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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.29  Braga jun. 2016

https://doi.org/10.17231/comsoc.29(2016).2412 

ARTIGOS TEMÁTICOS

Descolonização em, de e através das imagens de arquivo “em movimento” da prática artística

Decolonization in, of and through the archival “moving images” of artistic practice

 

Ana Balona de Oliveira*

*Centro de Estudos Comparatistas, Universidade de Lisboa (CEC/FLUL) e Instituto de História de Arte, Universidade NOVA de Lisboa (IHA/FCSH/NOVA).

ana.balona.oliveira@gmail.com

 

RESUMO

Este ensaio examina a forma como as práticas artísticas contemporâneas têm contribuído para uma descolonização epistémica e ético-política do presente através da investigação crítica de vários tipos de arquivos coloniais, quer públicos, quer privados, quer familiares, quer anónimos. Tomando como estudos de caso obras dos artistas Ângela Ferreira, Kiluanji Kia Henda, Délio Jasse, Daniel Barroca e Raquel Schefer, este ensaio indagará até que ponto a estética destas práticas videográficas, fotográficas e escultóricas implica uma política e uma ética da história e da memória relevantes para pensar criticamente as amnésias coloniais e as nostalgias imperiais que ainda caracterizam uma condição pós-colonial marcada por padrões neo-coloniais de globalização e por relações difíceis com comunidades migrantes e diaspóricas. Será prestada atenção às histórias e às memórias da ditadura portuguesa e do império colonial, das lutas de libertação/ guerra “colonial” combatidas em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau entre 1961 e 1974, da Revolução dos Cravos de 1974, da independência das antigas colónias portuguesas entre 1973 e 1975 e do “retorno” massivo de colonos portugueses de Angola e Moçambique em 1975, sem perder de vista o apartheid na África do Sul e a forma como a Guerra Fria se desenrolou no continente africano.

Palavras-chave: Arquivo colonial; espectros; descolonização; arte arquivística; imagem em movimento.

 

ABSTRACT

This essay investigates the ways in which contemporary artistic practices have been working towards an epistemic and ethico-political decolonization of the present by means of critical examinations of several sorts of colonial archives, whether public or private, familial or anonymous. Through the lens of specific artworks by the artists Ângela Ferreira, Kiluanji Kia Henda, Délio Jasse, Daniel Barroca and Raquel Schefer, this essay examines the extent to which the aesthetics of these video, photographic and sculptural practices puts forth a politics and ethics of history and memory relevant to thinking critically about the colonial amnesias and imperial nostalgias which still pervade a post-colonial condition marked by neo-colonial patterns of globalization and by uneasy relationships with diasporic and migrant communities. Attention will be paid to the histories and memories of the Portuguese dictatorship and colonial empire, the liberation wars / the “colonial” war fought in Angola, Mozambique and Guinea-Bissau between 1961 and 1974, the Carnation Revolution in Portugal in 1974, the independence of Portugal’s former colonies between 1973 and 1975, and the mass “return” of Portuguese settlers from Angola and Mozambique in 1975, without losing sight of apartheid South Africa and the ways in which the Cold War played out on the African continent.

Keywords: Colonial archive; spectres; decolonization; archival art; moving image.

 

 

… um fantasma nunca morre, permanence sempre por vir e por regressar

… estão sempre aí, os espectros, mesmo se eles não existem, mesmo se

eles já não são, mesmo se eles ainda não são.

Derrida (1994, pp. 123; 221)

O arquivo funciona sempre, e a priori, contra si próprio.

Derrida (1996, pp. 11-12)

Nestas matérias, só se pode experienciar um assombrar, confirmando em

tal experiência a natureza da própria coisa: um desaparecimento só é real

quando aparece.

Gordon (2008, p. 63)

Ler de acordo com o grão do arquivo direcciona a nossa sensibilidade

para a sua textura mais granular do que lisa, para a superfície áspera que

lhe dá matiz e forma.

Stoler (2009, p. 53)

 

Este ensaio examinará a forma como as práticas artísticas contemporâneas têm contribuído para uma descolonização epistémica e ético-política do presente através da investigação crítica de vários tipos de arquivos coloniais, quer públicos, quer privados, quer familiares, quer anónimos. Tomando como estudos de caso obras dos artistas Ângela Ferreira (Mozambique, 1958), Kiluanji Kia Henda (Angola, 1979), Délio Jasse (Angola, 1980), Daniel Barroca (Portugal, 1976) e Raquel Schefer (Portugal, 1981), este ensaio indagará até que ponto a estética destas práticas videográficas, fotográficas e escultóricas implica uma política e uma ética da história e da memória relevantes para pensar criticamente as amnésias coloniais e as nostalgias imperiais que ainda caracterizam uma condição pós-colonial marcada por padrões neo-coloniais de globalização e por relações difíceis com comunidades migrantes e diaspóricas. Em particular, será prestada atenção às histórias e às memórias da ditadura portuguesa e do império colonial; das lutas de libertação / guerra “colonial” combatidas em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau entre 1961 e 1974; da Revolução dos Cravos em Portugal em 1974; da independência das antigas colónias portuguesas entre 1973 e 1975; e do “retorno” massivo de colonos portugueses de Angola e Moçambique em 1975 (sem perder de vista o apartheid na África do Sul e a forma como a Guerra Fria se desenrolou no continente africano).

Que tipos de arquivos são desvelados por estas práticas artísticas investigativas e que estratégias arquivísticas descolonizadoras são postas em movimento nos e pelos próprios trabalhos, que constituem, como defenderei, arquivos em si mesmos? As obras em análise apoiam-se, na sua maioria, sobre a materialidade arquivística das imagens reproduzidas mecanicamente pelo cinema e pela fotografia analógica, donde o meu uso da expressão “imagens de arquivo ‘em movimento’” no título deste ensaio. Acrescentei aspas às imagens “em movimento”, de forma a sugerir, em primeiro lugar, o recurso a outros tipos de fontes arquivísticas. No caso de uma das obras de Daniel Barroca, também se inclui um arquivo sonoro. Na obra de Kiluanji Kia Henda em análise, não se faz uso de nenhum arquivo fotográfico e fílmico em concreto, recorrendo-se antes à arquitectura e à escrita, que funcionam metaforicamente como fontes arquivísticas, na medida em que preservam memórias vivas de momentos históricos. Em segundo lugar, ao usar a expressão imagens “em movimento”, refiro-me também à própria deslocação da fonte arquivística que a realização da obra envolve. Isto é, os documentos de arquivo também estão “em movimento” na medida em que são apropriados e inseridos na obra, que dessa forma adquire uma qualidade arquivística sem se transformar em arquivo num sentido literal (Foster, 2004; Godfrey, 2007). Mas o movimento de imagens coloniais da materialidade crua dos arquivos, em si mesmos mais caóticos e granulares do que ordenados e lisos (Derrida, 1996; Stoler, 2009), até à sua aparição nas obras em questão implica também uma transformação, com consequências ético-políticas, das suas qualidades estéticas. Por isso, em terceiro lugar, nas obras em análise, as imagens coloniais também se movem no sentido em que são subvertidas pelos próprios gestos artísticos que as revelam. Isto é, são recuperadas e deslocadas nas imagens “em movimento” do vídeo, da fotografia e da instalação escultórica. Este processo permite que o passado surja como imagem, mas sem que esta seja congelada, fixa ou fetichizada, na linha da concepção de passado de Walter Benjamin, segundo a qual o passado emerge como imagem-clarão momentânea naqueles momentos de perigo em que o presente reconhece o passado como uma das suas preocupações (1999, p. 247). O processo também permite que o passado surja como imagem espectral, que o que desapareceu apareça na visibilidade do écran, o que, por sua vez, torna possível a tarefa ético-política, decorrente de uma preocupação com a justiça, de encontro com o que do passado continua a assombrar o presente (Derrida, 1994; Gordon, 2008). O objectivo destas práticas artísticas é descolonizar o nosso conhecimento e as nossas emoções em relação ao passado colonial. Isto é, trata-se de inscrever as histórias e as memórias reprimidas do colonialismo e do império, algumas das quais privadas e familiares, num debate público sobre a condição pós-colonial; de contribuir para um exame crítico da forma como o passado continua a afectar o presente; de promover a sua lembrança sem cair na nostalgia.[1]

Porque muitas destas imagens são recuperadas em arquivos privados e familiares dos próprios artistas e se relacionam com experiências pessoais, e porque o seu uso artístico opera no sentido de convocar as memórias e experiências do próprio espectador, a sua qualidade enquanto imagens “em movimento” (moving) também se refere à emoção (affect) e ao seu valor epistemológico e ético-político. Por último, o movimento em questão em muitas das imagens de arquivo com que estes artistas trabalham refere-se também ao trânsito de pessoas (quer forçado, quer proibido) e de mercadorias em tempos coloniais e pós-coloniais, bem como à fluidez das identidades diaspóricas. Examinarei agora de que forma as qualidades estéticas destas imagens de arquivo “em movimento” e das suas condições “móveis” de produção, exibição e recepção permitem que as mesmas se constituam como espaços ético-políticos no presente para as histórias e memórias que as atravessam.

Os anos de 1974 e 1975 marcaram o fim do império colonial português em Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola. Como é sabido, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) declarou unilateralmente a independência da Guiné-Bissau em 1973, o primeiro país a ser reconhecido por Portugal depois da Revolução dos Cravos em 1974. Em Angola, a situação era particularmente complexa, com os três movimentos de libertação – MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) – preparando-se já para a guerra, com o apoio dos seus respectivos aliados em tempos de Guerra Fria. O Acordo de Alvor assinado com Portugal em janeiro de 1975 destinava-se a preparar o terreno para a independência em novembro, através de um processo de transferência faseada de poder para os três partidos em formação, tendo em vista as eleições marcadas para outubro, e que muito cedo se reconheceu como irrealista. Apesar do Acordo de Nakuru assinado pelos três movimentos no Quénia no final de junho, em julho de 1975 a batalha por Luanda estava a ser travada de forma bem sucedida pelo MPLA que, apoiado pela União Soviética e por Cuba, se revelava capaz de expulsar de Luanda a FNLA (movimento apoiado pelo Zaire) e a UNITA (formação apoiada pela África do Sul). Em agosto, a partida dos colonos portugueses atingiu o seu pico, com milhares a serem evacuados de Luanda de avião, enquanto os seus pertences, empacotados em caixotes de madeira, esperavam pelo embarque no porto (Chabal, 2002; Fernandes, 2013; Figueiredo, 2009; Kapuscinski, 2001 [1976]; Mateus, 2006; Mateus & Mateus, 2011; Meneses & Martins, 2013; Pélissier & Wheeler, 2011).

Estes eventos foram narrados, de uma forma autobiográfica, pessoal e poética em Mais Um Dia de Vida de Ryszard Kapuscinski (1976), jornalista e escritor polaco que, antes de ir para a frente de combate no sul de Angola, passou o verão de 1975 em Luanda (2013 [1976]; 1987[1976]). As suas memórias falam de várias cidades em Luanda, mais precisamente de três versões da Luanda colonial em desaparecimento. Ele começa por mencionar a cidade de pedra, cada vez mais deserta e vazia, “a morrer como morre um oásis quando o poço seca”, “esqueleto seco, polido pelo vento”, “osso despontando do chão na direcção do sol”, “estranho e tenso palco” (2013[1976], pp. 27, 46, 35). Esta é a cidade abandonada pelos Portugueses, que transferiram toda a propriedade que conseguiram para a cidade de madeira, feita de caixotes, que cresceu primeiro no porto, e depois, de repente, partiu através do Atlântico em direcção a Lisboa, ao Rio de Janeiro e à Cidade do Cabo. Enquanto estas duas cidades maioritariamente brancas, uma de pedra, a outra de madeira, a primeira deserta e a segunda repleta, se foram tornando cada vez mais esvaziadas pelos seus ocupantes e donos, receando a descida sobre elas do que Kapuscinski chama de “bairros negros” (os musseques), uma terceira cidade predominantemente branca viu também o seu número de habitantes crescer exponencialmente para depois desaparecer gradualmente (2013[1976], p. 42). Esta última é a que Kapuscinski denomina “cidade nómada sem telhados nem paredes, a cidade dos refugiados à volta do aeroporto”, esperando pela ponte aérea que a levaria de Angola (2013[1976], p. 41, itálico acrescentado). “De todas as cidades na baía”, escreve ele, “só a Luanda de pedra, cada vez mais despovoada e supérflua, permanecia” (2013[1976], p. 41). O retrato de Kapuscinski de Luanda no verão de 1975 está longe de constituir um relato historiográfico rigoroso destes eventos, sendo antes uma descrição poética das memórias do jornalista a partir da sua própria experiência difícil e intensa de isolamento, medo e desespero. Ele chegou a Luanda quando toda a gente na “cidade de pedra” se encontrava desesperada para partir e admite no prefácio do seu livro que este é um relato pessoal “sobre a experiência de estar sózinho e perdido” (2013[1976], p. 15).

Ângela Ferreira, Kiluanji Kia Henda Henda e Délio Jasse examinaram o complexo processo de descolonização ao olharem para este momento de chegada súbita e massiva à ex-metrópole de milhares de portugueses oriundos das ex-colónias, alguns dos quais eram colonos de segunda e terceira geração que nunca tinham estado em Portugal. Henda refere explicitamente o livro de Kapuscinski como tendo constituído uma porta de entrada para esse momento histórico e contexto geopolítico na sua obra Afectos de Betão – Zopo Lady (2014), que discutirei mais à frente.[2] À chegada, estes ex-colonos foram comummente apelidados de “retornados”, uma designação ainda hoje frequentemente utilizada, mas com a qual nunca se identificaram, uma vez que sentiam que estavam a chegar a um local estranho mais do que a regressar a um espaço familiar.[3]

A instalação escultórica e vídeográfica de Ferreira, Colonialismo Sujo, Descolonização Selvagem (2015) (Figura 1 e Figura 2), implicou a investigação em vários tipos de arquivos, como é normalmente o caso no seu trabalho. No arquivo da Cinemateca Portuguesa e em arquivos online de acesso livre, a artista encontrou material fílmico e fotográfico relativo a um local particular no espaço urbano de Lisboa: o Padrão dos Descobrimentos na Praça do Império em Belém. Com este material de arquivo, realizou um vídeo que é projectado numa escultura em madeira que, por sua vez, recria os caixotes dos colonos portugueses que partiram das ex-colónias em 1975. O arquivo artístico em que a sua própria escultura se transforma mostra-nos, através do vídeo para o qual também constitui écran e pelas suas qualidades materiais e formais, a forma como este local marcou simbolicamente tanto o início da empresa colonial portuguesa, tal como foi concebida pelo Estado Novo a partir do final dos anos trinta, como o seu colapso em meados dos anos setenta, depois de treze anos de guerra contra os movimentos de libertação em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau. O vídeo começa com imagens da construção do Padrão dos Descobrimentos, o monumento às chamadas Descobertas portuguesas que foi inaugurado, numa versão temporária, no contexto da Exposição do Mundo Português. Esta exposição foi organizada pelo regime em 1940 para celebrar o aniversário do nascimento da nação em 1140 e a restauração da independência em 1640. Uma versão permanente do Padrão foi construída e inaugurada em 1960, em comemoração do aniversário da morte do Infante D. Henrique, o Navegador, em 1460 – a figura histórica e mítica inaugural dos ditos Descobrimentos.[4]As imagens pertencem às actualidades cinematográficas Imagens de Portugal no. 186 (1959) e Imagens de Portugal no. 193 (1960), a segunda das quais inclui imagens da realização, no atelier de Leopoldo de Almeida, das esculturas que constituem os elementos decorativos principais do Padrão. As fachadas laterais do monumento, em forma de caravela apontando para o estuário do Tejo, são ocupadas por uma procissão ascendente de reis, conquistadores, exploradores, sábios e poetas, liderada pelo Infante D. Henrique, e esculpida segundo o estilo épico e em grande escala característico da estatuária do Estado Novo. A fachada central em forma de cruz assemelha-se igualmente a uma espada, constituindo uma metáfora poderosa dos cruzamentos entre “descobertas”, missão civilizadora e conquista. Os filmes através dos quais Ferreira relembra estas histórias foram, também eles, realizados no contexto das iniciativas de propaganda do Estado Novo (Piçarra, 2015, pp. 144-223).[5] Por conseguinte, a sua curta-metragem sem som constitui uma forte lembrança do investimento ideológico do regime em grandes eventos culturais, escultura pública monumental, arquitectura e cinema, com o intuito de se promover e celebrar, e do facto que as histórias de algumas destas produções culturais permanecem ainda hoje sem consideração crítica.[6]

 

 

 

 

O facto de estes filmes terem sido patrocinados e controlados pelo regime contribui para a importância do que se segue no vídeo de Ferreira. Cerca de quarenta anos depois, a Praça do Império foi um dos locais onde as caixas de madeira dos colonos se acumularam, tendo algumas delas permanecido aí retidas durante anos, apanhadas no meio do período revolucionário. O vídeo termina com imagens captadas pelo fotojornalista Alfredo Cunha em 1975, encontradas em arquivos online de acesso livre, retratando aquilo que Ferreira denomina “os despojos do fim do colonialismo ... junto ao monumento do Padrão dos Descobrimentos!”, os caixotes aos quais a instalação se refere escultoricamente.[7] Este é um trabalho no qual, como sucede frequentemente com as investigações de Ferreira, a artista olha e nos convida a olhar para os eventos históricos de uma forma que tenta fazer justiça às suas complexidades e contradições. Confronta-nos com a ausência de um debate público rigoroso sobre a violência da empresa colonial – uma violência que antecede o Estado Novo, como as próprias manifestações culturais deste último, celebrando momentos históricos de descoberta e conquista, tornam evidentes, mas à qual o regime acrescentou a sua própria forma de violência ditatorial. Contudo, Ferreira também considera as contradições de um processo de descolonização que envolveu a chegada repentina e massiva de muitos portugueses das ex-colónias que eram praticamente estranhos na antiga metrópole e indesejados pela revolução.

De forma algo semelhante a Ferreira, muitas das investigações de Henda tomam também o espaço urbano e a paisagem arquitectónica – incluindo monumentos construídos, destruídos, reapropriados e re-imaginados –, como lente fundamental através da qual olhar para o passado, o presente e o futuro.[8] Tal como Ferreira, o artista angola-no também transformou caixotes de madeira em arquivo escultórico e em écran.

 

 

Henda adapta o guião para a sua instalação videográfica e escultórica Afectos de Betão – Zopo Lady (Figura 6 e Figura 7) a partir do primeiro capítulo de Kapuscinski, baseado em Luanda. A adaptação de Henda é tão pessoal e poética quanto a sua fonte, mantendo-se, no entanto, fiel a esta. Começa com o que poderá considerar-se como a principal metáfora do primeiro capítulo de Kapuscinski – “Luanda como deserto”. Não só Luanda surge como uma cidade deserta e vazia, mas também, metaforicamente, como uma cidade seca e morrendo de seca, esqueleto de ruas, de paredes e de telhados vazios, coberta de poeira e de areia. Por isso, de forma coerente, Afectos de Betão abre com a vista aérea e panorâmica de um deserto, tema recorrente na obra de Henda, emergindo aqui como um sonho próximo do pesadelo, do qual acorda o narrador e protagonista principal, sempre em voz-off.[9] De seguida, o vídeo foca-se na paisagem urbana e deserta de Luanda, enquanto o narrador caminhante – como Kapuscinski, “um viajante no deserto” em busca de uma fonte ou de um poço (2013[1976], p. 26) –, conta uma estória pessoal sobre a sua experiência de solidão e de desorientação numa cidade moribunda. Na ver-são de Henda, esta é uma cidade de betão e de “afectos” ambivalentes “de betão”, tão contraditórios e difíceis de encaixar, para parafrasear o artista,[10] quanto o que acabou por ser efectivamente encaixado na cidade de caixotes de madeira, cidade delirante e simultaneamente bem sólida. A narrativa desenrola-se ao longo de um dia, do amanhecer ao anoitecer e ao amanhecer novamente, numa Luanda contemporânea deserta (alguns momentos do vídeo foram filmados na manhã de 1 de janeiro de 2014, enquanto Luanda dormia depois das celebrações de Ano Novo). As palavras do protagonista (que, na versão de Henda, é um dos muitos portugueses e angolanos brancos que tiveram de abandonar o país) situam ficcionalmente a paisagem urbana, arquitectónica e natural da cidade em 1975 (Figura 4).

 

 

 

 

 

Significativamente, no vídeo de Henda, ao contrário da descrição de Kapuscinsky onde nada permanece para além do deserto e da destruição, a arquitectura de Luanda não é descrita simplesmente como paisagem de betão, tão seca, morta e estranha quanto o deserto que surge no sonho do narrador. Também é retratada em termos escultóricos: como um conjunto de grandes esculturas de cimento penetráveis, de “refúgios escultóricos”; como “estatuária orgânica, dotada de alma” (Figura 5).[11] O narrador fala-nos de algo simultaneamente feroz e suave na forma como estas arquitecturas domesticam e, ao mesmo tempo, se curvam perante a natureza. Seguindo os passos deste caminhante invisível, é dado a ver ao espectador uma espécie de esqueleto, uma grelha caótica de ruas, paredes e telhados, a estrutura modernista de uma Luanda quase escultórica. Ao olhar para este período de descolonização, independência, revolução e início da guerra civil, num contexto de Guerra Fria, Henda está também a oferecer-nos um retrato cinemático, um arquivo visual dos resquícios contemporâneos do património arquitectónico modernista de Luanda (Magalhães & Gonçalves, 2009; Vaz Milheiro, 2012). Construído no período colonial tardio e reapropriado após a independência, este património tem sido demolido e substituído por grandes projectos de renovação urbanística, nomeadamente na baixa e na marginal de Luanda, nos quais se destacam os arranha-céus ao estilo do Dubai (Schubert, 2015; Soares de Oliveira, 2015). Por serem tão caros, estes são muitas vezes deixados vazios e desertos, ilustrando assim um outro tipo de desertificação nesta história. Ao examinar este momento histórico particular, Henda convida-nos a olhar para a forma complexa como a arquitectura moderna em Luanda foi parte integrante dos supostos planos modernizadores das últimas décadas do colonialismo português. Luanda e outras cidades constituíram locais de experimentação arquitectónica, urbanística e social por parte de arquitectos mais progressistas, onde a segregação contudo persistia, para finalmente se tornarem espaços onde se desenvolveu uma modernidade reapropriada, recriada, adaptada e habitada por angolanos depois da independência. Além disso, a investigação de Henda não esquece as ruínas da modernidade deixadas pela Guerra Fria e pela longa guerra civil, assim como as novas ruínas vazias dos grandes projectos urbanísticos modernizadores do capitalismo global e oligárquico. Acompanhando e, ao mesmo tempo, afastando-se de Mais Um Dia de Vida de 1976 de Kapuscinski, o Dia de Henda no passado é filmado a partir do futuro deste passado para examinar o presente. Não nos podemos esquecer que este vídeo foi encomendado, juntamente com outros vídeos de artistas de Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Portugal, para a exposição Ilha de São Jorge, comissariada por Beyond Entropy para 14ª Bienal de Arquitectura de Veneza em 2014. Este projecto abordou o tema da Bienal, Absorbing Modernity, 1914-2014 (tema proposto pelo curador Rem Koolhaas) ao olhar para a forma como a modernidade foi “concebida, desenvolvida, construída, vivida, absorvida, rejeitada” nestes cinco países africanos de língua oficial portuguesa (Vaz Milheiro, Serventi & Nascimento, 2014, p. 7).

Mas a estória do video de Henda desenvolve-se, de facto, em torno desse mo-mento histórico concreto em 1975, e da decisão dolorosa do protagonista de abandonar num dia uma mulher branca, amada e ausente, e a cidade onde vivera toda a sua vida. A mulher é a Zopo Lady mencionada no título, cuja face, pele e corpo, embora mais ondulantes, como a baía, do que rectilíneos, como a cidade, parecem, por vezes, apontar metaforicamente para a face, a pele e o corpo da própria Luanda – isto é, da Luanda colonial, europeia e branca, prestes a ser abandonada e a desaparecer (Figura 6).[12] À medida que a noite avança, tanto a imagem da cidade como da mulher oscilam entre o medo e o desejo, para se tornarem misteriosamente repulsivas. Ouvem-se tiros, o narrador procura refúgio em casa – o Hotel Tivoli da narrativa de Kapuscinski foi filmado no modernista Hotel Globo, situado na baixa de Luanda – e outro pesadelo começa, desta vez com incontáveis pequenas cruzes vermelhas emergindo dentro de uma única, grande cruz verde (Figura 7). Este é o sinal verde para incontáveis mortes, para a guerra. O vídeo termina com o narrador derrotado a acordar desta premonição, a fechar a sua caixa e a escapar de barco, através do oceano. Henda comentou que o seu vídeo, para além de oferecer um retrato da cidade de Luanda numa perspectiva íntima e pessoal, é também sobre “a relação entre espaço e memória colectiva, confrontada com a necessidade vital e obrigatória de emigrar”.[13] Algo muito semelhante, como veremos, poderia ser dito de Ausência Permanente (2014) de Délio Jasse. Do passado ou do futuro, a partir da história, da memória ou da ficção, através das imagens em movimento do vídeo, da fotografia e da instalação, nas obras de ambos os artistas, rostos espectrais, de forma mais ou menos explícita, surgem na paisagem de cidades à beira-mar e fundem-se com esta, com as suas “caixas” arquitectónicas modernistas, com as caixas de colonos de partida, carimbadas como passaportes e vistos, aparecendo na estrutura em desaparecimento de écrans de vídeo e de água.

De facto, os arquivos artísticos, os palimpsestos e as “arqueologias líquidas” de Jasse também falam desta relação contraditória entre espaço, memória colectiva e deslocação, numa perspectiva pessoal. Tendo examinado em trabalhos anteriores como Schengen (2010) (Figura 8), e a partir da sua própria experiência, uma condição de hibridez diaspórica que mina a fixidez do estereótipo cultural e racial (Bhabha, 1994; Clifford, 1997; Hall, 1990; Mercer, 2008), em Ausência Permanente (2014) (Figuras 9 e 10), uma das suas instalações mais recentes, Jasse complexifica temporalmente deslocações no espaço e movimentos entre fronteiras, ao invocar presenças fantasmáticas do passado colonial no espaço urbano da Luanda contemporânea. Através de composições fotográficas, realizadas analogicamente, o artista justapõe fotografias de anónimos, adquiridas maioritariamente em mercados de rua em Lisboa, e as suas próprias imagens da Luanda irreconhecível que “desencontrou” doze anos depois da diáspora.[14] A estas acrescenta ainda os carimbos tipicamente encontrados em passaportes e vistos, alguns dos quais relativos aos movimentos de saída de Angola ou de Portugal em 1961 (isto é, ao trânsito de quem tentava escapar à guerra e ao serviço militar obrigatório), enquanto outros, emitidos pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras em Portugal e pelos Serviços de Migração e Estrangeiros em Angola, inscrevem datas bem mais recentes.

 

 

 

 

Tal como nas obras discutidas anteriormente, o que aqui se examina criticamente são as consequências de uma não-inscrição e de uma amnésia, não só em Portugal, mas também no tecido urbano e na paisagem arquitectónica de Luanda em acelerado processo de gentrificação (Schubert, 2015; Soares de Oliveira, 2015). A inscrição, efectuada através de obstrução visual e material, é posta ao serviço de uma política da história e de uma ética da memória. O processo é estética, conceptual e ético-politicamente relevante. Ligado à tradição da fotografia documental, mas tendo aprendido a arte de trabalhar por camadas da serigrafia, Jasse é motivado por uma constante reflexão sobre a natureza construída, algures entre a ficção e a realidade, não só da memória, tema de facto central, mas também da imagem fotográfica. A instalação de Ausência Permanente, com as suas composições fotográficas flutuantes em caixas de acrílico colocadas no chão do museu, encena, quase teatralmente, uma espécie de coreografia de espectros líquidos, de faces ondulantes emergindo da paisagem. Ela evoca, contudo, não tanto a black box do teatro como a câmara escura e o processo de revelação da fotografia analógica, fundamental em toda a obra de Jasse.

A sua prática é marcada por um interesse por histórias e memórias, tanto individuais como coletivas, tanto pessoais como anónimas. O artista assume o seu fascínio pelas histórias reais que desconhece e pelas histórias ficcionais que conjectura, contadas pelos rostos de estranhos em fotografias antigas – fascínio que “desfetichiza” através do seu uso de materiais e técnicas. Reinventa os processos da fotografia analógica, ao transformar a raridade de alguns materiais e equipamentos em oportunidade para experimentação – numa espécie de jogo entre realidade histórica em desaparecimento e ficção tornada real, ou acto de reinscrição do passado, não nostálgico mas resistente à amnésia, também ao nível do processo, tanto químico como mecânico. Para além destas preocupações, o seu trabalho é também uma investigação permanente àcerca da noção de documento. A pesquisa sobre a natureza processual e construída quer da fotografia, quer do documento, serve o propósito maior de um questionamento ético-político em torno de noções de identidade nacional, étnica e cultural. Ela é realizada através de composições fotográficas e de instalações que desconstroem a suposta imediatez, transparência e neutralidade da tradição fotográfica documental e dos documentos de identificação nacional (cuja componente fotográfica contribui para a atribuição de uma suposta identidade definida, permitindo ou proibindo dessa forma o movimento através de fronteiras geopolíticas e culturais). Em Ausência Permanente, a presença destes écrans líquidos, palimpsestos visuais em água, relaciona-se, igualmente, com a ideia de geografia marítima, de oceano como espaço político, histórico e contemporâneo, de passagem, violência e hibridização, como nos recordam, de formas distintas mas intimamente relacionáveis, as obras de Édouard Glissant (1997) e de Paul Gilroy (1993 e 2010)[15] ou ainda, de forma urgente, os naufrágios recentes no Mediterrâneo.

Como Jacques Derrida salientou, no contexto não só da sua noção de “hantologie”, mas também do que denominou como poética dos espectros ou “poétique des spectres” – a qual, à maneira de Jacques Rancière, não pode constituir-se senão também como política, como “politique des spectres” (2004) –, é uma das tarefas ético-políticas do presente aprender a viver de forma mais justa, o que aqui, para Derrida, significa “aprender a viver com fantasmas, na presença de, à conversa com, na companhia, ou na camaradagem, no comércio sem comércio de fantasmas” (1994, Exordium). Ele acrescenta: “este estar-com espectros seria também, não só mas também, uma política da memória, da herança e de gerações” (1994, Exordium). Ele que, como sabemos, perseguia obssessivamente espectros etimológicos, numa poética dos espectros e numa política da memória, da herança e de gerações também ao nível da linguagem como escrita, diferença e diferimento (Derrida, 1976, 2001), chamou a nossa atenção para o facto de que os espectros pertencem, tal como nós, os espectadores, à frequência de uma certa visibilidade – no caso dos primeiros, à visibilidade do invisível – e que o écran, quer líquido, quer fílmico, “tem sempre, no fundo, no próprio fundo de que é feito, uma estrutura de aparição em desaparecimento” (Derrida, 1994, p. 125).

Esta estrutura de “aparição desaparecida”, mas de aparição apesar de tudo ou de aparição desaparecida como forma de resistência em imagens e em movimento contra a amnésia histórica e a não-inscrição, é também discernível no trabalho de Daniel Barroca. Esta é uma estrutura que faz lembrar as lições de Georges Didi-Huberman sobre as imagens sobreviventes e as imagens “apesar de tudo” (2002, 2008), bem como os escritos de Avery Gordon acerca de “assombro”, de acordo com os quais “um desaparecimento só é real quando aparece” (2008, p. 63). Barroca opera através de vários tipos de obstruções formais e materiais, não desprovidas de uma ideia de violência reforçada pelos títulos das obras; uma destruição da imagem que permite uma espécie de sobre-vivência desta, um redesenhar, retraçar, reconectar, remapear, reconfigurar da imagem – uma aparição desaparecida; o aparecer da desaparição. Tal como Jasse, Barroca também desvela e inscreve ao sobrepôr camadas obscurecedoras. Em Reconfiguração de uma Linha Raspada (2011) (Figura 11), Mapas de Cumplicidades (2011) e Obstrução de Cumplicidades (Objectos em Camadas #3, #4, #5) (2011) (Figura 12), linhas raspadas e lâminas de metal cartografam, ao mesmo tempo que obstruem, as cumplicidades dos olhares e da camaradagem entre soldados. Nas duas primeiras obras, isto é realizado pelo raspar literal da superfície das imagens fotográficas que retratam os soldados. Mas este raspar compõe redes de linhas bastante precisas, mapeando e ligando os olhares dos soldados, ao mesmo tempo que lhes apaga os olhos (um perfurar literal, com agulhas incluídas na instalação, ocorre em Distância Perfurada [2011]). Em Obstrução de Cumplicidades (Objectos em Camadas #3, #4, #5), assiste-se ao mesmo processo, segundo o qual formas abstractas são desenhadas através da obstrução visual das imagens fotográficas documentais que funcionam como ponto de partida. Mas desta vez, os mapas resultantes são opacos, já que que são feitos de lâminas de metal colocadas sobre as fotografias que adquirem uma qualidade tridimensional. Aqui, a Linha Raspada e os Mapas de Barroca tornam-se Objectos em Camadas. Noutros exemplos desta série, o artista transforma as imagens de soldados em objectos obscurecedores pela sobreposição de camadas de vidro gravado, de pó de vidro (#6, #7) e de resina epóxi (#1). De forma semelhante, em Imagens Obstruídas (2011) (Figura 13), copos com água turva escondem, ao mesmo tempo que assinalam, os rostos dos soldados nas fotografias dispostas sobre uma mesa. Os copos interrompem o acesso visual à documentação fotográfica dos encontros entre os soldados e apontam para a dificuldade de lembrança clara e translúcida da experiência da guerra por parte destes, enquanto a instalação no seu todo evoca a memória da guerra, sob a forma dos restos sombrios de um dia seguinte.

 

 

 

 

Quem são estes soldados? São aqueles que já haviam feito uma “aparição desaparecida” nos écrans dos monitores de um trabalho anterior – a instalação de vídeo em oito canais Soldier Playing with Dead Lizard (2008) (Figura 14). Esta foi uma das primeiras vezes que Barroca apropriou imagens do álbum fotográfico que o seu pai compilou a partir da sua experiência de combate ao serviço das Forças Armadas Portuguesas na Guiné-Bissau. Muitos dos que lutaram na guerra reuniram álbuns semelhantes – presenças comuns e, contudo, silenciosas nas casas de muitas famílias portuguesas de hoje. Barroca expõe a existência do álbum do seu pai, mas desfoca visualmente as suas imagens, abstraindo-as e obstruindo-as através de um movimento de câmara próximo e perscrutador. Para este trabalho, recuperou também o arquivo sonoro dos sons da respiração do seu pai, nos intervalos do discurso, aqui omitido e obstruído, em que falava da guerra para as cassetes que enviava à sua companheira, a mãe do artista. Segundo Gordon, a matéria espectral exige de nós uma actividade ético-política de escuta (2008)[16]. De acordo com Cathy Caruth, a memória traumática não se presta a ser vista ou compreendida, mas sim a ser enviada eticamente para uma outra geração e para um outro futuro (1996, p. 111).

 

 

A memória intergeracional (ou pós-memória) e a memória familiar – neste caso, a memória-écran em vez da memória traumática – é igualmente o objecto das investigações de Raquel Schefer através do vídeo. Avó (Muidumbe) (2009) começa com imagens de chuva torrencial, filmadas em 1960 pelo seu avô, autor do filme doméstico com que a artista compõe a sua curta-metragem. Este foi o momento da chegada da família à sua nova residência em Muidumbe, no norte de Moçambique, onde o avô de Schefer assumiria o cargo de chefe do posto administrativo. O filme gira em torno da figura da avó (Figura 15), dos seus movimentos lúdicos e felizes, quase infantis, para a câmara, na varanda da casa nova, enquanto a família se abrigava da chuva e aguardava o acesso ao interior. Corpos brancos e negros habitam este mesmo espaço exíguo, esta espécie de limbo entre o exterior e o interior, mas a linha divisória é bem patente na forma como o corpo branco, quer masculino, quer feminino, se movimenta, em contraste com o imobilismo silencioso do corpo negro, aparentemente submisso. Estamos em 1960, e a felicidade conjugal e familiar deste espaço doméstico não passa de écran (Freud, 2006 [1899]), velando a realidade do massacre de Mueda a 16 de junho de 1960, a trinta quilómetros dali, zona descrita como sendo “pacífica”, de “gente amistosa e ordeira”.[17] Schefer encarna a figura da avó: no início do filme, tira medidas e faz provas para uma réplica da indumentária que a avó veste (calças, blusa e chapéu). A meio, já vestida como a avó, mas ainda não assumindo o seu papel, lê, como se estivesse a ensaiar, as palavras com as quais a avó descreve o momento da chegada à casa nova de Muidumbe. No final, desfocada, podendo por isso já quase confundir-se com a avó, mas sendo ainda reconhecível, percorre o jardim e dança, imitando os gestos que vemos nas imagens de arquivo (Figura 16). Nas cenas finais, a voz-off de Schefer, assumida sempre como neta, descreve aquilo que, ao contrário da vida pacífica de gente amistosa e ordeira que nos é dada a ver, não foi nem fotografado, nem filmado (Figura 17). Observando a felicidade doméstica de Muidumbe, ouvimos, através das palavras de Schefer, os mortos, os espectros, os fantasmas de Mueda que ela convida a entrar na casa dos avós.

 

 

 

 

 

 

Uma descolonização epistémica e ético-política da nossa condição pós-e neo-colonial globalizada requer que olhemos para aquilo que, do passado, continua a afectar o presente, as formas pelas quais a nostalgia do império, os silêncios da memória traumática e as repressões da amnésia continuam a surtir efeito ao nível das divisões sócio-económicas e raciais das nossas sociedades contemporâneas (Appadurai, 2013; Chakrabarty, 2000; Comaroff, 2012; Mbembe, 2014, 2015; Mignolo, 2011; Sousa Santos & Meneses, 2010; Spivak, 1999). Para a tarefa de desvelar, sem congelar e sem fetichizar, uma aparição sempre em desaparecimento, o passado enquanto imagem, surgindo como clarão naqueles momentos de perigo em que é reconhecido pelo presente como uma das suas preocupações (Benjamin 1999, p. 247), o arquivo torna-se ferramenta indispensável. Como lugar de “começo” e de “comando”, Derrida notou, “o arquivo funciona sempre, e a priori, contra si próprio”, alojando sempre tanto o Eros da preservação como o Thanatos do caos, da desordem, da perda e da destruição (1996, pp. 11-12). Funciona sempre contra si próprio, de acordo com Ann Stoler, porque “ler de acordo com o grão do arquivo” é precisamente aquilo que nos permite ver a sua textura “mais granular do que lisa”, a “superfície áspera que lhe dá matiz e forma” (Stoler, 2009, p. 53). Apesar dos problemas relativos à mercantilização das obras de arte nos circuitos pouco democráticos da arte contemporânea,[18] as “superfícies àsperas” dos arquivos e écrans artísticos que examinei aqui, mais granulares do que lisas, poderão considerar-se como fazendo uma certa forma de justiça à dificuldade epistémica e à necessidade ético-política do nosso encontro crítico com a história e a memória, incluindo privada e familiar, em vista da descolonização dos nossos conhecimentos e afectos, das nossas teorias e práticas.

 

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Nota biográfica

Ana Balona de Oliveira é investigadora de pós-doutoramento (FCT) no Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa (CEC-FLUL) e no Instituto de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa (IHA-FCSH-UNL). Tem leccionado em várias instituições no Reino Unido e em Portugal, com destaque para o Courtauld Institute of Art, University of London, onde se doutorou em História de Arte Moderna e Contemporânea, com a tese ‘For/Da: Unhomely and Hybrid Displacements in the Work of Ângela Ferreira, c. 1980-2008’, 2012. A sua investigação actual centra-se em narrativas de império, anti-e pós-colonialismo, migração e globalização na arte contemporânea de espaços ‘lusófonos’ e outros. Coordena a linha de investigação ‘Visual Culture, Migration and Globalization’ no Centro de Estudos Comparatistas (CEC-CITCOM-Dislocating Europe) e é membro do grupo ‘Contemporary Art Studies’ no Instituto de História de Arte (IHA-CASt). Publicou na Third Text (Reino Unido), Mute (Reino Unido), /seconds (Reino Uni-do), Fillip (Canadá), Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento (Portugal), Revista de História de Arte (Portugal), entre outras. Contribuíu com ensaios para catálogos de exposições e para publicações como Edson Chagas: Found Not Taken (Kehrer Verlag, 2015) e Red Africa: Affective Communities and the Cold War (Black Dog Publishing, 2016, forthcoming). É curadora independente.

E-mail:ana.balona.oliveira@gmail.com

Centro de Estudos Comparatistas, Universidade de Lisboa (CEC/FLUL) e Instituto de História de Arte, Universidade NOVA de Lisboa (IHA/FCSH/NOVA).

Alameda da Universidade, Cidade Universitária, 1649-004 Lisboa, Portugal; Av. de Berna, 26-C, 1069-061, Lisboa, Portugal

 

* Submetido: 03-02-2016

* Aceite: 16-05-2016

 

Notas

[1] É importante clarificar que o meu uso dos termos “inscrição” e “não-inscrição” ao longo deste ensaio, embora possa evocar Portugal, hoje: O medo de existir de José Gil, não é devedor das elaborações deste autor em torno de uma suposta “portugalidade”, que redundam num essencialismo problemático (veja-se Gil, 2004; Gil, 2009). Apesar de o meu uso destes termos apontar para uma tendência para a amésia do império e para a falta de debate crítico sobre este na sociedade portuguesa contemporânea, distancia-se de qualquer psicologização colectiva, que culmina em generalizações estereotipadas que ignoram as realidades concretas das desigualdades de classe, raça e género. Por outras palavras, a obra de Gil acaba por cair na mesma não-inscrição amnésica que pretende criticar. Para uma crítica à obra de Gil, e a O labirinto da saudade de Eduardo Lourenço, conferir Rodrigues Lopes, 2010, pp. 227-239.

[2] Mais Um Dia de Vida também desempenhou um papel crucial ao levar a fotógrafa sul-africana a começar os seus projectos fotográficos em Angola: primeiro em Luanda, com Terreno Ocupado (2007) e, subsequentemente, tal como sucedeu a Kapuscinski, no sul de Angola, com Terras do Fim do Mundo (2009). Em The Borderlands (2013), Ractliffe continua as suas investigações dentro de fronteiras sul-africanas. Conferir Ractliffe 2008; 2010; 2015.

[3] O IARN, Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, foi criado pelo governo revolucionário em 1975, com o intuito de apoiar o realojamento destes milhares de ex-colonos. Foi extinto em 1981.

[4] A versão temporária do Padrão foi concebida pelo arquitecto Cottinelli Telmo, cujo plano foi mantido na construção per-manente, liderada por António Pardal Monteiro.

[5] As atualidades cinematográficas Imagens de Portugal foram realizadas entre 1953 e 1970.

[6] A praça que se situa em frente ao Padrão é decorada em calcário com uma rosa-dos-ventos em grande escala e um mapa-múndi onde surgem as rotas das caravelas portuguesas na época das chamadas Descobertas. Esta praça foi oferecida a Portugal pela África do Sul (regime que instaurou o apartheid), um facto que é raramente mencionado.

[7] Conferir a componente textual do vídeo.

[8] É o caso das obras Redefining the Power (2011) e Balumuka (Ambush) (2011), ambas pertencentes à série Homem Novo, e de Icarus 13 (2008), entre outras.

[9] Outras obras onde o deserto é relevante são, por exemplo, Icarus 13 (2008) e o projecto A City Called Mirage (2014).

[10] Conferir a sinopse da obra em link para vídeo privado: “Durante a preparação da caixa para a viagem, o narrador é confrontado com um amor platónico por uma mulher, e a impossibilidade de encaixar (boxing) os afectos atormenta-o e mina os seus planos de fuga”.

[11] Conferir o argumento do vídeo.

[12] O nome da mulher inspira-se no de uma cadeia de lojas de roupa em Luanda.

[13] Conferir a sinopse da obra, em inglês, em link para vídeo privado.

[14] Refiro-me aqui ao título de uma das séries fotográficas onde Jasse examina, precisamente, esse reencontro com Luanda: Desencontros (2011). Sobre esta série, ver, por exemplo, Pinto Ribeiro, 2013.

[15] Sobre a noção de Atlântico Negro lusófono, conferir Naro, Sansi-Roca & Treece, 2007; Vale de Almeida, 2004.

[16] Conferir também Laub, 1992.

[17] Conferir o argumento do vídeo. Este massacre foi um dos eventos que despoletou o início da luta armada, por parte da FRELIMO, contra o colonialismo português em Moçambique em 1964.

[18] Para um leitura menos pessimista, a partir dos escritos do próprio Marx, sobre a forma como os modos de produção da arte se distinguem dos da mercadoria, conferir Beech, 2015.

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