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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.34 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_6 

ARTIGO

Marcas, produtos e temáticas na ficção televisiva: um ensaio sobre o placement como estratégia de produção

Brands, products and themes in television fiction: an essay on placement as a production strategy

Marcas, productos y temáticas en la ficción televisiva: un ensayo sobre el planteamiento como estrategia de producción

Nuno Goulart Brandão*
https://orcid.org/0000-0002-2740-6161

Catarina Duff Burnay*

* Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas


 

RESUMO

O presente paper procura discutir, de forma preliminar e ensaística, o uso do placement de marcas, produtos e temas na ficção televisiva, enquanto estratégia comercial, mas também enquanto estratégia social. Num tempo de superabundância de oferta de conteúdos e de proliferação de plataformas de distribuição e de dispositivos de acesso, o recurso a alternativas criativas de produção e financiamento de conteúdos procura garantir a fidelização de telespectadores e, por consequência, desencadear a compra, num constante processo dialógico entre anunciantes/marcas, canais/conteúdos e recetores/consumidores. Assim, e numa atitude reflexiva, é explorado o product placement enquanto conceito, atendendo às suas potencialidades e impactos, fazendo-se o contraponto e a analogia com o placement de temas (merchandising social), enquanto campo disciplinar dentro dos estudos dos media, mas ainda com pouca expressão analítica e académica em Portugal.

Palavras-chave: marcas; product placement; temáticas sociais; televisão; conteúdos ficcionais


 

ABSTRACT

The present paper tries to discuss, in a preliminary and essayistic way, the use of the placement of brands, products and themes in television fiction as a commercial strategy, but also as a social strategy. In a time of overabundance of content and proliferation of distribution platforms and access devisces, the use of creative alternatives to produce and finance content, seeks to ensure the loyalty of viewers and, consequently, to trigger the purchase, in a constant dialogical process between advertisers/brands, channels/contents and receivers/consumers. Thus, in a reflexive attitude, product placement is explored as a concept, taking into account its potentialities and impacts, making up the counterpoint and analogy with the placement of themes (social merchandising), as a disciplinary field within media studies, but still with little analytical and academic expression in Portugal.

Keywords: brands; product placement; social themes; television; fictional content


 

RESUMEN

El presente documento busca discutir, de forma preliminar y ensayística, el uso del posicionamiento de marcas, productos y temas en la ficción televisiva, como estrategia comercial, pero también como estrategia social. En un tiempo de sobreabundancia de oferta de contenidos y de proliferación de plataformas de distribución y dispositivos de acceso, el recurso a alternativas creativas de producción y financiación de contenidos, busca garantizar la fidelización de telespectadores y, por consiguiente, desencadenar la compra, en un constante proceso dialógico entre anunciantes/marcas, canales/contenidos y recetores/consumidores. Así, y en una actitud reflexiva, se explora el product placement como concepto, atendiendo a sus potencialidades e impactos, haciendo el contrapunto y la analogía con el planteamiento de temas (merchandising social), como campo disciplinario dentro de los estudios de los medios, pero incluso con poca expresión analítica y académica en Portugal.

Palabras clave: marcas; product placement; temáticas sociales; televisión; contenidos ficcionales


 

Introdução

O consumo de produtos audiovisuais faz-se, crescentemente, de forma personalizada, tanto na escolha dos conteúdos, como de plataformas e dispositivos, colocando desafios aos produtores, em especial aos canais em sinal aberto e generalistas, e, em consequência, aos anunciantes. Captar a atenção dos telespectadores, levá-los ao consumo de longo prazo e à criação de engagement com os conteúdos e com os canais, embora não sejam objetivos novos, mostram-se mais complicados de alcançar, fruto do desenvolvimento da oferta por subscrição, da world wide web e das over-the-top, assim como da tecnologia de suporte a um visionamento mais plástico e à medida (VOSDAL, timeshift, …). Se, no passado, os indivíduos adaptavam as suas rotinas à televisão, sujeitando-se à sincronização dos tempos e ao consumo de segmentos publicitários entre conteúdos, hoje, a televisão convive com outras plataformas, os tempos tornam-se assincrónicos e individuais e ver publicidade, em algumas situações, torna-se uma opção.

Não negando a queda de audiências dos canais em sinal aberto, parece existir um desfasamento entre a narrativa vigente sobre o fim da televisão e a realidade dos números, com o universo cabo e outros (VoD, consolas, serviços OTT) a fecharem o ano de 2017 abaixo dos 50% de audiência diária (Burnay et al., 2018), situação que se manteve praticamente inalterada em 2018 (+1,1%[1], enquanto que os canais em sinal aberto continuaram (e continuam) a liderar o mercado. Paralelamente, parece-nos interessante recuperar o estudo desenvolvido pela ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação), “As novas dinâmicas do consumo audiovisual em Portugal” (2016)[2], que mostra, claramente, a manutenção do interesse pela televisão e pelo televisor por parte da população portuguesa (acima dos 90%), mesmo pelos mais jovens (15-24 anos).

No que respeita ao investimento publicitário, fator essencial para a sobrevivência dos canais em sinal aberto (SIC e TVI), constata-se um contínuo crescimento desde 2014, após seis anos de declínio em alinhamento com as condições de recessão económica vivida no país. A título de exemplo, o ano de 2017 fechou com mais de 14.000 horas de publicidade nos canais de televisão monitorizados, fazendo do meio o líder da tabela com 79% do investimento total nos media. Destes 79%, 60% do investimento foi feito nos canais por subscrição e, os remanescentes, 40% nos canais em sinal aberto (30% dos quais nos canais comerciais). Em números gerais, o investimento gerou 38 horas de publicidade diária (Burnay et al., 2018).

Os canais em sinal aberto e generalistas portugueses (RTP, SIC e TVI), confrontados com este cenário dicotómico - perda de audiências, mas manutenção da liderança no conjunto dos meios e aumento do investimento publicitário - , procuraram (e procuram) alternativas para dar lastro ao binómio produção/promoção, tendo em atenção que fidelização pode não implicar mudança e que a retenção das faixas etárias mais jovens, migrantes por natureza para outros canais e plataformas, não se faz com ofertas mimetizadas ou adaptadas. Assim, identificamos cinco linhas de força em termos de programação: i) uso dos canais de notícias para fazer eco fazer eco das agendas mediáticas dos canais mãe; ii) a aquisição de direitos para transmissão de encontros desportivos, nomeadamente de futebol; iii) a oferta de grandes formatos de entretenimento adaptados localmente, com transmissão em direto ao fim de semana e de sumários alargados durante a semana, potenciando o visionamento gregário e familiar e a ideia de “encontro diário” com os canais; iv) a oferta continuada de telenovelas em horário nobre (canais comerciais), com transmissão seis dias por semanas e ao longo de um ano e a exploração de formatos alternativos (séries) por parte do canal de serviço público e v) o uso das plataformas digitais como repositórios, mas também como extensões, capitalizando os ativos da estação. No que respeita à promoção, elegemos, entre outras i) o product placement como complemento à publicidade tradicional, em especial dentro dos conteúdos de entretenimento e ficção; ii) a autopromoção cruzada entre conteúdos e meios nos/dos diferentes canais e estações[3] e iii) o recurso a narrativas ancoradas nos quotidianos e o uso de temáticas sociais fundadas na realidade e próximas dos indivíduos.

Partindo desta sistematização, e atendendo aos nossos objetivos, isolamos as telenovelas (ficção nacional) e procuramos olhar, analiticamente, para o papel dos diversos placement como estratégia de produção dos canais em sinal aberto e generalistas dentro deste novo ecossistema mediático.

1 - (Product) Placement(s): definições e evolução do conceito

Os primeiros usos desta técnica remontam à década de 90 do século XIX, havendo relatos do uso da marca sunlight/Lever no filme Washing Day in Switzerland por parte dos irmãos Lumière. Nesta sequência, a indústria cinematográfica foi percebendo a importância da ação enquanto forma de captar investimento financeiro e, simultaneamente, envolver o espectador ao tornar as obras mais reais (Law & Latour, 2004). Exemplos disso mesmo são Mildred Pierce (1945) onde apareceu Joan Crowford a beber whiskey da marca Jack Daniels (Nebenzahl & Secunda, 1993), bem como em 1950 no filme Destination Moon onde quatro viajantes no espaço bebiam Coca-Cola e vestiam jeans da marca Lee (Vollmers & Mizerski, 1994). A partir da década de sessenta do século XX, o product placement chega às marcas de automóveis e na década de setenta inúmeros agentes envolvem-se nesta técnica consolidando-a, não apenas como uma tendência, mas como uma realidade que se irá desenvolver e alastrar, ainda mais, no futuro (Lehu & Bressoud, 2008; McCarthy, 1994).

A grande afirmação de product placement do campo cinematográfico para o televisivo dá-se após o êxito em E.T. (1982) de Steven Spielberg com a inserção da marca de doces Hershey Company (Reese´s Pieces) que reforça uma nova era aplicada. O recurso ao product placement foi acentuando-se e entrando em vários formatos e géneros televisivos (séries, talk-shows, telenovelas, programas musicais (Russell, 2002; Romaniuk, 2009), chegando aos vídeo-jogos (Herrewijn & Poels, 2013), ou seja, envolvendo produtos e marcas com a indústria do entretenimento, em troca de um determinado benefício financeiro (Gupta & Gould, 1997; Karrh, 1998). E que, sobretudo, varia em função do número de cenas em que as aparições de determinado produto e/ou marca tiverem (Karrch et al., 2003), bem como na sua proeminência evidenciada e seus impactos (McCarty, 2004).

Se, na década de 1980, o recurso ao product placement por parte da televisão começou a ser mais expressivo, vai ser a partir de 2000 e da colocação de marcas de grande consumo no reality-game show Survivor que essa simbiose começa a ser mais explorada (Hardy, 2010). Na verdade, a quantidade de conteúdos e diversidade de formatos, assim como a sua duração e “presença diária em casa” dos telespectadores, fazem como que, por um lado, os produtos tenham uma exposição mais continuada e, por outro, que beneficiem da relação e envolvimento emocionais criados com os conteúdos e personagens/apresentadores (Russel, 1998; Moura, 2010; Ferraro & Avery, 2012). Por esta razão, a televisão mostra-se como o meio privilegiado para o uso, de maneira recorrente e sob diversas formas, do product placement como alternativa, mas também como complemento à dita publicidade tradicional.

O conceito foi evoluindo ao longo dos tempos, num acompanhamento das necessidades quer dos anunciantes, quer dos produtores e mesmo dos consumidores, levando à emergência de novos conceitos como product integration ou advertainment - que olham a colocação de produto de forma imbricada com as narrativas, tornando a comunicação das marcas um ato natural - até ao brand entertainment ou branded content através do qual a marca orienta o desenvolvimento do programa (por exemplo, “Querido, Mudei a Casa” ou “Querido comprei uma casa”, TVI; “Vizinho mudei a Loja”, SIC Mulher) (Hudson & Hudson, 2006; Moura, 2010).

Parece-nos também interessante identificar o placement de locais (nível global, nacional, regional e local), estreitamente ligado ao marketing de turismo (Morgan & Pritchard, 1998) e aos conceitos de national branding e destination branding (Anholt, 2006, 2016; Moura, 2010), ou seja, a utilização de espaços geográficos como personagens de narrativas ficcionais. A exposição dos locais nos conteúdos, quer em cinema, mas principalmente em televisão, contribuem, positivamente para a economia dos locais, mas também para os conteúdos em si ao tornarem-se mais realistas (no caso da televisão, alguns exemplo são as telenovelas Ilha dos Amores, TVI-2007, passada nos Açores; Mar Salgado, SIC-2014, passada em Setúbal; Coração D’Ouro, SIC e Belmonte, TVI - 2015 desenroladas no norte de Portugal).

Por fim, e de acordo com os nossos objetivos, isolamos o conceito de merchandising social que, na prática, desenvolveu-se na esteira dos primados do marketing social (Pringle & Thompson, 2000). Usado de forma recorrente nas telenovelas brasileiras, fruto do seu impacto e alcance, permite transmitir informação de relevo social - campanhas de vacinação, rastreio de doenças, violência doméstica - mas também de temas fraturantes em discussão no espaço público, em contexto, como, por exemplo, a homossexualidade e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora haja um paralelo entre a publicidade tradicional e o placement de temáticas sociais, Schiavo (2002) defende que não deve envolver investimentos de clientes, mas sim as necessidades e/ou interesses partilhados. Desta forma, o placement de temáticas sociais, em especial em telenovelas, deve ser entendido como mais uma fonte de informação, reforçando a capacidade das narrativas ficcionais seriadas, dada a sua aproximação aos quotidianos, de intervir civicamente nas sociedades e junto dos indivíduos. As telenovelas portuguesas procuraram, desde o seu início em 1982, integrar temas fraturantes, destacando-se a referência à prostituição em Vila Faia, através da ação da personagem principal (Mariete interpretada por Margarida Carpinteiro) ou, na telenovela Origens (1983) a alusão à toxicodependência com a personagem Nando (interpretada por António Feio). Em 41 anos de telenovelas, é indiscutível a presença (pontual e desenvolvida) de outras temáticas, sempre com o objetivo de expor o problema/questão e ajudar o telespetador a perspetivá-lo, sendo alguns deles mais recorrentes como a superação da incapacidade física (a cegueira em O Teu Olhar, TVI-2003; a paraplegia em Perfeito Coração, SIC-2009 ou alterações do foro psiquiátrico em Dancing’ Days, SIC-2012 e Amor Maior, SIC-2017); a homossexualidade (Podia Acabar o Mundo, SIC-2008; Sol de Inverno, SIC-2013, O Beijo do Escorpião, TVI-2014 ou Alma e Coração, SIC-2018) ou a violência doméstica (Sol de Inverno, SIC-2013; A Única Mulher, TVI-2015; Amor Maior, SIC-2017).

No que concerne a legislação sobre a colocação de marcas e produtos, Portugal, embora tenha iniciado experiências mais expressivas na década de 1990 (Médico de Família, SIC), só viu aprovada regulamentação/legislação próprias em 2009 e em 2011. Na sequência da Diretiva Europeia Televisão Sem Fronteiras de 2007, onde foram estabelecidos princípios que asseguram o não incitamento à compra, assim como a necessidade de indicação clara ao telespectador sobre a presença de produto, Portugal consagrou-se como o primeiro Estado-Membro a assinar um acordo de auto-regulação sobre a matéria, em 2009 - “Acordo de Auto-Regulação em Matéria de Colocação de Produto e Ajudas à Produção e/ou Prémios”[4], assinado pela RTP, SIC, TVI, Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social e pelo Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade. Em 2011, na revisão da Lei da Televisão de 2007, foram introduzidas indicações claras sobre o product placement[5], como a necessidade de indicação expressa da presença do produto, a proibição de mostrar determinados produtos, como o tabaco, ou o uso de programas infantis como veículo de bens ou marcas. Apesar das fragilidades e das potenciais lacunas[6], a existência de linhas de orientação e limites permite uma utilização mais consciente, capaz de chegar aos consumidores e potenciando a técnica como uma alternativa e/ou complemento à publicidade tradicional. No que respeita ao placement de temas, não existe regulamentação própria, cabendo a cada entidade produtora identifica os temas e definir a melhor abordagem atendendo, sim, aos limites morais e éticos que cada problemática pode envolver.

2 - Placement(s) e a indústria de ficção e entretenimento

O product placement tornou-se um desafio para as marcas e indústria de ficção e entretenimento, na aplicação de novos métodos e formas de relacionamento, mas sempre com o mesmo propósito - gerar notoriedade e melhoramento na imagem das marcas recorrendo às inserções quer de modo implícito, de representações notória, de (Lehu & Bressoud, 2008) e de forma subliminar (Ferrés, 1998).

Visa-se, assim, criar com o product placement um efetivo método promocional integrante que consiga transmitir, a dada audiência, os atributos e valores do produto e/ou marca aludindo à realidade (DeLorme & Reid, 1999), num modo dominante de criação e reprodução de uma determinada realidade e elo social (Brandão, 2006).

O product placement tem, deste modo, como seus principais objetivos a devida exposição do consumidor a dada mensagem, seu reconhecimento e sensibilização e que possa, em alguns casos, proporcionar uma maior visibilidade, mudança de atitude e geração de associações positivas perante dado produto ou marca (Cowley & Barron, 2008; Reijmersdal et al., 2007). Mais precisamente, é um efetivo método comunicacional que ajuda no crescimento e sustentabilidade do brand equity, como um agregado de ativos aliados à valorização da marca, com envolvimento e emoção com a audiência gerada (Aaker, 1991; Balasubramanian, 1994).

Tal como sustentam Morton & Friedman (2002), o product placement tem a capacidade de aumentar o reconhecimento e de definir novos envolvimentos e comportamentos de compra ou atitudes face à marca. Logo, a sua intenção passa também por aumentar a notoriedade de dado produto e/ou marca, assim como de dar a conhecer os seus específicos atributos de valor, no propósito de gerar reconhecimento e imagem positiva (Ivory & Kalyanaraman, 2007).

Podemos então destacar algumas das vantagens que o product placement pode gerar através dos programas onde seja utilizado: i) conseguir gerar realismo e autenticidade ao enredo, transportando a realidade para a ficção e associá-lo a personagens com caraterísticas específicas que as aproxime da vida real (DeLorme & Reid, 1999); ii) gerar um maior nível de concentração por parte do público no decorrer de dado programa ou filme, permitindo assim uma maior interatividade entre o produto ou marca com esse público ou audiência; iii) funcionar como um verdadeiro endosso de celebridades (Avery & Ferraro, 2000); e em consequência, iv) associar o público à marca / produto e sua associação a dada personagem / celebridade (D’Astous & Chartier, 2000). Para além disso, ao reduzir-se o tempo dos breaks ou mesmo aboli-los no decorrer de certos conteúdos, pode impedir a mudança de sinal e, assim, contribuir para o aumento ou estabilização da curva de audiência.

Neste contexto, são vários os autores que sistematizam as diferentes formas de placement. Destacamos o modelo tripartido de Russell (1998): i) screen placement; ii) script placement e iii) plot placement. De forma semelhante, McCarthy (2004) explora i) a inserção meramente visual; ii) a visual e verbal; e iii) o produto e/ou marca como parte integrante da história. Outras três categorias são também destacadas por Lai-Man & Way-Yee (2008): i) a implícita - quando a sua colocação é realizada de modo subtil; ii) a explícita integrada - quando os produtos ou marcas podem estar integrados no enredo escolhido; e iii) - a explícita não integrada - quando os produtos ou marcas são formalmente expressos de modo verbal, mas, não visual.

Na relação marca/produto, Lehu (2007) distingue quatro tipos de utilização: i) product placement clássico - é alusivo à inserção de um produto específico num dado programa e em qualquer formato; ii) product placement corporativo - alusivo à marca, e não, a um dado produto específico, não existindo por isso nenhuma analogia a nenhum produto dessa dada marca; iii) product placement evocativo - quando a marca não é explícita e só através das suas caraterísticas é que a audiência consegue associar o produto à marca; e iv) product placement encoberto - modo de associação muito discreto onde a marca não aparece de forma explícita.

Já no que concerne o placement de temas sociais, Schiavo (2006)[7] classifica quanto à natureza, as ações, situações ou cenas em seis categorias: i) conceitual - um tema surge em conversa entre personagens; ii) menção em texto - quando uma personagem lê um artigo de imprensa, uma notícia online ou televisiva e comenta; iii) dialógicas - quando uma personagem mais velha e mais conhecedora orienta outra(s) personagen(s) em relação a determinado comportamento; iv) de uso - uma personagem mostra, explicitamente, a conduta ou reação certa num determinado contexto; v) estímulo visual - a câmara foca determinado objeto ou sinalética que encerra o procedimento correto dentro do contexto temático abordado; vi) promocional - quando são realizadas campanhas dentro das tramas, tendo em vista a alteração de condutas ou situações instaladas consideradas nefastas para determinada comunidade.

3 - Influência do placement: memória, atitude, perceção e familiaridade

Quanto às principais influências do product placement destacam-se as que se podem gerar na i) memória; ii) atitude; iii) persuasão; e iv) familiaridade junto dos consumidores e seus comportamentos.

i) ao nível da memória, as experiências passadas, a capacidade de aprendizagem e de lembrança consciente dessas experiências são determinantes para o product placement ser eficaz. Deste modo, a memória acaba por se poder definir como um efetivo sistema de ação onde as informações dos indivíduos são conservadas e que serão, em momento oportuno, utilizadas (Law & La-tour, 2004). Ou seja, que sejam capazes de atrair a atenção deixando traços significativos da marca ou produto na memória do consumidor (Wedel & Pieters, 2000).

ii) ao nível da atitude, é aqui determinante a influência que tem no destaque e reforço positivo da marca em suas possíveis situações de compra junto dos consumidores (Romaniuk & Sharp, 2004). Deste modo, as pessoas têm atitudes positivas face às marcas em que reconheçam essa avaliação positiva (Fishbein & Ajzen, 2000), desde que essa inserção seja devidamente bem integrada. Se assim for, torna-se muito mais persuasiva na mudança de atitudes por parte dos consumidores (Russell, 2002). Mais precisamente, se o consumidor não valorizar que a inserção de uma marca em product placement visa mais influenciar a sua atitude perante a marca, do que, a sua aceitação de modo integrado na história de certo filme ou programa televisivo, então, a eficácia do placement é muito maior (Bhatnagar et al., 2004).

iii) quanto à persuasão, pode reforçar-se o papel decisivo que tem nas mudanças ao nível cognitivo de dado indivíduo que é persuadido e na influência que posteriormente pode ter, ou não, sobre outros indivíduos (O´Keefe, 2002). Neste contexto, face à eficácia do product placement, se dado indivíduo reconhecer a marca inserida em dado filme, videojogo ou programa televisivo como sendo uma tentativa persuasiva direta, e não como parte integrante e valorativa da história desse dado filme ou programa, podem ser ativadas defesas cognitivas que levam à interpretação de rejeição dessa marca (Russell, 2002). Logo, se dado indivíduo não atribuir relevância à inserção dessa marca pode levar a um impacto condicionado do product placement (D’Astous & Chartier, 2000; Law & Braun, 2000).

iv) quanto à importância da familiaridade dos consumidores face a dada marca, ela reforça a atitude positiva dos consumidores, desde que exista um conhecimento na sua memória face a essa marca (Campbell & Keller, 2003). Ou seja, desde que exista um reconhecimento dessa marca como lhe sendo familiar, existe uma maior predisposição de envolvimento do consumidor (Petty et al., 1983), o que reforça e gera uma maior empatia e sentimento positivo para com a situação proposta de product placement, bem como concede maior realismo a essa interpretação gerada (Russell, 1998).

De forma paralela, as ações de placement de temáticas sociais procuram impactar os telespectadores ao nível da memória, da atitude, da perceção e da familiaridade levando, não necessariamente à compra de um determinado bem, mas, acima de tudo, a uma reflexão mais informada sobre os temas. No limite, as ações pretendem gerar o debate público e levar à mudança quer de mentalidades, quer de condutas pessoais, comunitárias e institucionais, ao mesmo tempo que geram interesse nos conteúdos.

Notas Conclusivas

Não se tratando de um trabalho acabado, mas sim de um ensaio para a promoção de pistas de leitura sobre um tema ainda não muito desenvolvido academicamente em Portugal, o presente paper procurou discutir o uso do placement, nomeadamente de marcas, produtos e temáticas - como técnica comercial, mas também como prática social. De forma dialógica, a presença de produtos, bens, locais e temáticas dentro das narrativas ficcionais tornam, por um lado, os produtos mais reais, próximos dos quotidianos dos consumidores e ancorados na contemporaneidade e, por outro, permitem financiar os conteúdos, complementando a publicidade tradicional e/ou evitando os seus efeitos mais negativos (por exemplo, a mudança de canal). Numa era marcada pela superabundância de informação, de conteúdos e de plataformas, a ficção televisiva, em especial o formato telenovela, ganha o estatuto de lugar de memória (Nora, 1989) e de recurso comunicativo (Lopes, 2009), ao mesmo tempo que capitaliza o brand equity das marcas e dos produtos expostos, mostrando a vitalidade do setor audiovisual e da forma inteligente de se adaptar ao novo ecossistema mediático e, consequentemente, publicitário.

 

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Documentos online consultados:

http://www.meiosepublicidade.pt/2019/01/audiencias-tv-subiu-desceu-2018/, acedido em 15.12.2018

http://www.erc.pt/documentos/Estudos/ConsumoAVemPT/ERC2016_AsNovasDinamicasConsumoAudioVisuais_web/assets/downloads/ERC2016_AsNovasDinamicasConsumoAudioVisuais.pdf, acedido em 15.12.2018.

http://www.gmcs.pt/ficheiros/pt/acordo-de-auto-regulacao-em-materia-de-colocacao-de-produto-e-ajudas-a-producao-eou-premios.pdf, acedido em 22.12.2018.

https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/276860/details/maximized. acedido em 22.12.2018

https://www.cuatrecasas.com//media_repository/docs/por/um_aliado_anti-crise_620.pdf, acedido em 23.12.2018

 

Recebido | Received | Recebido: 2018.08.15
Aceite | Accepted | Aceptación: 2018.12.11

 

Notas

[1] http://www.meiosepublicidade.pt/2019/01/audiencias-tv-subiu-desceu-2018/. Acedido em 15.07.2018

[2]http://www.erc.pt/documentos/Estudos/ConsumoAVemPT/ERC2016_AsNovasDinamicasConsumoAudioVisuais_web/assets/downloads/ERC2016_AsNovasDinamicasConsumoAudioVisuais.pdf. Acedido em 15.07.2018.

[3] Embora não tenhamos como meta o seu desenvolvimento, este descritivo remete para o conceito de internal product placement. Ver, entre outros: Lehu, J.M. (2007). Branded Entertainment: product placement & brand strategy in the entertainment Business. London: Kogan Page.

[4] http://www.gmcs.pt/ficheiros/pt/acordo-de-auto-regulacao-em-materia-de-colocacao-de-produto-e-ajudas-a-producao-eou-premios.pdf. Acedido em 22.07.2018.

[5] https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/276860/details/maximized. Acedido em 22.07.2018.

[6] Ver, entre outros: https://www.cuatrecasas.com//media_repository/docs/por/um_aliado_anti-crise_620.pdf. Acedido em 23.07.2018.

[7] O autor é o pensador por excelência sobre este conceito, contudo, tem pouca produção literária. Para mais informações sobre os seus trabalhos, ver: www.comunicarte.com.br

 

Notas biográficas

Nuno Goulart Brandão é Professor Associado Convidado da FCH/UCP e investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC) (linha de investigação Media, Technology, Contexts). Representa a FCH como membro fundador nas atividades do Observatório de Comunicação Interna e Identidade Corporativa (OCI). As suas principais áreas de investigação são a comunicação estratégica e os estudos televisivos.

Email: nunongb@fch.lisboa.ucp.pt

Morada: Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas, Palma de Cima 1649-023 Lisboa, Portugal

 

Catarina Duff Burnay é Professora Auxiliar Convidada da FCH/UCP desde 2011, é Coordenadora da Licenciatura em Comunicação Social e Cultural. Investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC) (linha de investigação Media, Technology, Contexts), assegura a coordenação da equipa portuguesa para o Observatório Iberoamericano da Ficção Televisiva (OBITEL). As suas principais áreas de investigação são os estudos televisivos, a ficção televisiva na óptica da produção e da receção, estratégias de produção e programação, públicos e audiências.

Ciência ID: 0C15-E2D0-10BF

Email: cburnay@fch.lisboa.ucp.pt

Morada: Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas, Palma de Cima 1649-023 Lisboa, Portugal

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