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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.27  Braga jun. 2015

https://doi.org/10.17231/comsoc.27(2015).2093 

COMUNICAÇÃO, TEORIA DOS VIDEOJOGOS E DIÁLOGOS (INTER)MEDIÁTICOS

GTFO!! - Posicionamento como estratégia de interação na comunicação MMORPG

GTFO!! - Positioning as interaction strategy in MMORPG communication

 

Birgit Swoboda*

*Universidade de Viena - Áustria

birgit.kramer@gmail.com

 

RESUMO

OMG! Lol n00b :)! Quando os jogadores, sobretudo de MMORPG (Massively Multiplayer Online Role-Playing Games, i.e. jogos de interpretação online em massa para múltiplos jogadores) como o World of Warcraft®, falam entre si, adaptam a linguagem às suas necessidades, a exemplo do que fazem os falantes de uma língua. É errado presumir que expressões como smileys, acrónimos e neologismos constituem uma deterioração da linguagem atual. Antes pelo contrário, estas expressões podem ser vistas como exemplos de criatividade, eficiência e marcadores de grupo. Além disso, estas expressões ajudam os jogadores a posicionarem-se nas conversas, podendo por conseguinte ser vistas como estratégias de interação ativas no discurso dos jogos. Mas embora a comunicação seja de importância primordial para alcançar os objetivos e para efeitos de interpretação nos MMORPG, há vários desafios que se colocam aos jogadores, como situações de elevado stress, falta de pistas paralinguísticas e obstáculos interculturais. Recorrendo a um inquérito online, a um corpus compilado pela própria e a teorias de pragmática, este artigo estuda as estratégias de interação utilizadas pelos jogadores de MMORPG.

Palavras-chave: Posicionamento; pragmática; análise de discurso; MMORPG; CMC.

 

ABSTRACT

OMG! Lol n00b :)! When gamers, especially of MMORPGs (Massively Multiplayer Online Role-Playing Games) like World of Warcraft®, talk to one another they adapt language to their needs, as do all speakers. It is a common misconception that expressions such as smileys, acronyms and neologisms are a deterioration of current language. On the contrary, they can be regarded as instances of creativity, efficiency and in-group markers. Moreover, these expressions help gamers to position themselves in conversations, thus they can be regarded as active interaction strategies in the gaming discourse. But while communication is of crucial importance to achieve goals and for role-playing in MMORPGs, there are many communicative challenges for gamers, such as high-stress situations, missing paralinguistic cues and intercultural obstacles. By reference to an online-questionnaire, a self-compiled corpus and theories of pragmatics this paper sheds light on interaction strategies used by MMORPG-gamers.

Keywords: Positioning; pragmatics; discourse analysis; MMORPGs; CMC.

 

Introdução

Segundo o estudioso Huizinga (1938: 20-21), os jogos e a atividade de jogar formam comunidades nas quais são criados significados, linguagem e convenções de grupo. Assim, não é surpreendente que, ao falarem com jogadores ou ao ouvirem uma conversa entre jogadores, aqueles que não são jogadores fiquem confusos ou não sejam capazes de compreender aquilo que é dito. Exemplo disso são os MMORPG (Massively Multiplayer Online Role-Playing Games, i.e. jogos de interpretação online em massa para múltiplos jogadores) como o World of Warcraft® ou o Lord of the Rings Online®, que são jogos de computador atualmente muito populares. Nestes jogos, os jogadores não só jogam em conjunto, como também comunicam entre si. Não é raro ver uma frase como a ilustrada no exemplo que se segue:

Exemplo (1)

LFG SoO normal 2DD and tank

Aqui, um jogador do World of Warcraft® está a pedir ajuda, procurando um grupo (LFG), em particular dois “damage dealers” (DD, classes destinadas a causarem danos) e um tanque (uma classe destinada a chamar a atenção dos inimigos, de modo a que os “damage dealers” possam lutar sem serem interrompidos) para o raid Siege of Orgrimmar (SoO) em modo normal. Estas sequências LFG em forma de acrónimo utilizadas nos MMORPG não só criam, como defende Huizinga (1938: 21) relativamente a significados de grupo, segredos que excluem aqueles que estão de fora, como também aumentam a eficiência e a velocidade na interação entre os jogadores. A descrição daquilo que exprime a sequência de cinco palavras ocupa quase quatro linhas. Assim, a forma em acrónimo de pedir ajuda poupa aos jogadores tempo e esforço. No entanto, embora a linguagem dos jogadores seja constituída por diversas características que exprimem significados e funções distintivos, aqueles que não são jogadores ignoram muitas vezes a linguagem dos jogadores como sendo disparatada ou mesmo uma deterioração da linguagem atual. A eficiência e a economia de tempo não são as únicas motivações da utilização distintiva da linguagem nos MMORPG, para as quais contribuem também a expressão da criatividade e da individualidade, como é evidenciado pela utilização de smileys.

Estas e muitas outras motivações e expressões linguísticas podem ser incluídas no termo posicionamento. Sempre que as pessoas – e, por conseguinte, também os jogadores – falam entre si, assumem uma posição na conversa em causa, uma vez que procuram alcançar um efeito. Este efeito não tem de ser necessariamente uma decisão hierárquica ou uma questão de relações de poder, embora estudiosos como Harré e Moghaddam (2003: 5-6) perspetivem a posição como uma “constelação de direitos e deveres com vista a executar determinadas ações [...]”. Para os autores, uma posição é um determinado local num contexto hierárquico ou enredo, como ser juiz numa história de julgamento em tribunal. A minha abordagem, conforme avançado por Kramer (2014), perspetiva uma posição como sendo um local em relação a outros. Na minha definição de posição, o enfoque encontra-se na motivação subjacente e no efeito perlocucionário que os falantes pretendem alcançar, e não nas convenções sociais, direitos e regras aplicados a uma situação, género ou, como designam Harré e Moghaddam, enredo. O posicionamento, na minha definição, é uma questão de cooperação, que também constitui um aspeto crucial de jogar MMORPG.

A aplicação do conceito de posicionamento ao contexto da comunicação em MMORPG permite clarificar as motivações e os desejos subjacentes dos jogadores, bem como dos falantes em geral. Este artigo não só descreve a utilização e as razões inerentes à utilização de determinadas características linguísticas na comunicação MMORPG, como também tenta chamar a atenção para os diversos aspetos da linguagem utilizada pelos jogadores. Discute a noção de posicionamento e analisa a forma como os jogadores gerem os desafios suscitados pelo meio e utilizam características da comunicação distintas do mesmo em seu proveito, de modo a posicionarem-se nas conversas entre si. A exploração da comunicação e o posicionamento nos MMORPG levantam questões relativamente à dimensão em que difere da interação fora destes jogos.

Obviamente, os jogos de computador e os MMORPG foram alvo de atenção crescente nos últimos anos. Estudiosos como Consalvo (2009), Corneliussen et. al. (2008), Trippe (2009) ou Yee (2006) começaram a preparar o terreno para uma investigação mais aprofundada nestas áreas. Porém, têm sido raras as abordagens linguísticas no âmbito dos estudos de jogos de computador, e sobretudo no contexto dos MMORPG. É claro que podemos recorrer à extensa investigação entretanto realizada no âmbito da CMC (comunicação mediada por computador), como a realizada por Crystal (2006), Danet e Herring (2007), Baron (2008) e Herring (1996). Mas embora as duas áreas, CMC e comunicação MMORPG, possam parecer semelhantes, não são idênticas. Os jogadores defrontam-se com outros desafios distintos do utilizador comum da Internet, e possuem outras necessidades de comunicação. Conforme já referimos, a investigação no campo da utilização da linguagem em MMORPG tem sido escassa, sobretudo no que se refere à questão de posicionamento, e temas da pragmática como a cortesia em jogos não têm sido estudados em profundidade. Contudo, o trabalho de Grice (1991), Brown e Levinson (2009) e Goffman (1967) sobre cooperação e face proporcionam enquadramentos úteis para estudar a comunicação e o posicionamento em MMORPG. Embora os conceitos da teoria da cortesia não tenham sido formulados para dar conta da comunicação online, os mesmos podem ser aplicados como enquadramento em todas as situações linguísticas. Do mesmo modo, não só é possível, como é necessário recorrer à investigação na área da teoria do posicionamento, embora esta não se destine à comunicação em MMORPG, como a realizada por Harré e Langenhove (1999), Harré e Moghaddam (2003), Jaffe (2009) e Du Bois (2007), uma vez que estas teorias e conceitos proporcionam uma base sólida para estudar a comunicação em MMORPG.

No entanto, não é suficiente rever apenas trabalhos já realizados para tentar explorar os temas da comunicação nos MMORPG. Por conseguinte, procedeu-se à recolha de dados para esta investigação nos MMORPG e fora deles. A secção seguinte descreve as fontes de dados e os métodos utilizados neste estudo, para depois abordar os MMORPG como contexto de comunicação, ilustrando os desafios comunicativos, assim como as oportunidades que oferecem. Depois, descreve-se mais pormenorizadamente o conceito de posicionamento, e de que modo este pode ser aplicado ao contexto dos MMORPG, recorrendo a exemplos retirados dos dados recolhidos para a investigação.

Dados e métodos

Este artigo baseia-se num inquérito realizado para o meu projeto de tese de doutoramento (Kramer: 2014), e constitui a base de outros trabalhos e artigos, como Kramer (2010; 2013a; 2013b). Seguiu-se uma abordagem prática, que incluiu um estudo ativo da comunidade de fala dos jogadores MMORPG. Assim, os dados foram recolhidos nos MMORPG, no decorrer do jogo (doravante, “no jogo”) e junto de jogadores, sendo as- sim constituídos por dados qualitativos em forma de um corpus compilado pela própria investigadora, bem como por dados obtidos a partir de um inquérito. As fontes de dados complementam-se e permitem a reavaliação dos resultados no outro conjunto de dados. Deverá referir-se, nesta fase, que, no presente estudo, me limito a comunicação baseada em texto. Apesar do recurso comum a conversas VoIP (voz sobre IP), ou seja comunicar utilizando auscultadores, defendo que a comunicação escrita ainda predomina nos casos de jogos casuais, em jogos em grupos aleatórios e no contacto com estranhos. Utilizou-se três fontes de dados ou métodos para investigar a comunicação em MMOR- PG: um corpus de linguagem compilado pela autora, um inquérito online e introspeção.

Em primeiro lugar, o inquérito proporciona dados quantitativos, eliciados, recolhidos em forma de um inquérito online. O inquérito online foi um inquérito selecionado pela própria, pelo que não foi aplicada qualquer amostragem artificial ao mesmo. Consistiu em 50 questões constituídas por três partes: perfil do jogador, comportamento de jogo e comportamento linguístico. O perfil do jogador recolheu dados gerais como sexo, idade, nacionalidade e língua materna. As questões relativamente ao comportamento de jogo sondaram os participantes relativamente ao tempo de jogo por semana, autoavaliação relativa ao seu estilo de jogo e comportamento de jogo. A parte principal do inquérito estudou o comportamento linguístico. Estas questões procuraram determinar a utilização de características de estilo e cortesia no jogo como meio de posicionamento. No total, participaram e responderam ao inquérito 324 jogadores oriundos de 42 países. Os dados recolhidos foram analisados utilizando métodos estatísticos e quantitativos. Os resultados foram associados ao conceito de posicionamento e contextualizados. Uma combinação de questões de avaliação e de perguntas abertas forneceram dados sobre a utilização e a frequência da traços estilísticos, bem como a perceção dos joga- dores relativamente à comunicação no jogo. Os resultados mostram o modo de reação dos jogadores quando confrontados com problemas no jogo, e de que modo procuram evitar potenciais atos ameaçadores da face. A aplicação do enquadramento conceptual de posicionamento permitiu expor motivações e fatores de influência que dão origem a escolhas linguísticas.

Em segundo lugar, o corpus compilado pela própria complementa o inquérito online, uma vez que fornece dados qualitativos observados. Inclui exemplos de comunicação nos MMORPG, bem como fora dos jogos. Os dados da comunicação no jogo são constituídos por ficheiros de registo de conversas. No total, foram gravadas 1 776 horas de comunicações nos jogos, sobretudo no World of Warcraft® e no Lord of the Rings Online®. Além disso, o corpus é constituído por comunicação em “message boards” oficiais dos jogos e nos websites oficiais dos jogos. Em suma, os dados recolhidos de fora do jogo totalizam 300 000 caracteres. O corpus foi analisado recorrendo a teoria fundamentada e a uma abordagem hermenêutica. Em vez de categorizar, rotular e medir traços específicos da linguagem no corpus, a utilização da linguagem e dos significados foi analisada recorrendo a enquadramentos e teorias da pragmática e ao conceito de posicionamento. Esta abordagem permitiu realizar observações específicas do contexto em determinadas situações. Contudo, o corpus permitiu, não só identificar exemplos de utilização real e contextualizada da linguagem, mas também testar hipóteses. Foi utilizado complementarmente ao inquérito, uma vez que os resultados deste podiam ser testados com recurso ao corpus e vice-versa.

Em terceiro lugar, recorreu-se à introspeção como abordagem ao estudo da linguagem dos jogadores MMORPG, o que significa que a investigadora é membro da comunidade de falantes estudada. Fazer parte da comunidade permite conhecer os trabalhos e os significados de grupo de uma comunidade de falantes. Enquanto jogadora de jogos de computador e de MMORPG, possuo conhecimentos sobre a cultura do jogadores, a história, a utilização da linguagem e a utilização e o comportamento da comunidade de fala. Adotou-se uma abordagem heurística de natureza qualitativa durante a investigação, observação e identificação da utilização da linguagem pelos jogadores. Este tipo de dados observados fornecem, não só informações relativas à utilização da linguagem na perspetiva de alguém que está por dentro, mas também exemplos autênticos da utilização real da linguagem, comparativamente a outras abordagens que utilizam exemplos artificiais.

Os três conjuntos de dados e tipos de metodologia complementam-se e ajudam a compensar lacunas existentes nos outros conjuntos. A combinação dos conjuntos de dados ajuda a tornar o panorama mais claro, mas ainda representa um caleidoscópio e não exatamente a efígie completa.

MMORPGS: contexto comunicativo e desafios

Antes de descrever o contexto comunicativo e os desafios existentes nos MMOR- PG, é necessário explicar em que consistem os MMORPG. Os MMORPG são atualmente jogos de computador extremamente populares, como o World of Warcraft®, o Lord of the Rings Online® ou o Warhammer Online®. O acrónimo significa “Massively Multiplayer Online Role-playing Games”, ou seja, jogos de interpretação online em massa para múltiplos jogadores, e descreve as principais características deste tipo de jogo. Estes jogos são jogos de interpretação (ou RPG, “role-playing games”) nos quais um grande (massivo) número de jogadores joga simultaneamente online entre si (múltiplos jogadores). Embora o nome do tipo de jogo inclua o termo interpretação, referindo-se à incorporação e ao desempenho do papel de um personagem (avatar), a dimensão da verdadeira interpretação varia de MMORPG para MMORPG e de jogador para jogador (ver Kramer, 2013b: 7).

Conforme referido na introdução, os jogadores não só jogam, como também comunicam entre si recorrendo a canais de comunicação disponíveis nos MMORPG, como canais de conversação e “message boards” oficiais colocados à disposição pelos programadores do jogo. Os canais de conversação são comparáveis a salas de conversação no jogo. Existem diversos canais de conversação, com funções específicas, à disposição dos jogadores nos MMORPG. Os canais de conversação gerais são utilizados para procurar outros jogadores com quem jogar, procurar itens para comprar, bem como vender ou anunciar a sua própria guilda. A conversa oca, sobre assuntos que nada têm que ver com o jogo, é desaconselhada nos canais de conversação. Embora os canais de conversação gerais possam ser utilizados e lidos por todos os jogadores no mesmo servidor, outros canais são mais privados, como canais de grupo, se o jogador se encontra num grupo de jogadores (grupo), ou os canais da guilda, no caso de ser membro de uma guilda (uma associação de personagens de jogadores). Os jogadores só podem ler e utilizar estes canais se estiverem no respetivo grupo ou guilda. Embora os canais de conversação sejam formas de comunicação de um para muitos, como as salas de conversação (ver Baron, 2008: 22-23), também é possível enviar mensagens em privado para um jogador, ou seja sussurrar, o que pode ser visto como uma comunicação de um para um (ver Baron, 2008: 17-18).

Fora do jogo, a maioria dos MMORPG oferece aos seus jogadores “message boards” (ou fóruns) para comunicar. Estes podem ser utilizados pelos jogadores para trocar ideias acerca do jogo ou de qualquer outro assunto no qual estejam interessados. Os “message boards” proporcionam aos jogadores uma plataforma para conversas ocas ou casuais, que são desaconselhadas nos canais de conversação no jogo.

Estes canais de comunicação constituem formas escritas de interação entre joga- dores. Como foi referido anteriormente, o único tipo de comunicação oral nos MMOR- PG é a conversação VoIP, que não foi considerada neste inquérito pelos motivos já indicados. Além disso, à exceção de um, nomeadamente os “message boards”, todos os canais de comunicação dos MMORPG são formas de comunicação síncrona, na medida em que os interlocutores estão presentes durante a conversa. As diversas características técnicas dos canais identificados oferecem aos jogadores diferentes possibilidades e desafios. Por exemplo, a privacidade da comunicação de um para um pode ser vantajosa quando um jogador não pretender prejudicar a sua reputação de jogador colocando uma questão. Contudo, o processo de recolha de informações junto de uma única pessoa, por exemplo no caso de ser localizado um determinado objetivo da missão, pode ser lento e infrutífero. A comunicação de um para muitos, como é o caso de colocar uma questão no canal de conversação geral, pode fornecer mais respostas e respostas mais rápidas do que os sussurros das pessoas em privado. Outro fator que influencia a linguagem dos jogadores é o possível lapso temporal entre a produção e a receção. As formas de comunicação assíncronas como os “message boards” não pressupõem a presença dos interlocutores durante a produção da fala, pelo que um interlocutor pode levar algum tempo a ler e a responder a uma pergunta num “message board”. Porém, mesmo no caso de formas de comunicação síncrona como a conversação, existe um certo lapso temporal em parte porque o interlocutor não sabe se a outra pessoa ainda está a escrever algo ou se já terá terminado (ver Kramer, 2014: 104-111).

Para além destas características técnicas da comunicação nos MMORPG, também há outros aspetos que afetam a forma como os jogadores comunicam entre si. Um fator crucial que influencia a linguagem utilizada nos MMORPG e na comunicação mediada por computador (CMC) em geral é a ausência de pistas paralinguísticas. Nas conversas normais face a face, as expressões faciais, os gestos e o som da voz ajudam os interlocutores a interpretar os enunciados do outro interlocutor. No entanto, nos MMORPG todos os canais de comunicação, exceto um, são formas de comunicação escrita, pelo que faltam estas pistas que ajudam a interpretar os significados. Para compensar a ausência destas pistas paralinguísticas, os jogadores utilizam traços estilísticos como smileys como forma de acrescentar sentido às suas conversas escritas (ver Dittmann, 2001: 72).

Existe outra característica comunicativa dos MMORPG que leva a oportunidades e desafios, nomeadamente o facto de, para muitos jogadores, o inglês se ter tornado a lingua franca no jogo. Um dos motivos para este facto é a configuração técnica destes jogos. Os MMORPG estão separados em servidores regionais, com base na região onde se encontra o jogador e nos servidores relativos da língua respetiva. Os jogadores têm de jogar nos servidores fornecidos para a sua região que, na maior parte dos casos, são as seguintes: Estados Unidos, Europa, Ásia e Pacífico. Os servidores relativos à língua dizem respeito à língua dominante utilizada no servidor respetivo, pelo que se espera a utilização da língua do servidor nos canais der conversação, e o suporte encontra-se disponível apenas nessa língua. Normalmente, são colocados à disposição dos jogadores servidores em inglês, alemão, francês e espanhol. O World of Warcraft® possui, além destes, servidores em italiano e russo. Segundo o estudo, os 324 jogadores participantes são provenientes de 42 países e de uma vasta gama de línguas. São falantes nativos de 36 línguas diferentes, sendo 31 línguas indicadas por eles como sendo faladas enquanto língua estrangeira ou como segunda língua. Não é novidade que nenhum jogo poderá oferecer um servidor relativo à língua para cada língua, pelo que muitos jogadores são obrigados a jogar nos servidores do inglês. De acordo com os meus dados, 291 (89,8%) dos 324 jogadores jogam em servidores de língua inglesa. Porém, apenas 126 (39%) se consideram falantes nativos de inglês, pelo que a maioria dos jogadores nos servidores de língua inglesa são falantes não nativos de inglês, não obstante utilizarem inglês para jogar e comunicar entre si. A predominância do inglês como língua estrangeira mais falada (197) entre os jogadores, juntamente com o facto de 291 jogadores jogarem em servidores de língua inglesa, permite concluir que o inglês é utilizado como lingua franca por muitos jogadores. Note-se, contudo, que o elevado número de jogadores que falam inglês como segunda língua não permite retirar conclusões acerca da competência dos jogadores nessa mesma língua. Os participantes especificam diversos níveis de competência, que vão desde o nível inicial até à competência de falante nativo. Deverá ter-se isto em mente como um aspeto desafiante para a comunicação nos MMORPG: nem todos os jogadores demonstram uma capacidade idêntica em inglês, e, no entanto, são obrigados a usá-lo no jogo (ver Kramer, 2013a: 47-48). Embora também haja, nitidamente, guildas baseadas na língua, como, por exemplo, guildas dinamarquesas nos servidores de inglês, muitas delas possuem um enfoque que não na língua. Pretendem alcançar algo no jogo e, por conseguinte, as capacidades de jogo são mais importantes do que a partilha de uma mesma língua. Isto significa que as possíveis línguas diferentes dos jogadores são um fator de desafio, mas não decisivo para a constituição de guildas. Assim, os MMORPG e a sua configuração de comunicação proporcionam aos jogadores oportunidades, mas também desafios. Um aspeto que torna os MMORPG diferentes de outros jogos de computador atuais é a forte integração e associação de jogos sociais e cooperativos. Duas forças motrizes do jogo cooperativo nos MMORPG são os feitos e a progressão, que estão associados num círculo vicioso, uma vez que, para progredir no jogo, o jogadores tem de alcançar algo (cumprir missões), mas, para isso, tem de melhorar o seu personagem no jogo (isto é, atingir níveis mais elevados utilizando a personagem de alguém ou conquistar equipamento melhor). Além disso, a progressão no jogo pressupõe, mais tarde ou mais cedo, a ajuda de outros, pelo que os jogadores têm de cooperar e jogar em conjunto para conseguirem algo. As experiências, os desafios, o fracasso e o êxito mantêm os jogadores juntos, criam amizades e aprofundam amizades existentes nos MMORPG. Deste modo, são criadas comunidades de fala com laços fortes, o que realça, também, os aspetos sociais destes jogos. As ferramentas de comunicação fornecidas pelo jogo permitem uma interação forte e socializadora entre os jogadores. De acordo com os resultados do inquérito, o aspeto de socialização e de passar tempo com amigos e família online nos MMORPG é um aspeto importante. Obviamente, alguns jogadores são motivados mais pela conquista de algo no jogo, melhorando e aperfeiçoando os seus personagens, do que pela interpretação, explorando e criando personagens com histórias; porém, a componente social e cooperativa é uma parte de todas estas motivações do jogo. Só é possível alcançar algo nos níveis mais elevados do jogo recorrendo à ajuda de outros. Melhorar o personagem de alguém requer materiais e recursos que outros jogadores podem oferecer, e a representação é mais empolgante quando existe alguém para quem representar. Como será revelado nas secções seguintes, a cooperação no jogo tem como objetivo, não só ajudarem-se mutuamente, mas também comunicar com outros e envolver-se no processo de posicionamento interpessoal. Por sua vez, a configuração do jogo e a comunicação distintiva no mesmo influenciam a linguagem dos jogadores.

Outro fator que influencia crucialmente os jogadores e a sua língua são as situações de stress elevado. Muitos encontros no jogo são complexos, exigem muita atenção, são demorados e provocam uma pressão e um stress enorme nos jogadores. Os jogadores têm de ser capazes de funcionar em multitarefa e de processar diversos contributos diferentes sincronamente, o que também influencia os seus estilos de jogo e a sua língua. Muitas vezes, é uma questão de vida ou de morte no jogo, pelo que não existe muito tempo para explicações rebuscadas. Escrever inc para dar sinal de entrada e, assim, avisar os outros jogadores relativamente a um ataque ou perigo iminente é, de longe, mais rápido do que escrever “Cuidado! Estão a chegar inimigos!” Isto também está relacionado com aquilo que Huizinga (1938: 27-30) descreve como santa seriedade. Os jogos suscitam nos jogadores emoções fortes como simpatia ou excesso de alegria, mas também sinceridade acerca do resultado. Para os jogadores, não é apenas um jogo, mas um assunto sério. É por isso que as situações de grande stress, bem como o desejo de progressão e conquista, são tratados pelos participantes com tanta seriedade, e influenciam significativamente a sua linguagem.

Um último fator que deve ser referido relativamente à linguagem nos MMORPG, embora não seja necessariamente aplicável a todos os jogadores, é o aspeto da interpretação. Paradoxalmente, embora os MMORPG incluam o termo interpretação no seu nome, a interpretação não é obrigatória. No entanto, é um aspeto que pode influenciar as escolhas linguísticas e conduzir à omissão intencional de traços estilísticos, como smileys, pois podem ser reprovados por intérpretes mais rígidos. Simultaneamente, também podem levar os jogadores a recorrer a estratégias de cortesia ou de indelicadeza e de posicionamento específicas, porque fazem parte do personagem interpretado. Segundo o inquérito, algumas classes estão predestinadas a certo tipo de comportamento. Por exemplo, os sacerdotes são, muitas vezes, interpretados como excessivamente educados, enquanto os ladinos e os cavaleiros da morte são, normalmente, mal educados ou indelicados. Outros exemplos da linguagem utilizada na interpretação incluem a utilização de determinados registos ou dialetos e sotaques.

Os jogadores defrontam-se com diversos desafios comunicativos nos MMORPG. A configuração técnica destes jogos, com a oferta de diversos canais de comunicação aos jogadores, oferece diferentes oportunidades, como diferenças entre o tempo de produção e o tempo de receção (comunicação assíncrona/síncrona) e o fator de direcionalidade (comunicação de um para um/um para muitos). O meio escrito, com a ausência de pistas paralinguísticas, bem como o facto de alguns jogadores utilizarem o inglês como lingua franca são obstáculos adicionais que é necessário ultrapassar. No entanto, a forma dos MMORPG exige que os jogadores cooperem, joguem em conjunto e, por conseguinte, comuniquem entre si para atingirem objetivos. Estes tornam-se consistentes com as motivações dos jogadores, nomeadamente progressão, alcance dos objetivos, socialização, interpretação e exploração. Todos estes aspetos influenciam a linguagem dos jogadores. O conceito de posicionamento que se segue procura descrever de que modo os diversos fatores de influência motivam escolhas linguísticas adotadas pelos jogadores.

Teoria do posicionamento

O conceito de posicionamento é, à partida, fácil de explicar. Relembrando a definição fornecida na introdução, sempre que falamos uns com os outros, assumimos uma posição na conversa em questão, que é como quem diz um lugar no espaço social. Mas enquanto o termo teoria de posicionamento é normalmente utilizado na psicologia, o conceito enquanto tal não é desconhecido de outras ciências e disciplinas. A noção de territorialidade e negociação, que está estreitamente associada à teoria do posicionamento, é comum a diversas abordagens. Terkourafi (2008) defende que existe uma fundamentação biológica do conceito de posicionamento, nomeadamente os dois polos de aproximação e retirada. Todos os organismos, incluindo as bactérias, possuem reações profundamente enraizadas de aproximação e retirada. Ao aproximarmo-nos de outra forma de vida, temos de baixar a guarda e correr o risco de nos magoarmos. Ao retirarmo-nos e ao optarmos pela segurança, em vez do risco, perdemos uma possível oportunidade de comida, reprodução ou interação.

É possível observar uma dicotomia semelhante no conceito de face, conforme descrito, entre outros, por Goffman (1967: 5) e aperfeiçoado por Brown e Levinson (2009). A face positiva consiste no nosso desejo de sermos aceites e apreciados, e, por conseguinte, abordados. A face negativa consiste no nosso desejo de independência e de não querermos que se imponham a nós, daí a retirada. Scollon e Scollon (2001: 46-51), bem como Locher (2004: 55), referem-se a estes dois lados da face como envolvimento e in- dependência, e assinalam o paradoxo do conceito, uma vez que não é possível combinar completamente os dois lados da face em simultâneo. Widdowson (1984: 85) descreve um contraste semelhante, designando os dois termos imperativo territorial e imperativo cooperativo. De modo idêntico, a noção de Goffman (1967: 5-45; 47-95) de processos de figuração e conduta e de deferência pode ser vista como um tratamento do conceito de aproximação e retirada que constitui a fundamentação básica do posicionamento. O autor refere o possível risco de pôr em perigo a nossa própria privacidade e o nosso território ao interagir com outros: “[e]xiste um contraste inevitável entre mostrar o desejo de incluir um indivíduo e mostrar respeito pela sua privacidade”. (Goffman, 1967: 76).

Como referiu Durkheim (citado em Goffman, 1967: 73): “[a] personalidade humana é algo sagrado; ninguém ousa violar ou infringir os seus limites, ao mesmo tempo que o maior bem é a comunhão com outros”. Isto significa que, por um lado, os humanos pretendem ser independentes no seu próprio território e ter privacidade. Por outro lado, desejam a proximidade, o envolvimento e a cooperação com outros.

Estas dicotomias proporcionam as necessidades humanas essenciais que estão na base do conceito de posicionamento. Mas o que é uma posição?

“Uma posição é um lugar no espaço social relativamente a terceiros, assumido pelo próprio ou indicado por outrem, alcançado através do posicionamento como forma de suscitar determinados efeitos perlocucionários no(s) interlocutor(es). O posicionamento é um processo discursivo dinâmico, relacional e ativo constituído por complexas e múltiplas camadas de significados e posições realizadas num ou mais atos comunicativos simultâneos (linguagem, pistas extralinguísticas como gestos e expressões faciais e formas simbólicas). O processo exige que os interlocutores cooperem e negoceiem significados e posições no contexto da situação, sequência, género e espaço social que acrescem às biografias e experiências pessoais dos falantes que influenciam as suas conversas subsequentes”. (Kramer, 2014: 190).

Isto significa que o posicionamento é um processo dinâmico sem fronteiras bem delineadas. Como acontece com a dança, o posicionamento significa que uma ação de um falante leva a uma reação no interlocutor que origina, novamente, uma reação no falante. Estas ações podem ser constituídas por diversas manobras de posicionamento adotadas simultaneamente, como a utilização de determinada língua (por exemplo, escolha de palavras, estruturas gramaticais, sotaque, etc.) ou pistas extralinguísticas como gestos, um olhar ou símbolos. Além disso, um falante pode, não só assumir ele mesmo uma posição, mas também atribui-la ao interlocutor. A acusação pode atribuir a posição de testemunha e, deste modo, determinados comportamentos e convenções de comunicação; por exemplo, uma testemunha não deverá colocar questões, mas sim responder às mesmas. Do mesmo modo, o líder do raid no jogo atribui determinadas posições e comportamentos associados aos mesmos, por exemplo a posição de curandeiro. Um curandeiro deverá supostamente curar e não gerir danos. Um dos aspetos mais importantes do posicionamento é o contexto que permite ao falante interpretar e negociar os significados dos enunciados. Mas uma vez que a comunicação – e, por conseguinte, o posicionamento – é um processo dinâmico, trata-se de um trabalho conjunto que requer a cooperação dos falantes no quadro dos dois polos (aproximação e retirada) ou faces (face positiva e negativa/envolvimento e independência) (ver Kramer, 2014: 182-190).

Na próxima secção, mostro de que modo esta abordagem pode ser aplicada aos MMORPG que privam os jogadores de características disponíveis na comunicação face a face, como o som ou a voz, gestos e expressões faciais.

Posicionamento nos MMORPG

À primeira vista, a comunicação nos MMORPG e na comunicação online pode parecer deteriorada, com a sua aparente ortografia errada, utilização não convencional de caracteres do teclado e acrónimos, ou inexistência de características que transmitem in- formações adicionais na comunicação, como pistas extralinguísticas. No entanto, não é o caso. A abordagem da linguagem utilizada nos MMORPG recorrendo à teoria de posicionamento mostra que a base da comunicação no jogo e fora dele é muito semelhante, como mostra esta secção. Já ilustrei no primeiro exemplo da introdução de que modo os jogadores dos MMORPG utilizam características como acrónimos e neologismos para satisfazer as suas necessidades.

Exemplo (1)

LFG SoO normal 2DD and tank

Conforme referido anteriormente, aqui um jogador procura um grupo (LFG), em particular dois “damage dealers” (DD) e um tanque, para o raid Siege of Orgrimmar (SoO) em modo normal. É, decididamente, uma frase longa e complexa, quando comparada com a forma de acrónimo, pelo que a utilização de acrónimos satisfaz o desejo de eficiência dos jogadores, como sustentam os resultados do inquérito, que mostram que os acrónimos são a forma preferida de pedir ajuda nos MMORPG. 79% (257 dos 324 jogadores) classificam sequências LFG em forma de acrónimo como sendo adequadas, e apenas 11% como sendo inadequadas.

Os acrónimos não só aceleram a conversa, alimentado assim a luta pela eficiência do jogador, mas também podem ser vistos como marcadores de grupo e como manobras de posicionamento, na medida em que permitem aos jogadores posicionarem-se ativamente como parte da comunidade dos jogadores e aproximarem-se do território de outros jogadores. Se um jogador não souber o que é um tanque, ficará exposto como iniciante, um novato no jogo, não sendo, claramente, integrado para implementar uma tarefa tão exigente. Assim, marcadores de grupo como acrónimos e neologismos permitem aos jogadores separar o trigo do joio, os pro-gamers (jogadores profissionais) dos iniciantes. Contudo, isto também significa que a descodificação, a leitura e a com- preensão de acrónimos e neologismos com vista ao posicionamento como jogador na comunidade não é suficiente; antes, é necessária uma utilização ativa destas características. Assim, ao pedir ajuda, utilizar determinados acrónimos e termos da comunidade permite ao jogador apresentar-se abertamente como pro-gamer, em comparação com o iniciante. Naturalmente, outros jogadores estarão mais predispostos a ajudar um joga- dor que sabe em que direção sopram os ventos do que um novato que, provavelmente, necessitará de explicações adicionais durante a missão.

Além disso, as sequências LFG podem ser vistas como esquemas convencionalizados. As convenções e os rituais constituem estruturas fundamentais de interação, uma vez que organizam o curso das ações, mas também categorizam as ações adequadas e aquelas que são inadequadas. Acresce o facto de fornecerem ao falante percursos seguros através das interações. As sequências LFG oferecem segurança aos jogadores, na medida em que o objetivo preciso da missão é explicitado identificando os jogadores de “dungeon” ou raid reunidos. Isto também significa que é fixado um fim para a tarefa; se a SoO terminar, o grupo desmantela-se. Adicionalmente, a sequência LFG afirma aquilo que se espera dos jogadores: é necessário um tanque e dois “damage dealers”, e não um curandeiro. Por conseguinte, as sequências LFG combinam uma estrutura clara, transmissão de informações, posicionamento como parte do grupo e eficiência (ver Kramer, 2014: 151-153).

Outro bom exemplo de posicionamento no jogo através das características estilísticas são smileys ou ícones emotivos. Segundo Crystal (2004: 38-39), um smiley é “uma combinação sequencial de caracteres do teclado concebida para transmitir as emoções associadas a uma determinada expressão facial”. Os smileys são comummente conhecidos e utilizados, não só na comunicação MMORPG, mas também fora da Internet. Os participantes do inquérito afirmam que utilizam smileys sobretudo ao sussurrar ou trocar mensagens com os amigos (46% regularmente, 26% sempre, 16% ocasional- mente, 8% com pouca frequência, 3% nunca, 1% sem resposta à questão). Com base nos resultados, poderia dizer-se que, quanto menos familiar for uma situação, menor será a quantidade de smileys utilizados pelos jogadores. Como as expressões faciais, os smileys veiculam informações e cumprem diversas funções que ajudam a fazer o posicionamento na conversa, como também a permitir a interpretação de enunciados e posições dos interlocutores. Por exemplo, os smileys podem desempenhar a função de canal de acesso: ao utilizá-los, o falante pode mostrar atenção ao interlocutor e incentivá-lo a continuar na sua conversa. Adicionalmente, podem ser utilizados para transmitir aproximação e proximidade através de simpatia e compaixão, como também retirada e distância através da antipatia.

As funções dos smileys ou as possíveis razões da sua utilização por falantes, nomeadamente criatividade, eficiência, compensação da ausência de características extra- linguísticas e veiculação de informações adicionais também proporcionam informações relativamente à sua utilização como meio de posicionamento. O exemplo que se segue mostra de que modo os smileys são utilizados como estratégia de posicionamento nos MMORPG:

Exemplo (2)

(: so one last chance where you either do what we say or I’ll kick you out, I’m afraid S:

Aqui, um jogador avisa outro jogador que provocou a morte de todos os membros do grupo (“wipe”) devido a um erro de principiante que será expulso do grupo (“kicked”) se não melhorar. A utilização do smiley positivo (: mitiga o comentário duro. O segundo smiley S: veicula os sentimentos contraditórios do falante, para não falar de uma certa confusão provocada pela negligência do outro jogador. O jogador posiciona-se clara- mente nesta conversa como líder do grupo, que está ao comando e que também é responsável pelo sucesso da empreitada. Simultaneamente, o jogador evoca proximidade e, inclusivamente, demonstra um mínimo de simpatia pelo outro jogador, utilizando um smiley positivo e mitigando o efeito negativo do aviso. A simpatia é qualificada pela utilização de um smiley que retrata confusão e desconforto. Embora o falante reclame uma posição próxima do outro jogador, demonstrando, em certa medida, alguma simpatia, também se posiciona claramente de uma forma que mostra reprovação e desconforto (ver Kramer, 2014: 221-222). Os resultados do inquérito mostram que os smileys são comummente utilizados como meios de atenuação em situações difíceis, como “wipes” ou discussões. Geralmente, pode dizer-se que os jogadores reagem mais positivamente a pedidos quando se utiliza smileys e têm conhecimento do facto; por conseguinte, utilizam smileys para o efeito.

Outra função ilustrativa no que diz respeito ao posicionamento é o “leet” (1337). “Leet” deriva de “elite” e refere-se a um código no qual número e símbolos substituem letras, de modo a representá-las visualmente. Assim, a transcrição de “leet” é 1337. O “leet” está intimamente associado à individualidade e à criatividade, uma vez que cabe ao falante decidir que letras substituir por que símbolo ou número. Obviamente, o “leet” não torna a comunicação mais rápida ou mais eficiente, pelo que também não serve o desejo de eficiência e perfeição, mas antes o desejo de ser criativo e diferente.

Exemplo (3)

How me get c00l gr33n n4m3 on ze forums liek you ? O.o [sic]

No exemplo transcrito, o e é substituído por três, o por zero e a por quatro. Além disso, as palavras the e like são intencionalmente escritas com erros ortográficos, que é uma característica comum do “leet”. O exemplo mostra que o “leet” é utilizado de forma divertida e criativa, mas também como provocação ou ironia. Para além da criatividade e da individualidade, a criação de um código de quem está por dentro é um motivo para utilizar “leet”. Assim, quando se trata de posicionamento, poderia dizer-se que os jogadores utilizam o “leet” para se posicionarem na comunidade de jogadores. Contudo, existe um problema nesta afirmação. Embora o “leet” exista nitidamente e seja muitas vezes retratado como marcador estereotípico da comunidade, por exemplo em machinimas (filmes criados por jogadores no jogo) ou na cultura popular, bem como em artigos de merchandise, os resultados do meu inquérito mostram que é raramente utilizado por jogadores. Uma média de 66% dos jogadores afirma não utilizar “leet” de forma alguma. A discrepância entre a perceção do público em geral, que considera o “leet” um marcador da cultura dos jogos, e os resultados do inquérito poderia ser explicada pela conotação negativa do “leet” na comunidade dos jogadores. O “leet” é, muitas vezes, visto como sendo infantil e imaturo, o os jogadores que o utilizam são demonizados como miúdos do “leet”. Porém, os jogadores utilizam o “leet” de vez em quando ou compram merchandise com “leet” impresso. O “leet” pode, assim, ser visto como uma característica estilística muito especial, no que diz respeito ao posicionamento. Por um lado, o “leet” posiciona um jogador como membro do grupo e como pessoa criativa e divertida, e, por outro lado, coloca o jogador numa posição estranha, conotada com infantilidade e imaturidade (ver Kramer, 2013b: 12). Na linha desta argumentação, poderia dizer-se que, no caso de um jogador utilizar “leet”, trata-se de uma escolha linguística consciente. O falante adota ativamente uma determinada posição numa comunidade, ou ao falar com pessoas que não são jogadores, e, por conseguinte, que se encontram fora da sua comunidade. Trata-se de uma declaração clara de afiliação e de individualidade, que pode ser utilizada como provocação.

Os exemplos fornecidos até ao momento foram simples e permitiram determinar facilmente manobras de posicionamento. Em muitos casos, é difícil identificar as manobras de posicionamento ou separar as estratégias, seguindo o enquadramento das estratégias de reparação de cortesia de Brown e Levinson (2009). O motivo principal deste facto é que os falantes não utilizam apenas uma única estratégia num enunciado, mas várias estratégias em simultâneo; misturam as estratégias de posicionamento e utilizam diversas manobras de posicionamento num enunciado. O exemplo que se segue ilustra este aspeto:

Exemplo (4)

Hmmm (insert name here ^^)..do you think we could try it again a little better next time dear? Its not really your fault but its a little annoying :) [sic]

A situação é idêntica à do segundo exemplo: um jogador de um grupo de jogadores provoca a morte de todos os membros do grupo devido a um erro de principiante, mas recusa-se a receber conselhos. O participante dirige-se à face negativa da outra pessoa, perguntando-lhe se poderia fazer melhor. Procura-se a cooperação do outro jogador, e tenta-se envolvê-lo na resolução do problema através de um nós inclusivo. Trata-se de uma tentativa do jogador para preservar a liberdade do outro jogador de decidir e agir. “Em vez de dar ordens à outra pessoa e, assim, fazer imposições ao jogador, a reparação do enunciado como pedido e a atenuação das emoções negativas através de palavras como little (um pouco) mitiga o [ato ameaçador da face]” (Kramer, 2013b: 16). Estas expressões, identificadas como paliativos e minimizadores por House e Kasper (1981), “modulam o impacto do enunciado do falante” (Watts, 2003: 183). Simultaneamente, a utilização de estratégias de reparação positivas reclama um terreno comum, por exemplo chamando ao outro jogador dear (meu caro). Obviamente, o jogador também recorre a um tom irónico para manipular o outro jogador, em certa medida, desafiando-o a melhorar a sua prestação. Além disso, a utilização de um smiley positivo atenua as emoções negativas provocadas pelo enunciado. Assim, o jogador recorre a diversas camadas e manobras de posicionamento com o intuito de interagir com o outro jogador, de modo a induzi-lo a seguir os conselhos apresentados. O jogador executa um ato de equilíbrio entre aproximar-se do outro jogador e afastar-se dele.

Quando questionada relativamente às suas estratégias de cortesia nessas situações, a maioria dos participantes respondeu que as respostas são melhores quando são corteses. Diversos participantes afirmam que utilizar linguagem educada em situações difíceis como “wipes” pode ser útil para, como afirma um participante, “dar-lhe a volta”, fazer-lhe compreender o erro e seguir o conselho dado. Não é aquilo que se diz mas a forma como se diz. Um comportamento indelicado pode fazer com que o outro jogador saia, deixando o grupo com menos um membro, e faça o grupo abrandar ou impeça o êxito da empreitada. Assim, a cortesia é utilizada como meio de posicionamento para jogar em conjunto com êxito e atingir objetivos (ver Kramer, 2014: 300).

Os jogadores utilizam diversos recursos, como os descritos na secção anterior, smileys, “leet2, neologismos e acrónimos. As suas escolhas são influenciadas pelas considerações do canal, pela comunidade, pelo contexto e pelas suas convenções. Aquilo que os jogadores esperam dos outros jogadores, para além de como lidar com alguém que não se adapta aos esquemas da comunidade, é ilustrado pelo exemplo do “wipe”. É surpreendente observar que as estratégias e as manobras de posicionamento dos jogadores numa situação do género, para além dos conceitos subjacentes que as influenciam (por exemplo, a eficiência e a empatia) são extraordinariamente semelhantes aos do mundo real, fora do jogo, o que não é surpreendente, tendo em conta que os jogadores são falantes; são os mesmos humanos que fora do jogo. Possuem as mesmas necessidades, como o desejo de cooperação, proximidade e apreço, mas também o desejo de liberdade, distância e segurança. Além disso, pretendem alcançar algo através dos seus enunciados, como qualquer ser humano.

Conclusão

Este artigo demonstra os inúmeros desafios com que os jogadores se defrontam no jogo, bem como as motivações e os desejos que os induzem. Os jogadores são confrontados com os desafios técnicos destes jogos e com os seus contextos comunicativos. Além disso, os objetivos e as motivações dos jogadores influenciam a sua linguagem, por exemplo a necessidade e o desejo de ser eficiente e rápido, de modo a salvar vidas no jogo e alcançar algo, mas também para mostrar os seus conhecimentos do código do grupo e o seu envolvimento com a comunidade. A progressão, a concretização e a socialização estão diretamente relacionadas com a cooperação no jogo e, por conseguinte, também com a interação. Para jogar MMORPG, será necessário interagir e cooperar com outros jogadores e, desse modo, os jogadores alteram a linguagem de acordo com as suas necessidades.

Embora a comunicação nos MMORPG pareça diferente e estranha, comparativa- mente à comunicação fora do jogo, na realidade são muito semelhantes. O posicionamento, por exemplo, parece ser semelhante no jogo e na vida real. Os meios e as ferramentas de comunicação podem parecer, à primeira vista, completamente diferentes da situação fora do jogo, como, por exemplo, os smileys, os acrónimos e o “leet”, mas cumprem as mesmas funções que outros meios de comunicação fora dos MMORPG. Os smileys não só compensam a falta de pistas paralinguísticas, como transmitem significados adicionais, tal como acontece com as expressões faciais, que podem ser utilizadas como canal de acesso ou fonte de informações adicional.

E porquê? A minha resposta a esta pergunta é que os conceitos, as motivações e as necessidades subjacentes dos falantes são idênticas. No fundo, os jogadores são falantes, os mesmos falantes que no mundo exterior ao jogo, e possuem as mesmas necessidades. Pretendem ser apreciados e parte de uma comunidade simultaneamente independente e livre. Um ato de equilíbrio que os seres humanos satisfazem em cada uma das conversas em que participam, seja no jogo, seja fora dele. Note-se, no entanto, que o desejo de individualidade pessoal e de independência assume um lugar secundário nos MMORPG, de modo a deixar espaço para outros desejos mais prevalentes no jogo. A subordinação do nosso próprio desejo de independência à cooperação acelera a concretização e a progressão. Em vez de insistir na sua própria individualidade, também na comunicação, observando as convenções, os significados no grupo e o comportamento cooperativo geral conduzem a um jogo de sucesso. Pode ser uma sensação exclusiva e gratificante para a pessoa jogar como curandeiro que salta para a frente para combater e que utiliza linguagem complexa para se exprimir. No entanto, isso não se coaduna às convenções do jogo, nem contribui com êxito para o jogo conjunto. Nitidamente, a comunicação é um processo constante de negociação e de equilíbrio entre ser apreciado e independente. No entanto, o jogo cooperativo é de suma importância nos MMORPG, pelo que temos de nos retirar para melhorar a experiência do jogo e as hipóteses de êxito. De modo a executar estes atos de equilíbrio, os jogadores necessitam de utilizar todas as suas faculdades linguísticas e o seu arsenal de estratégias de interação. Não existem fronteiras bem delineadas entre o mundo do jogo e a vida real, pelo que os MMORPG podem fornecer-nos informações sobre o modo como as motivações como a realização influenciam a nossa linguagem em geral.

 

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Nota biográfica

Birgit Swoboda (Kramer, de nascença) é antiga aluna do departamento de Estudos Ingleses da Universidade de Viena. É licenciada em história e doutorada em linguística inglesa. Encontra-se atualmente em licença de maternidade, mas prossegue a sua investigação como investigadora freelance. Os seus interesses de investigação são comunicação mediada por computador, linguagem da net, mudança linguística, teoria de cortesia e estudos de jogos de computador, nomeadamente MMORPG.

E-mail: birgit.kramer@gmail.com

Siemensstr. 14/4/31, 1210 Viena, Áustria

 

* Submetido: 30-11-2014

* Aceite: 15-3-2015

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