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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.34 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_8 

ARTIGO

Incursão pelos modelos de análise da imagem publicitária

Foray into analysis models for advertising image

Incursión por los modelos de análisis de la imagen publicitaria

Ivone Ferreira*
https://orcid.org/0000-0003-3283-2373

* Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Instituto de Comunicação da NOVA


 

RESUMO

O protagonismo da imagem nos media beneficia as disciplinas que melhor domínio tenham dos seus mecanismos. Entre elas, a Publicidade destaca-se sem esforço pois, num momento em que a comunicação vê acentuada a sua dimensão imagética e, com ela, um certo carácter superficial, fragmentado e/ou desprovido de contexto, esta disciplina enfatiza o poder da imagem para a comunicação e a persuasão sob a capa de uma permanente sedução. Consequentemente, a Publicidade emerge na cultura contemporânea como um discurso de cunho marcadamente imagético, capaz de contagiar todos os outros (Ferreira, 2012), vulneráveis ao poder sedutor da imagem e de uma cultura que se define a partir dela. Desta forma, a sua associação à Retórica, enquanto “faculdade de teorizar sobre o que é adequado em cada caso para convencer” (Aristóteles, 1355b), embora inevitável, não surge isenta de obstáculos, nomeadamente no que diz respeito à escolha do modelo de análise mais adequado para abordar a especificidade da imagem publicitária. Este artigo percorre os modelos semiótico-retóricos de análise da imagem publicitária de Roland Barthes (1964), Durand (1964), Péninou (1973), Grupo µ (1987), Floch (1981), Sonesson (1993), Umberto Eco (1997), Martine Joly (1999) e José Saborit (1999).

Palavras-chave: publicidade; modelos de análise; semiótica visual; retórica da imagem; imagem publicitária


 

ABSTRACT

The protagonism of the image in the media benefits the disciplines that better control its mechanisms. Among them, Advertising stands out effortlessly because, in a moment when the communication sees its image dimension accentuated, this discipline emphasizes the power of the image to communicate and persuade under the cloak of a permanent seduction. Consequently, Advertising emerges in contemporary culture as a markedly imaginative discourse, capable of infecting all others (Ferreira, 2012), vulnerable to the seductive power of the image and a culture that defines itself from it. In this way, its association with Rhetoric, while "faculty of theorizing about what is appropriate in each case to convince" (Aristotle, 1355b), though inevitable, does not appear free of obstacles, especially in which regards the choice of the model to analyse the specificity of the advertising image. This article presents the semiotic-rhetorical models related to image analysis of Roland Barthes (1964), Durand (1964), Péninou (1973), Grupo μ (1987), Floch (1981), Sonesson (1993), Umberto Eco (1997), Martine Joly (1999) and José Saborit (1999).

Keywords: advertising; analisys models; visual semiotics; rhetoric of image; advertising image


 

RESUMEN

El protagonismo de la imagen en los medios beneficia a las disciplinas que mejor dominio tengan de sus mecanismos. Entre ellas, la Publicidad se destaca sin esfuerzo pues, en un momento en que la comunicación ve acentuada su dimensión imagética y, con ella, un cierto carácter superficial, fragmentado y / o desprovisto de contexto, esta disciplina enfatiza el poder de la imagen para la comunicación y persuasión bajo la capa de una permanente seducción. En consecuencia, la publicidad emerge en la cultura contemporánea como un discurso de cuño marcadamente imagético, capaz de contagiar a todos los demás (Ferreira, 2012), vulnerables al poder seductor de la imagen y de una cultura que se define a partir de ella. De esta forma, su asociación a la retórica, como "facultad de teorizar sobre lo que es adecuado en cada caso para convencer" (Aristóteles, 1355b), aunque inevitable, no surge exenta de obstáculos, en particular en lo que se refiere a la elección del modelo de análisis más adecuado para abordar la especificidad de la imagen publicitaria. Este artículo presenta los modelos semiótico-retóricos de análisis de la imagen publicitaria de Roland Barthes (1964), Durand (1964), Péninou (1973), Grupo μ (1987), Floch (1981), Sonesson (1993), Umberto Eco (1997), Martine Joly (1999) y José Saborit (1999).

Palabras clave: publicidad; modelos de análisis; semiótica visual; retorica de la imagen; imagen publicitaria


 

Se o potencial comunicativo da imagem já não encontra propriamente oposição, a sua natureza é, mais que nunca, alvo de múltiplas análises, que perpetuam o seu eterno fascínio e, de certa forma, a inevitável suspeita que tem definido e pautado os termos da sua relação com o ser humano desde os tempos mais ancestrais. Ainda assim, não encontrar oposição não torna menos problemática a noção da imagem como elemento de comunicação, não só devido ao seu carácter polissémico, mas também à recusa de que a sua interpretação passe, necessariamente, pelo paradigma linguístico, como tentou Roland Barthes, na década de 1960, em pleno Linguistic Turn.

Ainda que a Semiologia tenha sido responsável, durante as primeiras décadas da segunda metade do século XX, pela imposição do modelo verbal à leitura da imagem, consideramos que o aceso debate em torno desta questão e da defesa da autonomia da imagem enquanto elemento semiótico, ou seja, enquanto origem de sentido, relativamente à palavra, embora importante e pertinente, deve ser superado. Aceitemos que palavra e imagem se complementam, integrando ambas, individualmente ou em conjunto, a natureza comunicativa do ser humano. O próprio Saussure, ao definir signo - algo que está por algo - como junção de um significante e de um significado, fala-nos de uma imagem acústica como correspondente conceptual da forma que a evoca. Este aspeto é particularmente significativo, porque nos dá conta de que, na origem do estudo da significação, está já a noção, tanto da parte de Ferdinand de Saussure na Europa, como de Charles Sanders Peirce nos Estados Unidos, de que palavra, imagem e som integram o mesmo processo, sem que tenhamos de privilegiar uns ou subjugar outros.

As perspetivas destes dois autores têm distintas proveniências - no caso de Saussure, a Linguística; no caso de Peirce, a Filosofia e a Lógica - e evoluirão de forma igualmente diferente - até em termos da denominação da nova ciência, que o primeiro designa Semiologia e o segundo Semiótica. Ainda assim, une-os o objeto de estudo: o signo, a significação e os processos em que esta se dá, resultando numa herança que, na segunda metade do século XX, revitaliza com particular expressividade o estudo de áreas dominadas pela imagem, como o Teatro, do Cinema, da Publicidade e, mais recentemente, do Design, entre outras.

Sonesson (1993: 138-141) distingue três modelos representativos na Semiótica da imagem. Um deles enquadra o Grupo µ (de Liège) e a sua Retórica Geral que, no Tratado do Signo Visual (1987), explora tanto as especificidades semióticas como retóricas presentes na análise da imagem. O segundo modelo teria sido apresentado pelos trabalhos de Thurlemann e Floch sobre pintura e propaganda, baseados na semiótica greimaseana. O terceiro modelo seria defendido por Fernande Saint-Martin, com a sua gramática semiótica da imagem.

Mais especificamente sobre Retórica visual, destacam-se os trabalhos de Roman Jakobson, Umberto Eco, Grupo µ, Algirdas J. Greimas, Joseph Courtés, Jaques Durand ou John Lyons, autores cujo pensamento é construído sob a influência do estruturalismo e da influência clássica da Arte Poética de Aristóteles e da Epístola aos Pisões de Horácio.

Compreende-se o interesse despertado pelo estudo da imagem e a entusiástica adesão a novos modelos e perspetivas. Sobretudo se considerarmos que a evolução dos meios de comunicação de massa tem vindo a fazer-se num sentido predominantemente visual, multiplicando-se em distintas interfaces tecnologicamente cada vez mais sofisticadas e reforçando a noção insistentemente repetida de que vivemos numa sociedade da imagem - complexo sinónimo de informação e da própria realidade percecionada, num universo crescentemente desmaterializado. Seguindo essa linha de pensamento, Catarina Moura (2011) problematiza, precisamente, esta questão ao estudar a natureza contemporânea da imagem e da nossa relação com ela:

Embora presentificada nos mais diversos suportes que determinam a nossa experiência do mundo, a imagem é sempre ausência, um espace du dehors (Blanchot) que nos fala de um mundo que assumimos como nosso porque, apesar da distância que impede que o toquemos e sintamos, nos é repetidamente mostrado como tal. De tal modo que, pouco a pouco, a realidade instituída nos parece apenas uma continuação do que vimos em fotografias, na televisão, no cinema ou na Internet (2011: 151).

A cultura visual, na qual a Publicidade ocupa um lugar de destaque, parece conter a promessa de uma aguardada democratização do acesso aos bens culturais (Benjamin, 1992), gerando a apetecível ilusão de que pode ser potencialmente universal e consumida como tal, graças a um interminável ritual de sedução e “embelezamento integral da vida através da contínua satisfação do olhar”, capaz de ocultar o eficaz processo de formatação do nosso modo de ver, de que somos alvo diariamente (Idem: 152). Compreender este trabalho de contínua satisfação do olhar e de formatação da visão implica estudar a imagem e o seu modus operandi, conduzindo-nos aos modelos de análise de um conjunto de autores que, na nossa perspetiva, se destacam pela relevância e impacto das ideias que desenvolveram.

Roland Barthes e a leitura da imagem

É pela mão de um discípulo de Saussure que nos chega o primeiro modelo de análise da imagem publicitária. A expressão “Retórica da imagem” deriva de um artigo com o mesmo nome publicado em 1964 pelo autor, no qual se propõe analisar a imagem publicitária, empresa para a qual elege como objeto o anúncio impresso das massas Panzani.

O autor parte de uma breve descrição do anúncio - “Temos aqui uma publicidade Panzani: pacotes de massas, uma lata, tomates, cebolas, pimentões, um cogumelo, todo o conjunto saindo de uma sacola de compras entreaberta, em tons de amarelo e verde sobre fundo vermelho” (Barthes, 1984: 28) -, na qual não inclui o slogan, ou seja, o que viria depois a descrever como mensagem linguística, localizada na parte inferior da imagem - “Patês - Sauce-Parmesan. A l’Italienne de luxe”.

Embora não a inclua a sua descrição, Barthes aprecia a sua importância para o sentido geral da imagem. No anúncio Panzani, a função da mensagem verbal é de ancoragem, contribuindo para “fixar a cadeia flutuante dos significados, de modo a combater o terror dos signos incertos” (Idem: 33), reforçando a italianidade dos produtos da marca no país onde (também) é comercializada, França, e minimizando o carácter polissémico de qualquer mensagem na qual predomine a imagem. Ainda assim, considerando as componentes verbal e imagética deste anúncio - tomado como paradigma do discurso publicitário em geral -, o autor identifica três tipos de mensagem: linguística, icónica codificada e icónica não-codificada.

Por mensagem icónica codificada, Barthes entende o conteúdo que, na imagem e na sua construção, terá um carácter essencialmente informativo e, portanto, denotativo; ou seja, dirá respeito ao momento em que, na leitura de qualquer imagem, nos apercebemos dos elementos que contém - neste caso, “pacotes de massas, uma lata, tomates, cebolas, pimentões, um cogumelo, todo o conjunto saindo de uma sacola de compras entreaberta, em tons de amarelo e verde sobre fundo vermelho” (Idem, Ibidem), as cores, o slogan - sem que tenhamos ainda processado o seu sentido. No momento, eventualmente inalienável da primeira leitura, em que todos estes elementos adquirem um carácter comunicativo, simbólico, ou seja, no momento em que, no seu conjunto, começamos a percecionar a inevitável italianidade que esta imagem, no seu todo, procura transmitir, entramos no território da mensagem icónica não-codificada.

A relação entre estes três tipos de mensagem será, essencialmente, de reforço ou redundância. E compreende-se porquê: num universo, como o publicitário, em que o risco de insucesso de implementação da marca (seja ela produto, serviço ou até mesmo pessoa) procura ser mínimo, todos os elementos da sua mensagem são consciente e estrategicamente colocados para reforçar o sentido uns dos outros, repetindo cada um à sua maneira a mensagem global, de modo a não arriscar que esta se perca. No caso das massas Panzani, o seu anúncio não só continha os produtos da marca, como alimentos frescos que facilmente associamos à culinária italiana, organizados numa imagem que fazia igualmente uso das cores da bandeira deste país (e, coincidentemente, do logótipo da marca). Quando o olhar do observador chega ao slogan, a italianidade da mensagem completa-se e o objetivo cumpre-se.

Face à polissemia da imagem, a linguagem precisa os termos de significação e conduz o observador por entre os significados que devem ser lidos e os que não devem, identificando o objeto ou tema ilustrado e construindo a sua interpretação. A ausência do elemento linguístico seria, no entender de Roland Barthes, profundamente arriscada quando ponderados os objetivos da imagem publicitária. No entanto, a imagem também precisa ou determina a mensagem linguística, pois é através dela que esta ganha a sua verdadeira dimensão e significado, permitindo explorar o implícito e o conotativo e que a linguagem se adapte a moldes económicos de comunicação que a imagem enriquece semanticamente.

Os distintos elementos complementam-se, definindo a cadeia conotativa a estabelecer. Na perspetiva do autor, só se encontram imagens sem palavras nas sociedades semianalfabetas que vivem numa espécie de estado pictográfico da imagem. Desde o aparecimento do livro, a imagem acompanha o texto ou vice-versa. Considerando a cadeia flutuante de significantes que, na imagem, pode apresentar-se desorganizadamente ao observador, a mensagem linguística opera, compreensivelmente, como forma de fixar a significação e, consequentemente, estabilizar a interpretação.

Barthes considera que a ancoragem da palavra à imagem tem um “valor repressivo”, na medida em que o texto, seja ele título, slogan ou legenda, restringe e limita os múltiplos significados que emergem naturalmente da imagem. Ainda assim, o autor defende que também a imagem pode desempenhar uma função de ancoragem, embora operando de modo distinto. A imagem pode limitar o carácter polissémico da própria mensagem linguística, substituindo, de certa forma, a imaginação ao fornecer uma ilustração já construída do texto e, portanto, poupando esforços de evocação ao observador, que se podiam revelar desviantes em relação ao efeito persuasivo pretendido, pois a imagem associada ao texto é criada nas condições pretendidas pelo anunciante. No entanto, num segundo momento, a função de ancoragem da imagem adquire um valor de abertura, ou seja, a imagem abre o sentido das palavras, ainda que dentro do espectro intencionado pelo objeto publicitário em causa. O significado de um anúncio, mais do que o seu objeto em si, é a abertura do sentido desse objeto.

O termo “Retórica” volta a surgir num outro texto do mesmo autor (1978), dedicado ao pintor maneirista Giuseppe Arcimboldo e ao trabalho que desenvolve em meados do século XVI. As figuras compostas por Arcimboldo tinham sobretudo funções distrativas, mas Barthes considera que o pintor brinca com a língua, transformando as imagens presentes na sua pintura em figuras de estilo, como acontece em “As quatro estações”, série de quatro quadros pintados em 1573, representando cada uma das estações do ano. A Retórica da Imagem de Roland Barthes consiste numa desconstrução de cada elemento presente na imagem, com o intuito de descobrir nele alguma figura Retórica. O autor coloca uma questão fundamental: a de perceber se a imagem - que remete ao seu significado latino de imitação - poderá ser verdadeiramente portadora de sentido. No entanto, a perspetiva que adota para este questionamento - procurando averiguar se a imagem poderá realmente constituir uma linguagem e, em caso afirmativo, como nela opera o sentido - viria a ser amplamente criticada, devido à imposição do modelo linguístico à análise de um elemento que tem vindo a ser reforçado como algo profundamente distinto.

Umberto Eco e os níveis de sentido

N’ A estrutura ausente, Eco (1997) desenvolve uma metodologia de análise da Publicidade sob influência da teoria da informação. O título do livro apresenta uma crítica aos fundamentos do estruturalismo francês, apesar de o autor apresentar claras influências de Saussure, Hjelmslev e Barthes, compreensíveis se atendermos à sua raiz europeia.

Eco adota o modelo triádico do signo de Charles Sanders Peirce e conclui que a cada uma das definições de signo pode corresponder um fenómeno de comunicação visual específico. Nessa linha de pensamento, a imagem publicitária é abordada como um aglomerado de camadas que o autor analisa separadamente. O seu método baseia-se no duplo registo, o registo verbal e registo icónico ou visual, invocando para o efeito os conceitos de denotação e conotação bartheanos.

O autor divide a imagem publicitária em cinco níveis, sendo os três primeiros específicos da imagem e os dois seguintes da argumentação. O primeiro, o nível icónico, está situado no plano da denotação e inclui os dados concretos da imagem ou os elementos gráficos que representam o objeto de referência. O nível iconográfico, o segundo, trabalha com dois tipos de codificação, a histórica e publicitária: no primeiro, a Publicidade usa significados convencionais e no segundo incluem-se convenções criadas pela própria Publicidade, como a maneira de uma modelo cruzar as pernas ou de olhar para o leitor.

Ao nível da argumentação, encontramos os níveis tropológico, tópico e entimemático. O primeiro diz respeito às figuras de retórica clássicas aplicadas à comunicação visual, o nível tópico compreende as premissas e os lugares argumentativos e o nível entimemático refere-se às conclusões desencadeadas pela argumentação e ao aparecimento de uma determinada imagem no anúncio.

Jacques Durand: figuras de linguagem

O artigo “Retórica e imagem publicitária”, publicado na revista Communications em 1970, é o principal contributo de Jacques Durand para o estudo da imagem publicitária. A partir do estudo de Roland Barthes, Durand desenvolve um projeto sobre a imagem publicitária em que procura encontrar as figuras da Retórica clássica presentes nos anúncios impressos. Nesse estudo, analisa um corpus de mais de mil anúncios impressos publicados nos anos 60, com a intenção de construir uma base de dados de imagens em que as figuras de estilo fossem identificadas e estudadas por forma a constituir uma Retórica visual. Neste trabalho, o autor consegue encontrar todas as figuras clássicas traduzidas em imagens e conclui que as melhores ideias criativas encontradas nos anúncios são aplicações da Retórica clássica.

Para identificar as figuras da Retórica visual, Durand constrói uma tabela de relações entre os conteúdos e as formas das figuras de Retórica estabelecendo, no plano do conteúdo, cinco tipos possíveis de relações entre os elementos associados (identidade, semelhança, diferença, oposição e falsas homologias) e, no plano das formas, quatro tipos de operações retóricas. No final do artigo, Durand frisa que a análise das figuras de Retórica aplicada a anúncios isolados pode ser alargada a campanhas. As tabelas de figuras de Retórica visuais identificadas por Durand continuam válidas, sendo ainda uma referência na área.

Georges Péninou: publicidade substantiva e publicidade adjectiva

Georges Péninou fez estudos complementares ao trabalho de Jacques Durand. Entre as suas obras mais conhecidas estão o artigo “Física e metafísica da imagem publicitária” e o livro, nascido da sua tese de doutoramento, Intelligence de la publicité, que reúne as suas reflexões sobre a imagem publicitária, feitas ao longo de décadas. Nesta obra, Péninou elabora um estudo das formas de expressão da imagem publicitária e apresenta um modelo de análise para um anúncio impresso, que assume como ponto de partida para as mais variadas considerações sobre a questão da imagem na Publicidade.

A forma como analisa o anúncio da Indian Tonic Schweppes revela uma forte inspiração no modelo de Roland Barthes, particularmente evidente quando identifica, na imagem, os níveis denotativo e conotativo. A semelhança emerge igualmente no modo como separa o material imagético do escrito, também reminiscente do modelo de Umberto Eco. Tal como os seus antecessores, Péninou inicia a análise com uma descrição do anúncio.

Apoiando-se em Barthes, Péninou sustenta que toda a imagem emite duas mensagens, uma de apresentação, referente à leitura denotativa, e outra de simbolização, o nível conotativo, para além de uma mensagem de representação do género publicitário que permite o reconhecimento imediato pelo leitor. Segundo o autor, os anúncios podem ser classificados de acordo com dois grandes regimes, (1) substantivos ou denotativos e (2) adjetivos ou conotativos.

A publicidade substantiva é aquela que assume a apresentação do produto, correspondendo à consagração fotográfica do objeto, com destaque para o seu nome e características, com ou sem apresentadores. Quando há um apresentador, o seu posicionamento em relação ao leitor pode ser frontal ou de perfil e admite outras implicações.

A publicidade substantiva que utiliza apresentadores classifica-se em duas categorias, os anúncios de designação e os de exibição. A designação compreende os anúncios que integrem gestos que remetam para algo particular. A exibição faz-se com recurso ao código gestual

Quando não recorre aos apresentadores, a publicidade pode ser de auto-apresentação e aparecimento. Por auto-apresentação entende-se uma publicidade sem tempo, em que a imagem mostra o objeto na sua singularidade. Quanto ao aparecimento, por norma ajusta-se ao lançamento de um produto, reforçando essas características na mensagem escrita.

Por sua vez, a publicidade adjetiva destaca as características do produto, aplicando figuras de Retórica na imagem, tais como a metáfora ou a sinédoque, quando as imagens estabelecem uma analogia com o produto ou evidenciam um detalhe para estimular a perceção da relação com a imagem total do objeto, entre outras.

Um contributo importante deixado por Georges Péninou foi sem dúvida a identificação e análise dos códigos cromático, tipográfico, fotográfico e morfológico na Publicidade, pois é a partir deste que estes aspetos começam a ser estudados.

Jean Marie Floch e as valorizações publicitárias

Jean Marie Floch apresenta uma nova abordagem no âmbito dos estudos da imagem ao aplicar a semiótica greimasiana como instrumento de análise. O seu trabalho sobre a imagem começa a ser desenvolvido em 1981, sendo posteriormente publicado no livro Petites mythologies del’œil et de l’esprit. Floch não desenvolve um modelo de análise semiótica aplicado exclusivamente à Publicidade, pois o seu modelo abrange as mais distintas áreas da imagem, nomeadamente a Escultura, a Arquitetura, a Pintura, o Design e a Publicidade.

Ainda assim, o livro Sémiotique, marketing et communication destaca-se particularmente na bibliografia de Floch, pois é considerado a primeira obra de semiótica especificamente consagrada ao estudo da Comunicação, do Marketing e da Publicidade. Nesta obra, o autor apresenta seis ensaios cujos objetos de análise são case-studies de Marketing e Comunicação aos quais aplica o modelo semiótico. Três desses casos aplicam-se concretamente à Publicidade. O capítulo “J´aime, j´aime, j´aime (…)” tem por objeto de análise a publicidade do sector automóvel e o sistema de valores em jogo quando o consumidor decide comprar um carro. Usando uma lógica parecida com o primeiro estudo de caso apresentado, “Etes-vous arpenteur ou somnambule?”, em que Floch cria um modelo para descobrir algumas tipologias de comportamentos dos utilizadores do metro de Paris, o autor constrói um quadrado semiótico e estabelece uma tipologia dos modos de valorização criados pela Publicidade: prática, correspondente aos valores de uso; utópica, relativa a valores existenciais como identidade e liberdade; lúdica, que diz respeito à valorização lúdica e ao luxo; e, por fim, crítica, no âmbito da qual são feitas relações entre elementos como qualidade e preço ou custo e benefício.

Martine Joly: uma análise tripartida da imagem

Em Introdução à análise das imagens (1999), Martine Joly apresenta uma proposta de análise da imagem publicitária, mostrando-se conhecedora das conceções semióticas e dos modelos de análise de Roland Barthes, George Péninou e Jacques Durand e apresentando a imagem como objecto da Semiótica, resgatando os conceitos de signo de Peirce e Saussure.

Para esta autora, uma fase essencial da análise da imagem é a sua descrição, que traduz a perceção visual em linguagem verbal. Esse procedimento coloca em evidência as escolhas percetivas e de reconhecimento essenciais para a interpretação de uma imagem, que também passa por uma aprendizagem cultural.

Um dos anúncios analisados pela autora é um anúncio de duas páginas da marca de roupas Marlboro Classics, publicado na revista “Nouvel Observateur” em outubro de 1991. Tendo como ponto de partida o modelo de Roland Barthes, Joly procura percorrer o caminho inverso - se Barthes partia dos significantes para chegar aos significados que compõem a mensagem global, vinculados a um contexto sociocultural e a uma mensagem linguística, Joly considera que o seu objetivo é a descoberta da mensagem implícita existente no anúncio e delimitar com maior precisão o público-alvo do mesmo.

A sua proposta de análise divide-se em três fases: a descrição da imagem, a reprodução do texto e a separação e análise de três tipos de mensagens em plástica, icónica e linguística. De acordo com a autora, a análise detalhada de cada fase permite descobrir a mensagem implícita e global do anúncio.

A mensagem plástica é formada pelo conjunto de elementos concretos, por dizê-lo assim, que compõem a imagem, tais como o suporte, a dimensão do mesmo, o enquadramento, a iluminação ou a textura. Por sua vez, a análise dos significantes icónicos nascem conotações carregadas de significados socioculturais, naturalmente inerentes ao carácter polissémico da imagem. Por fim, para a análise da mensagem linguística, Joly relembra Roland Barthes, declarando que toda a imagem é polissémica e que, consequentemente, a mensagem linguística é fundamental para a interpretação correta da imagem. A autora analisa ainda cada bloco de texto de acordo com as funções previstas por Barthes e as figuras de Retórica também são classificadas. No entanto, reflete sobre a escolha tipográfica, nomeadamente cor e formato dos caracteres, aspetos descurados até então pelos modelos de análise anteriores.

Da imagem fixa para a imagem em movimento

Em La imagem publicitaria en televisión, José Saborit (1999: 71) enumera um conjunto de ângulos a partir dos quais podem analisar-se os spots publicitários: (1) Iconicidade, (2) Objeto, (3) Personagens, (4) Cor, (5) Movimento, (6) Texto, Logótipo e Marca, e (7) Sonoridade. A pertinência deste modelo e a proximidade encontrada com o seu objeto de análise levam-nos não só a estudá-lo, como a procurar adaptá-lo à investigação de doutoramento que finalizámos em 2012 e que procurava averiguar a linguagem (texto e imagem) da publicidade televisiva.

Segundo Saborit, ainda que grande parte dos anúncios publicitários assentem puramente na iconicidade (Idem: 72), a Publicidade dirigida ao público infantil utiliza desenhos animados ou bonecos inanimados aos quais dá vida ou movimento recorrendo à tecnologia ou a um simples movimento de mãos para manobrar o brinquedo. Estes são personagens intervenientes em séries infantis, heróis míticos detentores de poderes sobrenaturais, podendo ser extraterrestres, cyborgs ou outra criatura admirada pelas crianças e capaz de se tornar credível entre um público ainda incapaz de fazer a separação entre o mundo da fantasia e a realidade. No caso da Publicidade dirigida a um público-alvo adulto, imperam as imagens em movimento por possuírem maior grau de semelhança com a realidade, o que permite que a descodificação da imagem seja feita automaticamente pelo telespectador. Este é um dos motivos pelos quais defendemos que a Publicidade televisiva convida ao imaginário e transporta o telespectador para um mundo de sonho diferente daquele em que se vivem as contingências do quotidiano.

Relativamente à presença de objetos no anúncio, importa reparar se é apresentado um objeto/produto único para perceber qual a estratégia do anunciante e em que cenário. O tempo de exposição reduzido, desencadeado pelos custos elevados do tempo em televisão, conduz à necessidade de centrar a Publicidade no mais importante, fazendo-o de forma rápida, objetiva e eficaz. Deste modo, compreende-se que o número de objetos apresentado em cada anúncio seja, também, muitas vezes limitado, para evitar que a mensagem se perca. Importa averiguar se o tempo do anúncio pode condicionar a forma de apresentação do objeto (nomeadamente recorrendo a planos curtos, rápidos e densos) e a eficácia da mensagem.

No que diz respeito às personagens, torna-se importante averiguar tanto o papel como o número de intervenientes no anúncio, pois o desempenho e a quantidade de atores em cena podem não só rivalizar com o produto, como interferir com a identificação que com ele deverá sentir o público-alvo. Em nome da redução deste esforço de identificação e credibilização, a Publicidade recorre, alguma frequência, à presença de celebridades.

Na perspetiva de Saborit, a maioria dos anúncios são a cores porque estas podem atuar como nexo identificativo com a marca. A cor torna o anúncio mais realista, conferindo-lhe maior grau de semelhança com o real. Contudo, o preto e branco pode atuar como agente diferenciador, por remeter para uma altura em que poucos podiam pagar o seu próprio retrato ou para a qualidade de uma fotografia de moda. Nos anúncios pode, ainda, intercalar-se o preto e branco com a cor para marcar a diferença entre o antes e o depois de um produto ser utilizado.

A propósito do movimento, é importante averiguar de que modo é que este interfere com a transmissão da mensagem e de que forma é construído - se pela cadência dos planos, se pela introdução de música ou algum tipo de som.

Geralmente os spots integram igualmente elementos como texto, logótipo e marca, pelo que se torna também necessário questionar de que modo são utilizados e se o seu papel é escasso, incisivo ou fundamental em termos argumentativos. No respeitante ao logótipo e à marca, importa analisar de que forma é que estes, destinados a diferenciar o produto dos seus concorrentes, surgem no ecrã pois, segundo Saborit, trata-se de elementos que funcionam como imagens e não como palavras, sendo a legibilidade fundamental.

A possibilidade de usar a palavra falada em televisão leva a que averiguemos se existem diálogos, monólogos ou se o recurso à voz off é frequente. Mais que isso, impõe-se indagar com que intenções se utiliza a palavra - adotam-se frases facilmente memorizáveis, rimas, trocadilhos ou jogos de palavras? Recorre-se ao jingle? O slogan é repetido ao longo do anúncio?

O som é, igualmente, um elemento fundamental no spot televisivo, sendo fundamental descortinar qual a relação que lhe é dado ter com a imagem. Efetivamente, importa saber de que forma pode o som, seja ele música, som ambiente ou ruído, credibilizar, associar determinados valores ao produto ou, simplesmente, despertar a atenção do espectador.

Conclusão

Na tese de doutoramento que desenvolvemos adotou-se o modelo de Saborit para averiguar a natureza retórica da publicidade televisiva (2012) mas impôs-se a inclusão de outros critérios de análise, puramente fundados na retórica aristotélica e que é referente aos valores, tempo, tipo de argumentos, auditório, provas intrínsecas e finalidade presentes em cada anúncio, em conformidade com o quadro aristotélico dos géneros para procurar apurar o que mudou com o discurso publicitário com a interferência dos media audiovisual. Neste âmbito, analisou-se a forma como as provas, argumentos, tempo do discurso, ação e valores se manifestam no discurso retórico publicitário, interessando igualmente identificar orador e auditório em cada anúncio e verificar a forma como o primeiro se apresenta e averiguar qual o grupo de consumidores a que o anúncio se destina.

Falkheimer &Heide (2018) encontram na Retórica clássica um dos fundamentos da Comunicação Estratégica. Afastando-se da conotação negativa que a disciplina tem assumido pela sua associação à propaganda, os autores defendem que a retórica aristotélica dispõe de um “arsenal de ferramentas” à disposição de quem pretende uma melhor compreensão sobre situações comunicativas diversas (Idem: 37).

 

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Recebido | Received | Recebido: 2018.08.15
Aceite | Accepted | Aceptación: 2018.11.15

 

Nota biográfica

Ivone Ferreira é Professora Auxiliar no Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA-FCSH na área de especialidade de Comunicação Estratégica e Investigadora Integrada do ICNOVA.

E-mail: ivoneferreira@fcsh.unl.pt

Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

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