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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.34 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_22 

RECENSÃO

Hindman, M. (2018). The Internet Trap: How the Digital Economy Builds Monopolies and Undermines Democracy. Princeton, New Jersey: Princeton University Press.

Eduardo Acquarone


 

Todos fomos ingênuos. Esse poderia ser um outro título para o novo livro de Matthew Hindman, The Internet Trap: How the Digital Economy Builds Monopolies and Undermines Democracy. Especialista em comunicação e política de Internet, o autor faz uma espécie de continuação de seu livro de 2008, The Myth of Digital Democracy, mergulhando nos números para desmentir argumentos que, apesar de repetidos constantemente, não têm suporte estatístico.

Hindman continua preocupado com a excessiva concentração nos meios digitais e com uma Internet que parece ampla e democrática, mas que na verdade se torna cada vez mais monopolística. Não é surpresa para quem acompanha o noticiário o aumento do poder econômico e político das grandes empresas de tecnologia da nossa era: Google e Facebook, especificamente, mas também a Amazon. O fascinante em The Internet Trap é ver como Hindman constrói seu argumento baseado em uma análise detalhada de dados.

Tome-se o jornalismo local norte-americano, por exemplo. No início da transição para o digital, o mantra dizia que a Internet iria democratizar a produção de conteúdo e que vozes de todos os tipos iriam tornar o mundo mais diverso e aberto.

Esse raciocínio não levava em conta a distribuição do conteúdo. Na prática, alguém estará lendo (vendo, assistindo, experimentando) tudo que é produzido? Para achar essa resposta, Hindman mergulha em 1.074 websites de notícias baseados nos 100 maiores mercados americanos de media. A conclusão é que o mundo do jornalismo local é uma minúscula parte da Internet (cerca de 0,5 por cento), e mesmo essa pequena parte é dominada pelas versões digitais dos telejornais de TV ou pelos sites dos jornais impressos. Os veículos digitais - as tais “novas vozes” - são uma pequena gota no oceano digital, e não fazem onda alguma.

Segundo Hindman, um dos problemas é que as empresas jornalísticas não entenderam de fato o mundo digital, onde pequenas mudanças nas páginas e na velocidade com que elas são carregadas podem significar a diferença entre sucesso e fracasso. “O problema de (…) conseguir uma taxa de crescimento composta da audiência é o problema mais urgente do jornalismo hoje. Se o jornalismo precisa de uma audiência para dar certo, então a maioria das publicações digitais estão fracassando”, escreve ele. (Hindman, 2018, Capítulo 7, parágrafo 5)

O autor acredita que existe um caminho de mudança, mas ele é bastante difícil. Em parte, porque a distribuição de conteúdo no mundo digital não é grátis, como se falou por muitos anos, e sim extremamente dispendiosa. Custos de distribuição incluem design, personalização de conteúdo, testes A/B, adaptação dos sites para as diversas plataformas: “Simplesmente porque os custos de distribuição online são diferentes do que são em outras medias, isso não significa que eles são pequenos”. (Hindman, 2018, Capítulo 1, Sessão 5, parágrafo 7)

Os antigos parques gráficos e caminhões de entrega dos jornais foram substituídos por data centers e equipes especializadas que fazem com que os sites das grandes empresas sejam mais bonitos, eficazes e, sobretudo, mais rápidos. Questão de segundos, talvez, mas segundos que, quando acumulados, fazem com que a audiência retorne ou decida, de modo quase inconsciente, buscar outras alternativas para se informar.

São essas pequenas diferenças, repetidas milhões de vezes, que tornam a concorrência ao Google ou ao Facebook uma tarefa quase impossível para os veículos de media, especialmente os menores. “O Google (…) se reinventou não como uma ferramenta de busca, mas sim com um bando de atividades online extremamente recorrentes: email, vídeo, mapas, telemóveis, até mesmo software de produtividade. (…) Para nós hoje, assim como para o Google há duas décadas, a primeira lição é: pequenos efeitos que se acumulam rapidamente não são pequenos efeitos.” (Hindman, 2018, Capítulo 1, parágrafos 8 e 9)

Na visão de Hindman, até os pequenos veículos digitais têm Google e Facebook como concorrentes diretos. A ideia de que um site hiperlocal poderia sobreviver vendendo publicidade para os comerciantes do bairro, por exemplo, não é viável na maioria dos casos. Essas enormes empresas de publicidade digital (porque, em última instância, é isso que Facebook e Google são) não apenas têm dados de comportamento e localização de bilhões de pessoas, mas também dados específicos com uma granularidade impressionante, o que permite que elas concorram tanto com o New York Times quanto com o blog de uma pequena freguesia lisboeta.

Os efeitos desse fenômeno já são sentidos ao redor do mundo. Um dado que não está no livro, mas vai ao encontro do que Hindman diz, vem dos estudos da Columbia Journalism Review[1] e da escola de Media e Jornalismo da Universidade da Carolina do Norte[2]. Eles mostram que, nos Estados Unidos, os “desertos de notícias”, cidades ou regiões que não têm nenhum tipo de jornalismo local diário, continuam a se expandir. Desde 2014, foram fechados quase 1.800 jornais locais no país.

Um estudo similar feito no Brasil pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo[3] traz conclusões ainda mais preocupantes. Não há registro de jornais ou notícias locais em 4.500 municípios brasileiros, onde moram cerca de 70 milhões de pessoas.

Assim, se a Internet permite, em teoria, que todos tenham acesso a notícias de qualquer lugar do mundo, a economia digital também causa fenômenos assim: na prática, a informação está cada vez mais concentrada. O ideal de uma Internet libertadora, livre e grátis soa hoje como uma utopia ingênua dos anos 1990.

Mas Hindman não quer mais ser ingênuo, e essa talvez seja uma das lições mais importantes em The Internet Trap. “A internet expandiu de modo significativo o número de vozes locais? A resposta que surge dos dados da comScore é um claro ‘não’.” (Hindman, 2018, Capítulo 6, Sessão 8, parágrafo 1)

 

Recebido | Received | Recebido: 2018.07.23
Aceite | Accepted | Aceptación: 2018.09.15

 

Notas

[1] Disponível em https://www.cjr.org/local_news/american-news-deserts-donuts-local.php

[2] Disponível em https://www.usnewsdeserts.com

[3] Disponível em https://www.atlas.jor.br

 

Nota biográfica

Eduardo Acquarone é roteirista, diretor e criador de projetos digitais, trabalha com inovação desde 2008, quando lançou o Globo Amazônia, projeto indicado ao Emmy Digital e que conseguiu mais de 55 milhões de protestos virtuais contra a destruição da floresta. Em 2015 estudou no Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism em Nova York, onde fundou a Flying Content, uma empresa de histórias digitais. Atualmente trabalha com inovação na TV Globo e faz um doutorado em Realidade Virtual no ISCTE em Lisboa. Tem inúmeras reportagens publicadas pela Rede Globo, Reuters e CBS, além de artigos científicos e participação em livros.

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