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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.16 no.29 Lisboa dez. 2016

 

APRESENTAÇÃO

 

Apresentação

 

 

Teresa Mendes FloresI; Ana CabreraII

I Cic.Digital Nova e docente na Universidade Lusófona. E-mail: p874@ulusofona.pt
II Investigadora no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova De Lisboa. E-mail: anacabrera@fcsh.unl.pt

 

 

Os média na construção e descontrução dos colonialismos

O século XIX corresponde à época da conquista do mundo pelos europeus e a um novo tipo de império colonial, como uma consequência do desenvolvimento do capitalismo industrial e financeiro.

Entre 1880 e 1914 a maior parte do mundo era dominado por europeus principalmente a Grã Bretanha, a França, a Alemanha, Itália, Holanda e Bélgica. Isto significa que estes países tinham colónias em um quarto do globo. O destino dos antigos impérios coloniais do século XVI foi distinto: enquanto Portugal conserva os territórios africanos, devido às rivalidades e à falta de acordo entre os poderosos europeus; o que restava do império Espanhol na América (Cuba e Porto Rico), e no Pacífico (Filipinas) foi anexado pelos EUA em 1898. Além do mais e na sequência dos movimentos independentistas vão surgindo novo países e o mapa político da América Latina vai ser refeito.

Esta divisão do mundo entre um pequeno número de estados é a expressão da divisão do planeta entre fracos e fortes, entre exploradores e explorados, entre “avançados” e “atrasados”, é a afirmação do imperialismo, impulsionado pelo capitalismo em crescimento, como refere Hobsbawm (1990). Estamos perante uma nova fase da globalização onde o domínio da economia mundial se subordina aos interesses das novas potências mundiais e dos seus mercados em expansão.

Os povos colonizados eram considerados inferiores, fracos, desprovidos de cultura e conhecimento e, por isso, fáceis de submeter aos valores do colonizador que, por sua vez, se considerava representante da única civilização. O que contava verdadeiramente era a superioridade das armas, da violência e dos efeitos do álcool generosamente disseminado. Também embriagante, mas mais impercetível e de efeitos muito mais duradouros, foram todas as formas de violência simbólica, uma outra “força armada” dos velhos (e dos novos) colonialismos, que se instala permanentemente, nos tempos de guerra e nos tempos de paz e de aparente normalidade.

Quase todos os estudos demonstram o papel relevante dos média na construção destas formas de dominação mas também o seu papel na autodeterminação destes povos, daí a apetência dos sistemas políticos em desenvolverem formas de os controlarem. Mas não apenas de mecanismos oficiais de censura e limitações à liberdade de imprensa, de empresa e de difusão se produziu este controlo. Transversal a diferentes regimes políticos, incluindo os liberais, existem formas mais subtis e insidiosas de controlo através de mecanismos simbólicos que atuam nos indivíduos de forma inconsciente, contribuindo para a produção das suas identidades e disposições mentais, orientadas para a construção dessas assimetrias subjetivas.

Os mecanismos culturais onde também operam os sistemas mediáticos disseminam e legitimam, pelo seu poder institucional, não apenas a identidade dominante mas têm um efeito, talvez mais perverso e poderoso, de incutir nos dominados a sua própria auto-imagem de inferioridade. As diversas estratégias de segregação tiveram em comum a ideia de raça como princípio estruturante, um princípio tão poderoso quanto inescapável por recair sobre a genética e sob um certo discurso sobre a “naturalidade” desse princípio. Como notou Joana Gorjão Henriques num recente trabalho (2016), essa “colonização das mentalidades” perdurou para além do momento histórico das independências dos diversos países colonizados.

De facto, o final da 2ª Guerra Mundial acarretou consigo o desmoronar destes impérios coloniais. Seguiu-se os movimentos independentistas e a afirmação de novos estados em África, na Ásia, no médio oriente. No entanto, as raízes do colonialismo são profundas e extensas e são múltiplas as formas de dominação – a subalternização na forma de tratamento, as línguas dos europeus e americanos, que se opõe ao linguajar incompreensível dos nativos, a representação do escravo é disforme porque não obedece ao padrão de beleza ocidental. Assim o sistema colonial integra no dizer de Isabel Ferin (2009), o mito de Próspero e Caliban recreando os mecanismos culturais onde o escravo se apropria dos instrumentos do seu senhor como alavanca para a libertação da servidão.

A literatura, a pintura e o cinema oferecem um sem número de exemplos de um olhar etnocêntrico onde estas representações estão presentes. A propósito de uma reflexão sobre a produção cinematográfica de origem caribenha, Stuart Hall (1990) sublinha a necessidade de mergulhar na procura da identidade cultural própria, da consciência de si, na relação com os outros. Esta conceção das identidades desempenha um papel fundamental na afirmação das especificidades múltiplas das culturas no universo pós-colonial.

Numa época de grande mobilidade, o emigrante não se identifica com as suas origens, mas também não se reconhece nos valores do país onde vive. Assim a perspetiva da cultura da diáspora no contexto de um mundo altamente teologizado, com vastos processos de mediação e globalizado não atende ao lugar de origem, as especificidades amortecem e desenha-se uma tendência para a uniformização das produções culturais.

A reflexão sobre o papel dos média e sobretudo dos média sociais tem considerado o seu desempenho tanto na difusão das culturas, como simultaneamente na aceitação e incorporação da diversidade. Castells (2007), por exemplo, é um defensor da sociedade em rede e tal como McLuhan (1972), tem uma visão otimista das novas tecnologias. Ambos partilham a ideia de que as novas tecnologias oferecem uma oportunidade de reforçar os laços comunitários na sociedade. Os novos média e as tecnologias da informação fazem mais do que aproximar, elas anulam as distâncias e produzem um efeito de superação do tempo e do espaço e projetam-se na democratização da cultura.

Para Castells a sociedade em rede corresponde a um tipo diferente de modernidade caraterizada pela emancipação e democratização da cultura, onde a dinâmica das novas tecnologias seria decisiva. Pelo contrário, Marko Ampuja (2011) considera que a sociedade em rede corresponde ao excessivo determinismo tecnológico, a uma análise a-histórica e, simultaneamente, representa um débil conhecimento da dominação ideológica ou material na análise dos média e das comunicações. Centra-se na propriedade dos média, sublinha o caráter aberto da internet e avalia as suas competências de forma excessivamente otimista como um presságio do fim dos totalitarismos e da sociedade industrial.

Por sua vez, Marko Ampuja (2011) critica a valorização que tem sido dada aos média e às comunicações na teoria da globalização e explica que essa relevância está relacionada com as tendências políticas e ideológicas e o mesmo contexto histórico em que a teoria da globalização surgiu.

O período que se segue a 1989 — a queda do muro de Berlim e o desmoronamento da URSS — o neoliberalismo, com Reagan e Thatcher, encontrou terreno fértil nos inícios de 1980. O neoliberalismo foi, então, adotado como a cartilha política, económica e ideológica dominante. Com aforismos como a defesa da propriedade privada, do mercado competitivo, das liberdades individuais, por oposição ao estado opressor. Simultaneamente alastra a desregulamentação reforçando o ataque à intervenção do Estado, redução do sector público, aumento das privatizações, gestão do sector público segundo os métodos usados no privado e diminuição de benefícios sociais (Ampuja, 2011). Estas políticas tendem para a hegemonia e encontram inspiração e legitimação na teoria da globalização e no argumento de que “não há alternativas” e “não pode ser de outra maneira”.

Os teóricos da globalização resignaram-se perante a ascensão do neoliberalismo e procuram a lógica da mudança social na dinâmica criada pelas novas tecnologias, na cultura descentralizada da internet e no seu poder transformador que possa vir a orientar a sociedade para uma nova existência. Segundo Ampuja, o que verdadeiramente une os teóricos da globalização é a negação de qualquer possibilidade de explicação através das perspetivas marxistas que barre o caminho ao efeito de despolitização baseado na afirmação da ausência de alternativas, a novas formas de exploração, de exclusão, de segregação, desigualdade, violência e insegurança que a deriva neoliberal acarreta.

Estas são algumas das questões que nos inquietam e que inspiraram a organização deste número de Media & Jornalismo em torno da questão dos média e do colonialismo. Este número reúne, pois, uma grande diversidade de temas que passam pela literatura, os novos média, a imprensa, o cinema, a arte da performance e a televisão. As abordagens que encontramos neste volume articulam quase sempre pesquisa histórica e métodos e conceitos de outras ciências sociais, como a sociologia, a antropologia, a linguística, os estudos culturais e as ciências da comunicação.

Para tratar a Arte da Performance portuguesa no período colonial, Cláudia Madeira associa a pesquisa da história dessa manifestação artística efémera, a entrevistas a alguns performers que tiveram intervenções nesse período. Não o faz com o único propósito de registo das suas memórias, mas informada por toda a teoria social que destaca a importância de compreender as perceções e interpretações situadas dos atores sociais e de, através disso, situar e teorizar o campo iminentemente político e desconstrutivo que é característico, em particular, da arte da performance, como intervenção no espaço da Polis.

Já Francisco Lima Soares e Maria Teresa Cruz questionam o contributo da teoria dos média para os estudos pós-coloniais, trabalhando conceitos críticos como “arquivo”, “narrativas” e “mediação” indispensáveis no atual contexto das redes tecnológicas, da internet e das plataformas multimédia. O projeto de investigação e criação artística que apresentam no seu artigo, reflete o panorama mediático contemporâneo no modo como se propõe trabalhar os imaginários coloniais que dão lugar – isto é, espaços e tempos - a novas construções culturais.

A influência dos Estudos Culturais, nomeadamente na importância que dão às formas de representação, colhendo influências da semiótica e da sociolinguística, atravessa esta edição, especialmente nos artigos sobre cinema, imprensa e rádio.

Maria do Carmo Piçarra faz a história de um contrato de propaganda secreto entre governo e alguns realizadores estrangeiros de documentários, relacionando sempre os aspetos da história política do designado Estado Novo, no âmbito da qual este caso pode e tem de ser compreendido, bem como no âmbito da história do cinema português, apresentando uma interpretação crítica das visões do “mundo português” que aqueles documentários, pretensamente imparciais, construíam. Já Alfonso M. Rodríguez de Austria Giménez de Aragón analisa os modos de representação e de construção «fílmica» de colonizadores e colonizados em alguns filmes de Hollywood dos anos 30, anteriores ao «Hays Office», o gabinete de censura implementado em 1934 pelos produtores de Hollywood para responderem às acusações de «libertinagem» e «falta de moralidade» dos seus filmes. Assente numa análise das narrativas fílmicas, Aragón conclui que apenas um dos casos devolve uma imagem menos denegrida dos colonizados e que se tornaria impossível após 1934. Ainda assim, revela que mesmo antes dessa ação censurante formal, a tendência é a identificação destes filmes com a cultura de dominação vigente.

Os vários artigos sobre imprensa, como o de Isadora Ataíde Fonseca, o de Rui Caeiro e Heitor Rocha, ou o artigo de Cláudia Henriques sobre rádio e a imprensa de rádio, consideram central a análise dos modos de representação das identidades hegemónicas e subalternas e das respetivas visões do mundo, como fatores para compreender o papel dos média nesse contexto colonial. Contudo, Rui Caeiro e Heitor Rocha não trabalham a época histórica colonial mas apresentam uma pesquisa sobre a representação da transexualidade e da transvestilidade em dois jornais brasileiros contemporâneos, demonstrando que os valores identitários eurocêntricos e patriarcais continuam ativos.

Francisco Rui Cádima, por sua vez, abre caminho para pensar um “não-acontecimento”, ou seja, as reservas do Estado Novo, mesmo em pleno Marcelismo, relativamente à implementação da televisão nas colónias. A conceção de que a televisão seria uma espécie de “devil’s box” permite explicar esse fenómeno e abrir ponte para uma teoria que põe em evidência o poder dos média: daí a necessidade de os controlar.

O potencial revolucionário e de «despertador de consciências» atribuído aos média é posto em evidência em vários outros artigos. Yuyun Surya traz-nos a luta atual dos povos da Papua Ocidental pela autodeterminação e libertação dos colonizadores indonésios, que anexaram este território em 2003. A autora analisa o papel que tem desempenhado uma rede social “só para naturais da Papua” no despertar dessa consciência. Surya usa aqui a análise discursiva dos vários “posts” deste grupo fechado para perceber como se autodefinem os Papuses. Conclui que usam os mesmos definidores que os seus colonizadores, como sejam a “raça” e a sua “pureza” (“grau” de miscegenação), demonstrando a dificuldade de ultrapassar as categorias dos dominadores, muito embora lhes atribuam significados valorativos opostos.

Por sua vez, Francisco Pesante centra-se no papel da imprensa porto-riquenha na luta de libertação de Porto Rico, enquanto Laeed Zaghlimi analisa a situação atual na Argélia a partir de uma breve história da evolução dos média argelinos e do seu contexto no espaço do Magreb. Ambos os autores recorrem a uma metodologia histórica mas fazem-no a partir de uma perspetiva informada pela teoria dos média e do jornalismo, tal como Laura Fox na análise da mediatização dos acontecimentos sobre a fome, que interpreta à luz das problemáticas da globalização e do neo-liberalismo como agentes de novas formas de colonização, que os média mimetizam e que favorecem em resultado dos seus critérios de noticiabilidade e da ausência de abordagens aprofundadas.

A triangulação de metodologias que caracteriza os artigos aqui apresentados está igualmente presente no artigo de José Christian Goés e Elton Antunes sobre os vinte anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Os autores abordam esta comunidade e a sua representação na imprensa brasileira, articulando métodos provenientes da análise crítica dos discursos, das teorias da cultura e das línguas, nomeadamente, no papel que estas desempenham na propagação de hegemonias culturais, com o conceito teórico de cariz sociológico de communitas, uma comunidade assente não na comunhão de valores e características essencialistas mas na partilha de uma falta, de uma ausência, permitindo pluralizar a noção.

O papel do jornalismo volta a ser central na análise de Daniel Vechio Alves que parte dos estudos literários, estudos que nos trouxeram autores fundamentais para a teoria dos média - lembremo-nos de McLuhan – e para os Estudos Culturais – dos muitos casos, destaquemos o de Edward Said (2004). Alves analisa as representações da atividade do jornalismo em duas obras de José Saramago e as estratégias literárias do autor para comentar a realidade a partir da ficção. Quando muitos dos artigos se centram na análise de modos de “ficcionalização” da realidade a partir de géneros discursivos referenciais, sejam o documentário ou a reportagem jornalística, pareceu-nos interessante fechar esta edição com uma reflexão sobre os modos como a realidade contamina os géneros ficcionais.

Antes de terminarmos, não queremos deixar de salientar que este conjunto de artigos está associado não só à multiplicidade de temas e abordagens, mas também à diversidade da origem geográfica dos seus autores e autoras, o que lhe confere uma riqueza particular. Quisemos também manter as formas de expressão próprias às diferentes normas do português, inglês e espanhol.

Agradecemos a todos os autores/as e revisores/as de pares a prestimosa colaboração e convidamos à leitura deste número de Media & Jornalismo n.º 29.

Ana Cabrera
Teresa Mendes Flores

 

 

Referências bibliográficas

Ampuja, Marko (2011), “Globalization Theory, Media-Centrism and Neoliberalism: A Critique of Recent Intellectual Trends”. Critical Sociology. 1-21. Acedido em 29 de julho de 2016

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