SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.spe2020A comunicação dos conservatórios superiores de música da AndaluziaO papel da comunicação: a utilização das redes sociais nos cuidados de saúde primários índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.spe2020  Braga jul. 2020

https://doi.org/10.17231/comsoc.0(2020).2746 

ARTIGOS TEMÁTICOS

As estratégias de relações públicas nos média sociais: análise de campanhas para a mudança social no setor da educação em Espanha e Portugal

 

Public relations strategies in social media: analysis of campaigns for social change in the education sector in Spain and Portugal

 

 

//

Emilia Smolak Lozano*

https://orcid.org/0000-0001-8193-8786

Sara Balonas**

https://orcid.org/0000-0003-0885-1718

Teresa Ruão***

https://orcid.org/0000-0002-9723-8044

//

//*Departamento de Comunicação Audiovisual e Publicidade, Faculdade de Ciências da Comunicação, Universidade de Málaga, Espanha, esmolaklozano@uma.es. //
//**Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Portugal, sarabalonas@ics.uminho.pt. //
//***Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Portugal truao@ics.uminho.pt. //

 

 

RESUMO

O presente artigo discute o uso dos média sociais nas campanhas que visam promover a mudança social no setor da educação. O principal foco de análise é as estratégias de relações públicas utilizadas: a partilha de depoimentos reais e o desenvolvimento do storytelling, como conteúdos que aumentam a afinidade e o envolvimento com vista à mudança social. Para este trabalho foram desenvolvidos dois estudos de caso que debatem as campanhas de duas organizações não-governamentais do setor da educação, realizadas através de média sociais: #LeonorDejaLaEscuela da Fundación Secretariado Gitano, em Espanha, em 2015, e #Amigo-Bagos-Douro da Bagos d’Ouro, em Portugal, em 2017. A primeira foi implementada, principalmente, no Twitter – uma das redes sociais mais conhecidas e usadas atualmente –, enquanto a segunda utilizou o WhatsApp – o sistema de mensagens móveis mais popular nos dias de hoje –, como meios de campanha para promover um acesso mais amplo à educação. Este estudo tem como objetivo responder à seguinte questão de partida: qual é o papel dos média sociais nas estratégias de relações públicas das organizações sem fins lucrativos? Trata-se de uma questão que exprime dois objetivos de pesquisa: (1.º) aprofundar o conhecimento sobre a capacidade das redes sociais produzirem interação comunicativa; e (2.º) (re)enquadrar as relações públicas nas estratégias da comunicação para o desenvolvimento. A análise demonstra como as redes sociais têm contribuído significativamente para alterar o modo como as estratégias de relações públicas são usadas no terceiro setor. Na verdade, os média sociais podem desempenhar um papel fundamental na comunicação sem fins lucrativos, nomeadamente cumprindo alguns propósitos: fazendo lobbying por causas sociais, criando alianças, angariando financiamento, mobilizando voluntários, envolvendo os média tradicionais e a comunidade, ou advogando pela reforma de políticas.

Palavras-chave: relações públicas; redes sociais; organizações sem fins lucrativos; campanhas de educação; desenvolvimento social; mudança.

 

ABSTRACT

The present paper discusses the use of social media when campaigning for social change in the education sector. The main focus is the analysis of the public relation strategies in use: the disclosure of real testimonials and the development of storytelling, as contents that enhance affinity and engagement towards social change. For the purpose of the analysis, two case studies were developed that discuss the campaigns of two non-governmental organizations in the educational sector, via social media: #LeonorDejaLaEscuela by Fundación Secretariado Gitano in Spain, from 2015, and #Amigo-Bagos-Douro by Bagos d’Ouro in Portugal, from 2017. The first one was implemented mainly on Twitter – one of the most well-known social network in use today –, while the other one used WhatsApp – the most popular mobile messenger –, as means of campaigning for broader access to education. The study aimed to answer the following research question: what is the role of social media in nonprofit organizations public relations strategies? This equation expressed two scientific objectives: (1st) to deepen the knowledge on the ability of social media to produce communicative interaction; and (2nd) to (re)frame public relations within communication for development strategies. The analysis demonstrates that social media have greatly contributed to change the way public relations strategies within the third sector are conducted. In fact, social media may play a key role in nonprofit communication: by lobbying for social causes, creating alliances, raising money, mobilizing volunteers, engaging traditional media and community relations, or by advocating for policy reform.

Keywords: public relations; social media; nonprofit organizations; education campaigns; social development; change.

 

 

Introdução

A literatura da especialidade atesta que uma estratégia de relações públicas (RP) bem definida, combinada com uma estória nos média sociais, pode ter um impacto significativo na opinião pública sobre uma causa social específica. Assim, este artigo tem como objetivo descrever e analisar duas estratégias, bem-sucedidas, desenvolvidas nos média sociais por duas organizações sem fins lucrativos (ONG) em Espanha e Portugal, que adotaram abordagens de comunicação inovadoras através do Twitter e do WhatsApp.

Na verdade, as estratégias de RP nos média sociais parecem ter um grau de eficácia relativamente elevado quando aplicadas a campanhas sociais, pois fortalecem os relacionamentos com os stakeholders. Por isso, o terceiro setor está a aplicar, cada vez mais, esta abordagem relacional às campanhas de persuasão no Facebook e no Twitter, para tentar influenciar o comportamento dos stakeholders (Auger, 2013). No entanto, o panorama dos média sociais e dos dispositivos móveis enfrenta constantes mudanças no que respeita às RP e, por conseguinte, as ONG precisam de experimentar novas ferramentas digitais, novas soluções tecnológicas e novos ambientes móveis a fim de se alinharem com as mudanças no comportamento de consumo dos cidadãos.

O artigo discute, então, o uso dos média sociais nas campanhas de mudança social no setor da educação, através da análise das estratégias de RP utilizadas: a divulgação de depoimentos reais e a implementação do storytelling, enquanto conteúdos que podem aumentar a afinidade e o envolvimento dos públicos em direção à mudança social. Esta análise inclui dois estudos de caso da Península Ibérica, considerando a sua base cultural de proximidade. Como tal, discute as campanhas sociais de duas ONG do setor da educação, realizadas através dos média sociais: #LeonorDejaLaEscuela da Fundación Secretariado Gitano, em Espanha, em 2015 e #Amigo-Bagos-Douro da Associação Bagos d’Ouro, em Portugal, em 2017. A primeira foi implementada, principalmente, no Twitter, uma das redes sociais mais conhecidas e utilizadas atualmente, enquanto a segunda utilizou o WhatsApp, o sistema de mensagens móvel mais popular, como meios da campanha para promover um acesso mais amplo à educação.

Este estudo tem como objetivo responder à seguinte pergunta de partida: qual é o papel dos média sociais nas estratégias de relações públicas das organizações sem fins lucrativos enquanto abordagens inovadoras para as campanhas sociais? Esta preocupação científica deu origem a dois objetivos específicos: (1.º) aprofundar o conhecimento sobre a capacidade dos média sociais para produzir interação e impacto comunicativo; e (2.º) e (re)enquadrar as relações públicas nas estratégias da comunicação para o desenvolvimento adaptadas aos ambientes digitais contemporâneos. Para atender a estes objetivos, o estudo assentou num modelo de análise que combina a hermenêutica interpretativa, a web mining e a análise de conteúdo. O contexto geral do estudo e os resultados serão apresentados nas próximas secções.

Quadro teórico: as relações públicas e os média sociais em ONG

O envolvimento público em causas sociais

O amplo uso de meios digitais é uma tendência inegável nas estratégias de relações públicascontemporâneas. Neste contexto, reconhecendo o valor que os média sociais apresentam para o envolvimento de públicos específicos, muitas organizações têm vindo a “adotar e usar ativamente os média sociais como parte dos seus esforços de comunicação” (Cho, Schweickart & Haase, 2014, p. 565). Entre os utilizadores mais ativos destes média sociais estão as organizações sem fins lucrativos, que parecem exceder bastante o desempenho das organizações com fins lucrativos nestes meios. Atualmente, os média sociais oferecem oportunidades diversificadas e criativas para as ONG interagirem com os seus públicos. Além disso, estas redes são particularmente adequadas aos ambientes de limitados recursos financeiros destas entidades (Cho et al., 2014; Curtis et al., 2010). No entanto, o desafio parece ser o de estabelecer modos de comunicação realmente interativos.

Na década de 1990, um importante período no desenvolvimento da WWW, Kent e Taylor(1998) apresentaram um estudo revelador sobre o modo como as organizações podem construir relacionamentos através da internet, usando canais de comunicação dialógicos bidirecionais. Os autores descobriram que, de facto, a internet era capaz de oferecer grandes oportunidades para criar relacionamentos organizacionais por meio de mecanismos dialógicos – na época, fóruns de comentários e email. Desde então, outros canais dialógicos surgiram, como o Facebook, o Twitter, os blogues ou o WhatsApp, que desafiaram muito do seu pensamento. No entanto, os princípios básicos sobre a construção de relacionamentos de Kent e Taylor (1998) parecem permanecer válidos: (a) incluir informações úteis; (b) gerar novos conteúdos frequentemente; (c) tornar as plataformas fáceis de usar e navegar; e (d) esforçar-se para manter os públicos conectados (Briones, Kuch, Liu & Jin, 2011).

No entanto, apesar dos potenciais benefícios para o envolvimento público, parece que as organizações sem fins lucrativos usam os média sociais, principalmente, para a difusão de informações, como um suporte complementar aos média tradicionais, em vez de explorarem a sua natureza interativa. Por outras palavras, como constatado em vários estudos, as mensagens estratégicas nos média sociais das ONG ainda constituem comunicação unidirecional, não estabelecendo uma relação bidirecional simétrica com os públicos (Cho et al., 2014; Lovejoy, Waters & Saxton, 2012). Esses modelos de persuasão unidirecionais foram estudados por Auger (2013; por exemplo), que explica como podem servir diferentes propósitos: o Twitter para revelar estima e reconhecimento; o Facebook para solicitar feedback aos stakeholders; e o Youtube para fornecer figuras de autoridade que comunicam as mensagens principais. Mais recentemente, os investigadores foram adicionando algumas referências às mensagens que circulam nas aplicações móveis. O WhatsApp, sendo reconhecidamente o meio mais popular entre os jovens utilizadores de smartphones, é visto como uma ferramenta igualmente satisfatória para fins organizacionais, com propósitos de conectar, partilhar e atualizar informações ou monitorizar ambientes (Malka, Ariel & Avidar, 2015; Wright & Hinson, 2017). Mas a prevalência da metáfora do emissor é clara.

Um estudo de Waters e Jamal (2011), por exemplo, avaliou como as organizações sem fins lucrativos comunicam no Twitter. Mais uma vez, as descobertas revelam que as organizações têm maior probabilidade de usar modelos unidirecionais, apesar do potencial de diálogo e de construção da comunidade encontrados nessas redes sociais. De facto, dos modelos tradicionais de relações públicas, o formato mais usado pelas organizações sem fins lucrativos parece ser o de informação pública, seguido do modelo de agente de imprensa, do assimétrico bidirecional e, finalmente, do simétrico bidirecional. E o estudo de Waters e Jamal (2011) vai mais longe, ao mostrar que a falta de diálogo continua a dominar as práticas gerais de relações públicas, já que a maioria das organizações – sem fins lucrativos, comerciais e governamentais – continuam a negligenciar a interatividade e o envolvimento real na internet.

Apesar da abordagem conservadora aos média sociais demonstrada pelas ONG, vários estudos reforçam o entendimento generalizado de que a utilização destes canais é benéfica para as organizações sem fins lucrativos, por várias razões. Não ajuda, apenas, a aprofundar os relacionamentos existentes, mas permite também que os indivíduos se organizem em torno de causas, colaborando uns com os outros (Briones et al., 2011; Ciszek, 2015), em particular, porque a natureza destes média fornece uma abordagem normativa de excelência ao lidar com questões sociais (Grunig, Grunig & Dozier, 2002).

Práticas e desafios nas estratégias de comunicação das ONG

Atualmente, a maioria das ONG concorda com a importância dos meios digitais para o desenvolvimento das atividades de relações públicas, embora expressem preocupações sobre o assunto. Seo, Kim e Yang (2009) identificaram as seguintes apreensões: confiabilidade, controlo das mensagens e extensão das audiências online. A maioria das ONG estudadas alegou que a inserção de mensagens nos meios de comunicação tradicionais ainda é muito eficaz na promoção do efeito reputacional. Consideram que os públicos nem sempre olham os meios online como sendo tão credíveis quanto os média tradicionais. Além disso, a dificuldade no controlo das mensagens continua a ser um problema, porque os recetores são também produtores de conteúdo. E, segundo os mesmos autores, estas preocupações podem impedir que algumas ONG “se envolvam mais ativamente em atividades de relações públicas assentes nos novos média” (Seo et al., 2009, p. 125).

Assim, talvez porque as ONG não conseguiram superar estes receios, a verdade é que a utilização dos média sociais parece ter uma influência limitada na sua eficiência e na receita organizacional, tendo em conta os resultados da investigação de Seo et al. (2009). Além disso, muitas ONG parecem não ter recursos (humanos e financeiros) suficientes para desenvolver estratégias aplicáveis aos meios de comunicação digitais (Seo et al. 2009), exceto aquelas que dispõem de departamentos de relações públicas devidamente estruturados (Curtis et al., 2010).

Apesar destes desafios, e de acordo com Waters (2009), as organizações sem fins lucrativos usam os média sociais, predominantemente, para otimizar as funções de gestão, para instruir o público sobre programas e serviços e para comunicar com os stakeholders. Além disso, para resolver a questão da credibilidade, o uso de influenciadores nas estratégias dos média sociais tornou-se uma prática cada vez mais comum. Os influenciadores representam um novo tipo de embaixador independente, que molda as atitudes dos públicos através de textos em blogues, de tweets ou de conteúdos em outros média sociais (Freberg, Graham, Mcgaughey & Freberg, 2011). Um influenciador é

uma pessoa que tem um elevado alcance médio ou impacto, através do uso do passa-palavra, num mercado relevante. Os micro-influenciadores não são celebridades normais, mas sim indivíduos que trabalham numa dada categoria [de produtos/serviços] ou que são verdadeiramente conhecedores, apaixonados e autênticos, e que são vistos como uma fonte credível quando se trata de recomendações.[1]

Assim, os influenciadores foram identificados na literatura como elementos relevantes nas estratégias de relações públicas. Uma tendência igualmente encontrada nas práticas das ONG nas redes sociais.

Metodologia

O modelo de análise usado neste estudo assenta numa abordagem de triangulação metodológica. Aplica o estudo de caso como metodologia principal e combina a hermenêutica interpretativa, a web mining, a observação não participante e a análise de conteúdo como métodos de recolha e tratamento de dados. No entanto, as técnicas de medição foram ajustadas para cada estudo de caso, pois o WhatsApp e o Twitter exigem procedimentos específicos dadas as suas características particulares, técnicas e de contexto.

Para estimar o potencial de implementação dos média sociais nas estratégias de RP das campanhas sociais, utilizámos o modelo PESO (paid [pago]; earned [ganho]; shared [partilhado]; owned [próprio]) de Bartholomew (2010), juntamente com o modelo AMEC 2013[2] (Tabela 1). Ambos incluem propostas de medição de campanhas de RP nos média sociais, considerando cada estádio da campanha – exposição, envolvimento, influência, impacto e apoio – e avaliando a eficácia do conteúdo partilhado (shared), próprio (owned) e ganho (earned).

A web mining recuperou os dados dos média sociais da campanha espanhola apenas[3] através da pesquisa no Twitter (tweets de 2015)[4]. Como resultado, vemos que os 63 tweets publicados no dia da campanha – 21 de outubro de 2015 – foram selecionados devido ao seu índice de interatividade. Os tweets são da agência responsável pela campanha da ONG, de Ana Pastor (influenciadora e embaixadora da campanha nos média), de cidadãos, de instituições e dos órgãos de comunicação social, a fim de maximizar a diversidade de publicações na amostra.

A campanha portuguesa foi avaliada através de observação não participante, combinada com outros métodos de recolha de dados (como entrevista e análise de documentos fornecidos pela própria ONG), para obter uma apreciação mais “subtil e dinâmica” de situações que não podem ser facilmente capturadas por outros meios (Liu & Maitlis, 2010, p. 4). Por exemplo, o uso da web mining no WhatsApp, utilizando software específico de monitorização, não é possível[5]. Em 2014, o WhatsApp e a Open Whisper Systems fizeram uma parceria para tornar esta aplicação de mensagens móveis muito mais segura, através do recurso a uma técnica designada de “criptografia de ponta-a-ponta” que bloqueia as mensagens recebidas e enviadas de modo a que apenas o emissor e o destinatário as possam ver[6]. No entanto, as informações fornecidas pela coordenadora da Associação Bagos d’ Ouro, bem como o acesso às mensagens da campanha e o recurso à observação não participante, responderam bem ao modelo de Bartholomew (2010) (embora apenas parcialmente).

Nas duas campanhas, a análise de conteúdo abrangeu o exame de textos, de layouts, de hashtags, de palavras-chave, de ferramentas, de canais e de abordagens estratégicas de RP utilizadas nestas duas campanhas, variando entre conteúdos partilhados (shared), próprios (owned) e ganhos (earned). A análise também teve em conta fontes de dados secundários, como relatórios e documentos internos das campanhas e das associações, as suas páginas web e publicações nos média, bem como mensagens de email.

O estudo dos dados recolhidos foi ainda realizado através da hermenêutica interpretativa (análise fenomenológica interpretativa), que consiste numa análise qualitativa da comunicação verbal e não-verbal, com o objetivo de captar o significado central das mensagens. Esta abordagem permite-nos colocar em perspetiva duas experiências diferentes em campanhas de mudança e desenvolvimento social, mas que têm como denominador comum a utilização do potencial dos média sociais através de ferramentas interativas digitais.

Apresentação dos estudos de caso

Como referido anteriormente, para este estudo foram escolhidas duas campanhas desenvolvidas na Península Ibérica, considerando que este seria um quadro social e de comunicação válido para análise, tendo em conta as semelhanças entre o contexto sociocultural e tecnológico de ambos os países, e por conveniência do grupo de investigação (que envolveu as universidades de Málaga – Espanha e do Minho – Portugal). As campanhas foram desenvolvidas por duas ONG que trabalham em matérias como a educação, as minorias e a exclusão social: Fundación Secretariado Gitano de Espanha e Associação Bagos d’Ouro de Portugal. Selecionámos o setor da educação pela sua importância estratégica no desenvolvimento de ambos os países e face ao crescimento de preocupações quanto ao abandono escolar, o risco de exclusão social e a problemas com grupos marginais. Assim, o estudo analisa duas campanhas sociais do setor da educação, desenvolvidas nos média sociais, tendo um denominador tecnológico comum.

Em Espanha selecionámos a campanha #LeonorDejaLaEscuela (2015), desenvolvida principalmente no Twitter (uma rede social usada sobretudo em telemóveis – 80% – e com cerca de 326 milhões de utilizadores em todo o mundo [Twitter Marketing, 2013]), mas que incluiu também o Facebook e o Youtube. O Twitterapresenta um potencial interativo e viral significativo, já que pode ajudar a alcançar o impacto mediático desejado, atingindo diretamente políticos, jornalistas, ativistas e celebridades. A campanha de Portugal, designada de #Amigo-Bagos-Douro, foi realizada através do WhatsApp (2017). Com metade da população portuguesa a usar as redes sociais, o WhatsApp constitui a segunda aplicação com maior penetração no país (58%) (Marktest, 2019). O WhatsApp assenta na comunicação individual, com base em micro-influenciadores, sendo, por isso, ideal para atingir elevados níveis de credibilidade e de controlo da mensagem. E porque cresce o seu uso em contextos sem fins lucrativos, o estudo tenta compreender este novo fenómeno.

Como meio de promover um acesso mais amplo à educação, ambas as campanhas usaram ferramentas interativas e canais de comunicação digitais para cumprir os seus objetivos estratégicos em dois cenários semelhantes do setor da educação, que, ainda assim, exigiam duas abordagens diferentes.

Resultados do estudo

Campanha #LeonorDejaLaEscuela

#LeonorDejaLaEscuela foi uma campanha lançada no Twitter a 21 de outubro de 2015. Enquadra-se na área da educação (IV), do trabalho realizado pela Fundación Secretariado Gitano (FSG), e o seu foco principal era sensibilizar a sociedade para a questão do abandono escolar precoce das crianças ciganas espanholas. A FSG, de acordo com seu relatório anual de 2017, é uma associação ativa e bem-sucedida que trabalha em áreas-chave de inclusão social da comunidade cigana, principalmente em Espanha, mas também no exterior.

Os públicos-alvo da campanha incluíam a sociedade e os poderes políticos, enquanto os públicos secundários integravam os professores, juntamente com as famílias e estudantes ciganos. O plano envolveuações de elevado impacto nas redes sociais, através do recurso a hashtag e temas tendência, vídeos (em espanhol e inglês), gráficos (pósteres), folhetos e um microsite (laleonorreal.org), entre outros. O Facebook, o Youtube, o Twitter e o site foram os principais canais de comunicação, sendo o Twitter escolhido como a plataforma de lançamento da campanha e a principal fonte para promover o efeito viral pretendido.

A campanha #LeonorDejaLaEscuela foi financiada pelo de Programa Solidariedade do IRPF (do Ministério da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade) e pelo Programa Operacional do Fundo Social Europeu para a Inclusão Social. Além disso, foi apoiado pelo Ministério da Educação de Espanha. A agência QMS Communication/DDB Espanha foi responsável pelo desenvolvimento da ideia criativa, cujo principal objetivo era criar notoriedade para o tema do abandono escolar entre os jovens ciganos e que resultou numa significativa repercussão mediática.

Numa abordagem genérica, identificamos alguns elementos estratégicos da proposta da QMS Communication (Figura 1).

A campanha procurou colocar a questão, até agora invisível, do abandono escolar cigano (que envolve 67% dos estudantes ciganos em Espanha) no centro do debate público, tornando-a numa questão de Estado. A fim de causar impacto e chamar a atenção dos média e da sociedade, a campanha aliou-se à conhecida e controversa jornalista espanhola Ana Pastor e envolveu o uso do nome da Princesa Leonor de Borbón[7].

As ações planeadas e desenvolvidas durante a campanha (da QMS Communication) integraram duas etapas principais: provocação e resolução. Com a hashtag #LeonorDejaLaEscuela (#LeonorAbandonaaEscola), Ana Pastor lançou a campanha no Twitter com a seguinte mensagem: “Leonor pode abandonar a escola primária” (Figura 2).

 

 

Este tweet foi seguido por outra publicação de Ana Pastor, depois de algumas horas de silêncio deliberado no Twitter, de modo a gerar interesse e suspense. Tendo provocado uma enorme agitação nos meios de comunicação social e nas redes (pela aparente alusão à Princesa Leonor de Borbón), a jornalista avançou com uma explicação através de outro tweet que revelava a heroína “real” da sua estória: “desculpem, eu não estava a falar da Princesa, mas da #laleonorreal (#aleonorreal). A sua educação também deve ser importante para todos nós, www.laleonorreal.org”.

No final dessa manhã, a identidade da Leonor real foi revelada: tratava-se de uma menina cigana que queria ser médica, no futuro. Os tweets seguintes incluíram um link para o microsite da campanha e para as ações programadas. A campanha aplicou diversos recursos para maximizar a visibilidade mediática, incluindo canais informais, storytelling e apresentação da FSG, com recurso a imagens atrativas e conteúdo informativo, em inglês e em espanhol para garantir o interesse internacional (Tabela 2). Os objetivos estratégicos eram promover a interação e, assim, aumentar a consciência social sobre a matéria. Em resultado disto, a campanha alcançou com êxito ambos os objetivos.

A campanha também mostrou exemplos culturalmente próximos e positivos de como superar diferentes barreiras para alcançar o sucesso educacional, enquanto fator pioneiro das mudanças nos círculos minoritários. Foram chamados de “Embaixadores ciganos da educação” e os vídeos contavam as suas estórias pessoais. O microsite, criado para partilhar os vídeos (Figura 3), pretendeu explicar a questão do abandono escolar entre a comunidade cigana, oferecendo soluções para as instituições, para a sociedade e para as famílias. Esta plataforma foi pensada como uma forma de transformar a comunicação oficial numa versão discursiva mais inspiradora. A principal mensagem da FSG para a sociedade foi: “se eles estudarem, todos nós vencemos”.

A abordagem estratégica da campanha assentava na demonstração de que o tema da educação das crianças ciganas deve ser tratado com o maior cuidado, pois é tão relevante para a sociedade quanto o de qualquer outra criança. A principal heroína aqui não era, afinal, a Princesa Leonor, mas as crianças que fazem parte de um grupo de 60% que abandona a escola antes de terminar a educação obrigatória, aqui representadas pela #RealLeonor e a sua estória pessoal. As estórias partilhadas destas crianças revelaram os seus sonhos e os seus desejos de futuro, numa mensagem de esperança reforçada na assinatura da campanha: “todas as crianças têm o direito de realizar os seus sonhos” (Figura 4). A assinatura destacava, assim, o núcleo da mensagem principal da campanha: ninguém deverá ser privado dos seus sonhos, independentemente da sua origem social. Ao melhorar o emprego futuro dos jovens, a sociedade evitará fenómenos de exclusão social, que se tornarão, mais cedo ou mais tarde, um assunto real para o Estado.

A mensagem da campanha foi clara desde o início e foi estruturada em volta de duas ideias, concretizadas em dois hashtags, responsáveis por gerar o efeito viral online:

  1. #LeonorDejaLaEscuela – para chamar a atenção da sociedade, que parece preocupar-se mais com uma pessoa popular que está numa situação confortável do que com outros grupos de crianças carenciados; e
  2. #LaLeonorReal – para destacar um assunto que deve ser considerado socialmente importante: as crianças carenciadas e a educação para todos.

Assim, o principal objetivo da campanha era envolver toda a sociedade no tema da educação das crianças ciganas, a fim de transformar a sua situação vulnerável, criar oportunidades iguais e beneficiar a sociedade como um todo. O objetivo da comunicação era atrair a máxima visibilidade e repercussão mediática para a campanha, nos meios online e offline. E os efeitos foram consideráveis. A hashtag e o tweet #LeonorDejaLaEscuela tornou-se um tema tendência no próprio dia de lançamento da campanha. O tweet de Ana Pastor (Figura 5) alcançou 57 respostas, 199 retweets e 100 favoritos.

 

 

Através do efeito de triangulação do storytelling em diferentes canais, os meios de comunicação social espanhóis, jornalistas, celebridades, instituições públicas, incluindo a monarquia e outras ONG, juntamente com empresas e cidadãos estavam todos envolvidos na campanha (algo visível no user generated content, principalmente nos memes; Tabela 3).

 

 

Uma pesquisa no Twitter, pelo hashtag #LeonorDejaLaEscuela, mostra que foi aí que se produziram as 63 publicações com maior interação, sendo que a maioria das quais continha um vídeo da campanha e o link para o site, todas elas com o hashtag (Tabela 4).

A personalização mediática criada, a proximidade alcançada através dessa personalização e a dramatização, parece terem constituído fatores-chave para o sucesso da mensagem e seu efeito viral. Um efeito que atingiu os principais meios de comunicação social espanhóis, no seio dos quais a campanha ganhou ainda ampla visibilidade (Tabela 5). O jornal El País, por exemplo, publicou um artigo especial dedicado ao tema, baseado na campanha, incentivando o debate social e destacando alguns dos comentários do público.

De acordo com o relatório da agência QMS Communication, que foi responsável pela gestão da campanha, #LeonorDejaLaEscuela alcançou um impacto fora do comum nos média (Tabela 6).

Em consequência deste sucesso, a campanha #LeonorDejaLaEscuela e a agência responsável receberam duas distinções: o prémio “Sol de Bronze de Relações Públicas” (Sol de Bronce) no Sol – “Festival Ibero-americano de Comunicação Publicitária” –, em 2016, o mais importante galardão atribuído em Espanha e na América-Latina; e o prémio da Fundação Princesa de Girona, atribuído pelo Rei de Espanha, também em 2016.

Em síntese, e tendo como referência os modelos de RP aplicados aos média sociais referidos anteriormente (Bartholomew, 2010; AMEC 2013[8]), podemos afirmar que a campanha alcançou o efeito de exposiçãodesejado, principalmente devido ao uso de meios próprios (owned) (como vídeos, microsites e redes sociais), de meios de partilha (shared; retweets) e de meios ganhos (earned; pela presença nos média e entrega da mensagem). Em relação à influência, esta observou-se principalmente pelo aumento da notoriedade pública relativamente ao assunto em causa (shared; nos média, nas instituições e nos cidadãos), no conteúdo ganho (earned; associando o tópico à FSG) e, finalmente, nos média próprios (owned; pela modificação das atribuições em relação à comunidade cigana). Em relação ao impacto, percebe-se que a questão ganhou visibilidade mediática na sociedade, tendo constituído tópico de debate entre 15 milhões de conversas online (no Twitter e incluindo cidadãos, média, e outros). Finalmente, saliente-se que a campanha não só atingiu um nível significativo de atividade nas redes com o uso de recursos limitados (sobretudo graças ao efeito viral estrategicamente planeado no Twitter), como também beneficiou do uso criativo de ferramentas digitais e interativas (com recurso a influenciadores, embaixadores, storytelling, formato de vídeo, hashtags e tópicos tendência), que se associaram a uma abordagem mais tradicional de relação com os média. Tal permitiu a interação e o envolvimento do público, através do uso combinado de meios ganhos e partilhados (earned and shared media) que alavancaram o interesse dos média.

Campanha #Amigo-Bagos-Douro

A Associação Bagos d’Ouro (ABO) é uma instituição sem fins lucrativos que opera numa área um pouco “paradoxal”, a região do Douro, no norte de Portugal. Esta região é conhecida pelo seu valor histórico e cultural: é a região demarcada mais antiga do mundo, a sua paisagem recebeu a classificação de Património Mundial da Unesco e produz alguns dos vinhos mais prestigiados do mundo, como o famoso Vinho do Porto. Por outro lado, continua a ser uma das regiões mais pobres da Europa, caracterizada por um contexto essencialmente rural com elevados indicadores de pobreza, a que se associam outros fatores sociais de risco, como o alcoolismo, a violência doméstica e o desemprego.

Reconhecendo esse difícil contexto, a Bagos d’Ouro foi fundada em 2010 com o objetivo principal de promover a educação de crianças e jovens pobres na região do Douro. Entendeu-se que isso constituía um meio de promover uma sociedade mais equilibrada, contribuindo para a inclusão social através da educação – a “arma mais poderosa para mudar o mundo”[9]. Assim, até hoje, a Associação Bagos d’Ouro promove a capacitação de crianças e jovens, através de um compromisso de longo prazo, com base numa intervenção personalizada que procura acompanhar a sua jornada educacional, social e familiar em direção a uma integração plena na vida ativa. Atualmente, o ABO apoia mais de 150 crianças e suas famílias, alcançando cerca de 300 beneficiários. A prestação de contas é uma prática normal e valiosa nesta associação desde a sua fundação, contribuindo para a lealdade à marca e, mais importante, para a boa reputação entre os seus financiadores.

Programa de angariação de recursos “Amigo Bagos d’Ouro”

O ABO não é financiada pelo Estado, já que sempre assentou a sua sustentabilidade em ações de angariação de fundos junto empresas e cidadãos. O programa “Amigo Bagos d’Ouro” constitui um projeto de recolha de fundos, nascido no segundo ano de atividade da Associação (2011). No entanto, até ao lançamento de uma campanha experimental, em 2017, nunca teve um retorno significativo. A campanha consistiu numa estratégia aplicada à rede móvel WhatsApp.

Em 2017, o Conselho de Administração da ABO definiu como prioritário o programa de captação de recursos de modo a reforçar o orçamento fixo da associação, o que implicava o aumento do número de pessoas ou empresas comprometidas com a sua missão. Assim nasceu a campanha “Amigos Bagos d’Ouro” no WhatsApp. A utilização do conceito de “amigo” teve como objetivo aproximar as pessoas ou empresas da missão da ABO, convidando-as a apoiar financeiramente o percurso escolar de uma criança e, dessa forma, auxiliar a família também. Na mensagem de partilha do programa foi também tornado claro que os “doadores-amigos” constituem um suporte essencial à atividade da ABO, uma vez que as suas contribuições permitem à associação estabelecer um compromisso de longo prazo com cada família.

A campanha “Amigo” foi, então, lançada em novembro de 2017 num evento em Lisboa, para o qual foram convidados os média e algumas figuras públicas, com o objetivo de gerar notoriedade para a causa. No entanto, o impacto do evento nos meios de comunicação social foi fraco. Esta primeira fase foi, depois, seguida de uma campanha na página de Facebook da ABO – que incluía depoimentos de figuras públicas em vídeo. Ainda assim, os resultados foram limitados, pelo que se seguiu a campanha no WhatsApp. E segundo a coordenadora geral da associação, Inês Taveira[10], esta campanha via WhatsApp foi mais bem-sucedida do que as anteriores, tendo conduzido a um aumento efetivo no número de financiadores.

A campanha foi inicialmente alicerçada num grupo do WhatsApp de cinco pessoas, pertencentes ao Conselho de Administração, que receberam o conteúdo e as instruções para atuar como disseminadores digitais. Então, cada uma dessas pessoas criou um grupo de partilha das várias mensagens da campanha, a partir dos seus próprios contatos. E daí o processo desenvolveu-se num modelo de “grapevine”, isto é, cada pessoa que recebeu a mensagem, partilhou-a com outros amigos. Este processo de passa-palavra beneficiou, ainda de acordo com a coordenadora geral da associação, dos contactos e recomendações personalizadas dos seus emissores – os principais motores da campanha no WhatsApp –, que facilitaram a atenção dada às mensagens da ABO pelo facto de terem sido enviadas por um contacto amigo. A campanha inclui várias mensagens, que contavam estórias reais de crianças e jovens apoiados pela associação.

Considerando as variáveis ??definidas anteriormente, conforme detalhado na Tabela 1, a micro-personalização e o discurso emocional foram os principais recursos retóricos usados para atingir um público muito particular, porém generoso, a partir da atuação de pessoas altamente envolvidas com a causa e com a instituição – o Conselho de Administração da ABO. Na verdade, esse grupo é composto por micro-influenciadores, com ligações ao Douro, que se mostraram dispostos a usar a sua rede de contactos pessoais em beneficio da campanha de doação. Além disso, a campanha partilhou a estória individual e os sonhos de diferentes crianças e jovens, promovendo o desenvolvimento de vínculos emocionais através do storytelling. De facto, contar estórias constitui uma relevante estratégia de envolvimento de diferentes stakeholders através dos média sociais (Tabela 7), resultando numa forte lealdade à marca, especialmente quando reforçada por práticas regulares de prestação de contas. No caso da ABO, esse feedback regular é realizado através do envio de uma mensagem de email aos financiadores, descrevendo, de maneira personalizada, a evolução educacional de cada criança apoiada.

Através de vários canais de comunicação (detalhados na Tabela 2), foi partilhada a informação sobre a simplicidade do processo de doação, um fator que parece ter sido importante na eficácia da campanha. Após receber a mensagem de apelo à ação, enviada por um amigo, os potenciais doadores poderiam aceder diretamente à página da ABO, onde encontrariam as instruções sobre como agir (Tabela 8[11]). Trata-se de um modo de garantir a prestação de contas, que constitui uma das técnicas mais relevantes para garantir um relacionamento de longo prazo. E sendo alcançado um vínculo emocional, através de uma estória individual, é essencial manter essa ligação ao longo do tempo, como se se tratasse de alguém tão próximo quanto um familiar.

Os resultados da campanha no WhatsApp superaram as metas internas iniciais de captação de recursos (Tabelas 2 e 3). A diferença positiva entre os objetivos quantitativos predefinidos e os resultados finais enfatiza a importância da confiança e das fontes credíveis como forma de alcançar o envolvimento e levar à ação, especialmente em canais personalizados como o WhatsApp (Tabela 9). Muitas campanhas de apoio a causas sociais alcançam envolvimento, mas a mudança de comportamento não é conseguida. Neste caso, o uso de micro-influenciadores parece ter sido o fator chave para obter um alto nível de eficácia.

O caso do ABO salienta, assim, a importância de construir “redes de segurança” entre o terceiro setor e os doadores, através de conteúdos confiáveis ??(estórias verdadeiras enviadas por alguém em quem acreditamos) e de processos de prestação contas. E os recursos do WhatsApp, como um serviço de mensagens móveis criptografado, dão consistência a esta estratégia. Em relação aos efeitos a longo prazo, sabe-se também que estas opções estratégicas podem levar a um aumento da reputação da marca, bem como a um crescimento dos níveis de lealdade. Além disso, permite construir as tais “redes de segurança”, ou fortes ligações emocionais com os stakeholders, reduzindo os riscos de perda de reputação (Fombrun, Gardberg & Barnett, 2000). No entanto, o estudo de caso também destaca alguns problemas que podem surgir no uso desta rede social: (1) a forte dependência da boa vontade dos remetentes, bem como da sua reputação pessoal; e (2) a impossibilidade de medir o número de mensagens enviadas por cada membro, bem como o número de partilhas a partir do momento em que o destinatário as recebe.

Em suma, os resultados são encorajadores já que esta ação digital piloto duplicou os resultados esperados em termos quantitativos, validando o WhatsApp como um canal confiável para o terceiro setor. Os ganhos financeiros parecem não ser muito altos, mas, tal como apontado por Fombrun et al. (2000, p. 106): “uma mensagem consistente e sustentada requer investimento contínuo e comprometido com as atividades de cidadania, apesar da dificuldade em quantificar diretamente os ganhos”. De facto, a campanha no WhatsApp provou ser uma estratégia bem-sucedida e útil para a Associação Bagos d’Ouro. Por outro lado, esta rede social provou ser um meio relevante para promover um acesso mais amplo à educação. No entanto, o caso mostra que se trata de um canal que não permite ampliar grandemente o processo de captação de financiamento, conforme concluímos pelos resultados quantitativos obtidos.

Discussão e conclusões

Os estudos de caso realizados demonstram que os média sociais contribuíram muito positivamente para a forma como as estratégias de relações públicas foram desenvolvidas em duas instituições do terceiro setor. Os média sociais mostraram ter um papel fundamental na comunicação sem fins lucrativos: permitindo fazer lobbying por causas sociais, criar alianças, angariar financiamento, mobilizar voluntários, envolver os média tradicionais e a comunidade, ou advogar por reformas políticas. No entanto, não parece haver um modelo único para enquadrar estas campanhas. Como nas RP tradicionais, depende da questão social em causa, dos objetivos e das metas.

#LeonorDejaLaEscuela e #Amigo-Bagos-Douro são duas campanhas sociais de muito sucesso no setor da educação, implementadas nos média sociais, mas com escalas e níveis de interação muito diferentes. Isto leva à conclusão de que o modelo assimétrico bidirecional de relações públicas, como o processo ideal de comunicação entre uma organização e os seus públicos, não pode ser visto como o modelo único para obter sucesso. De facto, o caso espanhol, utilizando o Twitter, o Facebook e o YouTube, é um exemplo de sucesso apoiado no elevado nível de interação alcançado (afastando-se das tendências sugeridas na nossa revisão de literatura). No entanto, o caso português, que utilizou o WhatsApp, mostra como um baixo nível de interação também pode ser igualmente eficaz. Em geral, o que as duas campanhas têm em comum é a combinação das seguintes estratégias de comunicação nos média sociais: (1) o uso de estórias para promover o envolvimento emocional; (2) a personalização de conteúdos para aumentar o impacto; (3) o foco no efeito viral para atingir o target; (4) a utilização de influenciadores (ou micro-influenciadores) para melhorar o envolvimento; (5) o estabelecimento de “redes de segurança” na relação com os stakeholders, para desenvolver ativismo e lealdade à marca; (6) o aumento da visibilidade nos média para efeito triangulado; e (7) o desenvolvimento de ideias originais e criativas para fomentar a notoriedade.

No que se refere ao primeiro objetivo específico deste estudo, o contexto ibérico ajudou a entender melhor o uso inovador dos média sociais nas campanhas de RP. Nos dois casos, os média sociais possibilitaram uma interação mais direta ou personalizada com os públicos da campanha, via conteúdo personalizado e comunicação direta. Como tal, o efeito de apoio à causa e de ação foram fomentados. Em relação ao segundo objetivo, ambas as campanhas são exemplos claros de possibilidade de reinventar as práticas de RP através do uso das redes sociais, que, por sua vez, são capazes de aumentar o seu impacto mediático e social. A utilização de ferramentas digitais conduziu a comunicação para uma abordagem mais direta e pessoal, direcionando as RP para uma perspetiva participativa, que inclui a criação de conteúdo a partir do utilizador. Tal prova a importância de passarmos do conteúdo próprio (owned) e pago nos meios de massa (paid) para o conteúdo ganho (earned) e partilhado (shared), co-produzido por diversos públicos que se sentem envolvidos com a causa e o objetivo da campanha. Com este posicionamento renovado, as relações públicas podem desempenhar um papel importante no mix da comunicação para o desenvolvimento, como uma força impulsionadora na abordagem aos desafios sociais.

 

Referências bibliográficas

Auger, G. A. (2013). Fostering democracy through social media: evaluating diametrically opposed nonprofit advocacy organizations’ use of Facebook, Twitter, and YouTube. Public Relations Review, 39(4), 369-376.

Bartholomew, D. (2010, 12 de maio). The digitization of research and measurement [Post em blogue]. Retirado de http://metricsman.wordpress.com/2010/05/12/the-digitization-of-research-and-measurement/        [ Links ]

Briones, R. L., Kuch, B., Liu, B. F. & Jin, Y. (2011). Keeping up with the digital age: how the American Red Cross uses social media to build relationships. Public relations review, 37(1), 37-43. https://doi.org/10.1016/j.pubrev.2010.12.006        [ Links ]

Cho, M., Schweickart, T. & Haase, A. (2014). Public engagement with nonprofit organizations on Facebook. Public Relations Review, 40(3), 565-567. https://doi.org/10.1016/j.pubrev.2014.01.008        [ Links ]

Ciszek, E. L. (2015). Bridging the gap: mapping the relationship between activism and public relations. Public Relations Review, 41(4), 447-455. https://doi.org/10.1016/j.pubrev.2015.05.016        [ Links ]

Curtis, L., Edwards, C., Fraser, K. L., Gudelsky, S., Holmquist, J., Thornton, K. & Sweetser, K. D. (2010). Adoption of social media for public relations by nonprofit organizations. Public Relations Review, 36(1), 90-92. https://doi.org/10.1016/j.pubrev.2009.10.003        [ Links ]

Fombrun, C.J., Gardberg, N.A. & Barnett, M.L. (2000). Opportunity platforms and safety nets: corporate citizenship and reputational risk. Business and Society Review, 105(1), 85-106. https://doi.org/10.1111/0045-3609.00066        [ Links ]

Freberg, K., Graham, K., Mcgaughey, K. & Freberg, L. A. (2011). Who are the social media influencers? A study of public perceptions of personality. Public Relations Review, 37(1), 90-92. https://doi.org/10.1016/j.pubrev.2010.11.001        [ Links ]

Grunig, L., Grunig, J. & Dozier, D. (2002). Excellent public relations and effective organisations: a study of communication management in three countries. Mahwah, NJ:Lawrence Erlbaum Associates.

Kent, M. L. & Taylor, M. (1998). Building dialogic relationships through the world wide web. Public relations review, 24(3), 321-334. https://doi.org/10.1016/S0363-8111(99)80143-X        [ Links ]

Liu, F. & Maitlis, S. (2010). Nonparticipant observation. In A. J. Mills; G. Durepos & E. Wiebe (Eds.), Encyclopedia of case study research (pp. 610-612). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.

Lovejoy, K., Waters, R. D. & Saxton, G. D. (2012). Engaging stakeholders through Twitter: how nonprofit organizations are getting more out of 140 characters or less. Public Relations Review, 38(2), 313-318. https://doi.org/10.1016/j.prubev.2012.01.005        [ Links ]

Marktest. (2019). Os portugueses e as redes sociais 2019. Retirado de https://www.marktest.com/wap/private/images/Logos/Folheto_Portugueses_Redes_Sociais_2019.pdf        [ Links ]

Malka, V., Ariel, Y. & Avidar, R. (2015). Fighting, worrying and sharing: operation ‘protective edge’as the first WhatsApp war. Media, War & Conflict, 8(3), 329-344. https://doi.org/10.1177/1750635215611610

Seo, H., Kim, J. Y. & Yang, S. U. (2009). Global activism and new media: a study of transnational NGOs’ online public relations. Public Relations Review, 35(2), 123-126. https://doi.org/10.1016/j.pruveb.2009.02.002

Twitter Marketing. (2013, 11 de fevereiro). New compete study: primary mobile users on Twitter [Post em blogue]. Retirado de https://blog.twitter.com/en_us/a/2013/new-compete-study-primary-mobile-users-on-twitter.html        [ Links ]

Waters, R. D. (2009). The use of social media by non-profit organizations: an examination from the diffusion of innovations perspective. In t. Dumova & R. Fiordo (Eds.), Handbook of research on social interaction technologies and collaboration software: concepts and trends (pp. 473-485). Hershey: IGI Publishing.         [ Links ]

Waters, R. D. & Jamal, J. Y. (2011). Tweet, tweet, tweet: a content analysis of nonprofit organizations’ Twitter updates. Public Relations Review, 37(3), 321-324. https://doi.org/10.1016/j.pruveb.2011.03.002

Wright, D. & Hinson, M. (2017). Tracking how social and other digital media are being used in public relations practice: a twelve-year study. Public Relations Journal, 11(1), 1-30.         [ Links ]

 

 

Nota biográfica

Emilia Smolak Lozano é doutorada em Ciências da Comunicação. Atualmente é professora e investigadora da Universidade de Málaga (Espanha), ensinando publicidade e relações públicas. É mestre em Sociologia pela Universidade Jagiellonian na Polônia e em Estudos Europeus na Universidade de Exter no Reino Unido. A sua investigação combina perspetivas sociológicas e europeias com comunicação política, média sociais e comunicação digital. É autora de mais de 30 artigos científicos publicados em revistas indexadas e mais de 20 capítulos de livros. É, ainda, autora de dois livros, um sobre comunicação política 2.0 e outro sobre gestão estratégica de campanhas digitais. O resultado científico da sua investigação refletiu-se em mais de 40 apresentações em conferências internacionais.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8193-8786

Email: esmolaklozano@uma.es

Morada: Universidad de Málaga, Calle de León Tolstoi, s/n, 29010 Málaga, Espanha

Sara Balonas é Professora Auxiliar na Universidade do Minho, investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Tem um doutoramento em Ciências da Comunicação – Publicidade na Esfera Social. Ensina comunicação estratégica e publicidade. A sua investigação é focada na reconfiguração da publicidade, no seu papel na sociedade para além do consumo e contributo para uma melhor cidadania. Áreas de estudo incluem: publicidade na esfera social, publicidade comportamental, comunicação no terceiro setor, responsabilidade social empresarial, marketing social, comunicação territorial e comunicação política. Fundadora da Bmais Comunicação (2002) e do “Be True” – programa de atuação em sustentabilidade (2010). Membro da direção de uma IPSS. Foi embaixadora de empreendedorismo nomeada pela Comissão Europeia (2010-2013).

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0885-1718

Email: sarabalonas@ics.uminho.pt

Morada:Universidade do Minho, Departamento de Ciências da Comunicação, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Instituto de Ciências Sociais, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga - Portugal

Teresa Ruão é Professora Associada do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. Investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho. Foi vice-presidente e presidente do Conselho Pedagógico do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. É atualmente diretora-adjunta do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Leciona e investiga nas áreas de Comunicação Organizacional e Estratégica, Marcas e Relações Públicas aplicadas à Comunicação Empresarial/Institucional, Comunicação de Ciência, Comunicação na Saúde ou Comunicação da Inovação.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9723-8044

Email: truao@ics.uminho.pt

Morada:Universidade do Minho, Departamento de Ciências da Comunicação, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Instituto de Ciências Sociais, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga - Portugal

 

* Submissão: 27/06/2019

* Aceitação: 31/10/2019

 

Agradecimentos

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UID/CCI/00736/2019. O Projeto Estratégico (2019) do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (UID/CCI/00736/2019) apoiou a revisão linguística da versão inglesa do artigo.

Este trabalho teve ainda o apoio de fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/00736/2020, Financiamento Plurianual do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, que sucedeu o Projeto Estratégico de 2019.

 

 

Notas

[1] Retirado de http://go2.experticity.com/rs/288-azs-731/images/experticity-kellerfaysurveysummary_.pdf

[2] Retirado de https://amecorg.com/amecframework/

[3] O WhatsApp é uma rede criptografada, portanto, a web miming não pode ser executada nesta aplicação.

[4] A API do Twitter restringe o acesso aos últimos 3.200 tweets ou aos do ano passado como regra geral.

[5] O sistema criptografado de ponta-a-ponta do WhatsApp facilita a privacidade e a segurança de todos os utilizadores do WhatsApp (retirado de https://www.whatsapp.com/research/awards/).

[6] Retirado de https://cellphonetracker.net/read-whatsapp-messages/

[7] Membro da família real espanhola e a futura rainha da Espanha.

[8] Retirado de https://amecorg.com/amecframework/

[9] Retirado de www.bagosdouro.pt

[10] Entrevista por email com o coordenador geral do ABO.

[11] Todos os dados apresentados tiveram origem na entrevista realizada, por email, ao coordenador geral da ABO, a 23 de março de 2019, e no Relatório Financeiro Anual de 2018, de março de 2019.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons