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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.35 Lisboa dez. 2019

 

IN MEMORIAM

Professor Nelson Traquina (1948-2019)


 

Esta não é ainda a homenagem que queremos fazer à memória do Professor Nelson Traquina. Estávamos a finalizar a edição nº 35 da Media&Jornalismo quando fomos surpreendidos pela inesperada notícia da sua morte, numa altura em que nos preparávamos para o revermos em Lisboa. Mas, sendo esta uma edição sobre um tema que também o apaixonou a história e a conceptualização do jornalismo enquanto campo de estudo de reflexão da iniciativa de um centro devedor de outro que fundou o CIMJ, em 1997, com algumas das pessoas que hoje integram o ICNOVA e que foram seus companheiros, alunos e amigos, não podíamos deixar de assinalar de forma comovida o seu desaparecimento, na revista que criou em 2002, pioneira em Portugal na divulgação de investigação sobre os media, o jornalismo e a sociedade.

Não temos qualquer dúvida de que a sua memória irá perdurar, enquanto professor dedicado, investigador de referência e homem generoso e afetuoso que ajudou tantos de nós a iniciar e desenvolver a sua carreira académica. Foi também com grande comoção que lemos em quase todos os jornais portugueses o seu obituário, escrito por jornalistas que foram seus alunos e lhe devem também a inspiração para um caminho profissional que ele só concebia de forma íntegra, apaixonada e, ao mesmo tempo, profundamente respeitadora do jornalismo enquanto profissão e exercício político de resistência e luta.

Nelson Traquina é a maior referência da área dos estudos jornalísticos em Portugal - a ele lhe devemos os elementos para uma teoria da notícia que nos ajudam a compreender porque é que as notícias e a “tribo jornalística” são como são. Todos nos lembramos da forma exuberante como descrevia esta tribo de indígenas, perdidos no grande mar da comunicação moderna, armados dos seus óculos e dos seus gadgets, perspicazes para alguns e obtusos para outros. Mas o que Nelson Traquina nos ensinou a pensar foi que a forma como os jornalistas enquadram, narram, relatam as histórias constitui em si um enorme património de sedimentos simbólicos que fundam o jornalismo enquanto discurso criador de sentidos e perceções coletivas.

De entre os imensos contributos que deu ao campo dos media desde a emblemática pesquisa empírica sobre 30 anos de noticiabilidade da Sida em Portugal até à reflexão teórica sobre o jornalismo cívico norte-americano (em parceria com Mário Mesquita), passando pela teoria do agendamento e tentando fazer o exercício de escolher apenas um, selecionamos a concetualização das várias teorias da notícia. Esta sistematização das lentes teóricas através das quais podemos olhar para o jornalismo é absolutamente original e singular, e não se encontra em mais nenhuma obra de referência no campo dos estudos jornalísticos. Permite-nos perceber as origens, os pressupostos e as ramificações dos caminhos abertos pelas abordagens teóricas que tão bem sedimentou na sua categorização: teoria do espelho, teoria do gatekeeper, teoria organizacional, teorias de ação política e teorias construtivistas (nas quais se encontram a versão estruturalista de Stuart Hall e a versão interacionista de Schlesinger, Gans, Tuchman, Molotch e Lester ou Gurevitch e Blumer.

Nelson Traquina era Professor Catedrático do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH, onde lecionou desde o início dos anos 80 e obteve a cáedra em 1997. Foi correspondente em Portugal da agência noticiosa United Press International (UPI), tendo chegado ao país no rescaldo da revolução de abril, depois de um percurso académico formado nos Estados Unidos (licenciatura em Política Internacional no Assumption College e mestrado em Política Internacional na Universidade de Denver) e em França (diploma em Comunicação Social e Política na Universidade de Paris I e doutoramento em Sociologia na Universidade de Paris V). Os seus alunos, portugueses e brasileiros, serão sempre gratos pela iniciação em leituras de autores seminais na área das ciências da comunicação, na sua maioria desconhecidos na altura em que Nelson Traquina começou a organizar coletâneas desses textos e a discuti-los nos seminários de Teoria da Notícia no, então designado, mestrado em Comunicação Social da Universidade Nova de Lisboa. A antologia Jornalismo: Questões, Teorias e Estórias (1993) tornou-se um clássico, apresentando autores fundamentais da área, tendo muitos deles vindo à NOVA FCSH participar em seminários e conferências organizados pelo professor Nelson Traquina. Destacamos em particular as várias edições do seminário Media, Jornalismo e Democracia e que trouxe pela primeira vez a uma universidade portuguesa académicos como Michael Schudson, Peter Golding, Thomas Patterson, David Buckingham, Doris Graber, James Stayner, Jean Chabaly, Kees Brants, Lance Bennett, Pertti Alasuutari, ou os textos publicados nesta revista de pessoas como Elihu Katz, Daniel Dayan, Barbie Zelizer, Roger Silverstone e outros.

“O que é o jornalismo? Eis uma questão que provoca outras questões, muitas questões”, diz Traquina no parágrafo final da introdução ao seu já clássico livro O que é o Jornalismo (2002, 1ª edição, Quimera). A maior homenagem que lhe podemos prestar é acreditamos no “poder” do jornalismo e continuarmos corajosamente a colocar perguntas para as respostas societais urgentes, como Nelson Traquina sempre fez ao longo da vida.

A Direção da M&J

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