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Media & Jornalismo

Print version ISSN 1645-5681On-line version ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.35 Lisboa Dec. 2019

https://doi.org/10.14195/2183-5462_35_3 

ARTIGO

Gravação de telefonemas de censores - uma questão política no marcelismo

Recordings of censors’phone calls - a political issue of Marcelism

Joaquim Cardoso Gomes*

*ICNOVA


 

RESUMO

Descobertas alguns dias após a revolução de 25 de abril na Comissão de Censura do Porto/Exame Prévio, as gravações de telefonemas de censores de imprensa foram dadas a conhecer apenas por um jornal diário, República, que as considerou “preciosas gravações”, um documento único nas ditaduras ibéricas, mas mantiveram-se praticamente desconhecidas até serem colocadas on line em 2017 pelo Arquivo da RTP. Neste artigo analisa-se o conteúdo das gravações, identificando o momento da sua produção, entre fevereiro e abril de 1974, bem como os intervenientes nas comissões de censura em Lisboa e Porto. Acompanhamos os vários momentos do registo sonoro desde a rotina do funcionamento da censura no mês de fevereiro de 1974, ao sobressalto provocado pela Revolução no dia 25 de abril em que a gravação ilustra por forma impressiva as últimas horas de um aparelho da censura velho de quatro décadas. Focando o funcionamento da Comissão de Censura do Porto e o seu pessoal político situa-se a decisão de instalação de gravadores nas comissões do Porto (1970) e Coimbra (1971), na necessidade de controlar a comunicação entre a censura e os jornais, e a comunicação interna entre comissões, nas três cidades em que eram publicados os principais diários do país.

O registo magnético surge assim no marcelismo como mecanismo adicional de controlo num momento em que o velho modelo de censura prévia tinha dificuldade em dar resposta aos novos desafios da imprensa. No caso do Porto o posicionamento político dos três jornais históricos face ao regime caracterizou-se, sobretudo no pós-guerra, por um distanciamento que, desde a década de 60 levou a um escrutínio mais rigoroso por parte da censura. São igualmente apreciados os problemas internos da Comissão do Porto, as diferenças de critérios entre as comissões de Lisboa e do Porto e o risco de deslizes na leitura de provas sobretudo em áreas sensíveis para o regime como era a guerra colonial.

Palavras chave: Estado Novo; marcelismo; censura prévia; gravações; imprensa


 

ABSTRACT

Discovered a few days after the revolution of April 25 in the Oporto Censorship Commission/Prior Examination, recordings of phone calls from press censors were made known only by a daily newspaper, República, which considered them “precious recordings”, a single document in the Iberian dictatorships, however they remained practically unknown until they were put online by RTP Archive in 2017.

In this article the content of the recordings is analysed, identifying the moment of its production between February and April of 1974, as well as the intervenients in the censorship commissions in Lisbon and Oporto. We followed the various moments of the tape recording since the routine of the censorship operation in February 1974 to the start of the Revolution on April 25, in which the recording impressively illustrates the last hours of a four decades old censorship apparatus.

Focusing on the work of the Censorship Commission of Oporto and its political staff is the decision to install tape recorders in the Oporto (1970) and Coimbra (1971) Commissions, the need to control communication between the censorship and the newspapers, and communication between commissions in the three cities where the country’s main dailies were published.

Magnetic recording thus appears in Marcelism as an additional mechanism of control at a time when the old model of prior censorship had difficulty responding to the new challenges of the press. In the case of Oporto the political position of the three historical newspapers in relation to the regime was characterised, especially in the post-war period, by a distance which, since the 1960’s, has led to a more rigorous scrutiny by censorship. The internal problems of the Oporto Commission, the differences in criteria between Lisbon and Oporto Commissions, and the risk of slips in the reading of galley proofs, especially in areas sensitive to the regime such as the colonial war, are also appreciated.

Keywords: New State; marcelism; prior censorship, recordings, press


 

Um dia de tréguas. Os jornais ainda hoje podem ter opinião. Mas de amanhã em diante têm que pensar pela cabeça dos outros. A pena do jornalista ficará, assim, reduzida a esse objeto inofensivo de escrever à rasa. Não nos pergunte o leitor o que pensamos de certa atitude ou de certa medida governamental - porque não temos o direito de pensar. O jornal mais bem informado daqui para o futuro, será o Diário do Governo.

Diário de Lisboa, 23 de junho de 1926

 

Introdução

Até aos anos 1990 a abordagem da censura à imprensa resultou quer da intervenção política da oposição à ditadura salazarista-marcelista (Rego, 1969; Carvalho & Cardoso, 1971; Carvalho, 1973), quer dos trabalhos de natureza jornalística, de denúncia do aparelho da censura ou empenhados na recolha de testemunhos dos profissionais que viveram sob o espectro do “lápis azul” (Príncipe, 1979;.Franco, 1993; Azevedo, 1999; Forte, 2000). Uma nova fase marcada pela produção historiográfica académica incidiu não só sobre a condição de jornalista (Sobreira, 2003; Correia & Baptista, 2007, 2010) e a história da imprensa no Estado Novo (Cabrera, 2005; Tengarrinha, 2006, entre outros) como sobre o próprio aparelho da censura à imprensa com recurso a fontes arquivísticas, em primeiro lugar, o arquivo da Direção dos Serviços de Censura, o arquivo Oliveira Salazar e os arquivos militares, situação decorrente da componente exclusivamente militar do pessoal político da censura à imprensa até 1957 (Gomes, 2006, 2013, 2017).

Este estudo complementa a investigação sobre o exercício da censura à imprensa e o seu pessoal político, desde a Ditadura Militar ao consulado marcelista, designadamente a composição das comissões de censura de Lisboa e do Porto sem o que não teria sido possível apreender o modus operandi da máquina censória e de alguns dos seus próceres nos meses que precederam o estertor do regime em abril de 1974 e no próprio dia da Revolução, momento particularmente relevante nas gravações dos telefonemas de censores. Criada pela Ditadura Militar em junho de 1926 com uma primeira comissão em Lisboa, rapidamente o aparelho censório se estendeu a todo o país, numa base castrense, descentralizada, que só com o triunfo do Estado Novo adquiriu, a partir de 1933, com a reestruturação do aparelho pedida por Salazar ao major Álvaro Salvação Barreto, a estrutura que se manteria inalterável até ao 25 de abril: uma direção geral superintendendo três comissões de Lisboa, Porto e Coimbra, com um conjunto variável de delegações na província de natureza quase sempre distrital.

Tratando-se de um documento sonoro único com registo da atividade censória procedeu-se, inicialmente, à revisão das fontes da imprensa diária nas cidades onde funcionava a estrutura intermédia do aparelho de censura, isto é, as comissões de Lisboa, Porto e Coimbra.

A informação veiculada pela imprensa, em articulação com o curso das operações militares em Lisboa e Porto cujo relato se encontra disponível desde 2017, revelou-se decisiva para a compreensão das atitudes da direção da censura na jornada de 25 de abril. Para o período anterior à Revolução, na rotina das comunicações telefónicas entre censores, a análise fina da imprensa foi fundamental para a identificação da data da sua produção, entre finais de fevereiro de 1974 e as vésperas do 25 de abril. Se os testemunhos de jornalistas sobre a comissão de censura do Porto se revelam escassos quando comparados com os de Lisboa, em contrapartida, a documentação arquivística fornece elementos sobre a evolução do pessoal político, as instalações e o relacionamento com os jornais do Porto, quer os três diários históricos quer a imprensa semanal, nomeadamente a católica, permitindo-nos obter a confirmação sobre o início das gravações no Porto e em Coimbra bem como o contexto político que as determinou.

1. 25 de abril e o fim da censura à imprensa

Na manhã de 25 de abril de 1974, Mário Bento, presidente da Comissão Central de Exame Prévio, designação esdrúxula com que Marcelo Caetano procurara encobrir a velhíssima instituição, chegara ao seu part-time matutino, pelas nove horas. Pouco depois telefonava para o vespertino República, questionando o atraso nas provas que os censores do turno da manhã já deveriam ter começado a rever. Alertado pelo censor-chefe para as“graves consequências” de colocar na rua o jornal sem o crivo censório Raul Rego não desmobilizou e, antes do meio dia, o República era o primeiro jornal a sair ostentando na capa: “Este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura”. A Capital [1],quase em simultâneo, colocou na rua uma edição à revelia do seu diretor e da censura. Pouco antes, pelas onze horas, a censura fizera nova investida telefónica, por Bento Garcia Domingues,[2] subdiretor, invocando a sua qualidade de inspetor da Polícia Judiciária, perplexo com a “irresponsabilidade” pelo não envio de provas (Foyos, 2014, pp. 39-40).

Nas suas Confidências ao Expresso, Mário Bento recorda o dia 25 de abril como de “trabalho normal” concedendo ter saído “mais tarde do que era habitual, pelas 14 ou 15 horas”, mas não regressou à rua da Misericórdia, preferindo ir para o segundo emprego como diretor do Centro de Observação Anexo ao Tribunal de Menores de Lisboa.[3] Ao começo da tarde quando no Diário Popular se estranhou a não devolução das provas enviadas para censura a redação soube que “na censura, só estavam um oficial e um porteiro (todos os outros funcionários haviam debandado) e este dizia que as provas estavam muito demoradas.” Só então o chefe de redação, Fernando Teixeira, “defensor acérrimo do Estado Novo e censor interno” (Rosa, 2017, pp.138-139), deixou de enviar provas quando o estafeta confirmou: “Ó Sr. Dr., já não está lá ninguém”. [4]

O edifício da censura, em Lisboa, encontra-se a pouca distância do epicentro da revolução, no Quartel do Carmo, onde se acoita Caetano. Por volta das 15h30 é disparada uma rajada contra as janelas do quartel da GNR que ecoará por todo o Chiado.

Entretanto, no Porto, ainda se vivem momentos de calmaria, com movimentação de tropas, mas sem qualquer intervenção popular. As operações militares do MFA sofreram dificuldades no Norte, não só porque algumas unidades não cumpriram as missões que lhe foram atribuídas, como as ações de sabotagem da rede de telecomunicações e cortes de linhas telefónicas pelos Grupos Especiais da Legião Portuguesa deixaram a população do norte do país “em completa ignorância do que se estava a passar no País”, situação só ultrapassada pelas 17 horas (Fonseca, 2017, pp.231-232). A população do Porto que se tinha mantido alheia ao movimento começou a concentrar-se nos Aliados pelas 18 horas vitoriando as tropas.

À mesma hora, Caetano rendia-se no Carmo, e só então, os censores da Invicta, crentes de que desta vez não seria a quartelada espúria do “16 de março”, abandonaram as instalações deixando o recado para a vendedeira de que podia suspender a entrega dos jornais de Lisboa mas continuar com os do Porto.[5]

Em Coimbra, o Diário de Coimbra, mais alinhado com a política do Estado Novo desde a ameaça de supressão de 1945, só no dia 26 noticia o Movimento das Forças Armadas e a mudança de regime. Segundo Jorge Castilho[6], a ocupação da comissão de censura naquela cidade foi um ato pacífico e meramente simbólico, que não mereceu qualquer referência na imprensa. Contou com a participação de alguns jornalistas e militares, em data posterior a 27 de abril, sem necessidade de arrombar a porta por os censores terem procedido previamente à entrega das chaves.

Os relatos da imprensa coincidem no facto do assalto às instalações da censura em Lisboa ter acontecido na sequência da concentração popular que encheu a rua da Misericórdia, depois da rendição da PIDE/DGS pelas 9H30 do dia 26 de abril. Segundo o Diário Popular, “a imensa mole humana” dirigiu-se para o edifício da censura onde “alguns populares, acompanhados por militares, subiram ao segundo andar de cujas janelas começaram a lançar à rua os arquivos e papéis que encontraram à mão, mobiliário e até máquinas de escrever.[7] O capitão Salgueiro Maia pediu à população para que os arquivos fossem conservados dado o seu “valor histórico inestimável” tendo alguns sido entregues ao dr. Raul Rego, diretor do República, que os confiou aos militares assim evitando maior depredação dos «preciosos arquivos da “comissão””.[8] Foi o vespertino República que na sua edição de 4 de maio de 1974 deu conta das ““Preciosas gravações” encontradas por jornalistas na censura do Porto” quando, na véspera, um grupo de jornalistas e escritores ocuparam as instalações na praça D. João I.

A imprensa do Porto noticiou a ocupação, sem mencionar adescoberta dasgravações e só OPrimeiro de Janeiro pôs emdestaque a “forma disciplinada” do ato, enquanto o Jornal de Notícias noticia o sucedido no Porto como “um grupo de jornalistas” ter ido “ontem cuspir nas instalações da Comissão de Censura ultimamente designada Exame Prévio”.

2. As gravações de telefonemas da censura

Conhecida a sua existência desde 1974, as gravações só em 1978 deram entrada nos arquivos da RTP sem qualquer documentação escrita associada. Embora ocasionalmente fossem utilizados excertos para programas radiofónicos e, em 2014, tivesse sido produzida pela Antena 1 uma peça na série Sons de Abril,[9] só em 9 de maio de 2017 é que a totalidade da gravação foi publicitada nos Arquivos da RTP.

O material colocado on line pela RTP, o único[10] com registo de censores da Direção dos Serviços de Censura/ Exame Prévio tem a duração de 1h 3´ 41´´ e está catalogado como ficheiro AHCD1599_01, o qual resulta da junção de duas bobinas anteriormente numeradas como AH10715 e AH10716, ocorrendo a junção de ambas aos 31´28´´ na presente gravação.[11]

O Arquivo da RTP estimou que o registo se reporta ao período “entre 20 e 25 de abril de 1974”, mas uma análise minuciosa a partir do confronto das notícias e jornais mencionados na gravação permite detetar onze blocos, numa sequência cronológica que não corresponde à opção de colocar em primeiro lugar a bobine AH10715. De facto, nesta primeira bobina, dos oito segmentos, cinco são do dia 25 de abril (bloco II e bloco IV a VII), o registo dos blocos I e III reporta-se a poucos dias antes do 25 de abril e só o bloco VIII foi gravado no final do mês de fevereiro de 1974 (Tabela 1). Já a bobina AH10716, em segundo plano na sequência, é toda ela preenchida com as gravações mais antigas, da última semana de fevereiro de 1974.

 

 

Na economia geral do ficheiro a parte respeitante ao dia da Revolução - bobina AH10715 - ocupa apenas 20% do total mas fornece uma imagem sonora particularmente interessante das comunicações entre Lisboa e Porto, ao longo do dia, culminando numa chamada telefónica às 15 horas quando a direção da censura já tinha abandonado as instalações. Nela o capitão Correia de Barros dá conta do clima vivido na comissão do Porto: “Nós aqui não sabemos nada, há umas coisas de emissoras francesas, a artilharia está ocupada, o CICA também, o Quartel-General também (…) há calma mas mais nada, estamos a aguardar…”. Fica a promessa de novo contacto com Lisboa por volta das cinco da tarde.

A gravação evidencia não só a ignorância da comissão do Porto sobre a evolução das operações militares como a incapacidade de Lisboa em dar instruções, pela dificuldade nas comunicações telefónicas e, sobretudo, pela paralisia em que o aparelho repressivo mergulhou com o desencadear do golpe militar. Quando o diretor Mário Bento, visivelmente perturbado, é confrontado com a notícia da ocupação do Terreiro do Paço a sua reação imediata é mandar cortar tudo, desde o avanço das tropas do MFA, à singular ordem para cortar “Rádio Clube Português - A Voz das Forças Armadas” e todas as fotografias que a imprensa tinha começado a publicar à revelia do “lápis azul”. Acumulam-se as provas que alguns jornais teimam em mandar à censura e a única recomendação do diretor é “reter” a informação como se fosse possível barrar o curso dos acontecimentos. “Num segundo, aquele opressivo regime ditatorial, passara de uma autoconfiança ilimitada - que lhe era dada por meio século de poder -, a um estado de total desorientação e paralisia, provocado pela ação decidida de uma centena e meia dos seus capitães… ”.[12] (Luz, 2017, p.145)

Se estes registos documentam, no plano sonoro, o sobressalto do 25 de abril, já os restantes, da bobina AH10716, são um expressivo documento da rotina do aparelho censório. Reportando-se ao final do mês de fevereiro de 1974, os blocos VIII, X e XI, ilustram o duplo papel das chamadas telefónicas entre comissões: por um lado, as “intervenções”, como explica o censor, «o que se corta», por outro, o controle imediato do já publicado (“cumpriram/não cumpriram”) na imprensa da capital como orientação para a Comissão do Porto que, em caso de dúvida, deve seguir a censura ao Diário de Lisboa, diretiva anteriormente documentada quando perante uma situação de “divergência de critérios” entre Lisboa e a censura do Porto, o diretor Neves Martinha lembrou “a vantagem de efetuar-se sempre a censura dos jornais do Porto, pelos textos dos vespertinos de Lisboa aí chegados”.[13] Num período marcado por forte agitação laboral, a preocupação da censura centra-se em torno das reuniões sindicais, reivindicações salariais, movimentos grevistas, - “Bem, o que não se pode é fazer relações [sic] a greves!” -, com destaque para a luta dos metalúrgicos em Vieira de Leiria,[14] os preços dos combustíveis, as manifestações contra a guerra colonial e de propaganda da jornada do 1º de maio, em Lisboa a 21 de fevereiro, na Cova da Piedade a 23 de abril, a repressão da luta estudantil.

Neste registo destaca-se ainda a vigilância apertada ao semanário Voz Portucalense, órgão da diocese do Porto, que vê sistematicamente grande parte da sua produção jornalística retalhada pela censura,[15] numa altura em que o “Clero Progressista e Católicos Dissidentes” eram classificados como parte do “INIMIGO” em diretiva do Ministério da Defesa Nacional.[16]

Por outro lado, as contradições dentro do regime, pela ação de sectores ul tranacionalistas, encontram expressão no livro Nós nunca seremos a geração da traição, com material do I Congresso dos Combatentes do Ultramar, realizado no Porto. O jornalista de A Época, José Manuel Pintasilgo, é citado nos telefonemas como estando a desenvolver esforços junto da direção da censura para ultrapassar a proibição do livro, o que aconteceu em março.[17]

Tratando-se dum registo com claras sobreposições e cortes, uma pequena amostra duma atividade prolongada, é de assinalar a natureza da linguagem desbragada que censores do Porto utilizam nas conversas com Lisboa que, por alguma forma, corrobora a postura hostil para com os chefes de redação e que perdurou na memória de profissionais do Porto: “Limpou-se tudo aquilo de que voltam a falar…”, “… Então tenho que fazer outra poda maior ali naquele…”; “Pronto! Deste Voz Portucalense estamos entendidos. Está quase tudo cortado! Era melhor era cortá-lo todo, carago! (risos)”; “… preços da gasolina. Até aí vai tudo abaixo!”; “…os jornais começam a seringar-nos…”, a última frase já na manhã de 25 de abril.

3. Comissão de Censura do Porto

A relação entre a censura e os jornalistas foi sempre, por natureza, conflitual. Salazar que superintendia a máquina censória, chegou a admitir que “a Censura molesta um pouco os jornais”, problema que o regime subordinou ao princípio reiterado de que ao Estado competia impedir a “perversão da opinião pública”.[18] Nas “Normas de serviço interno - recomendação” (1956), o diretor-adjunto discorre sobre hierarquia e disciplina no aparelho censório defendendo “o estabelecimento de relações cordiais com os proprietários, diretores, editores e redatores e a maior urbanidade no tratamento com as pessoas”, advertindo que “um tratamento menos cortês, um simples levantar de voz , uma resposta brusca, todo o procedimento imperativo, é de evitar (…)”.[19]

Os testemunhos dos jornalistas do Porto revelam, quase sempre, uma experiência diferente das orientações propaladas pelo diretor-adjunto. Pinto Garcia, sem citar nomes, resume a relação com os censores como “de não cordialidade”. Para Manuel Ramos, também do Jornal de Notícias, o telefone era a “arma” predileta dos censores: “Telefonavam à 1 ou 2 da manhã, obrigavam-nos a alterar páginas a caminho da rotativa. Era desesperante.” [20] Manuel Ramos recorda ainda o capitão José Eduardo Correia de Barros: “irascível, fascista, um homem de direita” e o alferes Ponce de Castro, censor profissional de 1936 a 1970: “um homem (…) horrível. Dava uns berros e nós acautelávamo-nos.”[21]

Costa Carvalho relembra como os censores começavam a conversa: “Ora bem, vamos às instruçõezinhas para hoje!”[22] e sobre os homens do “lápis encarnado”, usado na comissão do Porto: o “Dr. Ornelas era de uma educação esmerada, falas mansas e não impositivas”, o tenente Almeida Teixeira, um “arrieiro”, leia-se, grosseirão. Por fim, Manuel António Pina, caracteriza o coronel Roma Torres como “um homem comum, um homem do regime (…) pouco tolerante, reservado e do ponto de vista intelectual muito fechado”. [23] Noutro plano, dentro do aparelho, o formalismo na relação entre censores espelha um tom reverente entre os censores do Porto, drs. Ornelas e Relvas e o diretor, tratado por “Vosselência”, no dia da Revolução.

Dirigida por militares no ativo até à década de 50, a comissão do Porto vai ter à sua frente em 1955 um antigo militar, licenciado em Direito, Agostinho Seguro Pereira, altura em que conhece uma grave perturbação que ditou a sua exoneração em 9 de maio de 1959, no meio de acusações invulgares no aparelho da censura. O alferes Ponce de Castro, presidente interino, descreve Seguro Pereira como “energúmeno”, com uma gestão “atrabiliária, indecente, ridícula e profissionalmente incompetentíssima”.

Por algum tempo o coronel Arnaldo Fontes retoma a direção da comissão e, desde 1960, como vice-presidente interino e depois presidente, um civil, o dr. Alexandre Pestana de Ornelas. Nos últimos anos da ditadura a comissão do Porto foi constituída por 6 a 7 censores, quase sempre oficiais do exército na reserva ou reformados, denotando um processo de desmilitarização mais lento que em Lisboa e com problemas que não terão sido plenamente superados, a julgar pela deslocação para o Porto, entre 1967 e 1968 de um “comissário político”, o major piloto-aviador Fernando Tártaro. Asgravações de telefonemas remetem-nos ainda para dois novos nomes na comissão do Porto: o coronel Pires (?) e o dr. Relvas[24] cujo registo parece credenciá-lo como o novo presidente. Em contrapartida, sabemos que o tenente Almeida Teixeira foi expulso em fevereiro de 1974[25] “por se considerar particularmente grave a falta cometida” segundo o diretor em 9.2.1974, relacionada com a divulgação do documento Imperativo de Consciência em que o colonialismo português em Moçambique era questionado pelos Missionários Combonianos, proscritos da colónia em março e abril de 1974.[26]

Encarregado pelo Governo marcelista de promover um inquérito [27] ao funcionamento da censura no Continente, o diretor, tenente Nazaré, descreve-a como “uma estrutura velha de mais de 30 anos”, “obsoleta”, sujeita a “constantes deslizes”. De facto, desde a reorganização de 1933 com a criação da estrutura intermédia, as comissões, sediadas na capital, no Porto e Coimbra, as mudanças ocorridas no aparelho da censura situaram-se essencialmente na centralização do serviço e na renovação do pessoal político. (Gomes, 2013, pp. 97-100).

Caetano manteve a censura, recriando-a em 1972 como Comissão Central de Exame Prévio e reforçou a liderança da máquina censória com o coronel Armando Páscoa, apostando na sua racionalização e eficiência é dele o desígnio de “um controlo perfeito dos jornais que se publicam no País”[28] -, ao mesmo tempo que se assistia a um processo de concentração de empresas jornalísticas por grupos económicos onde se estimulava a autocensura e mecanismos de censura interna. (Cabrera, 2006, p. 259). Depois da derradeira transferência dos serviços de censura em Lisboa, (1969), será a vez de Coimbra (1970) e do Porto, em julho de 1971, para um moderno edifício na praça D. João I, face à degradação do espaço na rua de Santa Catarina, episódio associado à instalação do equipamento de gravação no Porto.

Desde há tempos que estamos a utilizar, por empréstimo, um gravador a que se adapta um dispositivo que permite captar as conversas telefónicas e que as reproduz no final da conversação. A utilidade de tal aparelho não necessita de encómios bastando citar que quando as recomendações são extensas ou quando há necessidade de transmitir artigos, locais ou notícias sujeitas a certas limitações, o emprego do aparelho confirma a transmissão resolvendo qualquer dúvida entendimento. Assim se V. Exª entender que merece provimento este meu pedido, aí o deixo formulado para ser atendido no orçamento para o próximo ano. O custo do gravador é de cerca de 3000$00 (Três mil escudos) .[29]

O coronel Páscoa visitou esta comissão, em outubro de 1970, com o Diretor Geral da Informação e, por certo, não só ficou decidido o problema logístico como a adoção da nova tecnologia, aparentemente, por iniciativa do presidente da comissão do Porto. Dos canais de comunicação da censura com a imprensa, documentação escrita como ofícios ou circulares enviados por via postal, a utilização do telex das agências noticiosas, os próprios cortes dos granéis, na judiciosa consideração do diretor-adjunto David dos Santos,[30]o telefone desempenhava um papel primordial razão pela qual os jornais de grande circulação tinham uma ligação direta às comissões de censura. No caso dos matutinos do Porto os telefonemas regulares decorriam a partir das 20 horas e prolongavam-se pela madrugada até ao fecho dos jornais pelas 3 da manhã. Todos os contactos eram anotados no Livro de registos de Comunicações com as horas, nome do censor que transmitiu e nome do chefe de redação que a recebeu. Em circunstâncias extraordinárias, quando uma entidade oficial pretendia que a censura controlasse a informação em torno de qualquer incidente, o procedimento era idêntico, no Registo de pedidos com formulário próprio e despacho do diretor da censura. [31] No caso da comunicação entre as comissões de Lisboa e Porto, habitualmente às 22H30 e 01H00 da manhã,[32] o diretor Martinha determinou em 1964 que “de futuro, as “diretivas” transmitidas telefonicamente, [deveriam] ser sempre conferidas e controladas, tal constando dos respetivos registos.”[33] No mesmo ano registou-se uma extensão de contactos telefónicos diários com as delegações de Beja e Évora onde também se publicavam jornais diários.[34] Já no consulado marcelista, em 1969, uma proposta para alargar as comunicações telefónicas diárias a todas as delegações não terá sido posta em prática devido à contenção de despesas.

Se a gravação de chamadas no Porto data de meados de 1970, em Coimbra deve ter sido implementada a partir de 1971 incluindo, em qualquer dos casos, a gravação dos contactos com a imprensa diária. No relatório do coronel Páscoa de junho de 1971 diz-se expressamente:

Dadas as constantes contradições em que por vezes alguns jornais vinham a cair ao ser-lhes imputada determinada falta e ainda para que não possa haver qualquer dúvida sobre instruções telefónicas transmitidas pela Direção destes Serviços ao fazer-se durante a noite o balanço de “cortes” e ao serem dadas quaisquer indicações eventuais, atribuiu a Direção destes Serviços às Comissões de Porto e Coimbra, um gravador que regista as conversações havidas. Assim que toda a conversa havida entre o oficial de serviço da Comissão de Coimbra e o jornal “DIÁRIO DE COIMBRA” se acha gravado totalmente, de que esta Direção tem uma cópia, à disposição da Secretaria de Estado.[35]

4. Conclusão

A documentação de 1970 /1971 fornece elementos relevantes quanto à origem e intuito dasgravações, quer as internas, quer asdos contatos com os jornais, um documento sonoro único no contexto das ditaduras ibéricas,[36] mas não podemos concluir existir uma razão unívoca para a implementação das gravações da comunicação telefónica. No Porto, os três grandes diários mantiveram, sobretudo no pós-guerra, um distanciamento, quando não oposição tolerada face ao regime, acompanhando uma maior indisciplina no envio de provas à censura induzida pela promessa de abertura de Marcelo Caetano. Se o Primeiro de Janeiro era historicamente considerado de “oposição ao Estado Novo”,[37] no início da década de 60, a intensificação da censura, com a direção de Quesada Pastor[38] em 1959, em plena crise do regime, colocou os outros dois jornais, o Comércio do Porto,[39] e o Jornal de Notícias,[40] com progressiva influência (Sousa, 1988 p. 283), sob escrutínio cada vez mais rigoroso da censura.

A instabilidade no pessoal político do Porto e a recorrente diferença de critérios entre a censura de Lisboa e a do Porto, por vezes ultrapassada pelas facilidades concedidas ao Diário Popular [41] foram igualmente fatores que aumentavam o risco de deslizes na leitura de provas, dando lugar a situações de melindre que se pretendia evitar a todo o custo, sobretudo as relacionadas com a guerra colonial, assunto tabu para o regime. O caso do Diário de Coimbra que publicou inadvertidamente em 1971, o discurso do general Reimão Nogueira,[42] demitido de comandante da Região Militar de Coimbra, ilustra esta preocupação, com antecedentes, nomeadamente em 1963, na publicação pelo Comércio do Porto, do discurso desalinhado do general Luís Augusto Ferreira Martins, em 30 de abril.[43]Embora existisse desde a década de 50 um “Serviço de Controle”, chefiado agora pelo coronel Francisco Cardoso Salgado, o registo magnético tornou-se um mecanismo adicional de fiscalização quando o velho modelo de censura prévia tinha dificuldade em “dar resposta às solicitações da imprensa face ao esgotamento do regime político” (Gomes, 2013, p. 99) .

As gravações de telefonemas ocorrem, assim, no quadro contraditório da “continuidade” marcelista, com uma fugaz descompressão, logo seguida dum adensar do controlo dos media, quer pela censura quer pela manipulação da comunicação, tornada indispensável para manter uma legitimidade ilusória do regime que o ato eleitoral de 1969 não lograra obter.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Submetido: 2018.11.14

Aceite: 2019.07.23

 

Notas

[1] Esteves, E. (2018). 1968-1969 A Voz de uma Geração “A Capital” Memórias de um Tempo, Lisboa: Âncora Editora, p. 26.

[2] Bento Garcia Domingues quando ascendeu a inspetor de primeira classe da Polícia Judiciária (1972) já desempenhava funções na Censura como subdiretor, desde 1970. O coronel Armando Páscoa ao abandonar a censura sublinhou o “superior reconhecimento e inesquecível gratidão pelo exaustivo trabalho do Subdiretor”. ANTT - SNI/DSC, Cx. 414, Ordem de serviço nº 2 de 31.3.1973.

[3] Expresso nº 1919, de 8.8.2009, Revista Única, “Confidências de Mário Bento - o último diretor da Censura”, entrevista de José Pedro Castanheira.

[4] Jacinto Baptista, extratos das“Páginas de um diário” do livro Caminhos para uma revolução, Bertrand, 1975, in Jornalismo & Jornalistas nº 57, p. 37 e o testemunho de Acácio Barradas, In Fernando Correia e Carla Baptista (2010). Memórias Vivas do Jornalismo. Lisboa: Editorial Caminho, p. 73.

[5] Jornal de Notícias, 27 de abril de 1974, p.9, “Censura e ANP de portas fechadas” e Suplemento da edição de 25 de abril de 1994, “20 anos de Liberdade”, do Jornal de Notícias, testemunho do capitão Delgado da Fonseca, pp.38-39.

[6] Devo ao antigo jornalista do Diário de Coimbra, Jorge Castilho, as informações sobre os acontecimentos em Coimbra.

[7] O Século, 27 de abril de 1974, p.6.

[8] República, dia 26 de abril de 1974, 2ª edição, p. 15, “A censura saqueada por populares.”

[9] Com o título implausível, Inspetores da PIDE mostram como funciona a censura, a peça de Helena Matos utiliza um excerto deste “som histórico”, que não localiza no tempo, caindo no anacronismo de que tudo se reporta à véspera do 25 de abril ou ao próprio dia. Controversa é ainda a afirmação de que os jornais do Porto eram menos censurados que os de Lisboa por as redações estarem distantes da capital, porque “isto [a censura] pelo telefone é um pouco mais complicado…”.

[10] Existe uma gravação de 1965 no Arquivo RTP entre um “censor”, António Caetano da Luz Carvalho, diretor dos serviços de informação do SNI (também vogal da Comissão de Exame e Classificação dos Espetáculos, mas não foi nessa qualidade que interveio junto da rádio) e José do Nascimento, do Rádio Clube Português, por causa de uma reportagem sobre o assassinato do general Humberto Delgado.https://arquivos.rtp.pt/conteudos/telefonema-para-a-censura

[11] https://arquivos.rtp.pt/conteudos/gravacao-de-telefonemas-dos-servicos-dacensura/#sthash.Oi95lNfZ.dpbs

[12] Cf. Luz, A. R. (2017). O meu 25 de abril, in C. A. Contreiras (Coord.), Operação “Viragem Histórica” - 25 de Abril de 1974, Lisboa: Edições Colibri e Associação 25 de Abril, p.145.

[13] ANTT-SNI/DSC, Cx. 600, proc. 334, ofício de 16.7.1965, cadastro do Comércio do Porto

[14] Os trabalhadores da Fábrica de Limas Tomé Feteira, em Vieira de Leiria, iniciaram uma greve de braços caídos no dia 5 de fevereiro de 1974 exigindo aumento de salários de 25% ficando fora dos portões nas horas de trabalho. Avante! nº 463, Série VI, (março 1974), p. 3.

[15] ANTT-SNI/, DSC, Cx. 736, proc. 430, Voz Portucalense. No número 18 de 4 de maio de 1974 o jornal regista: “De 3 de janeiro de 1970 a 27 de abril de 1974, publicámos 225 números de a Voz Portucalense sujeitos, sem exceção, aos espartilhos, arbitrariedades e discriminação da Censura - Exame Prévio. Este é o primeiro número sem censura”.

[16] Diretiva Nacional de Ação Psicológica para 1973 do Ministério da Defesa Nacional. In Contreiras, A.M.(Coord.) Operação “Viragem Histórica” - 25 de Abril de 1974, Lisboa: Edições Colibri e Associação 25 de Abril, p. 35.

[17] PPI - Gabinete de Informação Sistemática. (1974). Nós nunca seremos a geração da traição. Lisboa.

[18] Diário de Lisboa, 1 de julho de 1958, discurso de Salazar perante as Comissões Distritais da União Nacional em 30 de junho.

[19] ANTT-SNI/DSC, Cx. 799, “Normas de Serviço Interno - Recomendação”, Boletim nº 7/56 de 2 de fevereiro de 1956, pelo coronel David dos Santos.

[20] Jornal de Notícias, 25 de abril de 1994, p. 19, “Censores “atacavam pelo telefone”.

[21] Isabel Forte (2000). A censura de Salazar no Jornal de Notícias Da actuação da Comissão de Censura do Porto no Jornal de Notícias, Coimbra: MinervaCoimbra, p. 125.

[22] Idem, p. 148.

[23] Público, 27 de abril de 2005, “Coronéis armados de lápis azuis.”

[24] A prova com cortes do semanário Voz Portucalense de 9.10.1973 apresenta uma assinatura do dr. Relvas em visto de recurso. ANTT-SNI/DSC, Cx. 253.

[25] ANTT-SNI/DSC, Cx. 564, Comissão do Porto. O ofício de 9.2.1974 do presidente da Comissão Central confirma a comunicação telefónica de acordo com a qual são dispensados a partir de hoje os serviços do leitor em causa por se considerar particularmente grave a falta cometida”. Nas transcrições dos telefonemas da Comissão de Exame Prévio do Porto, o último registo do tenente Teixeira data das 23H45 de 5.2.1974. Cf. César Príncipe (1979) Os Segredos da Censura. Lisboa: Editorial Caminho, p. 21.

[26] As relações entre o regime e a Igreja conheceram períodos de maior tensão durante o pontificado de Paulo VI devido à deslocação do papa Paulo VI a Bombaim em 1964 e a audiência em 1970 aos líderes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas. Cf. Santos, P. B. (2016). A Segunda Separação A Política Religiosa do Estado Novo (1933-1974), Coimbra: Almedina, p.477 e pp.481-482.

[27] Comissão do Livro Negro sobre o Fascismo (1980). A política de informação no regime fascista. Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros, vol. I, pp.226-232.

[28] ANTT - SNI/DSC, Cx. 798, Circular nº 326 de 10 de maio de 1971.

[29] ANTT- SNI /DSC, Cx. 564, Ofício nº 40/70 de 19 de outubro de 1970 da Comissão do Porto para o Diretor dos Serviços de Censura.

[30] ANTT-SNI/DSC, Cx. 796, Ofício nº 110/39 de 18.1.1957.

[31] ANTT-SNI/DSC, Cx. 564, “Registo de Pedidos” de 8.8.1964.

[32] ANTT-SNI/DSC, Cx. 796, Ordem de serviço nº 2 de 9.12.1968.

[33] ANTT-SNI/DSC, Cx. 564, Ofício de 20.8.1964 para a Comissão do Porto com conhecimento ao Grupo noturno de Lisboa.

[34] ANTT - SNI/DSC, Cx. 791, Ordem de serviço nº 3 de 15.2.1964.

[35] ANTT-SNI/DSC, Cx. 795, Relatório de 2.6.1971, “Comissão de Censura de Coimbra Relatório de Averiguações (Publicação no ‘DIÁRIO DE COIMBRA’ do discurso do General Comandante da 2ª Região Militar)”.

[36] Agradeço a informação ao professor Jaume Guillamet, da Universidade Pompeu Fabra.

[37] ANTT-SNI/DSC, O Primeiro de Janeiro, Cx. 538, proc. 394 e Cx. 732 (cadastro).

[38] J. F. Quesada Pastor, com longo historial na censura à imprensa e na censura aos espectáculos, era o chefe de gabinete de Marcelo Caetano em 1974.

[39] ANTT-SNI/DSC, Comércio do Porto, Cx. 600, proc. 334 (cadastro).

[40] ANTT-SNI/DSC, Jornal de Notícias, Cx. 334, Cx. 549 e Cx. 584 (processos disciplinares).

[41] ANTT-SNI/DSC, Comércio do Porto, Cx. 600, proc. 334. Em 28.1.1968 diz o subdiretor do Comércio do Porto: “Adivinhamos que o assunto não tenha sido submetido a censura prévia, como aliás parece ser frequente naquele jornal, pois não raro, aquando da comunicação telefónica ou instruções do Serviço de Censura, nos é recomendado: ‘Apesar de sair no Diário Popular, não pode publicar-se…’”. Uma explicação adicional para a diferença de critérios decorre da situação do Diário Popular enviar para o Norte, por comboio, uma primeira edição que “incluía muitas vezes textos que não tinham ainda o ‘visto’ da Censura, mas que depois ela vinha a cortar e aos quais, portanto, os leitores da capital já não tinham acesso”. Cf. Fernando Correia & Carla Baptista, (2011, p. 174).

[42] A aura desta demissão levou a que fosse nomeado comandante da Região Militar de Lisboa pela Junta de Salvação Nacional cargo que só manteve até à substituição, em 13 de julho de 1974, por Otelo Saraiva de Carvalho como comandante-adjunto do COPCON, o que foi visto como uma derrota da ala militar spinolista. Cf. Jaime Nogueira Pinto (1977) Portugal Os Anos do Fim, II Vol., Lisboa: Sociedade de Publicações Economia & Finanças, p. 189

[43] ANTT-SNI/DSC, Comércio do Porto, Cx. 509, Processos disciplinares, 334.

 

Nota biográfica

Joaquim Cardoso Gomes é colaborador do Instituto de Comunicação da NOVA - ICNOVA Morada: Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

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