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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.34 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_9 

ARTIGO

Formas emotivas do discurso persuasivo[1]

Emotive forms of persuasive discourse

Formas emotivas del discurso persuasivo

Samuel Mateus*
https://orcid.org/0000-0002-1034-6449

* Universidade da Madeira. Labcom e ICNOVA


 

RESUMO

Tal como a Retórica no-lo ensina, as emoções (pathos) estão no centro do discurso persuasivo. A racionalidade argumentativa da retórica não exclui as emoções como elemento fundamental do processo persuasivo. Primeiro, porque razão e emoção andam a par no que diz respeito ao raciocínio e à tomada de decisão, tal como demonstrado por vários estudos de Neurociência e de Psicologia Social. Em segundo lugar, porque a própria persuasão envolve uma modalidade emocional paralela a uma modalidade estritamente formal ou dita “racional”.

O presente artigo salienta algumas das principais formas emotivas que pontuam os discursos de natureza persuasiva, como o da publicidade: o uso da sugestão, a utilização de linguagem figurada e conotativa, ou ainda a concentração sobre as necessidades e desejos do auditório. Além dessas, destacam-se, ainda, um conjunto de efeitos emocionais relativos, quer ao auditório, quer ao orador.

Embora este elencar de formas emotivas não se pretenda exaustivo, a enumeração de procedimentos emocionais nos discursos publicitários oferece-nos um preliminar esboço do alcance e consequências práticas da persuasão emocional.

Palavras-Chave: retórica; retórica da publicidade; persuasão; emoções; persuasão emocional


 

ABSTRACT

As the rhetoric teaches us, the emotion (pathos) is at the heart of persuasive discourse. The argumentative rationality of rhetoric does not exclude emotions as fundamental element of the persuasive process. First, because reason and feelings go hand in hand with regard to the reasoning and decision making, as shown by several studies of Neuroscience and Social Psychology. Secondly, because the persuasive process involves an emotional mode parallel to a strictly formal mode so-called "rational".

This paper highlights some of the main ways that punctuate the emotional dimension of persuasive speeches in advertising: the use of suggestion, the use of figurative language and connotation, or the concentration on the needs and desires of the audience. In addition to these, there are also a set of emotional effects relating to either the audience or the speaker. Although this list does nor exhaust all the possibilities, the description of the emotional procedures in advertising offers us a preliminary outline of the scope and practical consequences of emotional persuasion.

Keywords: rhetoric; advertising rhetoric; persuasion; emotions; emotional persuasion


 

RESUMEN

Como la retórica nos enseña, la emoción (pathos) está en el centro del discurso persuasivo. La racionalidad argumentativa de la retórica no excluye las emociones como elemento fundamental del proceso persuasivo. Primero, porque razón y emoción van de par con respecto al razonamiento y la toma de decisiones, como lo demuestran varios estudios de la neurociencia y la Psicología Social. En segundo lugar, porque la propia persuasión implica un modo emocional estrictamente modo paralelo al modo formal o dicho "racional".Este artículo destaca algunas de las formas principales que jalonan los discursos persuasivos de naturaleza emocional, como la publicidad: el uso de la sugestión, el uso de lenguaje figurativo y connotativo o la concentración en las necesidades y deseos del auditorio. Además de éstos, hay también un conjunto de efectos emocionales relacionados con el auditorio o el orador. Aunque esta lista de maneras no sea exhaustiva, los procedimientos emocionales en la publicidad nos ofrecen un esbozo preliminar del alcance y consecuencias prácticas de la persuasión emocional.

Palabras clave: retórica; retórica de la publicidad; persuasión; emociones; persuasión emocional


 

Introdução

No seu tratado sobre retórica, Aristóteles consagra às emoções (pathos) um papel fundamental na realização da persuasão. O pathos diz respeito à influência emocional que o orador possui sobre o auditório e tal é a sua importância que o filósofo de dedica a este assunto nos três livros que compõem o tratado. Se o objectivo é persuadir o auditório tal apenas é possível se o orador for capaz de desencadear os estados emocionais apropriados a cada situação. As emoções são aqueles sentimentos que não apenas modificam os homens como também afectam o seu julgamento (Aristóteles, Retórica, 1378 a).

Aliás, trata-se, na retórica, não apenas de saber colocar o auditório numa disposição anímica favorável ao orador e ao discurso persuasivo mas sobretudo de despoletar as emoções certas nos momentos oportunos. Cícero, por exemplo, refere que uma estratégia certa de gerar comoção e piedade perante um júri em tribunal é apresentar-se de cabelos desgrenhados, barba por aparar e olhos encovados (Tusculanae Disputationes, XII). E Aristóteles (Retórica, 1378 a) acrescenta que o orador deve descobrir o estado anímico do auditório, bem como os temas, as personalidades ou os assuntos a que ele reage habitualmente de forma emotiva.

A Retórica possui um lado argumentativo e eloquente associado ao logos e ao ethos. Mas, simultaneamente, detém uma dimensão emocional ligada ao pathos que sublinha como central a necessidade de gerar, suscitar ou apelar a determinados estados emocionais para que a persuasão ocorra. Este facto é confirmado por um conjunto de autores clássicos que incluem Cícero (De Oratore), bem como nos manuais antigos de retórica como o Rhetorica Ad Herennium.

Neste artigo, pretendemos discutir o papel das emoções no discurso persuasivo- nomeadamente o publicitário- a partir do elencar de um conjunto de “ferramentas” ou apelo emocionais habitualmente usados. O nosso método foi ilustrar a discussão com citações, quer modernas quer antigas, de forma a reconhecermos a persistência (senão agudização) do papel das emoções nos procedimentos persuasivos desde a Antiguidade até à contemporaneidade.

Começaremos, então, por discutir a possibilidade de um discurso persuasivo de carácter emocional através da perspectiva das neurociências e das pesquisas acerca da persuasão levadas a cabo pela psicologia social. As conclusões das investigações realizadas apontam para a utilidade, não de separar e dicotomizar “razão” e “emoção”, mas de as aproximar de forma indelével e de considerar uma “persuasão emocional”. De seguida, e adotando um ponto de vista mais prático, fazemos algumas considerações sobre a utilização das emoções como utensílios persuasivos e destacamos, de entre vários possíveis, a relevância da sugestão, da linguagem adjectivada e conotativa e a satisfação de necessidades e desejos do auditório. Enunciamos, de seguida, alguns apelos emocionais relativos, quer ao auditório, quer ao orador.

A lista de procedimentos ou formas emotivas que suscitam e despoletam estados anímicos não pretende ser exaustiva, mas constituir somente um guia útil de sistematização de alguns dos principais instrumentos de exercício emocional que os oradores realizam durante a argumentação e a que a publicidade não é certamente alheia.

1. Neurociência: razão e emoção

A cognição emocional e racional é melhor percebida como sendo um continuum e não um dualismo inconciliável (Gruber, 2016: 40). Isto significa que a maneira como apreendemos os discursos envolve não apenas um esforço intelectual, crítico, analítico e “racional”, mas igualmente uma apreensão intuitiva, espontânea e visceral que assenta, não no cálculo, mas na experimentação de sensações.

Ao escutarmos o discurso e a argumentação, ao vermos um anúncio de publicidade no ecrã, não estamos apenas perante um exercício lógico de persuasão. Nós pensamos em consonância como sentimos. Dito por outras palavras, as maneiras como julgamos e decidimos não são lineares e simples. Com efeito, não deixa de ser intuitivo que, por vezes, paralelamente ao puro exercício de razão, surjam aspetos associados às emoções que são decisivos na argumentação.

Aliás, esta intuição é corroborada pela investigação neurocientífica acerca do modo como pensamos e decidimos (Sousa, 1990; Damásio, 1995). Não parece sensato “excluir as emoções e sentimentos de qualquer conceção geral da mente, muito embora seja exatamente o que vários estudos científicos respeitáveis fazem quando separam as emoções e os sentimentos dos tratamentos dos sistemas cognitivos” (Damásio, 1995: 172). Para Damásio, é evidente que a emoção se desenvolve no âmbito da estrutura subcortical e neocortical. Mais, segundo a investigação realizada, os sentimentos parecem tão cognitivos como qualquer outra imagem perceptual (Damásio, 1995: 172). Ao contrário do que vulgarmente se atribui - no seguimento da filosofia cartesiana que separa corpo e mente - as emoções não distorcem tanto a nossa realidade quanto são responsáveis por ela (Sousa, 2000). Em vez de elas serem considerados impedimentos, limitações ou obstruções, as emoções criam interesses, reforçam as motivações e permitem cumprir as metas traçadas. Elas não são necessariamente deformações de um processo de deliberação alegadamente racional e esclarecido, mas um dos componentes precisamente desse processo cognitivo de resolução.

Este ponto de vista vem colocar em xeque a crença numa razão nobre capaz de melhor decidir através lógica formal, analisando os custos e os benefícios, e deixando de parte as emoções. De acordo com essa hipótese “racional”, nós decidiríamos qual o destino de férias a escolher exclusivamente através de um cálculo e de uma reflexão rigorosos. Assim, por exemplo, o papel da publicidade que procura deslumbrar, encantar e seduzir os potenciais clientes para esses destinos de férias paradisíacos teria um papel meramente secundário. Contudo, reconhecemos que, em sociedades intensamente mediatizadas, a natureza afectiva das mensagens assume uma grande preponderância como se pode verificar no valor-notícia da morte ou da elevada aposta estética do discurso publicitário.

Ora, o que a investigação em neurociência nos chama a atenção é que se apenas decidíssemos (e em última análise, fossemos persuadidos) desse modo formal e linear, a nossa racionalidade não apenas seria incompleta como disfuncional. Com efeito, apenas pesando os prós e contras levaríamos um tempo muito superior até chegarmos a uma conclusão aceitável, a qual só chegaria após um cálculo potencialmente infinito (Cunha, 2005: 1834).

A hipótese dos marcadores somáticos, proposta por Damásio, mostra o quanto um cálculo lógico aumentaria a probabilidade de más-escolhas: “os marcadores somáticos são um caso especial do uso de sentimentos que foram criados a partir de emoções secundárias (…). Quando um marcador-somático negativo é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao invés, é justaposto um marcador-somático positivo, o resultado é um incentivo” (Damásio, 1995: 186). Isto ajuda-nos a compreender porque alguns anúncios de publicidade, aparentemente pobres em informação factual, produzem tão bons resultados ao nível da mudança de percepção do espectador acerca de um produto. É que eles estão a transferir as emoções agradáveis e positivas dos modelos e personagens que os protagonizam para o próprio produto que vendem. É como se existisse uma marcador-somático positivo no qual as emoções associadas contribuem para incentivar a relação do indivíduo com o anúncio e com o produto publicitado.

A inseparabilidade entre razão e emoção, bem como a simbiose entre os processos cognitivos e os processos emocionais (Damásio, 1995: 187) leva-nos, assim, a considerar que, qualquer estudo sobre persuasão (Sousa, 2000) e argumentação (Walton, 1992) tem de incluir a sua consideração

Aquilo que a neurociência tem confirmado é reiterado pela investigação em psicologia social em torno da persuasão (Elliot, 1998; Petty e Briñol, 2008; Miceli et ali., 2011).

O modelo Affect-Reason- Involvement (ARI) proposto por Buck at.ali, (2004), por exemplo, descreve as relações entre afectos, razão e envolvimento defendendo que, quer o envolvimento racional, quer o envolvimento emocional, são determinantes na mudança de atitude e no processo geral de persuasão. O ARI não apenas sublinha a importância da emoção no processo de influência como elabora uma escala de avaliação que mede, conceptualiza e operacionaliza as emoções como elementos integrantes do processo persuasivo.

O que estes trabalhos nos demonstram é que, ao sobrepormos a maneira como julgamos e raciocinamos à maneira como sentimos, torna-se possível discernir as consequências profundas que as emoções podem ter na formação da opinião, mudança de atitude e manutenção do comportamento. A persuasão não se apresenta como um conceito monolítico e homogéneo. Pelo contrário, os discursos persuasivos decompõem-se em modalidades racionais e emocionais, frequentemente articulando-se em torno de códigos sociais e culturais de apropriação e interpretação das emoções. (cf. Loseke, 2009).

E também por isso é tão importante contemplar as emoções.

2. Elementos da Persuasão Emocional

Uma das dimensões mais salientadas da retórica é a sua argumentatividade e encadeamento lógico: de como uma expressão rigorosa do pensamento contribui para a persuasão do auditório. Daí a Nova Retórica se consolidar sobretudo como uma Teoria da Argumentação (Perelman, 1999).

Porém, como acabamos de constatar, as pesquisas recentes obrigam-nos a considerar que a razão partilha com a emoção o protagonismo persuasivo. Nesse caso, urge recuperar a importância dos apelos e argumentos emocionais. E isto é tão mais premente quanto assistimos, um pouco por todas as áreas desde a publicidade até à política, a uma insistência sobre processos persuasivos subtis (soft persuasion). Com efeito, se a retórica é uma técnica (techné) que estuda a persuasão no discurso, ela não deixa de enfatizar processos de mudança de atitude e de comportamento insuspeitos e impercetíveis que envolvem modos particulares de sentir- mais do que juízos, raciocínios e operações complexas de cálculo custo-benefício. O estudo das emoções na retórica consubstancia o interesse pela persuasão emocional a qual se coloca como uma outra modalidade para além da persuasão lógico-argumentativa. Devemos, pois, explorar os densos sistemas de significado que advêm da persuasão emocional (Heath, 2006) e de que modo, por exemplo, a estimulação de simpatia/antipatia, amor/ódio, entusiasmo/apatia, etc contribui para modificar a forma de pensar e de agir do auditório.

Anaximenes de Lâmpsaco, a quem é atribuída a autoria da Rhetorica ad Alexandrum, refere, neste tratado, a utilidade da emoção para a argumentação. O valor que concedia às emoções era tal que se dedica a descrever três emoções “amigáveis” (piedade, boa vontade e gratidão) e três emoções “hostis” (ira, ódio e inveja). Aliás, na oratória Ática encontramos evidências discursivas que demonstram o uso de técnicas retóricas emocionais como parte da estratégia de persuasão. Estas técnicas são normalmente manifestas com alusões explícitas às emoções, mas também se realizam de forma encoberta ou indirecta com emoções suscitadas indiretamente através do uso judicioso de palavras e frases que actuam como despoletadores psicológicos (psychological triggers) (Sanders e Jonhcock, 2016: 17).

Por outro lado, uma longa secção do De Oratore (Livro II, 178-216) discute as técnicas emocionais que recapitulam os ensinamentos gregos. Cícero salienta a importância da voz, dos gestos e da aparência. E Quintiliano, na Institutio Oratoria também se detém sobre as emoções de forma extensa oferecendo-nos contribuições pertinentes para reflectirmos sobre o acto de suscitar uma emoção, mas também o acto de apresentar ou representar uma emoção. Demóstenes (apud Carey, 1996: 30), por exemplo, chega inclusivamente a apelar à cólera e convida o júri em tribunal a se enraivecer: “Eu exorto-vos, então, membros do júri… tal como cada um de vós iria odiar o acusado se ele fosse a vitima, a registar, do mesmo modo, a raiva contra Conon, e a não considerar como privada qualquer ofensa deste tipo que aconteça a outra pessoa”.

Este interesse pelas emoções não é surpreendente. Como recorda Hollingworth (apud Baird, 1950: 216): “os membros do auditório estão mais em sintonia (more alike) com os seus instintos e emoções do que com a sua competência em seguir um raciocínio lógico: assim, os tópicos e apelos emocionais irão geralmente influenciá-los de forma uniforme. É que as crenças do auditório não dependem exclusivamente das provas; elas definitivamente encontram-se enredadas (warped), mesmo contra as evidências, em desejos e esperanças”.

Os auditórios compõem-se, afinal, por pessoas emocionais e reactivas. É a alternância entre a sua competência racional de ajuizar, e a sua capacidade de sentir e reagir emocionalmente que agora pretendemos salientar. A retórica é uma arte emocional porque é uma arte humana. A persuasão e argumentação, dotadas de um raciocínio rigoroso, irão influenciar a conduta do auditório ao fornecer-lhe motivos para adoptar uma certa disposição ou acção sobre um determinado assunto. Todavia, como se constata no nosso dia a dia, o processo de persuasão não ocorre apenas avançando argumentos lógicos ou cálculos racionais.

Quando nos convencem a ajudar um amigo, isso não quer dizer que tenham apresentado as justificações mais objectivas e as razões mais constringentes do mundo (ex: está comprovado cientificamente que ajudar os outros melhora em 67% estado anímico e ajuda a ter 40% mais saúde”). Por vezes, nem é necessário que sejamos convencidos. Paralelamente, ao raciocínio lógico e à demonstração objectiva, as nossas crenças, atitudes e comportamentos são influenciados por apelos emocionais (ex: “deves-me ajudar porque és a pessoa mais bondosa que conheço”). Independentemente da profissão, estatuto, preferências ou personalidade, todas as pessoas adotam padrões de pensamento e comportamento mais intelectuais (ou reflexivos) e, simultaneamente, padrões mais emocionais (ou sentimentais).

De seguida, apresentamos alguns aspectos que caracterizam os discursos emocionais (fundados no pathos) e que o orador respeita quando realiza uma persuasão de tipo emocional. Dito de outro modo, detalhamos as condições que tornam os apelos emocionais elementos tão sugestivos e eficazes da persuasão. Procuramos, assim, contribuir para explicar o funcionamento prático da persuasão emocional através dos seus mais básicos princípios.

2.1 Sugestionabilidade

A sugestão é um elemento recorrente nos discursos persuasivos de índole emocional e, através dele, o orador procura influenciar e controlar o poder de decisão do auditório de forma discreta ou latente. Ela é especialmente importante nos processos emocionais de influência - como a publicidade- na medida em que a sugestão tende a gerar uma resposta automática a um estímulo. Mais exactamente, a sugestão é poderosa porque pode suscitar a adesão e aceitação de uma ideia sem deliberação (Baird, 1950: 217). Isto é, a aprovação é directa, imediata e aparentemente espontânea. Uma vez que ela pode nem sequer ser reflexivamente percebida, o auditório fica com a impressão que a aceitação foi desprovida de motivação (ou influência) externa.

Um dos mais conhecidos discursos do sofista Górgias, Encómio a Helena, não somente reconhece a importância da persuasão emocional, como também deixa entender o alcance da sugestão: “O discurso é um senhor poderoso que (…) pode banir o medo e apagar a tristeza e instilar prazer e potenciar a piedade. (…) O poder do discurso tem uma mesmo efeito sobre a alma do que a aplicação de drogas sobre os corpos; tal como diferentes drogas dissipam diferentes fluidos do corpo e alguns acabam com a doença e outros acabam com a vida, assim alguns discursos causam dor, algum prazer, algum medo” (Górgias apud Sanders e Jonhcock, 2016: 14).

Uma emoção que é frequentemente alvo preferencial por parte dos oradores é o medo ou temor. Inclusivamente, na Antiguidade apelava-se frequentemente ao temor aos deuses. Assim, Licurgo (apud Carey, 1996: 32), alerta o júri para as consequências dos seus actos. Contudo, em vez de o fazer de forma aberta e explícita deixa o significado da sua elucubração implícito. Por outras palavras, ele intimida os membros do júri ao sugerir que os deuses irão estar atentos a essa decisão e agirão de acordo com ela: “Fiquem descansados, meus senhores, que enquanto cada um de vós vota em segredo, a vossa atitude fica bem clara perante os deuses”. Aliás, apelar ao medo era uma prática retórica que Aristóteles (Retórica, 1378 a) associava, tal como a confiança, às deliberações sobre o futuro e ao género deliberativo.

A sugestão é extremamente útil quanto ao despoletar de acções porque é uma proposta velada que nem sequer possui a aparência de um processo formal de persuasão- aspecto sobejamente explorado pela publicidade. A sugestão não assume que pretende influenciar a conduta, não obstante, é precisamente isso que ela faz. Actualmente, a sugestão é um poderoso aditivo das redes sociais online onde a acção de “gostar” (like no Facebook) tende mais a seguir uma disposição emocional que é intensificada pelo número de likes previamente atingidos por um post. Frequentemente, os utilizadores fazem like sem um grande envolvimento reflexivo e crítico sugeridos pelo facto de, por exemplo, 200 mil pessoas terem já dado o seu apoio espontâneo à publicação.

Por outro lado, a sugestão pode intensificar as emoções, especialmente em contextos multitudinários onde os impulsos de imitação assumem uma importância incontornável. Por exemplo, um ajuntamento popular em torno de uma personalidade, expositor ou loja tenderá a despoletar o interesse dos transeuntes que cedem ao poder subtil da sugestão e pretendem constatar, por si próprios, a ocorrência. Do mesmo modo que o anúncio de publicidade online que é referido ou partilhado apela ao impulso de imitação.

A sugestão configura uma situação aparentemente acidental e imprevista. Contudo, se a sugestão parece um fraco processo de influência, na verdade configura um catalisador de respostas emocionais muito fortes, capazes de moldar a resposta às propostas do orador.

2.2 Linguagem Adjectivada e Conotativa

O que, do ponto de vista emocional, possui uma enorme capacidade de influenciar a conduta humana, é a linguagem figurada. Já na Antiguidade Clássica era reconhecido o poder um discurso verbal elegante com estilo elevado (Cicero, De Oratore), e, com efeito, o que perdurou, durante a Idade Média, foi sobretudo a importância estilística da retórica.

Nos seus Discursos, Licurgo (1.134) oferece-nos um exemplo onde as palavras são usadas com a sua força figurativa e intensidade dramática: “Contudo, quando um homem é odiado e rejeitado até por aqueles que não sofreram mal nenhum, o que ele deve sofrer de vós que haveis sido tratado da maneira mais monstruosa?” (apud Carey, 1996: 29). Com efeito, Licurgo não parece deixar de utilizar uma prática retórica popular que é diabolizar. A diabole deriva do verbo diabollein que significa hostilizar alguém. Aristóteles (Retórica, 1415 a) e Anaxímenes (Rhetorica ad Alexandrum, 1436 b) referem esta tentativa de ataque ofensivo. Mas enquanto Aristóteles aconselha a sua utilização no fim do discurso, durante a peroração, na altura em que o orador conclui a sua argumentação, já Anaxímenes recomenda que essa prática ocorra no proémio.

Ésquines (apud Carey, 1996: 30), um dos dez grandes oradores Áticos, não hesita em utilizar vocábulos de forte carga emocional: “Irei limitar a minha exposição às pessoas em cujas casas ele viveu, desgraçando o seu corpo e a cidade e ganhando dinheiro pelos próprios meios pelos quais a lei proíbe alguém de acção política ou de discursar”. Há, assim, a tentativa de despertar as emoções do auditório optando por uma interpretação em detrimento da exposição factual dos acontecimentos.

Algumas palavras, quando correctamente aplicadas no contexto persuasivo, fazem acrescer uma intensidade emocional capaz de, metaforicamente, fazer crescer o orador perante o seu auditório. Por exemplo, expressões estimulam a aprovação e cooperação como “especialista”, “celebridade”, “académico”, “voluntário”, “pai de família”, “mãe carinhosa”, etc. Outros reenviam o auditório para emoções negativas de repúdio e antipatia: “inimigo”, “hipócrita”, “ladrão”, “corrupto”, “ditador”, etc. (cf. Baird, 1950: 217).

Com efeito, o vocabulário utilizado no discurso pode ser um utensilio muito importante a despertar, de forma espontânea, emoções no auditório. Mas além disso, o léxico contém apreciações latentes que orientam a reflexão do auditório em relação a determinado assunto. Afinal, alguém que é “ladrão” dificilmente pode ser visto como idóneo e confiável. Assim, aquilo que aparentemente são apenas descrições inócuas são, na verdade, formas emocionais de condicionamento do pensamento e da reflexão posteriores.

O efeito das palavras na persuasão emocional é evidente no efeito que a publicidade provoca em nós. Não é acaso nenhum que os adjetivos usados tendam a despertar desejos e paixões: “seja especial”, “seja único”, “conquiste o seu sonho”, “deslumbre-se ao volante deste espectacular e irreverente automóvel”; “reivindique o luxo”; “more no paraíso”, “tenha uma obra de arte em casa”, etc, são exemplos onde as palavras têm um papel fundamental no despertar de emoções que conduziram o ulterior processo de decisão. Como explica Baird (1950: 217), “as palavras mais atraentes funcionam porque sentimentos vagos e desprovidos de análise são despoletados”.

2.3 Satisfação de necessidades e desejos

A persuasão emocional realiza-se, também, em torno da satisfação das necessidades e desejos (percebidos) dos auditórios. Isso inclui as necessidades primárias (fisiológicas e biológicas como comer, dormir, auto-preservação, etc) e necessidades secundárias (psicológicas, sociais, aprendidas, como ser amado, ser popular, reconhecido publicamente, etc).

A importância nas necessidades e desejos na persuasão emocional é muito clara nos discursos multimodais de anúncios a bens de consumo de luxo onde o desejo de distinção e estatuto sociais constitui a grande força motriz da mensagem persuasiva. O que os publicitários cedo perceberam é que as mensagens são mais poderosas se forem de encontro às expectativas, experiência, desejos e necessidades das pessoas que formam o público-alvo. Oferecer uma mensagem que prometa a satisfação imediata e duradoura de uma crença ou desejo é garantir a facilitação do processo persuasivo. “Os auditórios, como qualquer indivíduo, querem argumentos e apelos que lhes assegurem a satisfação social, económica e segurança” (Baird, 1950: 217). “Sou escravo. Escravo do tempo livre” é o slogan de uma publicidade da BMW onde a insinuação a uma vida tranquila e lúdica desponta. Ou exemplo da mesma marca: “Afirmação de distinção” exemplifica a satisfacção de necessidades psicológicas ligadas à auto-estima e ao estatuto social.

3. Efeitos Emocionais Relativos ao Auditório

No seguimento de emoções advindas com a satisfação de desejos primários, podem enumerar-se alguns efeitos ou apelos emocionais que trabalham o estado anímico e a benevolência do auditório.

O próprio Aristóteles descreve a importância do auditório manifestar um estado emocional que o torne receptivo às teses do orador (Retórica, 1378 a). Aí reside, em grande medida, a importância do proémio ao lançar as qualidades, valores e premissas que o auditório vai respeitar, ou a suscitar simpatia ou boa vontade (eunoia, em grego ou benevolentia em latim) para a causa apresentada (Demóstenes apud Carey, 1996: 27). Um bom exemplo de benevolentia é-nos dada no discurso de Cícero “Em Defesa do Poeta Árquias” (1999). O advogado começa por procurar gerar a generosidade e condescendência da assembleia. Como o faz? Simplesmente retratando modestamente as suas virtudes e talentos naturais fazendo com que pareçam inferiores aos talentos e virtudes do seu cliente. Em 62 A.C, Cícero estava no auge da sua carreira política e havia apenas meses que tinha discursado, com enorme sucesso, contra Catilina. Esta estratégia emocional de humildade visava, assim, engrandecer, por comparação, o carácter do poeta Árquias e simultaneamente afastava uma imagem sobranceira ou arrogante de Cícero. Mais, ele coloca o carácter e virtude do poeta (a força do génio como lhe chama Cícero) como justificando a atribuição da cidadania romana (Cícero, 1999: 4).

O elenco que apresentamos constitui uma indicação possível de alguns apelos mais comuns, mas muitos mais poderiam, naturalmente, ser incluídos. Estes efeitos emocionais poderiam, inclusivamente, possuir outras designações. Ainda assim, constituem uma divisão elementar do uso das emoções enquanto ferramentas persuasivas na argumentação. No fundo, os efeitos emocionais provenientes do auditório congregam uma diversidade de emoções desde a simpatia, gratidão, esperança, condescendência, tolerância ou boa vontade e as suas congéneres opostas. Pense-se no anúncio da Cadbury que tem como slogan: “Another way to say thank you” e que procura instilar associações positivas entre um sentimento de gratidão e os seus chocolates.

Um dos traços mais marcantes da persuasão emocional é a defesa da integridade (física e moral) do auditório, mais especificamente, a defesa dos seus interesses práticos. Assim, constatamos discursos argumentativos onde se apela ao voto em determinado candidato porque apenas ele ( e só ele) poderá evitar o desemprego dos cidadãos. Ou, noutros casos, apela-se aos interesses pessoais dos membros do auditório: “Pelo futuro dos seus filhos e por si, deixe de fumar”. Noutros casos, ainda, tange-se as emoções dos indivíduos quando se sugere uma ameaça futura na qual ele tem a opção, no momento presente, de evitar: “Assine já esta petição, antes que seja tarde demais”.

Em cada um destes casos, as emoções são usadas tendo em vista despertar, no indivíduo, uma mudança de atitude em relação ao momento presente em relação a um futuro que se anuncia como trágico e nefasto.

Em contraste com a defesa dos interesses práticos e de auto-preservação do indivíduo, por vezes os oradores apelam ao auto-sacríficio. Isto é, desenvolvem efeitos emocionais baseados na necessidade do individuo cumprir aquilo que dele é moral e civicamente esperado. Suponha-se, por exemplo o seguinte: “O País espera que cumpra o seu dever cívico e que defenda a Pátria alistando-se no Exército”.

O discurso retórico da publicidade é fértil, mais uma vez, em discursos de índole emocional. E um dos apelos emocionais que mais refere prende-se com as mordomias, comodidades e possibilidades que o indivíduo conseguirá se aderir à tese do orador. Assim, constatamos anúncios em que se apregoa algo semelhante a: “Nunca mais deixe de dançar só porque não tem dores. Compre a pomada X e tenha uma vida cheia”. Ou “É necessário que contribua para a nossa causa de modo a que disfrute de uma piscina municipal e mantenha uma vida saudável e activa”.

Em ambas as situações, os apelos às emoções instilam uma melhoria da situação presente através do aumento de actividades que o indivíduo poderá ter. O aumentar das possibilidades presentes pode, igualmente, ocorrer no que diz respeito a bens materiais, e mais precisamente, apelando também ao lugar-comum da quantidade: “Porquê ter dois quando pode ter três?”. Ou ainda ser construído numa sucessão de estados emocionais latentes: “Tenha o corpo com que sempre sonhou. Agora é possível. É muito fácil. Basta marcar uma consulta de emagrecimento Y e comece a ser feliz”. Repare-se que neste tipo de estrutura a realidade sucede-se ao sonho e culmina na felicidade.

Em síntese, na maior parte dos efeitos emocionais relativos ao auditório é a auto-estima que é massajada sendo precisamente aqui que reside o seu grande poder de persuasão: na estimulação e reforço (por vezes inculcação) de estado emocionais associados à motivação dos indivíduos.

4. Efeitos Emocionais Relativos ao Orador

A beleza e atractividade do orador é um dos aspectos a ter em conta quando se reflecte os efeitos emocionais provocados pelo orador. Que, desde tempos imemoriais, as pessoas se tenham arranjado em momento formais e cuidado da sua aparência parece confirmar uma centralidade que o aspecto físico pode assumir na interacção social e nos processos de influência.

Chaiken (1979) e Maddux e Rogers (1980) concluíram que a aparência, e em especial a atracção física, não apenas influencia a modificação da atitude como modula o próprio processo persuasivo. Uma possível explicação é que a aparência física (incluindo o aspecto físico, a indumentária ou a higiene) projectam virtudes e qualidades que, de forma sub-reptícia ou inconsciente, são atribuídas ao orador. O que é curioso é que o nível de atracção física do orador se encontra directamente relacionado com o facto de ser percebido como sendo mais sociável, interessante e caloroso. Por outras palavras, a beleza e aparência do orador são associadas a melhores competências interpessoais e tornam-no mais atraente e persuasivo. Como Chaiken (1979) comenta, isto está de acordo com o lugar-comum de que “aquilo que é belo é bom”.

Petty e Cacciopo (1996) também destacam a atractividade como um factor preponderante na modificação de atitudes. Dois oradores podem ser reconhecidos especialistas de idêntica reputação. Contudo, o facto de um ser mais simpático ou fisicamente mais atractivo confere-lhe uma capacidade extra de persuasividade.

Naturalmente, subsiste a dificuldade de estabelecer o que é rigorosamente a atractabilidade. Será que alguém é atraente por ser belo fisicamente ou será que pode ser atraente mesmo sem uma aparência física considerada atraente? É difícil definir com exatidão o que faz de uma pessoa ser atraente até porque a irradiação de simpatia bem como a sua dimensão relacional poderão contribuir para essa perceção (cf. Sousa, 2000). A verdade é que a publicidade não prescinde de se preocupar com a beleza estética, quer dos anúncios, quer dos próprios participantes do anúncio.

Ao referir a aparência física como um elemento de índole emocional capaz de potenciar a persuasão do orador, isso não equivale a passar um cheque em branco quanto ao seu poder.

Com efeito, as experiências realizadas no domínio da Psicologia Social revelam que, combinada com outras categorias como a capacidade de argumentação ou o nível de conhecimentos, a beleza física não parece ser um facto tão importante no processo persuasivo. Aliás, o facto do orador possuir um elevado nível de conhecimento e ser um especialista numa determinada questão, parece afectar mais a persuasão do que a sua argumentação ou aparência física (Maddux e Rogers 1980: 242-243). Isto poderá querer dizer que, em certas situações, é o ethos (credibilidade como especialista) que prevalece face ao pathos (a sua aparência distinta). Com efeito, ethos e pathos devem ser pensados em sobreposição já que o próprio ethos pode fazer parte de uma dramatização da persona do orador (cf. Carey, 1996: 44) e, eventualmente, assumir uma forma argumentativa que corrobore as teses postas à consideração do auditório. Isto é especialmente notório nos anúncios onde figuram celebridades (como, por exemplo, actores) fazendo com que nem sempre seja fácil perceber se a celebridade fala em nome próprio ou se está a representar uma personagem publicitária.

A este título, é conveniente reflectir sobre a personalidade, ou se preferirmos, a persona (papel) que o orador assume perante o auditório. Existem, em especial, dois atributos que fundamentam positivamente o desempenho do orador e que lhe granjeiam, em potência, emoções positivas capazes de suscitar a benevolência do auditório: a sinceridade e a cortesia[2] (Baird, 1950: 231).

Aquele que exsuda sinceridade está tacitamente a afirmar que pode (e deve) ser acreditado. Mais, que é um orador genuinamente comprometido com aquilo que defende e com aquilo que o auditório acredita. É precisamente a ausência de sinceridade por parte dos sofistas que, entre outras coisas, Platão critica em Górgias. O próprio Demóstenes, considerado um dos grandes oradores da Antiguidade, declarava que ninguém, nem mesmo o orador, tem o direito de deformar ou mentir sobre as suas reais convicções (Baird, 2010: 231). Assim, uma das coisas que mais pode prejudicar o acto de persuasão (e mesmo uma boa argumentação) é um vislumbre de insinceridade. É precisamente isto que as ciências comportamentais confirmaram. Borg (2010), por exemplo, concluiu que a empatia e a sinceridade são duas pedras basilares da persuasão.

A cortesia parece, também, suscitar emoções benévolas em relação ao orador. Os auditórios tenderão a repelir o orador se considerarem que não foi respeitador e educado. Na maior parte dos casos (as Catilinárias de Cícero sendo, talvez, a excepção), um orador corrosivo, agastado e insolente não merecerá o melhor apreço do auditório (Baird, 1950: 233). Como sublinha Aristóteles (Retórica, 1354 a), não se deve conduzir o júri à ira ou à inveja.

Um orador distribui invectivas e o seu tom pode ser inflamado e agressivo para melhor fazer veicular as emoções necessárias a convencer o auditório. Recordemos, a título exemplificativo, a pergunta retórica com que Cícero inicia o primeiro discurso das Catalinárias, um dos vários discursos proferidos por Cícero contra Lúcio Sérgio Catilina, senador romano: "Quosque tandem Catilina abutere patientia nostra?". “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós a tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia desenfreada? (….) Nem os temores do povo, nem a confluência dos homens honestos, neste local protegido do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada consegue te perturbar? Não percebes que teus planos foram descobertos? Não vês que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem? Quem, entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?” (Cícero, 1974).

Porém, mesmo se os discursos podem ser corrosivos, um orador nunca deverá descurar a cortesia pois é ela que sustenta a relação com o auditório. Se ele deseja a adesão às suas teses, tem antes de mais, garantir a sua polidez com vista a não hostilizar o auditório. Este é o primeiro passo para o auditório se sentir respeitado e, assim, dispor-se a aceitar aquilo que o orador tem para lhe dizer.

Em síntese, existem diversos elementos que contribuem para delinear emocionalmente o processo persuasivo. Sejam emoções latentes no auditório, sejam emoções conduzidas ao auditório pelo orador, estudar os discursos persuasivos deve incluir um estudo da influência emocional aprofundando as intuições de Aristóteles de que as emoções (pathos) são aspectos essenciais de uma boa persuasão.

Conclusão

Um pouco por todos os domínios científicos, os investigadores têm descoberto a importância das emoções como catalisadores da vida social, inclusivamente na argumentação e no discurso (Micheli, 2010; Plantin, 2011). Desde a historiografia, passando pelos estudos clássicos até às ciências da comunicação, múltiplos debates têm sido suscitados quanto à sua utilidade, forma e corolários.

A retórica antiga, como vimos, colocou as emoções no centro do discurso persuasivo. Porém, isso não impediu que os sentimentos e as paixões fossem colocados num segundo plano relativamente à força “racional” da argumentação. Ora, a racionalidade argumentativa da retórica não exclui as emoções como elementos fundamentais do processo persuasivo.

Primeiro, porque razão e emoção andam a par no que diz respeito ao raciocínio e à tomada de decisão, tal como foi defendido a propósito dos recentes trabalhos da Neurociência e da Psicologia Social.

Em segundo lugar, porque a própria persuasão, isto é, “o processo simbólico no qual os comunicadores procuram convencer outras pessoas a alterar as suas atitudes ou comportamento em relação a um assunto através da transmissão de uma mensagem, num ambiente de liberdade” (Perloff, 2003: 8) envolve, ela própria, uma modalidade emocional paralela a uma modalidade estritamente argumentativa, linear ou formal.

Nesta reflexão, nomeámos algumas das formas emotivas que contribuem para suscitar ou incarnar determinadas emoções tidas por auxiliares dos discursos de persuasão. E verificámos que, quer nos tratados antigos, quer na contemporaneidade, o pathos continua a ser uma prova artística (como lhe chama Aristóteles) imprescindível.

Os apelos que exploram a disposição do auditório e as emoções que o orador desempenha dramaticamente na sua persona constituem dois eixos centrais da pesquisa em persuasão emocional. E embora a discussão que aqui iniciámos seja somente preliminar, foi, todavia, possível designar um conjunto de técnicas (uso da sugestão, utilização de linguagem figurada e conotativa ou, ainda, a concentração sobre as necessidades e desejos do auditório) utilizadas pelos discursos e pela argumentação que nos oferecem um primeiro esboço da utilidade prática da persuasão de tipo emocional nos discursos contemporâneos persuasivos, incluindo o da publicidade.

No fundo, procurámos salientar a dignidade e centralidade das emoções na persuasão e na retórica. Ao fazê-lo sublinhámos as formas emocionais que são mais frequentes. É nossa convicção que (re-)descobrir os meandros emocionais dos discursos persuasivos e argumentativos nos trará novas e estimulantes perspetivas sobre essa competência inseparável do Homem que é influenciar o pensamento e a acção dos seus pares através do discurso. E ao mesmo tempo deixa-nos mais sensíveis à importância da retórica da publicidade para a realização dos objectivos comunicacionais dos anunciantes.

 

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Recebido | Received | Recebido: 2018.08.15
Aceite | Accepted | Aceptación: 2018.10.15

 

Notas

[1] Este artigo é uma versão revista e aumentada da comunicação intitulada “As Emoções como Ferramentas Retóricas” apresentada no Colóquio “A Retórica no Pensamento Contemporâneo”, realizado na Universidade da Madeira a 29 de Setembro de 2017.

[2] Poder-se-iam desenvolver mais características da persona do orador, como o humor ou a autoconfiança, que são influentes elementos emocionais e que podem afectar o processo de persuasão. Cícero, por exemplo, não deixa de referir o humor no De Oratore (Livro I, LVII, 243).

Contudo, por motivos de concisão, cingimo-nos à sinceridade e à cortesia.

 

Nota biográfica

Samuel Mateus é licenciado, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. É Investigador no LABCOM.IFP e colaborador no ICNOVA. É Professor Auxiliar na Universidade da Madeira. São da sua autoria os livros electrónicos: Introdução à Retórica no séc. XXI, Covilhã, Labcom Books, 2018 [ISBN: 978-989-654-438-6]; A Tele-Realidade - o princípio de publicidade mediatizado, Covilhã, Labcom books, 2013 [ISBN 978-989-654-112-5]; e Publicidade e Consumação nas Sociedades Contemporâneas, Covilhã, Labcom books, 2011 [ISBN 978-989-654-069-2]

Email: samuelmateus@uma.pt

Morada: Universidade da Madeira, Campus Universitário da Penteada Gab. 1.47, 9020-105 Funchal, Portugal

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