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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.32  Braga dez. 2017

https://doi.org/10.17231/comsoc.32(2017).2773 

ENTREVISTAS

Entrevista com Sandra Barrilaro. “A fotografia é uma ferramenta fundamental para o ativismo”

 

Interview with Sandra Barrilaro. “Photography is a fundamental tool for activism”

 

 

Helena Ferreira*

*Centro de Línguas, Literaturas e Culturas, Universidade de Aveiro, Portugal.

hcarla@ua.pt

 

 

 

 

Conheci a Sandra Barrilaro em Santiago de Compostela, num evento em que falou da sua experiência como membro do grupo de ativistas Mulheres rumo a Gaza que desafiam o bloqueio de Israel a Gaza, para mostrar a sua solidariedade com a resistência das mulheres palestinas. Fascinou o público com o seu relato emocionante sobre a viagem simbólica de um dos veleiros que rumou a Gaza, em setembro do ano passado, com mulheres de várias nacionalidades. A conversa aqui reproduzida data de agosto de 2017. Sandra Barrilaro é uma fotógrafa espanhola que trabalhou no meio da imagem durante mais de trinta anos, leccionando cursos de fotografia e redigindo artigos para revistas da especialidade. É também editora e autora do livro infantil Bajo las estrelas (2001). Realizou várias viagens à Palestina que serviram para alargar o amplo arquivo fotográfico que recolhe com fotos sobre este território e para realizar reportagens fotográficas. Como fruto destas viagens surgiu a série de fotografias a preto e branco com o título Palestina, una mirada a la injusticia, que já esteve em exposição em diferentes cidades de Espanha.

É co-autora do livro Contra el olvido. Una memoria fotográfica de Palestina antes de la Nakba, 1889-1948 (2015), obra fundamental para preservar a memória histórica da população palestina contra a propaganda de negação que persiste no movimento sionista. Assumindo ainda a função de editora nesta obra, prestou especial atenção ao papel que as mulheres palestinas tinham no século XIX e primeira metade do século XX, analisando a sua presença numa infinidade de fotografias da época. Este projecto coordenado pela Sandra Barrilaro, em conjunto com Teresa Aranguren, Johnny Mansour e Bichara Khader, com prólogo de Pedro Martínez Montávez, evidencia a existência de uma Palestina com sociedade, cultura e território que foi ocupada e usurpada pelos colonizadores.

De facto, o povo palestiniano tem sido sujeito a um processo de colonização progressiva. No meio de toda essa opressão, em que uma sociedade inteira perde a sua identidade, os grupos mais vulneráveis como as mulheres e as crianças posicionam-se em contextos de grande risco. As mulheres palestinianas vivem em condições degradantes e lutam pela sobrevivência das suas comunidades frágeis, mas, ao mesmo tempo, colocam os seus conhecimentos e toda a força que lhes resta, ao serviço da libertação, dentro e fora do território ocupado por Israel.

Helena Ferreira – Quando começaste a fotografar?

Sandra Barrilaro – Aos 13 anos ofereceram-me uma Kodak Instamatic, porque eu já era apaixonada pela fotografia. Mas, só depois dos 20 anos é que aprendi fotografia e um amigo me ofereceu uma Reflex, e pode-se dizer que foi a partir daí que comecei a fotografar e nunca mais parei.

H. F. – O que procura o teu olhar? Ou seja, o que te leva a fazer esta ou aquela imagem?

S. B. – Creio que os meus olhos procuram quase sempre contar algo, apaixonam-me as narrativas de histórias, quer seja no cinema, na fotografia, na literatura... Durante anos fui montanheira e as minhas melhores recordações são as noites no acampamento, contando histórias à volta da fogueira; uma imagem (falando de fotografia) atávica, seres humanos reunidos, contando histórias... Amo a literatura e invejo todas as pessoas que são capazes de se exprimir com palavras, que contam histórias, narram contos... O meu trabalho mais conhecido é o que realizei na Palestina, que tem mais a ver com o fotojornalismo e que me apaixona. Mas, tenho uma veia intimista que desenvolvi bastante fotograficamente. E faço-o de uma forma muito intuitiva. Passei mais de um ano a fazer fotografias num bosque, sempre a preto e branco. Fotografava a natureza em que havia rastos, vestígios de seres humanos e “apanhei” alguns elementos lá sem me perguntar o porquê. Um dia uma amiga escritora, Aintzane García, viu as fotos, ficou com elas uma noite e na manhã seguinte tinha escrito uma história lindíssima. Perguntei-lhe como e de onde a tinha retirado e ela respondeu-me: “está tudo nas fotos”. E estava certa, mas eu não tinha essa consciência até ela ser capaz de a colocar em palavras. Creio que o que têm em comum todas as minhas fotos é a busca pelo ser humano na sua intimidade, os seus sonhos e desejos, o que nos pode aproximar, o que nos faz mais belos interiormente.

H. F. – Consideras que existe uma especificidade feminina na abordagem da fotografia?

S. B. – Nos anos que dei aulas de fotografia percebi que os homens se interessavam mais pelo equipamento. Completamente fascinados por ele, era para muitos quase um fim em si mesmo. Contrariamente às mulheres, que de uma forma geral, viam o equipamento apenas como um meio para chegar ao fim... Com os anos dei-me conta que mulheres e homens têm, por vezes, diferentes formas de estar no mundo e de o ver. Não direi que se pode falar de uma fotografia feminina e outra masculina, até porque necessitaria estudar o tema em profundidade, mas talvez os homens estejam mais interessados pelo movimento, a ação, o afeto e as mulheres se encontrem interessadas em aproximar-se das pessoas em geral, em captar o seu interior, a sua essência, as razões da sua história. Olhares como os da fotógrafa cubana Ana Mendieta e os do fotógrafo alemão Dieter Appelt são radicalmente diferentes, apesar de ambos utilizarem o seu próprio corpo como expressão. Claramente a expressão de Appelt é mais agressiva, mais dura, procurando o impacto visual, o incómodo da pessoa que observa a imagem, são fotografias mais tecnológicas. Nas fotografias de Mendieta, esta funde-se com a natureza, regressa ao útero materno, são mais orgânicas. São imagens que, talvez possamos dizer, descrevem um olhar masculino e um olhar feminino. No entanto, nas fotografias de Sebastião Salgado, Gervasio Sánchez, Susan Meiselas, Cristina García Rodero não encontro essa diferença.

H. F. – Conta-nos como aconteceu a tua primeira visita à Palestina e todas as outras que se seguiram.

S. B. – A minha primeira viagem à Palestina foi em 2009 e como a grande maioria das minhas viagens, fi-la sozinha. Alojei-me em casa de uma cooperante em Ramala e daí, desloquei-me todas as manhãs, em autocarro (transporte público), para diferentes lugares da Palestina: Jerusalém, Yenín, Hebrón, Qalquilia, Belém... E, digo sempre isto, estava horrorizada com tudo o que via e vivia e não parava de repetir: “não posso acreditar nisto”. Apesar de seguir as notícias da Palestina, desde a minha adolescência, não podia nunca imaginar a crueldade da realidade e a tremenda injustiça a que a população está submetida. Por outro lado, fiquei maravilhada com as pessoas palestinas, com o seu calor e humanidade. Acolheram-me em todo o lado, sem me conhecer e apesar de viajar só, senti-me perfeitamente segura numa terra ocupada. Nunca esquecerei esta hospitalidade árabe. Apaixonei-me sobretudo pela capacidade de agradecimento destas pessoas por visitar a sua terra, por me interessar por elas. Fiz amizades muito boas, voltei passado uns meses e desde então viajei várias vezes à Palestina, umas à Cisjordânia, outras ao que hoje é território do Estado de Israel: Haifa, Nazaré, Acre... E em plena revolução egípcia, em 2011, consegui, à segunda tentativa, entrar em Gaza por Rafah.

H. F. – Também foste uma das mulheres da frota “Mulheres rumo a Gaza”... Como surgiu essa oportunidade?

S. B. – Sim, fui uma das afortunadas que viajou no Zaytouna-Oliva na travessia final, nove dias de navegação contínua desde Messina até 35 milhas da costa de Gaza. Neste ponto o nosso barco foi abordado pela armada israelita e fomos sequestradas, obrigadas a mudar de rumo e a dirigir-nos a um porto de Israel. Posteriormente fomos presas e finalmente deportadas para os nossos países de origem. Fui convidada devido ao trabalho fotográfico que realizei na Palestina, que deu origem a uma exposição que esteve patente em diferentes cidades e alguns países e sobretudo pela publicação do livro Contra el olvido. Una memoria fotográfica de Palestina antes de la Nakba, 1889-1948 que teve um enorme acolhimento e sucesso. Aliás, absolutamente inesperados, tanto para os autores como para os editores. De facto, eu e a Teresa Aranguren passámos mais de um ano a viajar para apresentar o livro e ficamos sempre surpreendidas com o seu êxito.

H. F. – Podes falar-nos das mulheres que te acompanharam?

S. B. – Esta viagem fizemo-la treze mulheres dos cinco continentes. O que posso dizer das minhas companheiras de viagem? Solidárias, comprometidas e com muito sentido de humor. Só com este espírito se pode embarcar num pequeno veleiro numa costa do Mediterrâneo sabendo que “do outro lado” tens a armada israelita à tua espera, para te atacar... A começar pela nossa líder, Ann Wright, antiga coronel do exército dos Estados Unidos e Mairead Maguire, irlandesa e Prémio Nobel da Paz. Ambas incrivelmente enérgicas para os seus mais de 70 anos. Já tinham participado anteriormente em acções similares e sentiam-se perfeitamente à vontade metidas naquele pequeno barco que se movia endiabradamente durante a tormenta. Marama Davidson, deputada da Nova Zelândia e de etnia maori, Samira Douaifia deputada da Argélia, Leigh-Ann Naidoo professora e atleta da África do Sul defensora dos direitos estudantis, Fauziah Hasan, médica da Malásia que cuidou de todas nós, particularmente nos enjoos. Duas incansáveis profissionais da Aljazeera, Mina Harballou, marroquina residente em Londres e Hoda Rakhme, uma libanesa que vive em Moscovo. Jeannette Escanilla, refugiada chilena na Suécia, política. E, como é evidente, a tripulação, com a capitã australiana Madeleine Habib e as marinheiras Emma Ringqvist, sueca e Synne Sofie Reksten, da Noruega. Uma equipa maravilhosa de mulheres que embarcou, deixando muito em terra, para levar uma mensagem de solidariedade, pacifista e de esperança das mulheres de todo o mundo às mulheres de Gaza e, por extensão, de homens e mulheres do mundo inteiro a toda a povoação de Gaza.

H. F.–É certo que capturaste esta viagem, com a tua câmara, à medida que também fazias parte dela?

S. B. – Sim. As fotografias que capturei a bordo do Zaytouna-Oliva tirei-as com uma pequena câmara compacta. Em outros barcos da Frota da Liberdade, quando foram abordados pela armada israelita, para além de matar, ferir ou usar a violência contra passageiros e tripulação, também confiscaram os barcos e os pertences pessoais de todos, por isso não quis levar o meu equipamento. São fotografias que descrevem o nosso dia a dia de navegação, a escrever crónicas, a atender chamadas, a dar entrevistas, a ver o correio electrónico, a cozinhar, a rir... Fotografias do barco que se converteu no nosso lar, do mar, do céu, das minhas companheiras... Tanto a doutora Fauziah Hasan como eu, escondemos os cartões de fotografias no momento do assalto e conseguimos conservá-los apesar de todos os exaustivos controles a que fomos sujeitas.

H. F. – Segundo Cartier-Bresson, a fotografia é o único meio de expressão que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Para ele, as/os fotógrafas/os lidam com as coisas que continuamente desaparecem e que depois de desaparecidas, nada as pode fazer voltar, a não ser as fotografias. É assim o livro Contra el olvido. Una memoria fotográfica de Palestina antes de la Nakba, 1889-1948? Uma tentativa de fixar uma Palestina livre de colonização?

S. B. – Sim, tinha muita razão Cartier-Bresson. A fotografia capta instantes que desaparecem ou que se convertem em outras coisas, que se transformam. O capítulo que escrevo neste livro começa com uma citação de Roland Barthes: “toda a fotografia é um certificado de presença”, e este livro é ambas as coisas, por um lado uma prova de que a Palestina e as suas gentes existiam antes do ano de 1948 e o retrato de uma sociedade, de um mundo que da noite para o dia foi arrasado e desapareceu. As fotografias deste livro mostram um mundo que não voltou, e provavelmente não voltará a ser igual, nem nada que se pareça.

H. F. – O que nos podes dizer das mulheres palestinianas do século XIX e princípio do século XX?

S. B. – Enquanto procurava e selecionava as fotografias deste livro, fiquei fascinada com as mulheres e as fotografias das mulheres que encontrava. Mulheres modernas, activas social e politicamente, trabalhadoras e muito sofisticadas, algumas. Surpreendeu-me particularmente o seu papel nas revoltas palestinas da primeira metade do século XX.

H. F. – E das colonizadas/refugiadas que fotografas no momento presente?

S. B. – As mulheres palestinas que encontrei na actualidade são como as anteriores, mulheres fortes, com uma relação especial com a terra, como todos os palestinos, de um modo geral. Encontrei mulheres de grande profundidade, com muita sabedoria e amor pela terra e pelas pessoas. Mulheres que, acredito, têm noção do papel fundamental que desempenham como conservadoras da sanidade mental de uma sociedade assediada, colonizada, bloqueada. Muito embora, as mulheres palestinas refugiadas que conheço, aparentemente se encontrem em melhor posição, também têm consciência de que têm ainda pela frente uma grande luta que devem continuar, e que não podem permitir-se desaparecer e ser mais um entre tantos povos injustamente mal tratados e esquecidos. O que mais admiro nas mulheres palestinas e também nos homens, em especial quem vive na Cisjordânia e em Gaza, é a sua dignidade.

H. F. – As mulheres e as crianças palestinianas são os grupos mais vulneráveis. As tuas fotografias captam a violência e o ambiente de terror a que estes grupos são particularmente sujeitos?

S. B. – Creio que sim, que em muitos dos retratos que fiz de mulheres e de crianças aparece essa sombra de violência, embora seja simplesmente um retrato do seu dia a dia, porque eu nunca estive nos momentos mais trágicos como as intifadas ou bombardeios. No entanto, a sua vida diária está imersa na violência da ocupação ou do bloqueio, com tudo o que isso implica. Num desses retratos, por exemplo, aparece uma mulher no terraço de sua casa em Hebrón, com um filho de cada lado. Não é uma situação violenta, simplesmente posavam para a foto. A mulher aparece com um meio sorriso, porque ela sabe que é ela que tem que conservar e transmitir esperança e tranquilidade às suas vidas, mas nos rostos dos meninos claramente se reflecte o medo e a crispação. Ao fundo, noutro terraço, há uma guarita com soldados israelitas vigiando e ameaçando dia e noite.

H. F. – Vejo as tuas fotografias como uma denúncia, um instrumento de luta. Que relação estabeleces entre a fotografia e o ativismo?

S. B. – Com certeza que são uma denúncia. Depois da minha primeira viagem à Palestina com uma pequena câmara emprestada, pensei que teria que voltar e fotografar tudo o que tinha visto para poder mostrá-lo, contá-lo. Assim foi, em poucos meses voltei e percorri, de novo, a Palestina de cima abaixo fotografando tudo o que encontrava ali: os postos de controle, o muro, os colonos... Simplesmente a ocupação e o bloqueio. A fotografia é uma ferramenta fundamental para o ativismo, para a denúncia, para o conhecimento: “uma imagem vale mais que mil palavras”, continuo a acreditar nisto. O cinema, o vídeo, fazem parte disto também, muitas pessoas associam a ocupação da Palestina com a imagem de dois soldados israelitas a partir com pedras os braços de um jovem palestino... E as pessoas da Palestina sabem isto muito bem, por isso em muitas povoações organizaram-se e adquiriram câmaras para denunciarem elas próprias a sua situação.

H. F. – Nessa lógica, consideras que a fotografia é sempre política?

S. B. – A palavra “política” está muito desvirtuada e desprestigiada pela quantidade de “politiqueiros” que vivem à custa dela. Acostumamo-nos a relacionar a política com tudo o que há de mais baixo. Se o que entendemos por política é a relação entre cidadania e estados, os partidos, as forças da ordem, o poder, etc..., então, decididamente a fotografia não tem porque ser sempre política, em absoluto. Como arte, a fotografia também é expressão espiritual, é totalmente legítimo fazer fotografia que apenas reflicta a beleza e nos comova interiormente. Isto não significa que a fotografia política no seu mais amplo significado não seja bela. Repito o exemplo do Sebastião Salgado, mas aqui falamos do mais elevado no ser humano, de política com elevação e com preocupações sociais.

H. F. – Barthes defendia que uma foto consegue repetir infinitamente aquilo que se deu apenas uma vez na sua existência material. Acreditar nisto é imaginar quem vê as tuas fotos a visualizar e a compreender os singulares acontecimentos que ocorrem na Palestina...

S. B. – Absolutamente! Muitas pessoas para quem aquilo que se passa na Palestina é só um longo e complicado conflito, quando veem uma fotografia do muro em Belém com os seus doze metros de altura, perguntam-se o que é isso. Questionam-se ao ver a cara triste de um menino no posto de controle de Qalandia, com os seus corredores entre barras parecidas a um lugar onde se encerram animais; ao ver jovens palestinos desprotegidos a atirar pedras aos soldados israelitas junto ao muro de Ni'lin debaixo de gazes lacrimogéneos, com os soldados armados até aos dentes; ao ver as belíssimas casas do casco antigo de Hebrón destruídas e vazias; ao ver o rosto de uma menina com uniforme de um colégio em Gaza, interrogando directamente a câmara; ao ver a vala que rodeia um hotel de luxo em Gaza construída com sacos cobertos com cimento; ao ver aquilo que chamo de estética de guerra... Muitas pessoas interessaram-se mais profundamente pelo que se passa na Palestina, questionaram-se e interiorizaram o que ali se passa, algo que não é exactamente aquilo que nos contam os meios de comunicação.

H. F. – E tu, como vives com essa realidade? De que forma te afetou tudo o que viste, viveste e fotografaste?

S. B. – Não nos esqueçamos que a fotografia é só um meio, podes usá-lo de forma honesta ou não, pode ser contemplada de forma honesta ou não. Podes viver experiências ou depois de ver que algumas imagens te tocaram, mexeram contigo, podes simplesmente descartá-las, para viver de forma mais confortável... Eu senti-me responsável por contar aos outros tudo aquilo que vi e vivi. A ativista dos direitos humanos Berenice Ceyta disse, numa ocasião, que “o conhecimento compromete-te”. Por isso, depois de conhecer a realidade da Palestina eu não podia regressar à minha vida normal como se nada se passasse ali. A Palestina e o seu povo são uma parte fundamental da minha vida, desde então.

H. F. – A imagem adquiriu hoje uma constante presença na vida contemporânea. Qual pensas ser o lugar da fotografia atualmente?

S. B. – Existe um excesso e banalização das imagens, um claro exemplo disto é a moda das selfies, um gesto que só por si não é mau, mas faz-se um uso excessivo e narcisista. Na verdade, estou um pouco cansada de tanta imagem. Amo a fotografia e o cinema, mas com esta saturação quase não tiro fotografias. Se bem que, quando me aproximo de boas fotos ou pego na minha câmara... algo de muito forte se move dentro de mim.

H. F. – Para terminar, podes falar-nos dos teus projetos para o futuro?

S. B. – Muito em breve vou dirigir uma revista sobre Marrocos, na qual as boas fotografias serão uma parte fundamental. Também estou a preparar um livro de fotografias de mulheres palestinas, porque tenho fotografias muito boas e porque quero, de alguma forma, homenageá-las. Mas isto levará algum tempo, porque passei este último ano e meio a viajar para apresentar o último livro e para falar do barco de mulheres a Gaza e necessito de tranquilidade interior e de muita concentração para este novo projeto. Eu trabalho melhor quando me isolo e me envolvo totalmente com o que estou a fazer. E, como é evidente, quero viajar de novo à Palestina e ao Nepal, onde vivi um tempo, há muitos anos atrás. Fotografar as paisagens da Islândia e da Gronelândia, conhecer África e a sua gente sorridente e entrar de novo em Gaza...

 

 

Nota biográfica

Helena Ferreira é doutoranda do programa doutoral em Estudos Culturais em parceria entre a Universidade de Aveiro e a Universidade do Minho. É membro da equipa do Centro de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Aveiro. As suas principais áreas de interesse científico incluem: Género e Sexualidades, Estudos dos Média e Direitos Humanos. Publicações recentes relacionam-se com as seguintes temáticas: semiótica, estudos dos média, teoria queer, questões de género e direitos humanos.

Email: hcarla@ua.pt

Centro de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal

 

* Submetido: 11-08-2017

* Aceite: 27-10-2017

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