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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.17 no.31 Lisboa dez. 2017

https://doi.org/10.14195/2183-5462_31_5 

ARTIGO

 

Diversidade cultural e media no contexto europeu: regulação, economia e discurso

 

Cultural diversity and media in the european context: regulation, economy and speech

 

 

Joana FernandesI; Raquel LourençoII

I Centro de Investigação em Comunicação, Informação e Cultura Digital (CIC. Digital FCSH/NOVA), 1069-061 Lisboa, Portugal. E-mail: joanainesfernandes@gmail.com
II Centro de Investigação em Comunicação, Informação e Cultura Digital (CIC. Digital FCSH/NOVA), 1069-061 Lisboa, Portugal. E-mail: raquelfcsh@hotmail.com

 

 


RESUMO

Como premissa para uma reflexão sobre os tópicos da diversidade e do pluralismo nos media, deve procurar entender-se, desde logo, que os sistemas culturais e mediáticos são veículos estruturantes das identidades sociais. Num segundo momento importa que este conhecimento assegure uma consciência pública destes fenómenos de forma a viabilizar as promessas reguladoras de uma cultura globalmente diversificada. O facto é que, devido às diferenças culturais, políticas e mediáticas de cada país, verifica- se ainda uma falta de regulamentação e estruturação de orientações que conduzam à diversidade cultural nos media. Neste texto procuramos estabelecer um estado da arte genérico neste âmbito, e identificar quadros regulatórios e conceptuais que possam contribuir para uma maior presença da diversidade e do pluralismo nos media.

Palavras-chave: Diversidade Cultural; Pluralismo; Meios de Comunicação; Racismo; Minorias


ABSTRACT

To reflect on the topics of diversity and media pluralism, it should be understood that cultural and media systems have the power to structure social identities. Therefore, this kind of acknowledgement should lead to a public awareness of these phenomena, in order to make the regulatory promises of a global and diversified culture possible. In each country, due to cultural, political and media differences, regulation and structural guidelines that lead to cultural diversity in the media are missing. In this text, we seek to establish a generic state of the art for this subject, and try to identify the regulatory and conceptual frameworks that may contribute to greater cultural diversity and pluralism in the media.

Keywords: Cultural Diversity; Pluralism; Media; Racism; Minorities


 

 

Introdução

A complexidade das sociedades “líquidas” modernas tem tendência a densificar- se no atual quadro de crise global e de indecidibilidade política, nas questões de representação, no acesso ao conhecimento e à informação e na autonomia e privacidade dos cidadãos. Entre meios, culturas e sociedades; entre grupos maioritários e minoritários, géneros, etnias, pessoas com necessidades especiais, línguas, dialetos, orientações políticas, interesses de grupo, etc., nesta confluência de experiências, ganha hoje uma cada vez maior importância, designadamente no âmbito dos sistemas mediáticos e pós-mediáticos, a defesa do pluralismo e da diversidade cultural.

Os media são, efetivamente, um impulsionador dos debates da sociedade, têm o poder de evidenciar temas, conduzir questões, estimular a reflexão e o pensamento crítico. Refletem, ou pelo menos deveriam refletir, os valores das sociedades, a sua herança cultural, as identidades, os padrões históricos, culturais e sociais. As conceções culturais e mediáticas e os seus modelos de regulação são, no entanto, variáveis consoante os países e as regiões, isto porque em matéria de diversidade cultural a sua caracterização específica sofre diferentes interpretações, como veremos neste artigo.

Definições de diversidade, racismo, noções de inclusão, sistemas de media, tradições e normas jornalísticas adquirem diferentes formas consoante a região ou a nação, impossibilitando, assim, análises extensivas comparativas, contribuindo para a enumeração de tendências comuns e de diferenças conceptuais. Há, enfim, diferenças ideológicas determinadas pelos acontecimentos históricos e políticos de cada país, que contribuem para diferentes abordagens de uma mesma questão. Modelos estereotipados e exemplos de descriminação adquirem dimensões diferentes também, consoante o país em que são identificados.

A par das complexas diferenças conceptuais, o papel dos media surge sempre como divulgador e potenciador crítico destas questões. São eles quem determinam a agenda, definem os destaques, materializam o debate. Desta forma, aquando da necessidade de problematizar a diversidade cultural destacamos a sua relevância ao poderem identificar e conceptualizar as temáticas sociais e culturais.

 

A experiência europeia

Se, por um lado, nos dias de hoje, a globalização da comunicação se está a converter em risco de homogeneização cultural, fruto da confluência de factos (falsos ou não), fluxos e formatos internacionais, já desde o século passado que as representações estereotipadas das minorias eram um dado evidente. Por exemplo, na Europa, na segunda metade dos anos 90, a questão foi claramente identificada através dos estudos Centro Europeu de Investigação sobre Migração e Relações Étnicas (European Research Centre on Migration and Ethnic Relations - ERCOMER), que referia exemplos de situações onde a exposição negativa de notícias sobre grupos minoritários conduziu à generalização de opiniões: “An anti-immigrant consensus was constructed in the Italian press coverage on such cases, by combining several forms of stereotypical and negative portrayal supported by representations of ‘public opinion’" (EUMC, 2002: 36-37).

Importa, pois, destacar a influência que os meios de comunicação têm na construção de opiniões, de forma a conseguirmos delinear os diferentes fatores que podem contribuir para a descrição e construção da imagem de um determinado grupo minoritário. As abordagens destas temáticas por parte dos media contribuem, invariavelmente, para a construção de representações, opiniões e debates, e, portanto, para a caracterização do estatuto e dos papéis sociais dos grupos e minorias, seja através dos detalhes ou do tom empregue, da estratégia editorial, do discurso, das fontes, etc., enfim, todos os fatores contribuem para essa construção, concedendo ao jornalista um papel fundamental no delinear da narrativa, não esquecendo, contudo, que esse mesmo jornalista é, também ele, produto de uma socialização.

A Europa foi, e é, portanto, palco de movimentos migratórios, cenário para discursos de descriminação apoiados em categorizações estereotipadas, generalizações de argumentos e notícias de carácter sensacionalista que contribuíram em geral para, por vezes, uma histeria generalizada e apoiada pelas “opiniões públicas” nacionais. Na análise ao racismo e à diversidade cultural nos meios de comunicação de quinze países membros da União Europeia (EUMC: 2002), é referido o exemplo de jornais austríacos, dinamarqueses e espanhóis que reportaram crimes cometidos por refugiados de uma forma mais dramática do que noticiaram crimes domésticos. O valor de notícia consegue, assim, enfatizar a origem social, étnica, do criminoso, mantendo a descrição dos acontecimentos em segundo plano. Portugal é aqui referido como exemplo para referenciar a generalização do medo irracional sentido para com cidadãos de origem africana, devido à rápida associação desta nacionalidade a episódios de criminalidade.

Neste sentido, notícias negativas associadas a imigrantes, se forem mal conceptualizadas e sem a garantia da veracidade dos factos, podem contribuir para a generalização de opiniões. A “cultura dos imigrantes” presente no século XX retirou- lhes qualquer identidade patriota, apagando nacionalidades em benefício de uma única categorização – a de imigrante. Um dos motivos apontados para a existência desta generalização prende-se pela falta de representação das minorias nos meios de comunicação. Predominando ainda hoje as notícias com recurso às fontes políticas e influentes, reproduzindo, mediaticamente, uma única voz.

Na perspetiva de Karina Horsti (s/d: 14) a disseminação de uma narrativa ambivalente por parte dos meios de comunicação determina valores sociais e culturais da sociedade. Argumentando que a perceção da diversidade cultural só é alcançada através do conhecimento, a autora reforça a importância do recurso a diferentes pontos de vista para questões relacionadas com a diversidade cultural. Como solução destaca a importância na formação dos jornalistas e a necessidade de recrutar profissionais provenientes de diferentes contextos culturais. Há, portanto, duas vias possíveis para uma mesma questão. Se, por um lado, é fundamental cooperar na integração das minorias, abrangendo uma sociedade pluridiscursiva, é igualmente essencial fomentar a formação cívica do jornalista, concebendo a abordagem discursiva e conceptual da diversidade como uma competência que pode ser adquirida.

Através do recrutamento de profissionais de diversas culturas, e da formação dos jornalistas, confluem dois tipos de saber: quem adquiriu o conhecimento através da experiência pessoal, e quem domina o discurso sobre a diversidade cultural através do conhecimento formalmente adquirido. Procura-se, assim, fundamentalmente, desenvolver a participação de todos numa comunicação feita para todos, permitindo a diversidade de vozes e de experiências nos meios de comunicação.

Ao contrário de outros países europeus, a imprensa portuguesa dos anos 80 já recorria a declarações de cidadãos de origem africana para relatarem a sua experiência com o racismo em Portugal. Refere-se a não-existência de atitudes racistas ou o racismo subtil como formas de pensamento transversais na sociedade portuguesa. A este racismo subtil, generalizado então pela Europa, sucediam ao mesmo tempo atitudes de teor discriminatório. Muitas vezes estas práticas de racismo subtil são encontradas em discursos, inclusive oficiais, que justificam a rejeição de grupos minoritários com base em argumentos económicos. No relatório desenvolvido pela EUMC refere-se ainda que em alguns países europeus os media legitimam as propostas de política restritiva em relação ao racismo e à xenofobia, nomeadamente por darem cobertura a estes temas somente quando há notícias negativas a serem relatadas (2002: 38).

Nestas circunstâncias, tem-se verificado também uma escassez de notícias que denotem os contributos culturais dos imigrantes, conduzindo o discurso das reportagens num sentido unilateral que explora somente um lado da sociedade. Exemplo desses casos é demonstrado pelas reportagens cujo ângulo jornalístico se foca maioritariamente nas consequências negativas que os movimentos imigratórios têm para o país, sem uma abordagem contrária.

No fundo, qualquer categorização que seja empregue, de forma direta ou indireta, pode contribuir para a construção da identidade de um determinado grupo social. Na luta contra as práticas racistas, coube às organizações humanitárias tentarem obter uma outra representação nos meios de comunicação. O facto é que nem sempre estas organizações foram levadas a sério pela comunicação social dos Estados Membros, desenvolvendo-se assim um discurso estereotipado sem espaço para uma voz que represente os cidadãos em minoria.

Contrariamente ao representado noutros formatos mediáticos, alguns talk-shows contribuíram para o posicionamento positivo da figura das minorias na televisão. Uma posição adquirida através do recurso a opiniões genéricas, ao invés da prática recorrente de se apelar a fontes políticas ou oficiais como fórmula única de se obter informações ou de ter considerações sobre um determinado tópico (EUMC, 2002: 39). Ainda assim, atribuiu-se aos media responsabilidade pela falta de produção de conhecimentos e informações contínuas em torno da diversidade cultural.

O relatório da EUMC refere que numa fase de integração e apresentação de um grupo minoritário à sociedade de acolhimento, fazem-se prevalecer atitudes humanitárias que, rapidamente, se desenvolvem em generalizações e comportamentos estereotipados. Quando nos órgãos de comunicação são retratados exemplos concretos de preconceito podem verificar-se resultados positivos de sensibilização da população, evidenciando a necessidade de exposição deste tipo de temáticas, e contribuindo assim para abrir ou alargar o debate público em torno da questão.

O recurso a notícias sensacionalistas, categorizadas pela enfatização de aspetos negativos, compromete por norma a qualidade da informação com o objetivo de alcançar um maior número de audiências. Surge desta forma uma dualidade entre interesse público e nível de audiências a alcançar, construindo uma barreira para a livre implementação de um discurso de diversidade, multicultural. Como bem referiu Horsti (2016), no contexto do digital emergem agora novas formas de interação que permitem pensar em alternativas mais sólidas ao modelo mainstream tradicional.

 

O quadro regulatório e a diversidade

Através da regulamentação de disposições legais e códigos de conduta, autorregulação, etc., procura-se controlar as práticas estereotipadas nos órgãos de comunicação de forma a aumentar a consciência da importância dos grupos minoritários. A ampla pesquisa mundial realizada para a rede BRCD (Broadcasting Regulation and Cultural Diversity Network), sobre modelos e iniciativas de regulação para a promoção da diversidade cultural, em particular no setor da radiodifusão, veio dar um importante contributo não somente para a questão da definição do conceito em si, como também para as formas de regulação desenvolvidas no setor.

Com base na realidade de cada país e nas linhas orientadoras da Unesco para a caracterização do conceito de diversidade cultural, as ideias centrais a reter prendem- se num primeiro nível com a necessidade de refletir o pluralismo da sociedade, representar a diversidade da herança cultural, definir e implementar políticas públicas e regulamentação específica. Em questão ainda, a liberdade de acesso às expressões artísticas e científicas, evidenciando a diversidade cultural como uma característica inerente aos direitos humanos. Juntamente com estes princípios reguladores, Hargrave (2007: 10) vem considerar os media como um meio intrinsecamente ligado ao tema da diversidade cultural.

A multiplicidade dos meios de comunicação não deve, contudo, ser confundida com a diversidade cultural. Para Hargrave, os dois conceitos cruzam-se apenas quando a diversidade encontra no pluralismo um meio de comunicação: “Pluralism of the media is only part of the solution to the problem of how to obtain diversity” (2007:12).

Uma definição concreta de diversidade cultural é de difícil obtenção, pelo facto de os contornos desta tematização assentarem num carácter dinâmico, o que pode ser explicado pelas diferenças culturais, políticas e sociais que existem entre países, por exemplo. É neste sentido que Hargrave salienta que, para alguns dos países analisados no relatório, diversidade e pluralismo são sinónimos utilizados para denominar diferentes pontos de vista ou mesmo englobar vários meios de comunicação.

De acordo com os dados recolhidos no estudo para a BRCD, nas organizações dos 32 países que cooperaram com o estudo via questionário, 24% definiram diversidade cultural de acordo com a UNESCO, 13% de formas distintas e 58% afirmaram não existir na sua organização uma definição formal para o conceito (2007: 29). Ainda assim, as instituições demonstraram saber quais os princípios e parâmetros que delimitam o debate em torno da diversidade.

Ainda que com conceções variáveis, a autora defende que em qualquer país os media podem agir sobre a diversidade de forma a favorecerem a coesão social, reforçando as boas práticas, contribuindo para a consolidação do pluralismo e da diversidade. De ambas as formas, os meios de comunicação surgem aqui como um espelho refletor dos valores e das práticas sociais, potencializadores de novas ideias e eficazes na renovação de interpretações.

A importância que a radiodifusão tem na defesa da diversidade cultural, como meio estratégico para a promoção dos valores e dos direitos humanos exige obviamente a criação de condições regulatórias e económicas de forma a viabilizar a produção de conteúdos de diversidade cultural, sendo que o estudo detetou situações muito contraditórias entre os diferentes países analisados. Ainda assim, 60% dos operadores apresentavam requisitos de programação para a difusão de matérias culturalmente diversificadas. Por muito interesse que haja na divulgação de conteúdos nacionais, Hargrave (2007: 50) lembra que com a disponibilização de conteúdos internacionais, o orçamento para programas de teor regional, ou nacional, fica reduzido. É neste contexto que o estudo para a BRCD alerta para a consciencialização da sociedade neste âmbito, salientando a importância das obrigações em matéria de programação incluindo no digital, e ainda a questão extremamente importante da cooperação entre os operadores, tendo por objetivo um mercado global regulamentado, compatibilizado quer com os desenvolvimentos tecnológicos, quer com a pluralidade nos media.

Casos de boas práticas, existem, por exemplo, na Bélgica, através de políticas para a diversidade cultural nos media, ou dirigidas quer à formação dos funcionários, quer à contratação de recursos humanos provenientes de diversas nacionalidades ou etnias, ou mesmo realizando pesquisas internas sobre a questão da diversidade nos respetivos canais. Também na Holanda existe regulação que sustenta a garantia da diversidade cultural na programação, inclusivamente através de apoios específicos. Garante-se, assim, que grupos minoritários, crenças religiosas, associações de imigrantes, estejam representados na programação da rádio e da televisão do serviço público. Também a Ofcom, o regulador britânico, já havia definido através do Communications Act, de 2003, os princípios reguladores para o estabelecimento de conteúdos dedicados a grupos minoritários, crianças, pessoas com necessidades especiais, cidadãos de diferentes etnias e residentes em áreas rurais e urbanas.

Às entidades reguladoras foi perguntado se tinham regulamentos e linhas orientadoras, especificamente para promover a existência de conteúdos que abordem a diversidade cultural. A quase totalidade destas entidades afirma ter alguns regulamentos ou linhas orientadoras respeitantes a esta temática. Na sua maioria, estes cobrem a rádio, a televisão comercial e as estações de serviço público. Novas plataformas de distribuição raramente estão abrangidas por enquadramentos regulatórios neste âmbito. De referir ainda que uma parte das entidades reguladoras concediam licenças de radiodifusão dirigidas a grupos específicos, culturalmente diversos.

Importa então reter que os diferentes tipos de regulamentação sobre a diversidade cultural são motivados pelas diferenças de perspetiva sobre aquilo que é, ou não, a diversidade. A esta evidência acrescem as desigualdades existentes entre os diversos sistemas de media, regiões, culturas, pelo que a diversidade cultural tem, em geral, significados diferenciados nos vários países. Mas podemos dizer que, basicamente, o conceito engloba: a proteção da herança e cultura nacionais; proteção da cultura local e/ou aborígene; diversidade étnica e linguística; proteção de outros grupos potencialmente desfavorecidos, como pessoas com deficiências visuais ou auditivas; pluralidade de vozes e expressões; diversidade de géneros televisivos; pluralidade da propriedade dos media (Hargrave, 2007: 30-32).

Os enquadramentos da regulação sobre radiodifusão diferem também em função da tradição que a regulação tem no país, do ambiente mediático e dos desenvolvimentos tecnológicos. A amostra estudada encontrou países onde: não há um regulador independente para a radiodifusão; o regulador tem jurisdição sobre as emissoras privadas ou organizações detidas por privados, dedicadas apenas a conteúdo audiovisual; o regulador tem poder sobre a emissora do serviço público, além de o ter sobre a emissora privada; um regulador único supervisiona os setores de radiodifusão e telecomunicações.

Diferenças nas entidades e enquadramentos de regulação resultam em diferentes intervenções do regulador e diferentes exigências para os operadores de radiodifusão. A aplicação de medidas também depende do tipo de emissores de radiodifusão (público/privado, de acesso livre ou por subscrição, etc.). As intervenções mais comuns prendem-se com o exigir que os radiodifusores assegurem a diversidade de géneros televisivos; apresentem conteúdos que os canais comerciais não difundem; respeitem quotas específicas de programas; produção nacional independente; “pluralidade de opinião”; pluralidade de propriedade dos media e de propriedade cruzada dos mesmos, incluindo políticas para “sensibilizar” as organizações sobre a diversidade cultural, incluindo na área de autoavaliação e de investigação.

Muitos países confiam a tarefa de defesa da diversidade cultural apenas ao serviço público de radiodifusão. O cumprimento eficaz desta tarefa por parte do serviço público, isoladamente, torna-se questionável perante a larga oferta de canais que existe atualmente e perante a constituição de audiências fragmentadas que apenas assistem ao conteúdo que corresponde aos seus interesses. Cabe aos reguladores e decisores políticos, não só garantir que é exibido conteúdo de interesse público, mas também assegurar que o mesmo se torna acessível à mais ampla audiência possível. Veja-se ainda que o enquadramento legal que regula a radiodifusão nem sempre inclui referências explícitas à diversidade cultural. Por um lado, existem países com a obrigatoriedade de reservar uma percentagem da grelha de programação a conteúdos que promovam a diversidade cultural, por outro lado, noutros países, apenas o serviço público de radiodifusão garante a emissão destes conteúdos.

As novas tecnologias obrigam os reguladores a interessar-se não apenas pelos meios de radiodifusão tradicionais mas também a pensar em como podem encorajar comunidades e indivíduos para que participem ativamente na promoção positiva da diversidade cultural através das novas plataformas digitais. Face à mudança presente, a regulação terá de se adaptar para ir ao encontro da evolução da indústria, dos decisores políticos, dos restantes agentes (stakeholders) e dos cidadãos em geral. Uma das principais soluções passa por uma maior cooperação transnacional na indústria, mas também na regulação.

 

Economia vs. Cultura

Em 1989 a Comissão Europeia criou a Diretiva Televisão sem Fronteiras cujo fim visava a promoção da emissão de obras europeias nas estações televisivas. Definido através dos artigos 4.º e 5.º desta diretiva, as emissoras de televisão ficaram sujeitas a um sistema de quotas cuja obrigatoriedade de transmitir programas de outras nacionalidades procurou impulsionar a diversidade cultural e a criação de um segundo mercado para as produções televisivas europeias.

Através do artigo 4.º tratou-se essencialmente de estabelecer um recurso de promoção às obras comunitárias reservando “uma percentagem maioritária do seu tempo de antena” e “excluindo o tempo consagrado aos noticiários, a manifestações desportivas, jogos, publicidade ou serviços de teletexto”1. Como garantia, o artigo 5.º definiu que pelo menos 10 % do orçamento reservado a programação fosse dedicado a “obras europeias provenientes de produtores independentes dos organismos de radiodifusão televisiva”2.

Para além do impulso cultural apoiado por estas medidas, viabilizaram-se objetivos económicos como forma de desenvolvimento da indústria audiovisual europeia tentando, assim, combater a monopolização do mercado americano. De acordo com Tarlach McGonagle (2008: 3) os artigos 4.º e 5.º falham os seus objetivos culturais por falta de estipulação criteriosa, nomeadamente no que diz respeito a definição de horários e de investimentos em novas produções, contribuindo para que as emissoras transmitissem conteúdos de baixa qualidade em maus horários televisivos.

Consequentemente, as diretivas europeias nesta matéria acabam por denunciar uma espécie de hierarquização ou mesmo discriminação cultural e inviabilizam o reconhecimento e a disseminação de obras não europeias, nomeadamente através dos sistemas televisivos públicos (Cádima, 2016). Deste modo, inviabiliza-se a sua principal premissa de promoção cultural, ao não incluir nas grelhas de programação os produtos audiovisuais provenientes de países terceiros, mas fundamentais para garantir a diversidade da “grande casa” europeia.

Se entendermos o espectro da diversidade cultural como um ambiente fechado e definido por territórios, falhamos na concretização da filosofia sustentada pelas medidas regulamentares. Contribuindo, portanto, para a crença de que as diretivas servem maioritariamente um propósito económico sem sustentabilidade cultural. Nesta perspetiva, Horsti (2011: 223) defende que as diretivas “económicas” não são capazes de servir as expectativas dos cidadãos, perdendo com isso a viabilização de uma programação somente direcionada a favor dos interesses do público. Também Peter Humphreys (2008: 236) defende que a regulamentação da Comissão Europeia deve procurar ultrapassar os objetivos de um mercado comum a fim de se concretizar culturalmente.

Reforçando a relevância do desenvolvimento cultural nos meios de comunicação, destaca-se a necessidade de um princípio de discurso global proporcionado por todos e desenvolvido para todos. Neste âmbito, torna-se cada vez mais necessário que as diretivas da Televisão abranjam as novas formas de comunicação presentes ao nível dos media digitais. Neste contexto, McGonagle afirma que ao nível europeu existem iniciativas a serem desenvolvidas através do enfoque nos “direitos humanos, na democracia, no livre acesso, na diversidade e na segurança” (2008: 8), contribuindo, assim, para a criação de estratégias capazes de englobar a produção de matérias digitais e para a universalidade de conteúdos. Não obstante, determina-se também que o rápido desenvolvimento da indústria possa constituir uma dificuldade na viabilização das propostas de diversidade cultural.

Diferenças conceptuais entre nações e modos de produção do discurso colocam- se lado a lado na exposição e definição daquilo que é, afinal, a diversidade cultural. Aceitando que diferentes fatores podem contribuir para a categorização dos grupos minoritários, reforça-se a importância dos jornalistas no modo de conduzir esta temática e acentua-se a necessidade de um discurso outro, relativamente à experiência conhecida, sendo claro que os meios de comunicação não estão isentos (deliberadamente ou não) da utilização e/ou produção destes estereótipos.

 

Novas vozes, novos discursos

A partir do século XX, e com a emergência de um discurso globalizado nos meios de comunicação de massas, propagaram-se falsas questões e, consequentemente, generalizaram-se opiniões e pontos de vista críticos. Por conseguinte, surge a necessidade de uma outra prática discursiva capaz de integrar uma visão humanista e diversa, diferentes perspetivas, de incorporar novas fontes e outras vozes no seu discurso. A esta necessidade acrescenta-se a utilidade de conferir aos grupos minoritários maior visibilidade e representação na comunicação social, impulsionando o diálogo, abrindo o debate, alargando a opinião.

Em pleno século da globalização, em confluência com a informação digital, emergiu a necessidade de um discurso cultural mais abrangente. Resultado das movimentações migratórias do século XXI, e das políticas comuns de coesão social, o termo “multiculturalismo” passa a coexistir com a expressão “diversidade cultural”. Redefiniu-se o vocabulário em busca de uma terminologia mais abrangente, capaz de atenuar a diferença cultural e reforçar as identidades minoritárias. Diferentes discursos multiculturais surgem pela necessidade de abrangência do conceito, seja pela redefinição de ‘multiculturalismos’ englobando as diferentes culturas que uma sociedade pode abranger ou que, por oposição, um indivíduo pode adquirir. Nomear multiculturalismo como diversidade cultural é reconhecer a expressão individual de cada um na procura pela igualdade social. Nas palavras de Horsti (s/d: 4) “(…) multiculturalismo é um conceito heterogéneo, usado para fazer referência a vários aspetos das sociedades etnicamente plurais.”

Ao dar voz ao pluralismo, a radiodifusão pública promove a diversidade da cultura nacional ao mesmo tempo que reforça a identidade coletiva, traz novas visibilidades que surgem como fator chave para ajudar na exposição e no debate sobre diferentes valores culturais. A dificuldade aqui prende-se com a monitorização da diversidade, um fator indispensável para medir o seu desenvolvimento. Neste sentido, Horsti defende que em termos de diversidade, as diferenças e género são as mais fáceis e acessíveis de serem monitorizadas e, consequentemente, debatidas (2011: 220). Diferenças etnológicas, incapacidades físicas e mentais carecem de uma atenção mais próxima e detalhada.

A questão complica-se quando aplicada aos meios de comunicação digital, alargando o debate a novos pluralismos, diferentes matérias e objetos de estudo. Para Humphreys este pluralismo é aplicado por meio da “digitalização”, o que permite aos media alcançarem diversos formatos de comunicação (2008: 249). Por ser um meio transfronteiras acentua o carácter multicultural da comunicação, num aglomerado de nacionalidades que se atenuam numa única cultura, na partilha de um mercado comum. Adquirem-se, assim, novos contornos comunicacionais que se desvinculam de uma cultura nacional e adquirem dinâmicas internacionais ou, antes, transnacionais (Sarikakis 2010: 90).

Para Horsti, os maiores desafios prendem-se com a “digitalização e convergência, a fragmentação da audiência e o transnacionalismo” (2014: 3). Acrescentam-se ainda os obstáculos do livre acesso aos conteúdos que, muitas vezes, são determinados, seja pelo espaço geográfico do leitor, seja pela falta de um meio ou pela simples e notória ausência de conteúdos divergentes.

Se reconhecermos a diversidade cultural nos meios de comunicação, por abrangerem a integração e exporem a heterogeneidade discursiva, percebemos que os assuntos que não forem retratados podem se tornar indiferentes ou desconhecidos para o meio social (Horsti s/d: 13). Na verdade, Horsti defende que os conflitos sociais podem ser um resultado direto da falta de comunicação e de entendimento sobre determinadas matérias. Definindo assim o ponto de partida para a importância da emergência de uma cultura plural que seja capaz de integrar todos os cidadãos sem a obrigatoriedade exclusiva da homogeneidade nacional, ao mesmo tempo que promove a polarização dos valores culturais.

É neste sentido que se determina a importância da regulação dos meios de comunicação. Não obstante, esta regulamentação por muitos contornos que possa adquirir não se encontra desassociada do desenvolvimento económico e político de cada país. Motivo pelo qual não deixa por isso de existir uma hierarquização cultural que abrange a diversidade. Dir-se-ia que a promessa da regulamentação falha, ou como Katharine Sarikakis evidencia: “the values that PSM represent as a form of media and their raison d’être are only tolerated as long as they do not interfere with the economistic and market-driven framework of EU policy” (2010: 93). Neste sentido, a autora (2010: 97) defende a necessária emergência de uma redefinição dos parâmetros regulamentares, permitindo a aplicação de novos limites capazes de abranger diversas experiências e de promover a variedade de opiniões.

Com o papel de agendar e destacar matérias, legitimando umas e recusando outras, os media constroem a nossa identidade social, política e cultural. Espera-se, por isso, que sejam capazes de promover a qualidade discursiva num equilíbrio entre valores nacionais e universais, cruzando novos discursos e novas conceções, fronteiras culturais e ideologias, ultrapassando a falta de saber e conhecimento, os choques culturais, enquanto damos passos para a coesão social. São também estes aspetos normativos do PSM - Public Service Media, que impulsionam a sua afirmação e destacam a relevância da aprendizagem da diversidade.

À medida que promovem as novas formas discursivas, evidencia-se a necessidade de um sistema global. Mas para que isso aconteça Sarikakis salienta a importância de reconhecer os meios de comunicação como universais em carácter e, não só em alcance. Assumindo primeiramente que devem ser diversificados e de livre acesso a qualquer cidadão. No entanto, por muito universais que os media possam ser, a sua estrutura e aplicabilidade dependerá inevitavelmente das condições de cada emissor, região e país (2010: 97). A autora recorre ao exemplo da BBC para demonstrar o quão confluente um órgão de comunicação pode ser, sabendo fazer convergir temáticas num discurso acessível, ao mesmo tempo que serve o interesse público e os cidadãos e não propriamente um grupo social.

Em boa verdade somos todos nós produto de uma socialização que nos personifica e “despersonifica”. Ainda para mais quando dispomos de um espaço comum, aparentemente livre de bandeiras e de barreiras, onde somos uma voz que representa uma determinada herança cultural. Trata-se de saber preservar as categorias divergentes, assumindo a sua importância naquele que é o carácter mais significante da sociedade – a coesão de tonalidades, a diversidade linguística, as diferentes perceções do que nos rodeia, a confluência de ideais em diferentes culturas e em diferentes regiões, mas em permanente ligação e interação. Na perspetiva de um jornalismo culturalmente diversificado, Horsti (2016) enquadra os meios de comunicação digitais num novo contexto, que permite a conciliação de diversos discursos, géneros e formatos na construção de uma narrativa. Neste sentido, novas vozes discursivas potenciam a construção de contextualizações, a integração de múltiplos testemunhos numa única notícia, ao mesmo tempo que promovem a interação entre o jornalista e o leitor. Fomenta- se a participação e desenvolve-se o espírito crítico. Não esquecendo que a experiência pessoal do leitor determina também a sua interpretação (2016: 5).

Esta ecologia dos media é responsável pela reformulação da produção de notícias, do seu consumo e da disseminação do debate, naquilo a que a autora denomina por “jornalismo de direitos humanos” (2016: 2). Neste âmbito, e como Katharine Sarikakis defende (2010: 98), é necessário que se desenvolvam novas diretivas do Public Service Media de forma a assegurar a diversidade cultural, e possibilitando a participação nos processos políticos e culturais mediatizados pela comunicação. Garantido que, assim, a esfera pública coopere na globalização das sociedades e no seu consequente desenvolvimento político, económico e comunicacional.

 

 

Referências bibliográficas

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Data de recepção do artigo/ Received for publication: 15.03.2017
Data de aceitação do artigo/ Accepted in revised form: 01.05.2017

 

 

Notas

1 Conselho das Comunidades Europeias, Jornal Oficial das Comunidades Europeias, Nº. L 298, Luxemburgo, 1989, p.26.
2 Conselho das Comunidades Europeias, op. cit., p. 27.

 

 

Joana Fernandes – Bolseira de Investigação do CIC.Digital (Pólo FCSH/NOVA)
Raquel Lourenço – Bolseira de Iniciação Científica do CIC.Digital (Pólo FCSH/NOVA)

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