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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.35 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.14195/2183-5462_35_9 

ARTIGO

O Conselho da Revolução e a imprensa (1976-1982)

The Council of the Revolution and the press (1976-1982)

El Consejo de la Revolución y la prensa (1976-1982)

David Castaño*
https://orcid.org/0000-0002-8584-8128

* Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa


 

RESUMO

Após a transição revolucionária (1974-1976), Portugal entrou numa nova fase, a da transição constitucional, que se prolongou entre 1976 e 1982. Durante estes seis anos, além dos tradicionais órgãos de soberania existentes nos regimes democráticos pluralistas, manteve-se em funções um órgão de soberania não eleito, composto exclusivamente por militares. Consagrado constitucionalmente na sequência dos dois pactos estabelecidos entre os partidos políticos e os militares responsáveis pelo derrube do anterior regime autoritário, ao Conselho da Revolução foram atribuídos vastos poderes. Este papel central do Conselho da Revolução fez com que este órgão de soberania tivesse desde cedo atraído as atenções dos média, sector que também se encontrava num profundo processo de mudança e de adaptação aos novos tempos pós-revolucionários.

Este artigo analisa o atribulado relacionamento entre os órgãos de comunicação social e o Conselho da Revolução, revelando os atritos e ameaças à liberdade de imprensa mas também as cumplicidades e alianças estabelecidas.

Palavras chave: Conselho da Revolução; imprensa; liberdade de imprensa; transição democrática; poder militar e poder civil


 

ABSTRACT

After the revolutionary transition (1974-1976), Portugal entered a new phase, the constitutional transition, which lasted from 1976 to 1982. During these six years, in addition to the traditional organs of pluralistic democratic regimes, an unelected sovereign body composed exclusively of the military continued to exist. Consecrated constitutionally following the two pacts established between the political parties and the military responsible for the overthrow of the previous authoritarian regime, the Council of the Revolution was granted vast powers.

This central role of the Council of the Revolution attracted the attentions of the media, a sector that was also in a profound process of change and adaptation to the new post-revolutionary times.

This article analyzes the troubled relationship between the media and the Council of the Revolution, revealing the frictions and threats to freedom of the press, but also the complicities and alliances that have been forged in this period.

Keywords: Council of the Revolution; press; freedom of the press; democratic transition; military and civil power


 

RESUMEN

Después de la transición revolucionaria (1974-1976), Portugal entró en una nueva fase, la transición constitucional, que duró entre 1976 y 1982. Durante estos seis años, además de los tradicionales órganos de soberanía existentes en los regímenes democráticos pluralistas, se mantuvo en funciones un órgano de soberanía no electo, compuesto exclusivamente por militares. Constitucionalmente consagrado después de los dos pactos establecidos entre los partidos políticos y los militares responsables de la caída del régimen autoritario anterior, al Consejo de la Revolución se le atribuyeron amplios poderes.

Este papel central del Consejo de la Revolución ha hecho que este órgano de soberanía haya atraído la atención de la prensa, sector que también se encontraba en un profundo proceso de cambio y de adaptación a los nuevos tiempos posrevolucionarios.

Este artículo analiza la atribulada relación entre los medios de comunicación y el Consejo de la Revolución, revelando los atritos y amenazas a la libertad de prensa, pero también las complicidades y alianzas establecidas.

Palabras clave: Consejo de la Revolución; prensa; libertad de prensa; transición democrática; poder militar y poder civil


 

O Conselho da Revolução e a imprensa (1976-1982)

As relações entre os média e o poder político são sempre complexas. Mais complexas ainda se tornam quando se trata de um novo tipo de relacionamento, após mais de quatro de décadas de censura prévia à imprensa, que se inicia na sequência de um golpe militar que deu origem a um conturbado período revolucionário e quando uma das principais instituições que suportavam o antigo regime - as Forças Armadas - se transmutam e vivem um complexo processo de mudança.

Após a transição revolucionária (1974-1976), Portugal entrou numa nova fase, a da transição constitucional, que se prolongou entre 1976 e 1982[1]. Durante estes seis anos, além dos tradicionais órgãos de soberania existentes nos regimes democráticos pluralistas, manteve-se em funções um órgão de soberania não eleito, composto exclusivamente por militares. Consagrado constitucionalmente na sequência dos dois pactos estabelecidos entre os partidos políticos e os militares responsáveis pelo derrube do anterior regime autoritário, ao Conselho da Revolução foram atribuídos vastos poderes políticos e militares.

Este papel central do Conselho da Revolução fez com que este órgão de soberania tenha desde cedo atraído as atenções da imprensa, sector que também se encontrava num profundo processo de mudança e de adaptação aos novos tempos pós-revolucionários.

Neste artigo analisamos o atribulado relacionamento entre a imprensa e o Conselho da Revolução, marcado por ameaças à liberdade de imprensa e instauração de processos a jornais e a jornalistas que não se coibiam de questionar, criticar e atacar os responsáveis político-militares, por constantes fugas de informação, mas também por cumplicidades e alianças.

Breve contextualização política e jurídica

Entre as doze medidas imediatas anunciadas no Programa do MFA, justificava-se o não desaparecimento completo da censura com a “necessidade de salvaguardar os segredos dos aspectos militares e evitar perturbações na opinião pública, causadas por agressões ideológicas dos meios mais reaccionários”, pelo que seria criada uma comissão ad hoc para “controle” dos meios de comunicação social, do teatro e do cinema, com carácter transitório, que se manteria em funções até que fossem publicadas novas leis[2]. Em causa estava, como identificou Mário Mesquita (1988, p. 86), uma tentativa em conciliar o desejo de extinguir o sistema de exame prévio com o receio de um vazio legislativo e uma “eventual perda de controle sobre a Comunicação Social no período de transição pré-constituinte”.

Dois meses depois, o decreto-lei 281/74, autorizava a constituição da referida comissão ad hoc que visava “garantir a efectiva liberdade de expressão de pensamento preconizada no Programa do MFA”. No entanto, esta liberdade deveria “ser responsável, de modo a impedir a condução do país a um clima de anarquia, através do incitamento à violência”, pelo que se reconhecia, “a necessidade de salvaguardar o segredo dos aspectos militares e de evitar perturbações na opinião pública, causadas por agressões ideológicas” que contrariassem “a execução do programa do governo provisório”. Publicado ainda no tempo do Primeiro Governo Provisório, liderado por Palma-Carlos, este decreto determinava, ainda, que a infracção aos princípios do Programa do MFA e da lei 3/74, sujeitaria as empresas de comunicação social a pesadas multas e à suspensão do órgão de comunicação social visado pela decisão da comissão ad hoc e que eventuais questões de responsabilidade criminal que pudessem ser exigidas às pessoas singulares ficavam sujeitas ao foro militar[3].

A lei de imprensa viria a ser aprovada pelo Conselho de Ministros já durante o consulado gonçalvista, no início de 1975. Apesar de consagrar que “a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa” seria exercida sem subordinação a qualquer forma de censura, autorização, caução ou habilitação prévia”, a lei impunha limites à liberdade de imprensa como forma de salvaguardar “a integridade moral dos cidadãos”, de “garantir a objectividade e a verdade da informação” e de “defender o interesse público e a ordem democrática”. Nesse sentido, estipulava sanções para alguns casos, nomeadamente para: o “incitamento ou provocação, ainda que indirectos à desobediência militar, incluindo nesta o desrespeito pelas leis e regulamentos militares”; a referência a operações militares cuja divulgação não tivesse sido autorizada pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas ou outra forma de violação intencional de segredos militares; ou quando se estivesse perante a “publicação ou difusão de notícias falsas ou boatos infundamentados”, particularmente quando estivesse em causa “o interesse público e a ordem democrática”[4].

Além da oposição do PCP, que desejava manter em funções a Comissão ad hoc de modo a manter sob vigilância a imprensa conservadora, a lei de imprensa começou a ser posta em causa com o novo ímpeto da dinâmica revolucionária, escassas semanas depois de ter sido publicada. As nacionalizações levadas a cabo após o 11 de Março colocaram muitas empresas jornalísticas na dependência directa do Estado e os sectores civis e militares mais empenhados na via revolucionária começaram a defender que a legislação, embora recente, tinha sido ultrapassada pela evolução dos acontecimentos (Mesquita, 1996, pp. 367-372). Foi neste contexto que se intensificou a luta pelo controlo de vários meios de comunicação social, entre os quais se destacam, pelo seu impacto dentro e fora de portas, os casos República e Renascença[5] e se registaram novas tentativas de controlo sobre a comunicação social e de reposição de formas de repressão administrativa através do projecto Jesuíno e da Lei de Censura Militar, que apesar de não terem chegado a ser postos em prática[6], revelam o difícil relacionamento dos poderes político-militares com a imprensa durante a transição revolucionária. Como veremos esta tensão não terminou em 1976, tendo-se prolongado durante toda a transição constitucional, ou seja, até 1982, ano em que se processa a definitiva subordinação do poder militar ao poder civil com a extinção do Conselho da Revolução na sequência da aprovação pela Assembleia da República da primeira revisão constitucional.

Importa, pois, também fazer aqui uma breve referência aos poderes e competências que foram atribuídos ao CR pela Constituição de 1976.

Temendo que as eleições para a Assembleia Constituinte não se realizassem, ou fossem adiadas sine die, os partidos defensores da democracia pluralista aceitaram a institucionalização do MFA e concordaram estabelecer uma plataforma constitucional com os militares que tinham sido responsáveis pela queda do regime anterior. Essa plataforma, assinada a 11 de Abril de 1975, ficaria marcada pelo contexto especial em que as negociações foram concluídas, depois do 11 de Março, data em que o MFA extinguiu vários órgãos definidos no seu programa inicial e aprovou a criação de um Conselho da Revolução e de uma Assembleia do MFA e a execução de um vasto programa de nacionalizações. Os meses seguintes seriam marcados pelo confronto entre a legitimidade revolucionária e a legitimidade democrática, manifestada nas eleições para a Assembleia Constituinte, que culminaria, a 25 de Novembro, na derrota das forças apostadas no avanço da via revolucionária, mesmo que esta fosse apenas preconizada por uma minoria.

Esta clarificação, abriu caminho para que se procedesse a uma revisão da Plataforma de Acordo Constitucional. Foi então celebrado, no dia 26 de Fevereiro de 1976, aquele que ficaria conhecido como II Pacto MFA-Partidos que, apesar de retirar alguns poderes aos militares, consagrava o CR como órgão de soberania com vastos poderes políticos e militares durante um período de transição de quatro anos. Fruto deste último acordo estabelecido entre os partidos políticos e o Movimento das Forças Armadas[7], a Constituição aprovada no início de Maio de 1976, formalizava a existência de um órgão de soberania não eleito, composto exclusivamente por militares e que era constituído pelo Presidente da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) e o vice-CEMGFA, os chefes dos três ramos das Forças Armadas e catorze oficiais (oito do exército, três da Armada e três da Força Aérea). A este órgão foram atribuídos quatro tipos de competência: a primeira, como Conselho do PR e como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, passava essencialmente por aconselhar o PR no exercício das suas funções; a segunda, como garante do cumprimento da Constituição, passava por pronunciar-se sobre a constitucionalidade de quaisquer diplomas antes de serem promulgados ou assinados, por velar pela emissão das medidas necessárias ao cumprimento das normas constitucionais, podendo para esse efeito formular recomendações e, finalmente, apreciar a constitucionalidade de quaisquer diplomas publicados e declarar a sua inconstitucionalidade; a terceira, como garante da fidelidade ao espírito da revolução portuguesa, dava-lhe competência para pronunciar-se junto do PR sobre a nomeação e exoneração do PM e sobre o exercício do direito de veto suspensivo do PR; finalmente, a quarta e última era a competência em matéria militar, cabendo ao CR, em exclusividade, elaborar as leis sobre organização, funcionamento e disciplina das FA e aprovar os tratados ou acordos internacionais sobre assuntos militares[8].

O conflito entre a legitimidade democrática e a legitimidade revolucionária durante a transição revolucionária permitiu atenuar a preponderância militar na esfera política. O desaparecimento da Assembleia do MFA e a eleição directa, por sufrágio universal, do Presidente da República, retiraram poderes aos militares, mas, como afirmou Medeiros Ferreira (2001, p. 184), “até à revisão constitucional de 1982, quem definiu os termos das relações entre o poder político e a instituição militar foi, pois, a própria instituição militar”. Esta situação, que não se enquadrava nos padrões vigentes nas democracias representativas ocidentais, está na origem das tensões registadas entre o CR e a imprensa durante os anos de vigência deste órgão de soberania, visto por muitos como um elemento estranho, cuja existência deveria, pelo menos, ser questionada.

CR: um alvo preferencial de críticas da imprensa

Semanalmente os serviços de apoio ao CR elaboravam relatórios sobre a “situação político-militar do ponto de vista da leitura da imprensa”, e era com base nesses relatórios que os conselheiros se pronunciavam sobre o que consideravam serem ataques aos militares e ao órgão de soberania de que faziam parte, advogando várias vezes a necessidade de procedimentos criminais contra jornalistas e órgãos de comunicação social.

No início de Junho de 1976, o ainda Presidente Costa Gomes chamou a atenção dos seus colegas do Conselho para um artigo publicado no jornal O Templário, intitulado “as prepotências - antecâmara das ditaduras”, dando-o como exemplo daquilo que considerava um “problema gravíssimo”, ou seja, dos “insultos, injúrias e afrontas feitos quase diariamente às Forças Armadas e à própria Nação, na rádio, na televisão e na imprensa”. Na mesma ocasião, outro conselheiro chamou a atenção para outro artigo, publicado no Jornal Português de Economia e Finanças, afirmando que nele eram lançadas “calúnias e infâmias sobre as Forças Armadas”. Procedeu-se então a um “longo e intenso debate” durante o qual os membros do CR procuraram “encontrar o correctivo mais adequado para aquela atitude da imprensa, tendo-se chegado ao consenso de que o director do jornal Português de Economia e Finanças e o autor do artigo em causa fossem presos e que a detenção fosse levada a cabo pela Polícia Judiciária Militar, apesar das dúvidas levantadas por alguns elementos do CR, que chamaram a atenção para a ineficácia da medida, pois, recorrendo ao “habeas corpus” pouco tempo depois os dois jornalistas seriam libertados, constatando-se assim “o abuso de poder e a ilegalidade da prisão”[9].

Foi esse o motivo que levou o elemento do CR encarregado de cumprir a decisão do Conselho, a justificar, na reunião seguinte, por que razão não dera ordem ao Serviço de Polícia Judiciária Militar (PJM) para promover a prisão dos jornalistas. É que, em seu entender, aquelas prisões estariam fora da legalidade, pelo que aconselhou a que fossem instaurados no foro militar processos judiciais aos dois jornalistas.

Esta decisão não foi bem recebida pelos seus pares, tendo a maioria sublinhado a necessidade de se garantir o cumprimento das decisões tomadas no Conselho.

Duro, o Presidente Costa Gomes, defendeu que a decisão não poderia ser contestada e que tinha de ser cumprida, caso contrário, “o Conselho estaria a contestar-se a si próprio”, afirmando mesmo que os conselheiros deveriam “aceitar o cumprimento das resoluções tomadas no Conselho, sem estarem rigidamente atidos às vias legais”, lembrando que estavam ali presentes “o Presidente da República, o CEMGFA e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas”. No entanto, votada a questão, a maioria decidiu não ordenar a prisão dos jornalistas, mas apenas instaurar-lhes processos judiciais através da PJM. Foi também decidido que o comunicado da reunião “contivesse um solene aviso da firme disposição do Conselho em tomar as atitudes necessárias para a defesa da democracia, da liberdade e da dignidade das Forças Armadas”. Assim, o texto distribuído aos jornalistas chamava a atenção para a proliferação, nos órgãos de comunicação escrita, de uma “abusiva escalada” que, “utilizando as liberdades alcançadas pelo povo português”, punha em causa “não só as liberdades políticas” mas também “todos os objectivos inseridos no programa do MFA”, alertava para “tentativas nítidas de sabotagem da construção da democracia”, e criticava a ausência de legislação ou a “excessiva liberdade da mesma”[10].

Este posicionamento do Conselho não era apenas dirigido para os órgãos de comunicação social conotados com a direita. Em Julho de 1976, Melo Antunes referiu-se a um editorial publicado no Diário de Notícias, considerando deplorável que o Conselho da Revolução não pudesse produzir uma decisão que tivesse como efeito imediato a demissão do director interino desse órgão de informação[11].

Foi neste contexto que, depois de ter vencido as eleições presidenciais realizadas em Junho de 1976, Ramalho Eanes passou também a assumir a presidência do Conselho da Revolução. O novo presidente, o primeiro eleito por sufrágio directo, secreto e universal, possuía uma legitimidade (eleitoral) de que não dispunham nem os seus antecessores nem era partilhada com o CR, que era apenas detentor da legitimidade revolucionária, e logo nas primeiras reuniões a que presidiu chamou a atenção para alguns problemas no funcionamento deste órgão de soberania, nomeadamente: o conhecimento no exterior do teor de algumas discussões travadas no CR; a concessão de entrevistas pelos conselheiros a órgãos de comunicação social e o aproveitamento que era dado a essas entrevistas por aqueles que pretendiam degradar a imagem do Conselho[12]. Um mês depois, Eanes voltou a chamar a atenção para a “imperiosa necessidade de evitar que apareçam publicados ou divulgados documentos e assuntos cujo conhecimento se devia manter estrito do CR”.

Nessa mesma reunião, depois de vários conselheiros terem manifestado a sua preocupação com a constante atenção dispensada pela comunicação social em relação ao CR, Melo Antunes lamentou que o Conselho não dispusesse dos meios “para transmitir ao país a verdade” e sugeriu que o CR passasse a ter “um órgão de informação, tipo 5ª divisão” que conseguisse “dominar” e “sobrepor-se às manobras de demolição do Conselho nos órgãos de comunicação social”[13].

A ideia de Melo Antunes de reactivação da 5ª divisão ainda foi debatida com a secretaria de Estado da Comunicação Social mas não chegaria a ver a luz do dia. No entanto, este e outros conselheiros procuraram outras formas para combater os órgãos de informação mais críticos. Em Setembro de 1976, alguns membros do CR chamaram a atenção para os “insultos e calúnias difamantes” dirigidos aos conselheiros da revolução que eram publicados em jornais onde também se podiam ler “artigos de nítido cariz fascista” pelo que sugeriam que esses órgãos de informação fossem considerados como pertencentes a organizações fascistas, o que não era permitido pela Constituição. Dessa forma, defenderam que o governo analisasse as contas desses jornais[14] a fim de verificar a proveniência do seu capital e sustentaram que era necessária uma actuação urgente do CR, directamente ou por intermédio do governo[15].

Apesar destes apelos, um ano mais tarde o problema persistia. Em Novembro de 1977, o conselheiro Vítor Crespo fez considerações sobre a actuação a desenvolver relativamente aos órgãos de comunicação social que “faziam publicar artigos ofensivos” dirigidos a membros do CR ou a outros órgãos de soberania, defendendo que no caso de se tratarem de ofensas dirigidas ao Presidente da República, “seria de adoptar a maior rigorosidade”[16]. No entanto, o CR continuava a não dispor dos instrumentos que lhe permitissem agir nesse sentido.

Em Março de 1978, seria a vez do conselheiro Marques Júnior tecer comentários relativamente a notícias e artigos que continham “difamações, injúrias e ofensas à honra e consideração” dos membros do CR e de outras altas entidades militares, que estavam a ser publicadas “com grande frequência” em alguns órgãos de comunicação social, pelo que considerava “urgente” que fossem tomadas “medidas muito concretas para que tais situações deixem de se verificar”. Manifestando a sua concordância, outros conselheiros “reprovaram veementemente a forma como certa imprensa, aparentemente com grande impunidade” vinha publicando escritos que, na opinião destes conselheiros, pareciam constituir “delitos de imprensa, previstos e punidos na lei”. Entrando no debate, Melo Antunes considerou que ainda existiam possibilidades para, “dentro do quadro democrático, se procurar tomar medidas no sentido de corrigir os aludidos desmandos”. Nesse sentido, este conselheiro chamou a atenção para a recomendação que o CR tinha dirigido à Assembleia da República no âmbito do art.º 279[17], ou seja, para a recomendação no sentido de que a Assembleia legislasse sobre o art.º 46º n.º 4 - Organizações fascistas - que ainda não tinha produzido qualquer efeito e que em sua opinião só os produziria se o Presidente da República interviesse nesse sentido. Por outro lado, Melo Antunes entendia que a legislação existente era inadequada, especialmente relativamente à prova de “animus injuriandi”, pelo que defendeu que o governo deveria introduzir na lei vigente os necessários ajustamentos, que o Presidente deveria exercer influência para uma “melhor administração da justiça no campo dos crimes de imprensa”, e que o CR promovesse a realização de um estudo que permitisse ao Conselho elaborar uma proposta de legislação relativamente ao ónus da prova de “animus injuriandi” nos delitos de imprensa[18].

Um órgão de soberania dividido e paralisado

Apesar de todas estas démarches a situação não se alterou. Em Janeiro de 1979, o conselheiro Costa Neves, chamou a atenção para “a avalanche cada vez maior e mais descarada de ofensas ao CR, às Forças Armadas e ao próprio Presidente da República”, conduzida não só através de órgãos de comunicação social privados, mas também pelos estatizados, o que em sua opinião era “muito mais grave”. Referindo-se a artigos de jornal, a entrevistas e a comentários radiofónicos ou televisivos, Costa Neves questionou se valeria a pena continuar a processar articulistas, quando se sabia, à partida, que os julgamentos eram “normalmente” influenciados “por componentes político/sociais hostis ao 25 de Abril”. Este conselheiro questionou também se valeria a pena o CR se insurgir contra os abusos de liberdade de imprensa quando os responsáveis pela comunicação social, muitas vezes dinamizadores e até autores desses abusos, eram escolhidos pelos próprios órgãos de soberania. Para este conselheiro, que atribuía a responsabilidade desta situação ao CR por não ter sido capaz de impor directivas, não valeria a pena perseguir os responsáveis pelas ofensas pessoais dirigidas aos militares de Abril ou à própria instituição militar, pois o problema só seria resolvido através da defesa intransigente dos ideais de Abril e a nomeação “para os sectores fundamentais da vida da nação de pessoas honestas animadas daqueles ideais e de passado descomprometido do regime anterior”[19].

Este era o sentimento partilhado por grande parte dos membros do Conselho da Revolução nas vésperas da chegada da AD ao poder. Curiosamente não era esta a ideia veiculada pelo líder da AD, Sá Carneiro, que frequentemente criticava a existência e acção do CR. Estas críticas eram muitas vezes analisadas nas reuniões do Conselho e vários dos seus membros entendiam-nas como ataques dirigidos às instituições democráticas[20].

As duas vitórias da AD, primeiro nas eleições intercalares de Dezembro de 1979 e depois nas eleições de Outubro de 1980, agudizaram a tensão entre o CR e o governo, sendo que um dos focos desta tensão era precisamente a situação da comunicação social. Em Maio de 1980, um dos membros do CR aludiu ao “processo desencadeado nos órgãos de comunicação social” que pretendia por em causa a existência do Conselho da Revolução e quatro meses depois, vários conselheiros voltaram a chamar a atenção para a situação no sector da comunicação social, nomeadamente nos órgãos estatizados[21]. Um mês antes das eleições legislativas de 1980, diversos conselheiros voltaram a alertar para a situação vivida nos órgãos de comunicação social, considerando que estes estavam a ser dirigidos “por pessoas afectas a ideologias de um único sector”, que se constatava que a liberdade de expressão estava condicionada, quer por acção das chefias, quer por pressões de carácter ideológico, e que se traduziam em “autênticas deturpações dos acontecimentos” tendo em vista a obtenção de dividendos políticos e o condicionamento das eleições[22].

Apesar destas constantes chamadas de atenção, o CR pouco mais fez do que elaborar comunicados críticos dirigidos ao governo. Este posicionamento do Conselho explica-se pela existência de divisões no seu interior e de duas visões distintas sobre o papel do CR como órgão de soberania. De um lado encontrava-se o Presidente da República e os chefes militares por si escolhidos na qualidade de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que estavam empenhados em garantir que o CR adoptasse uma postura de moderação e de apagamento e que tinham como prioridade assegurar a re-institucionalização das Forças Armadas. Do outro lado encontravam-se os conselheiros históricos, que tinham estado na origem do Movimento dos Capitães e tinham permanecido no CR depois das várias remodelações por que este passara, que pugnavam pela existência de um CR interventivo onde todos os seus membros partilhassem objectivos e visões comuns, que fosse capaz de continuar a desempenhar um papel central na vida político-militar do país. Este órgão, coeso e homogéneo, não existia, apesar dos seus críticos alimentarem esta ideia, e muitas das polémicas identificadas pela imprensa eram fruto desta divisão existente no interior do Conselho e eram alimentadas por ambos os lados em conflito. Os defensores de um CR interventivo e politicamente actuante, procuravam, através de declarações ou entrevistas, sublinhar os perigos e ameaças ao regime democrático oriundas da direita[23]. Já os conselheiros que preconizavam um CR de baixo perfil optaram por fazer chegar à imprensa relatos e documentos das discussões e debates travados nas reuniões semanais deste órgão de soberania, alimentando os receios daqueles que temiam uma perpetuação do CR e da influência dos militares na vida política nacional.

Fugas para a imprensa

As constantes fugas para a imprensa foram utilizadas como um meio para impedir que os adversários internos dos conselheiros que defendiam um CR apagado conseguissem levar a bom porto os seus objectivos. A título de exemplo, referimos dois casos, ocorridos em 1977 e 1978, que revelam este fenómeno.

Em Dezembro de 1977, Vítor Alves apresentou ao CR um projecto de comunicado que deveria ser divulgado no Natal. Acontece que o texto não era uma mera mensagem de boas festas. Nele faziam-se considerações sobre a situação política (estava-se durante a crise política que conduzira à queda do I governo constitucional), criticavam-se os partidos que tinham rejeitado a moção de confiança apresentada pelo Primeiro-Ministro e em particular uma personalidade, nunca referida explicitamente mas facilmente identificável como sendo Sá Carneiro. O comunicado não foi aprovado[24], mas o seu autor não desistiu. Na última reunião desse ano, apresentou uma nova versão, mais moderada, que deveria ser divulgada para marcar o Ano Novo. Apesar dos cortes e das alterações, o texto continuava a ter uma forte conotação política: instava os partidos a encontrarem um entendimento e sublinhava os efeitos negativos de recurso a eleições antecipadas. O Presidente manifestou a sua oposição à divulgação do comunicado e o seu proponente retirou o projecto[25]. No entanto, todo este episódio seria relatado pelo semanário Expresso.

Na edição de 30 de Dezembro, este jornal publicou um artigo intitulado “As boas-festas que o Conselho da Revolução acabou por não dar”, onde era feito um relato pormenorizado das duas reuniões, incluindo o sentido de voto de alguns membros do Conselho. O artigo contava ainda que tinham sido aplicadas medidas de segurança extraordinárias, uma vez que no final do debate, ao contrário do que acontecia habitualmente, tinham sido recolhidas as cópias do projecto de comunicado distribuídas a todos os conselheiros a fim de se evitar a sua divulgação pela imprensa. Esta medida não foi suficiente. O Expresso descreveu todo o processo e relatou ainda que antes da última reunião tinha entrado em contacto com Vítor Alves, comunicando-lhe que iria noticiar o sucedido, referindo inclusivamente o título que iria atribuir ao texto jornalístico[26]. De facto, na reunião realizada no dia 28, onde procurou aprovar uma versão mais moderada do comunicado, Vítor Alves informou que tinha conhecimento de que esse semanário iria publicar no seu próximo número um artigo em torno do problema da saída do comunicado, antecipando o seu título. Nem essa informação alterou a decisão da maioria dos conselheiros[27]. O comunicado não foi divulgado, mas ficaram patentes as divergências existentes no interior do CR. Por outro lado, ficava também patente a existência de cumplicidades entre membros do CR e os média.

No ano seguinte, outro episódio voltaria a revelar a importância deste fenómeno das fugas para a imprensa.

Em Abril de 1978, Franco Charais apresentou uma detalhada proposta de organização militar[28], numa altura em que a Comissão de Defesa da Assembleia da República estava a estudar a elaboração de uma lei de organização e defesa nacional. Este documento ia no sentido oposto a um anteprojecto de lei de Defesa Nacional, elaborado um ano antes pelo então ministro da Defesa Nacional, Firmino Miguel, que não atribuía qualquer relevância ao Conselho da Revolução, não prevendo a participação deste órgão de soberania nas estruturas de direcção e coordenação da Defesa Nacional, abrindo assim caminho para a subordinação do poder militar ao poder político civil. Já o projecto de Charais, a ser aprovado pelo CR, produziria profundas alterações nas relações entre os diferentes órgãos de soberania, ao diminuir os poderes do Presidente da República e das chefias tradicionais (chefes dos ramos e EMGFA) e aumentar os poderes do CR, que passaria a “definir as responsabilidades de direcção, coordenação e execução” das Forças Armadas. No início de Maio, este documento foi divulgado por dois jornais conotados com a direita (Tempo e O Dia) e logo de seguida pelo Expresso[29], iniciando-se assim mais uma polémica sobre o papel dos militares e do CR no processo de transição constitucional. Num primeiro momento, o Conselho da Revolução negou existir uma proposta do conselheiro Charais que visasse constituir uma alternativa ao projecto de lei do ministro Firmino Miguel[30]. De facto a proposta de Charais não substituía esse projecto mas condicionava-o de tal modo que acabava por descaracterizar completamente um modelo que preconizava um apagamento do CR, ao propor uma lei paralela que, pelo contrário, reforçava o poder do Conselho da Revolução no interior das Forças Armadas, dificultando a normalização das relações entre poder civil e poder militar. Apesar desse desmentido e das declarações de Charais, que revelou não existir qualquer documento que correspondesse “ao que foi noticiado por certa imprensa”[31], este tema acabou por ter destaque em muitos órgãos de comunicação social não conotados com a direita. Por exemplo, O Jornal deu conta que tanto A Luta como o Diário de Notícias confirmavam a existência do “documento Charais” e que ambos revelavam que esse documento pretendia “assegurar ao Conselho da Revolução atribuições superiores àquelas que lhe estão consignadas pela lei em vigor e fazer perdurar a sua actuação além do prazo estabelecido constitucionalmente para o efeito”[32]. Era, de facto, isso que se tratava, pois embora o diploma projectado por Charais previsse a sua revisão na II legislatura, nada garantia que nessa altura os partidos chegassem a um entendimento quanto à extinção do CR ou elaboração de uma nova lei de Defesa pelo que, uma vez aprovada, a lei apresentada por Charais iria reforçar os poderes do Conselho e contribuir para a sua perpetuação, uma vez anulado ou diminuído o papel daqueles que no interior das Forças Armadas mais se opunham a esse modelo: os chefes dos Estados-Maiores.

Foi nesse sentido a interpretação feita pelo director do matutino A Capital, Francisco Sousa Tavares, que descreveu o “documento Charais” como “um plano concatenado e pormenorizado de estruturação com carácter nitidamente permanente de um órgão de soberania - O Conselho da Revolução - e de redefinição, para além da já existente na Constituição, das suas funções político-militares”. Para Sousa Tavares, o documento visava garantir: “a sobrevivência constitucional do CR como órgão permanente de soberania; a atribuição ao CR de todo o poder de decisão sobre o funcionamento, a organização e o comando das Forças Armadas; a subtracção, com carácter definitivo, do poder civil”. O director de A Capital lembrava ainda a completa independência do CR, que não poderia ser escrutinado democraticamente nem fiscalizado por qualquer outro órgão de soberania, e que a sua constituição, baseada no princípio de direito de privilégio, era característica das organizações de tipo aristocrático[33].

O que estava em causa era, de facto, a existência de duas visões distintas sobre o papel dos militares durante este período de transição e o risco da maioria dos conselheiros aprovar a proposta apresentada por Charais era real.

Acontece que o Presidente da República não via com bons olhos este maior intervencionismo do CR e utilizou o poder que tinha condicionando a agenda das reuniões do CR: oito meses volvidos sobre a apresentação da proposta, o CR ainda não tinha tido tempo para o examinar[34].

Além de serem uma arma no combate pela conquista da opinião pública, constata-se que as fugas condicionaram também o funcionamento deste órgão de soberania. Em diversas ocasiões vários conselheiros questionaram se deveriam fazer análises completas da situação política e promover discussões abertas nas reuniões, uma vez que quando o faziam existiam fortes probabilidades desses debates, secretos e sujeitos a sigilo, virem a ser reproduzidos parcial ou integralmente na imprensa[35].

Foi o que sucedeu em Julho de 1981. Depois de o CR ter declarado inconstitucional a lei de delimitação dos sectores, o governo da AD elaborou um comunicado onde atacava duramente a decisão do CR e alguns conselheiros pretenderam responder no mesmo tom. No entanto, o Presidente revelou “que não encontrava vantagem” numa discussão desse género, chamando a atenção “para a forma como no exterior do Conselho, poderiam ser interpretadas as posições que no seu seio se viessem a manifestar”. Conhecida a opinião do Presidente, os conselheiros decidiram que não deveriam debater a situação política nem emitir qualquer tipo de comunicado de resposta ao governo[36].

Apesar de terem sido estudadas e propostas várias medidas para combater as fugas para imprensa (investigações internas, sugestão de recurso a votações secretas, recolha dos documentos de trabalho no final das reuniões, estudo e orçamento para instalação de um sistema de gravação das reuniões), este fenómeno não foi travado.

As fugas contribuíram assim para que o CR procedesse a uma auto-censura, não chegando a debater em profundidade determinados assuntos com receio de que as discussões travadas viessem a ser conhecidas pela opinião pública. Esta era outra forma de condicionar a acção do Conselho que favorecia aqueles que defendiam um CR política e militarmente pouco interventivo.

Conclusão

Entre 1976 e 1982, o Conselho da Revolução foi palco de um confronto entre duas visões distintas sobre o papel que este órgão de soberania deveria desempenhar no ordenamento estabelecido pela Constituição de 1976.

Órgão de soberania com amplos poderes, composto exclusivamente por militares e herdeiro da legitimidade revolucionária, após o 25 de Novembro o CR foi sendo alvo de críticas das forças políticas e sociais que se sentiram mais ameaçadas durante o período revolucionário. Estas críticas não eram bem recebidas por uma parte importante do Conselho que, diversas vezes e de distintas formas, manifestou algum desconfronto pela forma como a liberdade de imprensa, de que se considerava arauto e principal responsável, vinha sendo exercida e aplicada. Além de demonstrarem a existência deste desconforto perante as críticas, os arquivos do CR revelam a existência de diversas tentativas para condicionar, limitar ou contrariar essa liberdade de imprensa. No entanto, revelam também que este posicionamento não recolhia apoio unânime dos conselheiros. Dividido, o Conselho da Revolução pouco mais podia fazer do que remeter para os tribunais os casos em considerava ser vítima dos excessos da imprensa. Sem mecanismos legais capazes de imporem a sua visão sobre o papel e actuação dos órgãos de comunicação e sem nunca ter sido possível reactivar uma estrutura semelhante à 5ª divisão do MFA, dadas as divergências existentes entre os militares, o CR foi progressivamente perdendo esta batalha.

Apesar dos ataques oriundos do exterior tenderem a reforçar a opinião daqueles que defendiam um Conselho mais interventivo a nível político e militar, nunca se gerou a unanimidade necessária. Pelo contrário, com o passar dos anos, as divisões existentes tenderam a acentuar-se e os defensores de um CR apagado, de baixo perfil, não se coibiram de utilizar todos os meios para enfraquecer os seus adversários. Entre estes meios, emerge a constante fuga de informações para a imprensa. A descrição pormenorizada dos debates, a transcrição e divulgação de documentos confidenciais e secretos serviu para enfraquecer aqueles que defendiam um Conselho activo, politicamente activo e empenhado.

Constata-se assim a importância do papel da imprensa neste período crítico. Esta centralidade da imprensa foi bem compreendida pelas duas linhas que se degladiavam no interior do CR e que procuravam influenciar a opinião pública e assim reforçarem as suas respectivas posições. Neste sentido identificaram-se duas estratégias distintas. Os defensores de um CR interventivo esforçavam-se, essencialmente através de entrevistas e declarações, por manter acesa a chama revolucionária e alertavam para os perigos do regresso ao 24 de Abril. Por outro lado, aqueles que defendiam um CR de baixo perfil utilizaram uma estratégia distinta, alimentando a ideia do perigo de um regresso ao período revolucionário, dando a conhecer à opinião pública, através de jornais cada vez mais críticos sobre a intervenção política dos militares, aquelas que entendiam ser ameaças à consolidação democrática e à subordinação do poder militar ao poder civil democrático.

Esta última foi a estratégia vencedora. Depois dos excessos revolucionários que quase conduziram o país à guerra civil, de constatada a inviabilidade de governos minoritários e de rejeitados os governos presidenciais, a maioria do eleitorado votou no bloco de direita.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Financiamento

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória - [DL57/2016/CP1453/CT0061]

 

Submetido: 2018.12.18

Aceite: 2019.09.07

 

Nota

[1] Existem diferentes propostas de periodizações relativas ao processo de democratização português. Seguimos aquela que em nosso entender melhor se adapta e leva em linha de conta os condicionalismos e as especificidades do caso português, avançada por Manuel Braga da Cruz (1999, pp. 73-81).

[2] Programa do MFA, disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/docs25a/MFA1-1.HTM . O programa passaria depois a letra de lei com a publicação da lei 3/74, de 14 de Maio.

[3] Decreto-lei n.º 281/74, de 25 de Junho. No estudo dedicado à Comissão ad hoc, Mário Mesquita identifica duas fases distintas durante a vigência desta comissão. Numa primeira fase, até ao 28 de Setembro, os principais visados por este organismo foram jornais de esquerda, acusados de incitarem à desobediência militar. Depois do afastamento do General Spínola e de se terem verificado alterações na composição da Comissão, a sua acção orientou-se principalmente contra a imprensa regional, grande parte da qual estava ligada à Igreja Católica (Mesquita, 1988, pp. 87-90).

[4] Decreto-lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro. Estes preceitos levaram Francisco Rui Cádima a afirmar que “de um ponto de vista formal, as relações entre o poder e media não diferiram muito das estabelecidas no salazarismo e no marcelismo. De um modo mais ou menos provinciano e com maior ou menor dedicação e saber, a verdade é que os mecanismos protocolares e oficiosos na informação predominaram muito para além da madrugada libertadora”. (Cádima, 2001, p. 321).

[5] Relativamente ao caso República ver Rebelo (2018) e Ribeiro (2013), sobre o caso Renascença ver Santos (2005).

[6] O projecto, que ficaria conhecido pelo nome do então responsável pela pasta da Comunicação Social, Jorge Correia Jesuíno, previa a criação de uma comissão de análise constituída por militares nomeados pelo Conselho da Revolução que teria a responsabilidade de aplicar penas de multa e suspender os responsáveis por “práticas condenáveis”, nos moldes da anterior comissão ad hoc. A lei 5/75, que ficaria conhecida como lei de censura militar, proibia os jornais de transmitirem informações, comunicados ou tomadas de posição de elementos das Forças Armadas que não fossem veiculadas por elementos do Conselho da Revolução e atribuía ao CR poderes para aplicar, por via administrativa, sanções aos órgãos de comunicação social (Mesquita, 1996, pp. 380-382).

[7] Sobre a Constituição e os seus antecedentes ver, numa perspectiva jurídico-constitucional, os trabalhos de Jorge Miranda (1989, pp. 620-638); sobre a institucionalização do MFA e o I Pacto MFA-Partidos ver Maria Inácia Rezola (2006, pp. 125-187); sobre o II Pacto ver Maria Inácia Rezola (2012, pp. 512-523).

[8] Texto originário da Constituição, aprovada em 2-4-1976.

[9] Arquivo do CR, Actas, vol. 3, cx. 3, reunião de 7-6-1976.

[10] Arquivo do CR, Actas, vol. 3, cx. 3, reunião de 14-6-1976.

[11] Nesta altura o cargo de director interino era exercido por Mário Mesquita. Arquivo do CR, Actas, vol. 3, cx. 3, reunião de 12-7-1976.

[12] Arquivo do CR, Actas, vol. 3, cx. 3, reunião de 23/26-7-1976.

[13] Arquivo do CR, Actas, vol. 3, cx. 3, reunião de 25-8-1976.

[14] No caso tratavam-se dos jornais A Rua e Jornal de Economia e Finanças

[15] Arquivo do CR, Actas, vol. 3, cx. 3, reunião de 22-9-1976.

[16] Arquivo do CR, Actas, vol. 4, cx 5, reunião de 23-11-77.

[17] Segundo este artigo, quando a Constituição não estivesse a ser cumprida por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais, o CR poderia recomendar aos órgãos legislativos competentes que as emitissem em tempo razoável.

[18] Arquivo do CR, Actas, vol. 5, cx 6, reunião de 9-3-78.

[19] Arquivo do CR, Actas, vol. 7, cx 8, reunião de 31-1-79. Entre os vários casos levados a tribunal, destacam-se os movidos contra a jornalista Vera Lagoa, que em Fevereiro de 1976 fundou o jornal O Diabo, anti-comunista e conservador, que foi suspenso por ordens do Conselho da Revolução. No entanto, esta suspensão viria a ser criticada pelo Conselho de Imprensa. Vera Lagoa chegou a ser condenada mas em Abril de 1979 o conselheiro Vítor Alves lamentava que o respectivo mandato de captura não tivesse sido emitido e que a jornalista continuasse a deslocar-se livremente. Arquivo do CR, Actas, vol. 7, cx 8, reunião de 11-4-79.

[20] Arquivo do CR, Actas, vol. 7, cx 8, reunião de 8-8-79.

[21] Arquivo do CR, Actas, vol. 8, cx 9, reunião de 26-5-80; 10-9-80 e 11-9-80.

[22] Arquivo do CR, Actas, vol. 9, cx 10, reunião de 24-9-80.

[23] Entre estes conselheiros destacou-se Melo Antunes que, em diversas ocasiões, exprimiu as suas preocupações com a evolução política do país, defendeu as conquistas revolucionárias e referiu-se aos perigos e ameaças que as poderiam colocar em causa, sublinhando a importância do CR como garante da democracia. A este propósito ver, por exemplo, entrevista concedida à revista espanhola Cuadernos para el Diálogo em Fevereiro de 1977, à agência de notícias da Hungria, em Abril do mesmo ano, ou à revista mexicana Cuadernos del Tercer Mundo, em Junho de 1977 (Rezola, 2012, pp. 568-585).

[24] Arquivo do CR, Assuntos tratados nas reuniões, vol. 21, cx. 39, 21-12-77.

[25] Arquivo do CR, Actas, vol. 5, cx 6, reunião de 28-12-77.

[26] Expresso, 30-12-77, p. 16.

[27] Arquivo do CR, Actas, vol. 5, cx 6, reunião de 28-12-77.

[28] Arquivo do CR, Acras, vol. 5, cx 6, reunião de 7-4-77.

[29] No dia 4 de Maio foi divulgado pelo Tempo e pelo O Dia e no dia 6, pelo Expresso.

[30] O Jornal, 5-5-1979.

[31] Diário de Lisboa, 5-5-1978, p. 1.

[32] O Jornal, 5-5-1978.

[33] A Capital, 8-5-1978.

[34] Carta de Franco Charais ao CEME, 2-12-1978, Arquivo do Conselho da Revolução, Assuntos tratados nas reuniões do CR, vol. 27, caixa 45, 13-12-1978, doc. 7, anexo 3.

[35] Ver, por exemplo, reunião de 20-10-76 e reunião de 5-1-79. Arquivo do CR, Actas, vol. 3, cx. 3, reunião de 20-10-1976 e Actas, vol. 4, cx. 5, reunião de 5-1-1977.

[36] Arquivo do CR, Actas, vol. 9, cx. 10, reunião de 22-7-1981.

 

Nota biográfica

David Castaño é investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa e Professor convidado no Departamento de Estudos Políticos da FCSH-UNL.

Email: davidmfcastano@hotmail.com

Morada: Universidade Nova de Lisboa, Instituto Português de Relações Internacionais. Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

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