comunicação e relações públicas são exercidas na base de uma filosofia profissional, ética e socialmente responsável, perante a sua capacidade de construir realidades sociais, criar e partilhar significados. Entre outras funções, um profissional de comunicação e relações públicas (RP) procura: identificar públicos prioritários e determinar a melhor forma de comunicar com eles, desenvolvendo e implementando planos estratégicos de comunicação; observar, analisar e produzir análises sobre macro e micro envolventes das organizações evidenciando tendências e possíveis ameaças e oportunidades provenientes de dimensões políticas, económicas, sociais, tecnológicas e legais; estabelecer e manter relações duradouras de confiança e compromisso com públicos determinantes para a existência e sucesso da organização; formular políticas e estabelecer procedimentos comunicacionais relevantes e adequados à cultura organizacional; produzir conteúdos relevantes que sustentem as necessidades de informação dos públicos e que alimentem os canais de comunicação da organização; gerir orçamentos de comunicação; desenvolver e manter a identidade da organização, visando a gestão de perceções positivas junto dos públicos (Tench & Laville, 2017).

Assim sendo, as profissões de comunicação e relações públicas são classificadas pelo Departamento de Cultura, Media e Desporto do Reino Unido como ocupações criativas com baixa probabilidade de automatização, uma vez que se desenvolvem em ambientes não estruturados e envolvem elevados níveis de inteligência social associados às necessidades de negociação, persuasão e motivação (Bakhshi, Frey, & Osborne, 2015). Os RP têm uma baixa probabilidade (1,5%) de serem substituídos por IA (Beiner, 2019). Até porque, 32% das habilidades necessárias na área da comunicação não envolvem suporte técnico (e.g. julgamento, interpretação e experiência; empatia, confiança desenvolvimento de relações, ética, pensamento estratégico) e 27% envolvem baixo suporte técnico (e.g. implementação de campanhas, escuta crítica); portanto, 59% de todas as habilidades não serão substituídas pela inteligência artificial (Valin, 2018).

A IA pode ser útil, mas se for usada sem o complemento humano, pode ser prejudicial. O pensamento criativo e crítico sobre os problemas é necessário para conceber estratégias novas e inovadoras, testar abordagens diferentes e olhar para o futuro. Independentemente das tarefas e habilidades que podem ser automatizadas ou beneficiar da IA, a intervenção humana é necessária na edição, sensibilidade, inteligência emocional, aplicação de bom senso e atuação ética.

Não obstante o resultado dos estudos de Valin (2018) e Beiner (2019), existem obstáculos que condicionam a adoção da AI, entre outros: as competências de comunicação dos profissionais, atendendo a que existem vários perfis de adoção da tecnologia e diferentes níveis de literacia tecnológica, que também influenciam as motivações dos profissionais para usar a IA; a infraestrutura organizacional que inclui a existência de equipamentos, a disponibilidade orçamental, o organograma e distribuição de responsabilidades, o apoio da alta gestão, de líderes e clientes (internos e externos); a infraestrutura da sociedade que inclui, por exemplo, a velocidade e penetração da internet, o enquadramento legal.

Atendendo a estas condicionantes, com o European Communication Monitor de 2019 indagaram-se os profissionais de comunicação e relações públicas sobre a sua perceção em relação ao impacto nas profissões, aos obstáculos à adoção da IA na profissão e aos riscos associados à implementação destes processos, tendo-se formulado as seguintes questões de pesquisa: qual o impacto percebido da IA nas profissões de comunicação a nível macro, meso e micro? Quais são os obstáculos mais importantes para usar a IA no setor profissional da comunicação? Quais os maiores riscos percebidos associados à implementação da IA para a área da comunicação?

3. Procedimento metodológico

O European Communication Monitor (ECM) é o maior estudo do mundo em comunicação estratégica e relações públicas, dirigido aos profissionais do setor. Este estudo é liderado e coordenado pela Universidade de Leipzig, inclui national research collaborators representantes de universidades com cursos de comunicação estratégica em vários países europeus e tem o apoio da European Public Relations and Education Association (EUPRERA) e da European Association of Communication Directors (EACD). Na edição de 2019, o ECM explorou as práticas atuais e desenvolvimentos futuros da comunicação em empresas, organizações sem fins lucrativos e outras organizações, incluindo agências de comunicação, em toda a Europa. O relatório completo inclui insights sobre confiança na profissão, desafios na construção de confiança e promoção da transparência, questões estratégicas mais importantes para a profissão, uso da inteligência artificial (IA) em comunicação, bem como criação e distribuição de conteúdo.

De seguida apresentam-se os resultados das questões sobre a inteligência artificial que evidenciam a perceção dos profissionais de comunicação e relações públicas europeus, e em particular dos que trabalham em Portugal, sobre a IA em termos de conhecimento, impacto, obstáculos e riscos. Os objetivos específicos deste estudo são: a) aferir o entendimento dos profissionais de comunicação e RP sobre a IA; b) identificar o impacto percebido da IA nas profissões de comunicação e RP a nível macro, meso e micro; c) identificar os obstáculos mais referidos ao uso da IA em comunicação e RP; e d) identificar os riscos percebidos associados à implementação da IA para a área da comunicação.

Procura-se responder às seguintes questões de pesquisa:

QP1 - Como é que os profissionais de comunicação e RP definem a IA?

QP2 - Qual o impacto percebido da IA nas profissões de comunicação e RP a nível macro, meso e micro?

QP3 - Quais são os obstáculos mais importantes para usar a IA no setor profissional da comunicação?

QP4 - Quais os maiores riscos percebidos associados à implementação da IA para a área da comunicação?

O inquérito foi lançado a nível europeu e esteve disponível entre fevereiro e março de 2019. O relatório geral está disponível em: www.communicationmonitor.eu.

O European Communication Monitor 2019 (ECM2019) é baseado nas respostas de 2,689 profissionais de comunicação de 46 países europeus. A amostra dos inquiridos é intencional, resultando de contactos envidados pelos representantes nacionais da associação europeia de diretores de comunicação (EACD) e pelos investigadores nacionais do projeto.

Uma vez que não existem dados de caracterização sociodemográfica das amostras por país, opta-se por apresentar a caracterização da amostra total. A maior parte são líderes de comunicação seniores com mais de 10 anos de experiência no campo (67,8%). 56,8% dos respondentes são do sexo feminino, a sua média de idades é de 40,6 anos, a sua formação académica de nível de mestrado (66%). Já os respondentes do sexo masculino (43,2%) têm uma média de 45,1 anos e mestrado (59,4%). Em termos gerais, a média de idades dos respondentes é de 42,5 anos e têm mestrado (63,2%).

Questões sobre o perfil tecnológico dos inquiridos revelam que 33% declaram utilizar assistentes pessoais virtuais no seu smartphone e 21% utilizam dispositivos inteligentes em casa ou no escritório. Apenas 13,3% podem ser caracterizados como “AI adopters” utilizando dispositivos inteligentes no smartphone, e em casa ou no escritório.

A atuar em Portugal, responderam totalmente ao inquérito 81[1] profissionais: 22 trabalham em grandes empresas cotadas em bolsa; 21 em agências de comunicação e relações públicas; 18 em empresas privadas (não cotadas); 17 em organismos do setor público e 3 em organizações sem fins lucrativos. Em termos de funções, 36 são membros de equipa ou consultores, 25 são diretores de comunicação, 17 são líderes de equipa e 3 assinalam a opção “outro” (que inclui estagiários e freelancers).

4. Resultados & Discussão

4.1. Entendimento dos profissionais de comunicação e RP sobre a IA

Como visto anteriormente, o conceito de inteligência artificial pode ser caracterizado de várias formas. Para se perceber quão informados sobre a IA estão os profissionais inquiridos solicitou-se que assinalassem, de entre um conjunto de oito itens, quais os que se aplicavam (ver tabela 1). Procurou-se desta forma aferir como os profissionais de comunicação e RP definem a IA (QP1).

 

 

Os resultados mostram que os respondentes portugueses estão entre os menos informados sobre a IA da Europa, juntamente com os profissionais da Irlanda - 9,62% - e da Roménia - 9,22% (ver anexo 1), apenas 9,88% podem ser considerados especialistas, isto é, selecionaram todos os atributos de forma correta, ou erraram apenas um.

Os profissionais de comunicação e RP portugueses inquiridos assinalam que a IA pressupõe a tomada de decisões e ações por agentes controlados por software (65) e a aprendizagem (44), contudo ainda confundem estes processos com atividades humanas assistidas por computadores (44). Existem ainda profissionais que assinalam que a IA tem sentimentos (5), compreende emoções (11) e possuem todas as habilidades humanas (7). Isto é, já concebem a superinteligência que Carriço (2018) aponta como hipotética.

Pelos resultados apresentados e face ao resultado da ANOVA, considera-se existir alguma falta de entendimento sobre a IA por parte dos profissionais inquiridos. Este fator é um condicionante dos resultados às respostas seguintes.

4.2. Impacto percebido da IA nas profissões de comunicação e RP

A presença da IA no quotidiano do ser humano generaliza-se, por exemplo, com a utilização de algoritmos de pesquisa em websites de notícias, comércio eletrónico e com a proliferação de assistentes pessoais virtuais (Kettrick, 2018). Neste sentido, estes processos têm impacto sobre a forma como se faz comunicação. Quando questionados sobre o impacto percebido da IA nas profissões de comunicação a nível macro, meso e micro (QP2), os profissionais de comunicação e RP portugueses referem que o maior impacto se verificará a nível macro, isto é, na forma como a profissão se terá de ajustar à IA (média=3,56).O menor impacto percebido está no nível micro, isto é, na forma como os profissionais desempenham as suas funções e desenvolvem pessoalmente o seu trabalho (média=3,08). Estes resultados contrariam os resultados de Bakhshi, Frey, & Osborne (2015), Beiner (2019) e Valin (2018), anteriormente apresentados, que classificaram as profissões de relações públicas como ocupações criativas com baixa probabilidade de automatização. Sublinha-se, contudo, uma grande dispersão de respostas - ver gráfico 1.

 

 

Os resultados portugueses seguem o padrão europeu. Como se pode observar nos resultados sumariados no gráfico seguinte, existem diferenças muito significativas nos resultados recolhidos relativamente ao nível meso (ANOVA, p ≤0,01), isto é, as perceções dos profissionais inquiridos sobre o impacto que a IA terá sobre a forma como os departamentos / agências de comunicação trabalham. Países como a República Checa, Polónia, Croácia, Irlanda e Eslovénia consideram que o impacto da IA, a todos os níveis, será menor. Os profissionais da Finlândia e da Noruega, por sua vez, são os que percebem um maior impacto da IA nos níveis macro e meso.

 

 

4.3. Obstáculos ao uso da IA

Para além da falta de conhecimento sobre a IA (QP1), existem requisitos difíceis de assegurar e que podem ser obstáculos à sua adoção por departamentos e agências de comunicação e relações públicas. Tendo por base a definição de Poole e Mackworth (2017), procurou-se perceber quais são estes obstáculos (QP3) e mostrar se são de nível pessoal, organizacional ou societal.

Os resultados demonstram que os requisitos mais difíceis de assegurar e percebidos como obstáculos ao uso da IA no setor da comunicação em Portugal são principalmente de natureza micro associados às competências de comunicação dos profissionais (média=3,65) e à aceitação por utilizadores e stakeholders externos (média=3,51).

 

 

Os resultados do ECM2019 apresentam diferenças muito significativas nos resultados (ANOVA, p ≤0,01) - ver gráfico 4. Verifica-se uma tendência geral em considerar as competências dos profissionais para o uso da IA como o maior obstáculo, dado tratar-se do requisito mais difícil de assegurar. França, Reino Unido, Alemanha e Polónia são os países que encontram maior dificuldade no cumprimento deste requisito. Os profissionais da Alemanha são os que revelam maior preocupação geral com os obstáculos à implementação da IA, inclusive com a infraestrutura societal (M=3,38). A existência de obstáculos ao uso da IA em comunicação associados às competências e motivação dos profissionais pode ser associada à natureza das tarefas desempenhadas e à necessidade de essential skills que com baixa probabilidade de automatização (Bakhshi, Frey, & Osborne, 2015). O baixo valor verificado para Portugal (2,94) sobre a perceção da infraestrutura societal como um obstáculo à adoção da IA pode associar-se à penetração da internet de banda larga e fibra ótica no país.

O objetivo político para o país visa uma cobertura de 100% da população em 2020 (Comissão Europeia, 15 de novembro 2019).

 

 

4.4. Riscos percebidos associados à implementação da IA

Quando questionados sobre os maiores riscos percebidos associados à implementação da IA para a área da comunicação (QP4), os profissionais portugueses destacaram que as organizações se vão debater com a disparidade de competências dos seus colaboradores (M=3,54) e com responsabilidades pouco claras (M=3,29) - gráfico 5.

 

 

A nível europeu, os maiores riscos percebidos associados à implementação da IA pelos profissionais de comunicação e relações públicas que responderam ao questionário do ECM2019 também estão relacionados com questões de nível meso, isto é, relacionadas com as competências díspares dos colaboradores (52,61%) e com a falta de clareza das responsabilidades (42,79%) com que as organizações se irão debater (ver tabela 2).

 

 

Os resultados apresentados denotam falta de conhecimento e alguma impreparação dos profissionais de comunicação e relações públicas inquiridos relativamente à inteligência artificial. As competências destes profissionais são mesmo apontadas como os maiores obstáculos ao uso da IA e os maiores riscos associados à implementação da IA na área da comunicação.

Conclusões & Implicações

Para uma implementação bem-sucedida da IA em processos organizacionais e sociais é fundamental em primeiro lugar perceber o que é a IA, como vai afetar as organizações e as funções e que tipo de adaptações é necessário fazer para a sua adoção. Os resultados portugueses seguem o padrão europeu, apesar de existirem diferenças muito significativas nos resultados recolhidos (verificáveis nos resultados das ANOVAS).

Os resultados do ECM2019 mostram um fraco conhecimento sobre estes processos por parte dos profissionais de comunicação e RP na Europa (QP1). Os profissionais portugueses estão entre os menos conhecedores do fenómeno confundindo-o com atividades humanas assistidas por computadores.

Em termos de impactos percebidos com a implementação da IA (QP2), destacam-se os de nível macro, isto é, na forma como a profissão se terá de ajustar à IA, descartando-se, em certa medida, impactos de nível micro. Contudo, tanto os obstáculos como os riscos assinalados são maioritariamente de nível micro. Verifica-se que existe uma tendência geral em considerar as competências dos profissionais para o uso da IA (nível micro) como o maior obstáculo, dado tratar-se do requisito mais difícil de assegurar (QP3). Finalmente, os maiores riscos relacionam-se com a necessidade de as organizações se debaterem com a disparidade de competências dos seus colaboradores e com responsabilidades pouco claras (nível micro) (QP4). Com a análise dos resultados percebe-se ainda um grande desconhecimento dos profissionais de comunicação e relações públicas inquiridos sobre a IA e as suas consequências. Como referido no enquadramento teórico, a definição do fenómeno não é consensual, o que também dificulta a sua implementação. Por outro lado, assinala-se o perfil tecnológico da amostra inquirida, com baixa adoção de assistentes pessoais virtuais quer em smartphone quer na habitação pessoal ou escritório. Tendo a amostra inquirida um baixo nível de adoção da IA, compreende-se a falta de conhecimento (QP1), a baixa perceção de impacto na forma como o profissional desenvolve as suas atividades (QP2) e a necessidade de reforçar competências pessoais (QP3 e QP4). Porém, salvaguarda-se - com base nos estudos apresentados no ponto 2 - que os profissionais inquiridos pelo ECM estão entre os que correm menos riscos com a automatização e adoção da IA, atendendo à sua natureza criativa e à necessidade de “humanidade” no estabelecimento, manutenção e melhoria de relações entre as organizações e os seus públicos. Tal requer criatividade, originalidade, reciprocidade, responsabilidade, empatia e ética.

Atendendo a que a IA tem implicações abrangentes, de alcance global, que transformam sociedades, sectores económicos e que as profissões de comunicação e relações públicas assentam o desenvolvimento das suas funções na pesquisa e análise da envolvente, aspeto onde a IA pode ser útil, sugere-se que edições futuras do ECM venham a repetir as questões agora colocadas para aferir a evolução da perceção dos profissionais do sector. O estudo destas temáticas beneficiaria ainda com a utilização de abordagens qualitativas, por exemplo, grupos focais com profissionais de comunicação e RP procurando compreender as suas atitudes e motivações sobre a IA e a sua adoção. Finalmente, a identificação de profissionais do setor com maior conhecimento sobre a IA (AI adopters) e a realização de entrevistas semiestruturadas em profundidade permitiria, em nossa opinião, uma melhor compreensão do tema, especialmente em termos de implicações para o exercício da profissão.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Nota biográfica

Sónia Pedro Sebastião é Professora Associada com Agregação em Ciências da Comunicação, Coordenadora da Unidade de Coordenação Científica e Pedagógica de Ciências da Comunicação (desde 2014). Doutora em Ciências Sociais, especialização em Ciências da Comunicação (2008, ISCSP, ULisboa) e Mestre em Ciência Política (2004, ISCSP, ULisboa). Docente e investigadora nas áreas da Comunicação Estratégica, Ética em Comunicação, Relações Públicas, Cidadania e Ativismo social.

Ciência ID: 0E1F-ADB0-0AD5 Scopus Author ID: 55154284900 Email: ssebastiao@iscsp.ulisboa.pt

Morada institucional: Universidade de Lisboa. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP / FCT). R. Almerindo Lessa, 1300-666 Lisboa. Portugal

 

Submetido| Received: 2019.09.02. Aceite | Accepted: 2020.02.19

 

Notas

[1] Dada a dimensão da amostra (n<100), optamos pela não utilização de percentagens, apresentando os resultados referentes a Portugal em valores absolutos.

 

Anexo 1

 

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