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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.25  Braga jun. 2014

https://doi.org/10.17231/comsoc.25(2014).1877 

DA PUBLICIDADE À PROPAGANDA

Agendamento em publicidade: compreender os dilemas éticos de um ponto de vista comunicativo

 

Setting the agenda in advertising: understanding ethical dilemmas from a communicative perspective

 

 

Marius-Adrian Hazaparu*

*Departamento de Jornalismo e Ciências da Comunicação, Facultatea de Litere ‘Alexandru Ioan Cuza', Universidade de Iasi, Roménia.

adihazaparu@yahoo.com

 

 

RESUMO

Este artigo discute o conceito da ética na publicidade, em particular no caso de uma controversa campanha de publireportagens sobre um grande projeto mineiro em Rosia Montana, uma região histórica da Roménia. Com base na teoria do agendamento (Shaw & McCombs, 1977) e no modelo tripolar das agendas (Watson, 2008), a análise substitui as excessivamente simplificadoras abordagens à ética da publicidade por uma perspetiva comunicativa que realça a necessidade de uma análise contextual dos dilemas éticos levantados pelas práticas de publireportagem. O estudo revela que a ética não se refere apenas às normas sólidas e indiscutíveis que têm que ser respeitadas pelos profissionais da área, nem aos veredictos morais bem definidos ditados por filósofos ou especialistas em ética, mas também ao estudo de determinações contextuais que conduzem a escolhas éticas de publicitários, com base nas interações entre três agendas interessadas – corporativa, política e dos media –, numa tentativa de dominar a agenda pública.

Palavras-chave: Publicidade; comunicação; agendamento; dilemas éticos.

 

ABSTRACT

This article discusses the concept of advertising ethics in the particular case of a contro- versial advertorial campaign for a major mining project in Ros¸ia Montana?, a historical region of Romania. Based on the on the agenda-setting theory (Shaw & McCombs, 1977) and on the tripolar model of agendas (Watson, 2008), the analysis replaces the oversimplifying approaches to the ethics of advertising with a communicative perspective that highlights the need for a contextual examination of the ethical dilemmas arisen by advertorial practices. The study reveals that ethics is not only about solid and undisputable norms to be respected by professionals in the field or about ‘black and white' moral verdicts given by ethicists or philosophers, but also about the study of contextual determinations that lead to ethical choices made by advertisers, based on the interactions between three interested agendas – corporate, policy, and media – in an attempt to rule over the public agenda.

Keywords: Advertising; communication; agenda-setting; ethical dilemmas.

 

 

Introdução

Quando se trata de publicidade, aquilo que as pessoas esperam, em termos de comportamento profissional, é encoberto por alguns princípios que se referem à justiça, à honestidade, à verdade e à sinceridade nas suas práticas. Em certa medida, estes princípios são considerados obrigações morais que os especialistas em publicidade têm que respeitar para corresponder aos padrões éticos e profissionais, e suscitar uma comunicação transparente com os recetores das suas mensagens. Uma vez que a publicidade – devido à sua natureza generalizada e persuasiva – é considerada uma das mais fortes formas de comunicação (Pollay, 1986), encontra-se, muitas vezes, associada a regras que têm como objetivo tornar as empresas de publicidade socialmente responsáveis, e, por conseguinte, fazê-las rever, retificar e, inclusivamente, autocensurar as mensagens consideradas prejudiciais para a sociedade. É por isso que, em geral, atualmente a "maioria dos publicitários se esforça por manter padrões de ética justos e por praticar publicidade socialmente responsável", e aquilo que foi outrora "uma área livre e descontrolada", é, agora, "uma profissão fortemente avaliada e altamente regulada" (Arens et al., 2009: 40). No entanto, apesar de toda a legislação e de toda a regulamentação implementada pelos organismos reguladores, o debate em torno da ética da publicidade ainda é uma preocupação constante nas sociedades contemporâneas. A perceção geral é que a publicidade, enquanto forma de comunicação comercial, é inerentemente ludibriante, seguindo um interesse particular, por oposição àquilo que poderia ser - e normalmente é - considerado interesse público. Diversas opiniões transmitidas ao longo do tempo sobre a ética da publicidade indiciavam uma incompatibilidade irreconciliável – ou, nas palavras de Beltramini, "o grande paradoxo" (Beltramini, 2003) – entre a forma subjetiva como os produtos são publicitados e a forma como são objetivamente analisados.

As duas vertentes contraditórias do mesmo conceito são mais óbvias na polarização das perspetivas dos especialistas, que se dividem entre defensores e críticos deste componente altamente importante do marketing, com um impacto significativo na economia e na sociedade. A maioria daqueles que defendem a publicidade vê, frequentemente, esta área de um ponto de vista capitalista, afirmando que a publicidade estimula a concorrência entre empresas, mantém os consumidores informados, oferecendo-lhes a capacidade de escolher de forma inteligente entre uma série de produtos e serviços anunciados, e, em países onde os consumidores possuem rendimentos elevados, poderá incentivar a inovação e o desenvolvimento de novos produtos. No geral, "a publicidade estimula uma economia saudável. Também ajuda a criar consumidores financeiramente saudáveis, mais informados, mais bem-educados e mais exigentes" (Arens et al., 2009: 33). Esta é, em suma, uma situação de "copo meio cheio" e de "copo meio vazio", aplicada à publicidade. A situação de "copo meio vazio", segundo a mesma abordagem capitalista, indica que a publicidade, não só origina mais custos, que são acrescentados ao preço do produto (de modo a cobrir os custos de publicidade), mas também que a questão não reside apenas na diversidade de informação que permite aos consumidores fazer escolhas de forma inteligente; antes, a questão reside nos diferentes slogans e mensagens assentes em fórmulas preconcebidas que levam os consumidores a tomar decisões emocionais (e não racionais). A crítica publicitária aborda, muitas vezes, referências à criação de falsas expectativas, distorção, ludibrio e a natureza tendenciosa e enganadora das suas mensagens. Outras discussões poderiam juntar-se a estas duas perspetivas de análise polarizadas. Estas referem-se à moralidade da publicidade e à mistificação da verdade, quer numa perspetiva filosófica, quer numa perspetiva profissional (Levitt, 1970; Gustafson, 2001; Bivins, 2009), ao seu impacto nos hábitos de consumo (Gustafson, 2001), ou, de um ponto de vista ético, nas suas distorções, rotações, exageros e natureza manipulativa (Phillips, 1997; Shabbir & Thwaites, 2007). A discussão destas questões revela-se um jogo perpétuo de desacordo entre aqueles que demonizam a publicidade, por um lado, e aqueles que a glorificam, por outro.

Metodologia e enquadramento teórico

Este artigo irá procurar evitar a perigosa abordagem dualista descrita anteriormente. Por sua vez, procurará abordar a publicidade e a sua ética numa perspetiva comunicativa, com base na premissa de que a publicidade não é um tipo de comunicação bidirecional linear (das equipas de RP e publicidade das empresas em direção aos consumidores), mas um processo complexo, interativo e multifacetado, que necessita do contributo de muitos outros atores (organizações, cidadãos, média, sociedade civil, instituições regulamentares, etc.) para chegar ao "aspeto" final do produto de publireportagem. Apenas o mero facto de existir um número crescente de organismos de regulação a tentar delimitar o setor da publicidade constitui um forte indício da sua natureza interativa e da sua complexidade. Por conseguinte, a sua redução a perspetivas moralistas ou a pontos de vista extremistas que colocam a ênfase na bondade ou na maldade da publicidade evidencia uma compreensão redutora da natureza multidimensional da publicidade.

No sentido de estudar a premissa referida acima, em vez de uma abordagem extensiva à ética da publicidade, este estudo aplica uma abordagem intensiva. Como explica Swanborn, "numa abordagem extensiva recolhemos informações acerca das propriedades relevantes de um grande número de instâncias de um fenómeno. (…) Utilizamos um conjunto alargado de eventos, pessoas, organizações ou estados-nação para fundamentar as nossas conclusões acerca do fenómeno", e a estratégia extensiva dominante para recolher dados empíricos é o inquérito de larga escala, no qual centenas ou mesmo milhares de participantes poderão contribuir para o estudo de um fenómeno específico (Swanborn, 2010: 1-2). Segundo este mesmo autor,

"em alternativa, ao aplicar uma abordagem intensiva, um investigador concentra-se, apenas, numa instância específica do fenómeno a estudar, ou apenas num conjunto de instâncias, de modo a estudar determinado fenómeno aprofundadamente. (…) Cada uma das instâncias é estudada no seu contexto específico, e mais pormenorizadamente do que na investigação extensiva. Os dados são recolhidos utilizando várias fontes de informação, tais como porta-vozes, observações comportamentais e análise documental. (…) A cada uma das instâncias ou exemplos designa-se, normalmente, um caso. Por conseguinte, uma abordagem intensiva designa-se, geralmente, "estudo de caso" - ou estudo de vários casos, se for estudada mais de uma instância do fenómeno" (Swanborn, 2010: 2).

O caso em estudo no presente artigo é a decisão adotada em outubro de 2013 pelo Conselho Audiovisual Nacional (NAC) da Roménia, no sentido de retirar da transmissão de rádio e de TV os anúncios criados para uma controversa campanha de publireportagem destinada a promover um projeto da Rosia Montana Gold Corporation, com vista à exploração de ouro e de prata nas Montanhas Apuseni e, implicitamente, na área de Rosia Montana. Para melhor compreendermos o motivo da seleção deste fenómeno específico para estudo, forneceremos, mais adiante, neste artigo, uma breve perspetiva histórica da questão da Rosia Montana, bem como uma descrição dos pontos.

Em conformidade com a perspetiva comunicativa relativa à ética da publicidade, o enquadramento conceptual utilizado para estudar o presente caso é o modelo do agendamento dos efeitos dos media (Shaw & McCombs, 1977), o modelo do processo de agendamento de Rogers e Dearing (1988), e o modelo tripolar de agendas de Watson (2008), todos estes desenvolvidos a partir da teoria do agendamento (McCombs & Shaw, 1972). A escolha deste enquadramento teórico baseia-se na co-dependência entre a publicidade e os media, vista como setores diferentes que condicionam mutuamente o seu sucesso e a sua rentabilidade:

"Sem os media para alcançar grandes números de consumidores através de anúncios publicitários, os marketers teriam que ir de porta em porta para tentar vender os seus produtos um a um, através da venda pessoal; ou, alternativamente, os consumidores teriam que vaguear de loja em loja, questionando-se sobre qual a loja que vende o produto de que necessitam – ambas tarefas muito dispendiosas. As agências de publicidade não existiriam se não houvesse media para passar os anúncios por elas criados" (Warner, 2009: 8-9).

Além disso, a indústria da publicidade aproveita a popularidade dos media e utiliza-a para satisfazer as suas próprias necessidades, tal como os media aproveitam e utilizam o financiamento que os anunciantes estão dispostos a ceder para que os seus produtos sejam publicitados.

Os media são atrativos para as empresas e para os políticos, também, porque constituem uma forte ferramenta para influenciar o público ao qual pretendem chegar. Como sugere a teoria do agendamento,

"este impacto dos media – a capacidade de operar mudanças cognitivas entre as pessoas, de estruturar o seu pensamento – foi designado como função de agendamento da comunicação de massas. Poderá residir aqui o mais importante efeito da comunicação de massas: a sua capacidade de ordenar mentalmente e de organizar o nosso mundo por nós. Resumindo, os media podem não ter êxito a dizer-nos o que pensar, mas são extraordinariamente bem-sucedidos a dizer-nos em que pensar" (Shaw & McCombs, 1977: 5).

Simplisticamente, a agenda dos media transforma-se na agenda do público. Este modelo bipolar inicial foi criticado e considerado insatisfatório relativamente a determinar se o agendamento foi iniciado pelos media, por alguns membros do público ou por diferentes elites de uma sociedade (Watson, 2008: 152). Assim, foi posteriormente proposta uma melhoria do modelo por Rogers & Dearing, segundo a qual o agendamento é descrito como um processo interacional entre a agenda pública, a agenda dos media e a agenda política.

A agenda pública comporta as questões que são percebidas como sendo importantes para o público. Geralmente, estas questões são determinadas por sufrágios e inquéritos aplicados a algumas partes da população, mas, atualmente, as reações e as avaliações feitas pelo público nas plataformas das redes sociais também poderiam ser interpretadas como um indicador útil da configuração da agenda pública.

A agenda dos media inclui os eventos que os órgãos de comunicação decidem cobrir durante um período de tempo específico (de acordo com alguns critérios profissionais geralmente conhecidos como "relevância noticiosa"), e representa "uma lista de questões e eventos vistos num determinado ponto no tempo, ordenados hierarquicamente por importância" (Rogers & Dearing, 1988: 565). Rogers e Dearing formularam estas conclusões relativamente ao papel dos media no processo de construção das agendas: (1) "os media influenciam a agenda pública"; (2) "a agenda dos media parece exercer uma influência direta, por vezes forte, sobre a agenda política"; (3) "a agenda pública, depois de definida ou refletida na agenda dos media, influencia a agenda política" (Rogers & Dearing, 1988: 579-580).

A agenda política é a agenda que os governos e os políticos difundem, e que é, muitas vezes, induzida "por contra-agendas – a direita do partido, a esquerda do partido" (Watson, 2008: 153). Sendo profundamente influenciada por perspetivas políticas, inclui perspetivas de líderes políticos, posições adotadas por partidos políticos e o contributo de consultores, lobbies, grupos de reflexão e burocratas do governo" (Andreasen, 2006: 32).

No seu livro Media Communication, James Watson propôs uma alteração ao modelo de agendamento concebido por Rogers e Dearing, acrescentando uma quarta agenda – a agenda corporativa –, de modo a realçar a dinâmica do agendamento público. Explica:

"Para nos concentrarmos na verdadeira distribuição da influência, teríamos que acrescentar uma agenda adicional: a das corporações que dominam a vida contemporânea. As agendas corporativas funcionam, muitas vezes, juntamente, e, ocasionalmente, em concorrência com as agendas políticas do governo, procurando influenciar, senão ordenar, as agendas públicas" (Watson, 2008: 153).

Das quatro agendas, a única que não decorre de metas e objetivos conscientemente formados e articulados, é a agenda pública.

"Os governos, as corporações e os media sabem, em grande medida, aquilo que pretendem do público, e como o conseguir. Os dois primeiros também sabem que, para criar e influenciar a opinião pública, têm de o fazer através de mecanismos culturais, dos quais os media são, indubitavelmente, os mais importantes. Por outro lado, os grupos de interesses na sociedade são essenciais para influenciar a opinião pública, com vista a utilizar a força dessa opinião para influenciar o governo ou as corporações" (Watson, 2008: 154).

Uma perspetiva comunicativa da ética da publicidade. Um estudo de caso

O presente estudo de caso consiste na análise de uma decisão tomada pelo Conselho Audiovisual Nacional (NAC) da Roménia, com vista a proibir a transmissão de uma série de 11 anúncios criados para rádio e televisão para promover o início de um projeto mineiro em Rosia Montana, uma região das Montanhas Apuseni, na Roménia. A decisão do NAC (Decisão 53/15.10.2013) foi tomada depois de o Conselho ter analisado um relatório de monitorização (entre 1 de setembro e 6 de outubro de 2013) redigido pelo seu Departamento de Monitorização dos Media, e de ter recebido mais de 2000 reclamações de cidadãos de todo o país, considerando os anúncios antiéticos e enganosos. A controvérsia em torno da campanha de publireportagens está enraizada no próprio projeto mineiro – notório, não só na Roménia, mas também em toda a Europa. Nos seus 15 anos de história e no decurso de intermináveis negociações e debates a nível nacional, a Rosia Montana Gold Corporation (RMGC), a filial romena da empresa canadiana Gabriel Resources, não conseguiu obter as autorizações necessárias para construir a maior mina de ouro na Europa na aldeia de Rosia Montana, nas Montanhas Apuseni. O estado conflituoso da situação culminou, no outono passado, em protestos nas ruas, depois de o governo romeno ter proposto um projeto de lei que tinha como objetivo dar "luz verde" às explorações – e que se julgava implicar a destruição de três aldeias e quatro montanhas. O projeto de lei foi enviado ao Parlamento da Roménia para aprovação, mas foi rejeitado pelos deputados dos quatro partidos. Neste contexto tumultuoso, no dia 15 de outubro de 2013, o Conselho Audiovisual Nacional deliberou proibir a transmissão dos anúncios de promoção do projeto mineiro em Rosia Montana na rádio e na televisão, até que os seus autores os alterassem no sentido de observarem as regras e as regulamentações audiovisuais.

Com base na premissa de que a publicidade não é um tipo de comunicação bidirecional linear, mas um processo complexo, interativo e multifacetado, esta análise acrescenta uma perspetiva comunicativa à ética da publicidade, substituindo a abordagem exógena ao tema (uma abordagem normativa, "normalizada", e, por conseguinte, limitada às prescrições incluídas nos códigos e regulamentações deontológicos) por uma abordagem endógena. A abordagem endógena permite-nos analisar a publicidade e a sua ética a partir de um ponto de vista interno, mais proveitoso, e identificar a lógica discursiva e as escolhas estratégicas dos publicitários para dar forma às suas mensagens, do modo mais conveniente para a empresa cujos interesses defendem e representam.

Conforme referido na primeira parte do artigo, no caso da campanha publicitária do projeto mineiro da RMGC e da decisão subsequente de proibir a sua transmissão, esta análise baseia-se na teoria do agendamento e no modelo de agendas tripolar de Watson. De referir que uma análise deste tipo só pode ser realizada de forma adequada no caso específico dos produtos, serviços, conceitos, etc. anunciados, de tal modo que exercem um impacto (social, cultural, económica e politicamente) sobre um grupo social suficientemente grande e, desse modo, aumentam o interesse público. No âmbito da teoria do agendamento, trata-se da saliência e do enquadramento dessas publireportagens, que têm a capacidade de exercer impacto sobre as opiniões, os conhecimentos e os processos de tomada de decisão das pessoas. Essencialmente, o agendamento é um exercício de poder e de influência, que também é facilmente reconhecível na área da publicidade. Como acontece noutras formas de comunicação de massa, o agendamento implica, neste caso, não só colocar as questões numa agenda, mas também ser capaz de determinar a forma como estas questões são definidas, e identificar as soluções consideradas adequadas (Beder, 2002).

Do ponto de vista do modelo de agendas tripolar aplicado à publicidade, uma questão de ética pressuporia uma situação de conflito entre a agenda pública e a agenda dos media. Neste caso, a agenda dos media é considerada promotora de uma agenda corporativa, e a resolução do conflito reside na agenda política, definida pelo governo e pelos políticos na forma de legislação ou – dependendo da natureza e da complexidade do conflito – de iniciativas legislativas. Isto pode dar origem a "turbulências" entre as agendas de outros participantes, como, por exemplo, a agenda dos media e a agenda política, ou entre a agenda política e a agenda corporativa.

No caso específico da campanha de publireportagens do projeto mineiro da RMGC, a análise procurará documentar a forma de impacto dos jogos das três agendas (dos media, corporativa e política) na agenda pública, e as suas repercussões.

Ética do poder: agenda corporativa vs. agenda dos media

Na sociedade atual, a publicidade constitui um grande negócio, e os jornais, a rádio, a televisão e a Internet contam com a entrada de dinheiro dessa publicidade. Isto torna a publicidade uma parte fulcral dos produtos finais dos media (i.e., os jornais reservam espaço tipográfico para a publicidade, os publicitários compram o espaço publicitário na televisão e na rádio que as emissoras estejam dispostas a vender, etc.), e, consequentemente, uma parte fulcral que contribui para a composição da agenda dos media. De todos os media tradicionais, aquele que os publicitários procuram com maior frequência é a televisão, uma vez que esta representa a ferramenta de comunicação de massas mais generalizada. A televisão tem a possibilidade (e a capacidade técnica) de transferir uma questão de uma agenda individual (política ou corporativa) para a agenda pública, salientando algumas questões em detrimento de outras, ou enquadrando uma questão de uma forma específica desejada.

Geralmente, os anúncios publicitários televisivos promovem produtos ou serviços que as empresas privadas pretendem vender ao público e, nos media atuais, existe, normalmente, uma distinção clara (e regulada) entre o conteúdo editorial (artigos jornalísticos) e conteúdo de publireportagem (artigos encomendados), sobretudo porque existe uma linha deontológica que separa as duas profissões: enquanto o jornalista está orientado para a representação do interesse público, o publicitário está orientado para a representação de um interesse particular. No caso da campanha publicitária da RMCG, o que nela se destaca é a inexistência de publicidade a um produto ou serviço, como acontece normalmente na publicidade. Em vez de objetos, a campanha promove opiniões, que são divulgadas através de anúncios televisivos que podem ser designados como "anúncios de opinião". De facto, durante as discussões em torno da decisão de proibir os anúncios da RMGC, no dia 15 de outubro de 2013, Lorand Turos, um dos membros do Conselho, perguntou: "Qual é o objetivo desta campanha? É um [tipo de] anúncio interessante, que nunca tinha visto antes. A campanha não vende um produto ou um serviço. Esta empresa paga muito dinheiro para promover o quê?" Uma possível resposta poderá residir na distinção entre a forma como a realidade é transmitida na publicidade e nas relações públicas, por contraponto à forma como é construída no jornalismo: o publicitário ou o relações públicas "são orientados para alcançar uma compreensão privada da realidade de uma situação (embora isto não seja, de forma alguma, necessário), a partir da qual será comunicada uma interpretação em particular. No entanto, esta compreensão não pode ser alcançada nem comunicada publicamente; antes pelo contrário, o agente tentará impor ao público esta compreensão privada predefinida. (…) Esta forma de comunicação faz, nitidamente, parte da classe a que [o filósofo alemão Jürgen] Habermas se refere como "perlocucionária", i.e., tem como objetivo exercer um efeito em particular, independentemente de o público perceber conscientemente ou não, e muito menos aceitar, toda a realidade da situação. Não existe uma orientação para alcançar uma verdadeira compreensão, exceto se for possível alcançar uma "compreensão" que agrade ao cliente, uma vez que a verdadeira compreensão tem que ocorrer pública, aberta e dialogicamente" (Salter, 2005: 101).

As ilustrações seguintes mostram como o projeto mineiro de Rosia Montana (= a situação) é definido nos spots televisivos da campanha de publireportagem (= a compreensão privada da realidade da situação), de modo a satisfazer as necessidades do cliente e a cumprir a sua missão "perlocucionária" (= os resultados decorrentes do enquadramento privado da situação). De acordo com dados disponíveis através do relatório de monitorização do Conselho Audiovisual Nacional, correspondente ao período entre 1 de setembro de 2013 e 6 de outubro de 2013, doze estações televisivas da Roménia emitiram onze versões de spots televisivos a promover o projeto mineiro em Rosia Montana. Todos os anúncios terminam apresentando um endereço da Internet, onde os apoiantes do projeto mineiro são convidados (por um comentário em voz off) a inscrever-se em "empregos em Rosia Montana".

Vários anúncios estavam baseados na mesma estrutura narrativa, adotando uma abordagem semelhante a uma reportagem especial: utilizando palavras emocionalmente persuasivas, pessoas de diferentes estratos sociais – residentes em Rosia Montana – descrevem a realidade socioeconómica da aldeia, destacando a pressão da pobreza e da tristeza. Seguindo a estrutura da reportagem arquetípica de Vladimir Propp, que inclui a existência de um sujeito/vítima de um ajudante/salvador (Propp, 1970), posicionam-se como vítimas à espera e a desejar serem salvas pelos investimentos da RMGC. Por conseguinte, promovem as explorações em Rosia Montana como sendo a solução para (acabar com) a pobreza e para criar emprego na área.

Outros anúncios assemelham-se a uma vox populi (voz do povo), em que o público em geral, de diferentes cidades da Roménia, é convidado a responder à seguinte questão: "Por que é a favor do projeto mineiro de Rosia Montana?' As respostas incluem recomendações para "uma economia mais forte", "uma vida melhor", "investimentos", etc. Na parte final dos spots, surge a mesma pessoa, dizendo: "O emprego em Rosia Montanaé bom para a Roménia, e aquilo que é bom para a Roménia também é bom para mim".

Outro anúncio mostra o líder da Sindicatul "Viitorul Mineritului" (o Sindicato "O Futuro da Atividade Mineira"), que discute (numa entrevista?) a "pobreza", o "desespero", o "emprego", a "solidariedade humana" e a vontade dos habitantes locais em trabalhar novamente nas minas. Na segunda parte do anúncio, afirma: "A atividade mineira pode criar milhares e milhares de empregos. (…) Inscreva-se para as minas! Inscreva-se para trabalhar em Rosia Montana".

Outro anúncio, ainda, mostra um médico – diretor de uma clínica médica da região de Alba – que está a discutir (numa entrevista?) as dificuldades económicas regionais e, neste contexto, a importância da aprovação do projeto mineiro, quer para a região, quer para a Roménia, uma vez que implica "milhares de empregos", "crescimento económico" e "uma vida melhor" para a população. Outras palavras-chave utilizadas são "estabilidade", "normalidade" e "bons salários". Na segunda parte do anúncio, afirma: "Inscreva-se para as minas! Inscreva-se para trabalhar em Rosia Montana".

Para terminar, outro anúncio mostra o presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Comércio "Meridian", que discute (numa entrevista?) a forma como "apenas a atividade mineira nos pode retirar da crise económica e salvar a economia". Outros conceitos-chave realçados no spot estão relacionados com os recursos de ouro que poderiam acelerar o desenvolvimento da região, e proporcionar bem-estar à comunidade. Na segunda parte do anúncio, afirma: "Você também deveria inscrever-se para as minas! Você também deveria inscrever-se para trabalhar em Rosia Montana".

Estudiosos como Berger (2001) referiram que a implicação de um ator corporativo no processo de agendamento assume a forma de um processo influenciador em duas fases: primeiro, a corporação desenvolve a sua própria agenda de assuntos políticos, e, em segundo lugar, ativa os seus canais de influência orientados para outras agendas específicas – agendas dos media, políticas e públicas –, de modo a obter resultados favoráveis e, finalmente, a influenciar a tomada de decisão.

Obviamente, as interpretações dos factos apresentados nestes anúncios televisivos têm como objetivo apoiar os interesses do principal "player" envolvido na situação (= o projeto das minhas de ouro e de prata em Rosia Montana), a RMCG, apesar de toda a campanha tentar impor um enquadramento diferente ao público, destacando alguns temas aos quais as pessoas são sensíveis (pobreza, desemprego, solidariedade humana, etc.), e dissimulando, assim, as controvérsias em torno do projeto mineiro cujo início ainda não foi autorizado. Por outras palavras, a campanha baseia-se numa estratégia de desdobramento de iniciativas, ou, utilizando um termo académico mais neutro (Andreasen, 2006), uma estratégia de enquadramento: isto significa que, fora de mais contextos possíveis, os dados não trabalhados do verdadeiro debate da situação são interpretados num contexto específico que mostra a preferência particular por um determinado resultado.

Nesta ação estratégica, a função dos media é deliberadamente reduzida à de um canal de emissão que permitirá à corporação transferir a compreensão privada da realidade da situação da sua agenda para a agenda pública. O "êxito" da transferência está dependente de duas variáveis. Uma delas é o grau em que a agenda dos media também é a do público, e o seu discurso uma parte influente do discurso do público. Watson (2008) defende que esta equação depende, em grande parte, da posição dos media na perceção do público, a sua credibilidade enquanto fonte de informação e a sua reputação de precisão e de sinceridade. A segunda variável que pode garantir uma transferência de sucesso refere-se ao nível em que, ao mesmo tempo e nos mesmos canais de transmissão, outros enquadramentos da mesma situação (= o projeto das minas de ouro e de prata em Rosia Montana) circulam e chegam à agenda pública. Na campanha de publireportagem - um "anúncio de opinião" – o enquadramento desejado é multifacetado: os anúncios baseados numa narrativa podem ser interpretados como contra-enquadramento das controvérsias ecológicas e tecnológicas colocadas pelo projeto das minas, mudando o enfoque para o fator humano (i.e., desemprego, infelicidade, pobreza); os anúncios que simulam a vox populi representam o contra-enquadramento do referendo local fracassado, organizado em dezembro de 2012 na região, e uma antecipação do possível referendo nacional sobre o problema do projeto das minas, que poderia decorrer em maio de 2014, conforme sugerido pelo Presidente da Roménia numa entrevista (ver abaixo a cronologia incluída neste artigo); os anúncios que simulam as entrevistas enquadram as vozes dos especialistas que exprimem as suas opiniões a favor do projeto das minas, utilizando a mesma estratégia de fator humano. Globalmente, este enquadramento positivo que sustenta o projeto das minas contrasta profundamente com outro enquadramento que emergiu na agenda pública no decorrer do mês de setembro: protestos de rua em Rosia Montana, em Bucareste e noutras cidades importantes da Roménia, como reação à proposta de lei do Governo. Neste contexto, é uma tarefa difícil prever com precisão a dinâmica da agenda pública, o que só pode ser realizado utilizando instrumentos de medida (como inquéritos ou sondagens), de modo a determinar de que modo uma questão social é classificada, em termos de importância, entre outros tópicos de elevada relevância para o público. É por isso que controlar as duas variáveis descritas acima pode tornar mais fácil à agenda corporativa impor uma realidade predefinida à agenda pública. Assim, a coocorrência de mais enquadramentos concorrentes na hierarquia das questões de agenda pública conduz, muitas vezes, a conflitos cujas resoluções podem ser observadas em negociações entre as agendas. Uma indicação do poder das corporações sobre os media é representada pela dependência dos media face ao financiamento que a publicidade pode proporcionar. Neste sentido, a monitorização do Conselho mostra que, entre 1 de setembro de 2013 e 6 de outubro de 2013, os spots televisivos de promoção do projeto das minas em Rosia Montana foram reproduzidos mais de 700 vezes, predominantemente em três estações televisivas especializadas em notícias e "talk-shows": B1 TV, România TV e Antena 3. Além disso, o mesmo relatório destaca o facto de a RMGC ter patrocinado sete emissões televisivas em duas das estações de televisão noticiosas. Outra monitorização do Conselho (1 de setembro de 2013 – 11 de outubro de 2013) revelou que o tempo médio diário que as estações televisivas dedicaram a debates sobre o projeto das minas variou entre cerca de 113 minutos e cerca de 30 minutos. A estas, podemos adicionar algumas observações efetuadas por um dos membros da NAC: "Se tivermos mais de um milhar de anúncios gerados pela mesma empresa, essa empresa é quase como um acionista dessa televisão. (…) A situação na qual nos encontramos é que, praticamente, algumas estações televisivas sobrevivem financeiramente graças à promoção deste projeto", comentou Christian Mititelu durante a reunião do NAC, quando a campanha de publireportagens foi proibida.

Em nome do público: agenda corporativa vs. agenda política

Em Media Communication, Watson (2008) menciona algumas circunstâncias sob as quais as corporações promovem as suas agendas através de alianças com outras agendas (com a agenda dos media ou com a agenda política), para influenciar, senão ordenar, as agendas públicas. Assim, este emaranhado de agendas indica que o processo de tomada de decisão sobre a agenda política, não só se encontra intimamente ligado às movimentações a decorrer na agenda pública, como também à forma como as corporações desenvolvem estratégias de influência, com vista a alcançar políticas favoráveis. O contexto político no âmbito do qual foi lançada a campanha de promoção do projeto das minas em Rosia Montana (apenas alguns dias depois de o governo romeno ter proposto um projeto de lei que autoriza integralmente as explorações, e antes de o Parlamento romeno tomar a decisão definitiva, no final de novembro e dezembro) é uma clara indicação de que os spots televisivos se destinavam a influenciar a agenda pública e a agenda política. De facto, o membro do NAC Lorand Turos, durante a reunião do dia 15 de outubro de 2013, referiu-se à campanha como "um problema que se encontra, agora, nas mãos do Parlamento. Já é uma questão política que necessita de uma decisão política. A minha opinião é que o objetivo bem definido desta campanha é obter uma votação favorável no Parlamento. Consequentemente, promove um interesse político. Na minha perspetiva, a afirmação "empregos em Rosia Montana são bons para a Roménia" é uma mensagem política. E as mensagens políticas… ou a promoção de mensagens políticas através da publicidade, são proibidas fora do período de campanha eleitoral." Enquanto Watson fala sobre alianças, Berger reflete sobre conflitos que podem ocorrer entre atores corporativos e governos, sobretudo em ambientes democráticos, e especialmente no caso de questões sociais que são controversas para a sociedade:

"O governo democrático tem, teoricamente, tendência para socializar o conflito — ou seja, alargar o número de participantes, ou vozes, no debate e resolução de problemas sociais, enquanto as empresas estabelecidas procuram proteger os seus interesses privados, as suas transações e as suas vantagens. Assim, os interesses privados das empresas estão, muitas vezes, em conflito com os interesses públicos que se espera que o governo apoie" (Berger, 2001: 97).

Depois de analisar os spots televisivos contra os quais foram feitas mais de 2000 reclamações de cidadãos, o Conselho Audiovisual Nacional da Roménia deliberou que os anúncios criados com vista à promoção do projeto mineiro em Rosia Montana infringiam algumas das disposições da Lei do Audiovisual, afirmando que foram ignorados dois requisitos específicos: (1) "as comunicações comerciais audiovisuais não devem incentivar um comportamento prejudicial à saúde e à segurança da população", e (2) "as comunicações comerciais audiovisuais não devem incentivar um comportamento prejudicial à proteção do ambiente". O Conselho invocou, ainda, a infração de dois artigos do Código de regulamentação de conteúdo audiovisual: (1) "As comunicações comerciais audiovisuais, independentemente do seu tipo e duração, devem observar os princípios de proteção de menores, os princípios de informação correta do público, os princípios do respeito pela dignidade humana, e os princípios de salvaguarda de uma concorrência leal entre diferentes concorrentes", e (2) "São proibidas a publicidade e as televendas com recurso a técnicas enganadoras ou agressivas". O NAC também referiu a infração da Lei 363/2007, que é o equivalente romeno à Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. Segundo os princípios desta Diretiva, o consumidor não poderá ser enganado nem exposto a práticas comerciais agressivas, e todas as mensagens devem ser redigidas com clareza, precisão e justificação, permitindo ao consumidor fazer uma escolha informada e, por conseguinte, eficiente. O NAC considerou agressivo o facto de o comerciante ter utilizado, em seu benefício, alguns eventos "infelizes" ou circunstâncias especiais da vida do consumidor, eventos ou circunstâncias de gravidade tal que podem afetar a avaliação do consumidor médio, e das quais o comerciante tem conhecimento, e as quais utiliza para influenciar a decisão do consumidor relativamente ao produto. No caso em análise, é óbvio que a mensagem dos anúncios se baseia nos "infelizes" eventos da vida (conforme caracterizados pela própria lei) de algumas pessoas com uma situação financeira precária. Neste sentido, estão dispostos a apoiar um projeto nocivo para a saúde da população (incluindo a sua própria) e para o ambiente (tendo em consideração as tecnologias de exploração mineira), desde que exista a promessa de uma vida temporária melhor, sem levar em conta as consequências ou efeitos do projeto.

Até ao momento, esta análise mostrou as interações (em termos de conflito ou de negociação) entre as três agendas (dos media, política e corporativa) destinadas a influenciar a agenda pública e o discurso público. Existem interações, não só entre as agendas, mas também dentro de cada domínio, e, por vezes, formam-se coligações:

"No domínio da agenda pública, diversos grupos de interesse afirmam, muitas vezes, serem os únicos que falam "em nome do povo" para convencer os media ou os decisores políticos de que eles são os únicos que devem ser ouvidos" (Andreasen, 2006: 34).

A cronologia que se segue, que destaca alguns eventos importantes em torno da campanha de publireportagens do projeto de exploração mineira de Rosia Montana, foi concebida para ilustrar de que modo a dinâmica da agenda política é alterada por agentes que não fazem, normalmente, parte das três agendas que procuram influenciar a agenda pública:

 

 

A sucessão de eventos desta cronologia revela as implicações de outros atores que participam no jogo de decisão política, sem participarem em nenhuma das três agendas. O veredicto proferido pelo Conselho Audiovisual Nacional recebeu imediatamente o desacordo do impulsionador da campanha de publireportagens – Sindicatul "Viitorul Mineritului" (o Sindicato "O Futuro da Atividade Mineira"). Nesse mesmo dia, emitiram um comunicado à imprensa afirmando, pela voz do seu líder, que a decisão do NAC "foi tomada sem qualquer possibilidade de debate, durante o qual as partes envolvidas pudessem esclarecer os seus pontos de vista, e que poderiam proteger o seu direito à liberdade de expressão". É, agora, claro que a campanha tinha como objetivo influenciar, quer a agenda pública, quer a agenda política, mas esta estratégia sofreu algumas interferências, provavelmente inesperadas, de partidos formalmente não envolvidos na "batalha" por Rosia Montana. Assim, uma campanha (essencialmente, uma campanha de publireportagens, não esqueçamos!) que procurava, aparentemente, oferecer soluções para problemas sociais (e.g., pobreza, desemprego) tornou-se num problema social. Em termos de agendamento, a campanha de publireportagens transformou-se, ela própria, numa questão. Andreasen (2006) explica de que modo uma questão pode subir na agenda pública: juntamente com as interações entre as agendas discutidas, necessita do envolvimento de mais alguns "players" – porta-vozes carismáticos, líderes de coligações (porque o envolvimento dos indivíduos em si pode não ser suficiente), líderes de ONGs, legisladores governamentais e diretores de agência, jornalistas, editores e diretores de informação. No caso desta campanha, os media especularam que aquilo que fez a diferença foi a carta aberta de sete páginas que Eugenia Voda, jornalista cultural e conhecida produtora televisiva da Roménia, enviou ao Conselho Audiovisual Nacional da Roménia a pedir a proibição dos spots. O documento era intitulado "Por que é que um lago envenenado maior do que o Estado do Mónaco é "bom para a Roménia"". Em consonância com o debate público sobre se a campanha de publireportagens proposta pela RMGC era de natureza social ou política, a jornalista indicou que os anúncios televisivos promovem uma espécie de "referendo privado", ao pedirem às pessoas para "dizer SIM à exploração mineira". Eis um excerto da carta que alguns media nacionais consideraram ter despoletado a decisão final da NAC: "É "bom para a Roménia"? Por que é que confiaríamos em algumas pessoas na rua – de todo o país, com o nome da cidade escrito no ecrã do televisor –, que nos dizem, implícita e explicitamente, que o projeto é um "bom" projeto mas, ao invés, não confiaríamos nos ESPECIALISTAS do nosso país (geólogos, farmacêuticos, economistas e arquitetos) que nos dizem – de facto, não tão frequentemente, nem durante os intervalos para publicidade – que NÃO é bom de modo nenhum?! Entre outras coisas, esta longa história de Rosia Montana é um exemplo de humilhação pública dos especialistas."

Conforme indicado na cronologia, a carta aberta obteve como resposta uma outra carta aberta, assinada pelo líder do sindicado envolvido na campanha de publireportagens, apenas dois dias depois de a campanha ter sido proibida na televisão e na rádio. As questões sobem ou descem quando porta-vozes carismáticos têm uma palavra a dizer relativamente ao problema social sob escrutínio. Em 2012, por exemplo, a anterior grande campanha do projeto de exploração mineira em Rosia Montana viu rejeitados dois spots televisivos (anúncios de opinião) com dois famosos atores romenos, Maia Morgenstern e Dragos Bucur. Outro "player" a ter em conta é a Academia Romena. Na sua declaração oficial de junho de 2013, a instituição afirmou que o processo de tomada de decisão não deveria ignorar os diversos protestos individuais e coletivos da sociedade civil, nem os protestos das academias de ciências e das duas principais Igrejas (a Ortodoxa Romena e a Católica Romana), dos institutos culturais, na Roménia e no estrangeiro, e de personalidades e cientistas famosos. Por vezes, as ONGs podem intervir, como aconteceu em 2009, quando outra campanha de publireportagem patrocinada pela RMGC foi proibida pelo Conselho Audiovisual Nacional, depois de o Conselho Romeno para a Publicidade – uma organização profissional, não-governamental, sem fins lucrativos e independente cuja atividade consiste na autorregulação na publicidade – ter analisado os spots. Neste caso, o NAC também recebeu uma reclamação oficial do presidente do PRM Cluj (um partido político de direita), pedindo ao Conselho a proibição do spot até que a empresa obtivesse todas as aprovações legais para iniciar o projeto de exploração mineira. Todos estes atores podem constituir um grupo de defesa fundamental, que coloca ainda mais pressão sobre os decisores políticos, e que "pode contribuir significativamente para a mudança das normas sociais" (Andreasen, 2006: 43).

Conclusões

O presente artigo procurou ilustrar a complexa natureza da publicidade e a necessidade imperiosa de avaliar a sua ética de acordo com esta complexidade, e não reduzi-la aos discursos legais (àquilo que é legalmente certo ou errado) ou aos discursos morais (àquilo que é moralmente certo ou errado) propostos pelos advogados, filósofos e estudiosos da ética. Pelo contrário, utilizando a teoria do agendamento como uma valiosa metáfora que representa, por um lado, as negociações "invisíveis" que ocorrem entre corporações, media e decisores políticos, e, por outro lado, os resultados dessas negociações, "visíveis" na agenda pública, este estudo realçou a necessidade de analisar a ética da publicidade, identificando os contextos da produção de anúncios publicitários, e não formulando, apenas, conclusões relativamente ao resultado final. Esta simplificação excessiva da avaliação da ética na publicidade é substituída, aqui, pela "ética contextual" ou pela ética contextualmente determinada. A perspetiva comunicativa aqui preferida mostrou que a "miopia moral" e a "mudez moral" (a incapacidade de ver dilemas éticos e a fraca comunicação sobre os mesmos, quando reconhecidos), de Drumwright (2004), são contagiosas, e não se aplicam apenas à publicidade, mas também se disseminam nas áreas profissionais às quais a publicidade está ligada.

Obviamente, uma ética contextual implica determinados riscos: embora se afaste da perspetiva restritiva que impõe paradigmas irrefutáveis, pode incentivar uma espécie de relativismo em torno da separação daquilo que é ético e daquilo que não é ético, na publicidade. Simultaneamente, contrariamente à abordagem restritiva, que é autossuficiente, incentiva a comunicação e, naturalmente, a investigação futura.

 

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Recebido a 14-03-2014

Aceite a 05-05-2014

 

 

Notas

[1] Este estudo de caso utiliza dados disponíveis no website do Conselho Audiovisual Nacional da Roménia, em http://cna.ro/.

[2] As declarações dos membros do Conselho Audiovisual Nacional (NAC) que participaram na reunião onde foi adotada a decisão de retirar os spots da emissão foram traduzidas do Romeno, depois de veiculadas pelos media nacionais, no dia 15 de outubro de 2013. Os excertos originais estão disponíveis em: http://www.paginademedia.ro/2013/10/spoturile-pentru-rosia-montana-interzise-de-la-tv/

[3] Os excertos da carta aberta escrita pela jornalista Eugenia Voda foram traduzidos do Romeno, depois de veiculados pelos media nacionais, no dia 13 de outubro de 2013. Os excertos originais estão disponíveis em: http://www.paginademedia.ro/2013/10/eugenia-voda-cer-cna-stoparea-reclamelor-legate-de-rosia-montana/

[4] O Conselho Audiovisual Nacional da Roménia é uma instituição pública autónoma dirigida por um conselho de 11 membros nomeados pelo Parlamento Romeno, com base na seguinte fórmula: três nomeações do Senado; três da Câmara de Deputados; dois do Presidente da Roménia; e três do Governo. As reuniões do Conselho decorrem todas as terças e quintas. São públicas e abertas a todos os interessados. Os jornalistas estão presentes na maioria das reuniões.

 

 

[Tradução: Rui Sousa e Silva]

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