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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.14 Lisboa dez. 2020

 

DOSSIER TEMÁTICO

Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste: contributos para o estudo da administração da Saúde nas comarcas portuguesas no início do século XIX*

Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste: contributions to the study of Health administration in portuguese judicial districts in early 19th century

Sandra Cunha Pires*****

***Sandra Maria da Cunha Pires, ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa, 1649-026 Lisboa, Portugal; Arquivo Municipal de Lisboa, 1070-017 Lisboa, Portugal. smcunhapires@gmail.com

 

 

RESUMO

As questões relacionadas com a saúde pública nos reinos de Portugal e do Algarve estavam sob alçada do Senado da Câmara de Lisboa, nomeadamente, através do Pelouro da Saúde, cujo vereador detinha o cargo de provedor-mor da Saúde da Corte e Reino. Embora este artigo assente fundamentalmente em fontes do Arquivo Municipal de Lisboa, elas permitem afirmar essa superintendência desde o século XVI até ao início do século XIX, verificando-se que o poder local (de Lisboa) funcionava como instituição centralizadora nas matérias relacionadas com a saúde pública. As reformas empreendidas em 1804, apesar de envolverem diversos organismos do poder central, em benefício da saúde dos povos, não se traduziram na perda de responsabilidade do Senado da Câmara de Lisboa, como se verifica através dos Quesitos a que he necessario responder cada hum dos Corregedores de Comarcas deste Reino, e do Reino do Algarve.

 

PALAVRAS-CHAVE

Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste / Senado da Câmara de Lisboa / Provimento da Saúde / Comarcas do Reino / Saúde Pública

 

ABSTRACT

Public health issues in the kingdoms of Portugal and the Algarve were under jurisdiction of Lisbon’s House Senate, namely, through the Health Department whose councilor held the position of Chief Health Ombudsman of Court and Kingdom. The fundamental sources upon which this paper is based, belonging to the Arquivo Municipal de Lisboa (Lisbon Municipal Archives), enable us to establish that superintendence since the 16th to the early 19th centuries, ascertaining that the local power (Lisbon’s) acted as a centralizing institution on matters related to public health. The reforms undertaken, in 1804, in benefit of the public health, although involving several central power bodies, did not represent any loss of responsibility of Lisbon’s House Senate, as it is possible to confirm through the Quesitos a que he necessario responder cada hum dos Corregedores de Comarcas deste Reino, e do Reino do Algarve.

 

KEYWORDS

Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste / Lisbon’s House Senate / Provimento da Saúde / Comarcas do Reino / Public Health

 

INTRODUÇÃO

A necessidade da população pede necessariamente a sua conservação: e o meio desta se conservar, he pelo cuidado da saude dos Povos. Esta depende da boa qualidade dos alimentos, de hum perfeito conhecimento da Medicina, e do estabelecimento de lugares publicos para a cura dos efermos, sustentação dos pobres, e para creação dos expostos1.

Alguns historiadores salientaram o «papel fundamental» dos municípios portugueses enquanto órgãos dinamizadores da sociedade, dos «seus direitos fundamentais e na luta pela melhoria das condições de vida dos cidadãos»2. Humberto Baquero Moreno demonstrou como, ao longo dos séculos XIV e XV, houve maior controlo por parte do «poder central sobre a vida local»3. Como já havia notado António Manuel Hespanha e, mais recentemente, Paulo Jorge Fernandes, desde a Idade Média até ao Liberalismo Monárquico, a Câmara de Lisboa «gozava de um estatuto jurídico-administrativo especial»4. De facto, D. Sebastião, através de uma carta régia de 12 de dezembro de 1572, estabeleceu um novo formato na organização do Senado, passando este a ser composto por um presidente e três vereadores (um dos quais da Provedoria da Saúde5 e Casa de S. Lázaro) – embora Miguel Gomes Martins tenha identificado cinco vereadores para esse mesmo ano6 – todos desembargadores que, ao invés de eleitos, passaram a ser nomeados diretamente pelo rei7. A novidade na composição do Senado foi a criação da figura de presidente. Tais singularidades – a função de presidência e a nomeação direta do rei – permitiam e facilitavam relações estreitas entre a Coroa e o Senado8, mas não só. Conforme indicam inúmeras fontes9, a Câmara de Lisboa parece ter funcionado como uma espécie de órgão centralizador no tocante às matérias da saúde e nem a criação da Junta de Inspecção de Providências contra a Peste (1804), da qual fazia parte, lhe retirou essa prerrogativa, ao contrário do que por vezes é afirmado10. O estudo da intervenção do Senado nos assuntos relacionados com a saúde pública em outras comarcas do reino leva-nos também a questionar o grau de autonomia dos municípios relativamente ao poder central, contribuindo, outrossim, para a investigação sobre a existência ou não «de poderes com expressão regional clara»11 fora da cidade de Lisboa e seu termo.

D. João II foi pioneiro ao estabelecer o primeiro regimento conhecido, anterior a 1481, com o objetivo de evitar a propagação da peste em todo o Reino12. Não admira que, a partir do século XV, tenha existido preocupação e regulamentação das matérias relacionadas com a saúde pública, uma vez que, decorrente da Expansão Portuguesa, havia maior propagação de contágios, originando desde logo a criação, por exemplo, dos lazaretos do Porto (1448) e de Lisboa (1492). Regimentos posteriores, alguns dos quais limitados à cidade de Lisboa, foram alargados a todos os portos dos reinos portugueses13. Em 1695, o Senado da Câmara elabora dois regimentos, um para o porto de Belém e outro para todos os portos do reino e do Algarve e terras confinantes com Castela, tendo sido confirmado por alvará de 7 de fevereiro de 169514, o que reflete, desde logo, a centralidade da instituição nestas matérias.

As reformas em prol da saúde pública foram uma constante ao longo dos séculos15. Para a periodização que nos importa, elas tiveram início no século XVIII quando, em alguns países europeus, surgiram novas preocupações sanitárias16 e se instituiu o “Estado-Polícia” em Portugal. Como foi muito bem definido por Maria Antónia Lopes, “Estado-Polícia” «é […] aquele que já não visa sobretudo garantir a paz e a justiça, mas pretende o bem- estar dos povos, ao intervir na administração, na economia, na cultura, na saúde, na educação, no trabalho, nas actividades lúdicas, no fomento demográfico – enfim, em todos os domínios da vida social»17.

E foi durante este período, que abarcou os reinados de D. José I e de D. Maria I, e regência de D. João VI, que se verificaram reformas consideráveis em prol da saúde pública, com a «criação de instituições […, a] elaboração de regulamentos e de legislação geral»18.

Embora diversos estudos salientem «o liberalismo enquanto forma inovadora da administração pública e local», nomeadamente pela instauração de «uma administração local centralista e hierarquizada que visava o controlo efectivo do território nacional e das comunidades locais pelo Terreiro do Paço»19, em nosso entender, tal como têm vindo a salientar António Manuel Hespanha e José Subtil20, parece ter existido uma continuidade reformista liberal entre este e o período imediatamente anterior, pelo menos, nas matérias relativas à saúde pública21. Como afirmou Espinha da Silveira, ao evidenciar as características ideológicas similares e as diferenças entre a monarquia absoluta e o regime liberal, «a consagração do monopólio da autoridade pública do Estado e a realização dos direitos e deveres individuais [era] irrealizável sem uma redefinição do espaço político-administrativo e a criação de novas instâncias de poder»22. Contudo, estes mesmos ideais já se faziam sentir na regência de D. João VI e neles se insere a criação da Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste, embora tenha sido salientado o «progressivo afastamento do provedor-mor»23 da referida instituição. Assim, ao analisar a Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste, composição, atuação e competências, este trabalho procura contribuir para o conhecimento das políticas relacionadas com a saúde pública emanadas por esta instituição (não exclusivas de Pina Manique, como é sustentado em diversos estudos), para apurar a continuidade ou descontinuidade entre este período e o seguinte24, e para o estudo da administração da saúde entre o fim do Antigo Regime e o Liberalismo, focando-nos, portanto, na vigência do príncipe regente.

 

JUNTA DE INSPECÇÃO DE PROVIDÊNCIAS CONTRA A PESTE

Embora Laurinda Abreu refira que «o apoio de D. Maria I não foi suficiente para que o seu governo assumisse a saúde pública como função social do Estado»25, consideramos que este era um dos seus objetivos, refletindo-se, por exemplo, logo em 17 de junho de 1782 na lei sobre a criação da Junta do Proto-Medicato26 e teve continuidade com D. João VI, enquanto príncipe regente. Em 1800 surge a tradução do livro Historia dos Principaes Lazaretos D’Europa, acompanhada de diferentes memorias sobre a peste, etc. Tirada da colecção de Memorias sobre os estabelecimentos d’humanidade, da autoria de «Joaõ [John] Howard27», mandada elaborar pelo príncipe a José Ferreira da Silva. O reformador havia efetuado um périplo pelas principais cidades da Europa até Esmirna e Constantinopla, na Turquia, no sentido de apurar as medidas de prevenção contra a peste, visíveis em muitos portos, algumas das quais eram também praticadas em comarcas portuguesas, como o estabelecimento de lazaretos, a purificação das cartas, a quarentena de passageiros e de mercadorias, entre outras. Na terceira secção do livro, John Howard esclarece algumas questões sobre a doença, concluindo que a melhor estratégia para a prevenção era impedir a comunicação com os infetados. De facto, como é visível em inúmera documentação (pouco explorada) existente no Arquivo Municipal de Lisboa28, esta atuação foi uma constante pelo menos desde o século XVIII.

Em 22 de outubro de 1800, por ordem do príncipe, o provedor-mor da Saúde da Corte e Reino, Francisco José Brandão, devido ao «grande contágio» que grassava em Cádis e em outras povoações de Andaluzia, manda que em todos os portos existentes ao longo do rio Tejo até «à Raia confinante com Hespanha» não sejam consentidos desembarques de pessoas sem a respetiva examinação29. Quatro anos depois, em 8 de outubro de 1804, o então provedor-mor da Saúde da Corte e Reino, doutor João Anastácio Ferreira Raposo30, devido ao contágio existente em Málaga, ordena não só à população da cidade de Lisboa, mas também de todo o Reino de Portugal e do Algarve, a proibição de dar asilo a pessoas suspeitosas, estrangeiras e, outrossim, aos nacionais que tentassem entrar no Reino «sem a legitimação de Passaportes, e Cartas de Saude». Em casos suspeitos, era obrigatório informar o «Juizo da Provedoria Mór da Saude, ou [a] Intendencia Geral da Policia, ou aos Ministros Criminaes dos Bairros das suas moradas». Estas ordens revestiam-se de tal importância que nem os nobres escapavam às punições, em caso de incumprimento, sendo desterrados por cinco anos para África e, os demais, cinco anos para as galés31. Os dois documentos mostram, por um lado, a importância atribuída à prevenção do contágio, por parte do príncipe regente e da Provedoria-Mor da Saúde e, por outro lado, que prevalecia como competências do provedor-mor da Saúde, enquanto vereador do Pelouro da Saúde da Câmara de Lisboa, por ordem do soberano, regular as matérias relativas à saúde pública, não só na capital, mas também em todo o reino de Portugal e do Algarve. Assim, os ministros criminais dos Bairros e a Intendência Geral da Polícia aparecem, apenas, como instituições auxiliares da saúde nas matérias relacionadas com o incumprimento das medidas emanadas do soberano e/ou através da Provedoria-mor.

Neste contexto e no mesmo mês, surge a criação da Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste32 por decreto de D. João VI, de 21 de outubro de 1804, para tomar providências a fim de evitar a propagação do contágio da peste que grassava em Espanha, cujo surto já havia afetado algumas províncias portuguesas. Para deputados da Junta de Inspecção foram nomeados membros dos mais altos quadros da administração, central e local (Lisboa), todos pertencentes ao Conselho de Estado, o que revela, não só, a importância que lhe foi atribuída, mas também a procura por uma maior eficácia nas medidas que se pretendia adotar. Assim, pelo mesmo decreto, compunham a referida Junta: o 2º marquês de Pombal, Henrique José de Carvalho e Melo (presidente do Senado da Câmara); o marquês «Regador» [sic], o marquês de Sabugosa (do Conselho da Guerra e general de Infantaria); Pedro de Mendonça e Moura (do Almirantado e vice-almirante da Armada Real); Diogo Inácio de Pina Manique (desembargador do Paço e intendente geral da Polícia da Corte e Reino). Ou seja, englobava todos os responsáveis máximos, a nível do Reino, nas matérias que de alguma forma se relacionavam com a saúde pública. A nomeação do secretário e demais oficiais ficou a cargo da Junta que poderia escolher os que julgasse mais capazes de qualquer Tribunal ou Repartição, conferindo-lhe também poderes punitivos33. A função de secretário ficou a cargo do provedor-mor da Saúde da Corte e Reino34. Importa salientar que chegaram a estar na direção «dos negócios da Junta» o marquês de Belas, António Maria de Castelo Branco e, depois deste, Pedro de Mendonça de Morais, por impedimento do 2º marquês de Pombal35.

O mesmo diploma estabelecia que os membros da referida instituição se juntassem na Casa do Despacho do Senado da Câmara de Lisboa, o que, desde logo, reflete a importância atribuída ao município nesta matéria, pois era a essa Casa que os restantes conselheiros de Estado teriam de dirigir-se, mas também parece mostrar que o presidente da Câmara era outrossim considerado “presidente” da referida Junta. Apesar de não ter ficado expresso no diploma, as fontes comprovam essa autoridade, aparecendo as denominações de «primeiro deputado da Junta» e «presidente da Junta»36. Aliás, a transmissão de informações relacionadas com o possível contágio, imposta pelo decreto às secretarias de Estado e repartições, era remetida diretamente ao responsável máximo do município37. Esta ordem foi acolhida por estas instituições que, no dia imediatamente a seguir à criação da Junta, começaram a enviar notícias e todas as ordens até então expedidas desde o início do contágio, como pode verificar-se através de inúmeros documentos, nomeadamente da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra38.

Embora a articulação entre as diversas instituições se efetivasse já antes da criação da Junta de Inspecção – por exemplo, meses antes (em agosto de 1804), a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha emitia um aviso ao intendente geral da Polícia da Corte e Reino sobre o contágio de febre-amarela em Málaga e América Setentrional, para que se cumprisse o estipulado no Regimento da Saúde; o intendente, por sua vez, reenviou a mesma ordem para diversos corregedores, juízes de fora e juízes ordinários de várias comarcas do reino, informando também a Provedoria-Mor da Saúde da Corte e Reino39 – o novo decreto procurava que as medidas preventivas fossem executadas com brevidade, tendo-lhe o príncipe regente conferido amplos poderes, autorizando-a a obrigar os generais e magistrados de todas as províncias na execução das ordens por ela emanadas40.

Todavia, tal não evitou a manutenção de conflitos jurisdicionais em diversas comarcas entre as mais variadas figuras locais: o guarda-mor da Saúde e o juiz-de-fora da Cidade de Tavira; o guarda-mor da Saúde e o capitão-mor e governador das Armas de Penafiel; o juiz-de-fora e o sargento-mor das Ordenanças da Vila de Marvão; o juiz--de-fora e o corregedor da Comarca de Lagos, etc., na maioria dos casos não denunciados pelos próprios, mas por corregedores das comarcas, governadores, provedores e guardas-mores da Saúde, não diretamente envolvidos nos conflitos, procurando soluções junto do presidente do Senado da Câmara de Lisboa ou do provedor-mor da Saúde da Corte e Reino, o que reforça o papel centralizador da decisão por parte do município41.

De salientar também o elevado número de queixas verificadas entre 11 de novembro de 1804 e 29 de dezembro de 1805, efetuadas por diplomatas estrangeiros, relativas ao elevado período de quarentena a que as embarcações eram sujeitas, como pode verificar-se numa carta do vice-cônsul lorde Robert Fitzgerald na qual remete duas reclamações do cônsul britânico, referentes a embarcações de guerra e ao navio mercante Lord Nelson42. Estas queixas contra o considerado elevado período de quarentena, efetuadas por diversos diplomatas, britânicos, italianos, espanhóis e norte-americanos, parece evidenciar como, pelo menos no porto de Lisboa, as medidas de prevenção estavam a ser aplicadas e a cumprir o estabelecido no Regimento da Saúde do Porto de Belém, afetando não só o comércio mas também as frotas de guerra britânicas e francesas, que combatiam no mar e atracavam em Lisboa para abastecimento43. Todavia, nem as razões invocadas nem a qualidade dos queixosos tornavam o processo mais agilizado, originando, outrossim, denúncias contra o provedor-mor da Saúde, como a do lorde Fitzgerald «pelos vexames que tem sofrido»44, o que, de certa forma, poderia afetar as relações diplomáticas entre as nações45.

Em todo o caso, nada parece ter sido descurado para o bom funcionamento da Junta e sua articulação com as restantes comarcas dos reinos, tendo sido criada, pelo mesmo decreto, uma «Secção nos dias de Correio, e em todos os mais, que julgar necessarios»46. Tendo vindo a concretizar-se, poucos dias depois da criação da Junta, a tabela de Partidas e Chegadas dos Correios a Lisboa47, indica-nos a tentativa de agilização de futuros contactos com as restantes províncias do reino, tal como estava previsto no documento normativo, procurando evitar-se a comunicação pelas raias secas ou molhadas devendo, para o efeito, ter «a mais exacta, e prompta observancia, e se possão igualmente dar outras quaesquer Providencias, que se julgarem necessarias, e fazelas executar com aquella rapidez, e vigor necessario em objecto de tanta importancia e comsequencia»48.

Ficaram a cargo da Junta dois correios49, abrangendo a totalidade do país, repartidas por duas grandes áreas: Estremadura e Norte; Alentejo e Algarve. Havia mais saídas na primeira do que na segunda (no sul, ou era uma vez por semana para alguns destinos ou duas vezes por semana para outros; enquanto para o norte, Coimbra e Porto, e localidades em trânsito, se fazia três vezes por semana sendo reforçado à segunda-feira). A tabela não era estanque podendo sofrer alterações conforme as necessidades sentidas em algumas províncias ou na própria Junta, como aconteceu, por exemplo, em 2 de janeiro de 1805, através de uma portaria, na qual o presidente da Câmara expedia ordens ao secretário da Junta para alterar um dos correios, de modo a cobrir melhor as necessidades na província do Alentejo50.

 

QUESITOS A QUE HE NECESSARIO RESPONDER CADA HUM DOS CORREGEDORES DE COMARCAS DESTE REINO, E DO REINO DO ALGARVE

Poucos meses após a criação da instituição, em 18 de fevereiro de 1805, o presidente do Senado da Câmara de Lisboa, Henrique José de Carvalho e Melo, enquanto responsável máximo da Provedoria-Mor da Saúde da Corte e Reino e deputado da Junta de Inspecção, toma uma medida sem precedentes, ordenando ao provedor-mor da Saúde e secretário da mesma Junta, Francisco Joaquim Coelho Freire, o envio de um inquérito para todas as comarcas do Reino, com o objetivo de recolher as informações relacionadas direta ou indiretamente com a saúde pública51. Esta medida terá surgido na sequência de uma ordem, do mesmo mês, do «governo [no sentido de elaborar um] diagnóstico às condições de saúde do país»52. O documento, intitulado Quesitos a que he necessario responder cada hum dos Corregedores de Comarcas deste Reino, e do Reino do Algarve, não se limitava a questionar para obter informações, mas procurava também esclarecer as necessidades sentidas pelos responsáveis locais para combater ou prevenir o contágio e perceber a eficácia das medidas emanadas pelos órgãos centrais.

Quesitos a que he necessario responder cada hum dos Corregedores de Comarcas deste Reino, e do Reino do Algarve

1º A situação, e confrontaçoens da Comarca: a Provincia a que pertence: a quantidade dos Lugares, e lotação dos habitantes de cada hum delles: se - tem Juiz de fora; Ordinarios; ou Vintenarios? Se - em algum delles rezide Authoridade Militar empregada no Real Serviço, e qual seja a graduação da Patente; e se - o exercício della he perpetuo, ou interino?

2º Confrontando a Comarca por algum lado com o Reino de Hespanha, qual he o Lugar da fronteira do mesmo Reino, e qual o do Reino de Portugal? Se - a Raia he seca, ou molhada; se - a molhada he communicavel por Barcas, ou Pontes? Se - tem portos maritimos, quaes elles sejão, e se - são capazes de nelles entrarem todas as Embarcações, ou só as pequenas?

3º Quaes sejão os Pontos de communicação mais perigozos, e mais proprios a evitar-se a communicação, quando assim for precizo; e qual o numero das Praças, pouco mais, ou menos, que será necessario para guarda de cada hum?

4º Se - tem Guardas - móres da Saude permanentes; e não os - tendo, se-os-devem ter? Os que actualmente existem permanentes por quem são providos? Quanto he o seu Ordenado, tendo-o; e se - o não tem, qual he o motivo; e se - acazo concorre alguma razão, para que, por effeito de Justiça, se-lhes-deva estabelecer: se - tem emolumentos, quaes são, e de que se - pagão?

5º Se - há Lazaretos para pessoas, e se - são capazes, e necessarios perpetuamente: se-elles existem em sítios de área conveniente; e commoda, ou se-se devem mudar, para onde: e aonde não os houver se-são de absoluta necessidade, para precaução, o estabelecerem-se, e aonde?

6º Se - há Lazaretos para purificação das Cartas de correspondencia: aonde se - achão estabelecidos, e se - estão bem situados para o commodo-publico, e prevensão do Contagio; ou se - he precizo transferirem-se a outra situação, e qual seja?

7º Se - há Cemiterios capazes, á proporção da quantidade dos mortos, que por calculo prudente se-enterrão em cada hum anno, sem que da quantidade rezulte perigo á Saude-publica: e não os havendo a isto proporcionados, qual seja o sitio aonde se - devão estabelecer, e que seja conveniente, e commodo ao Publico?53

Como se depreende, pelo questionário, a resposta às questões levantadas, embora com o objetivo não só de tomar medidas preventivas contra a peste, mas também com o propósito de motivar a melhoria das condições de saúde pública, permite-nos apurar dados aturados relativos à população, autoridades e instituições da maior parte das comarcas do Reino, as vilas e povos a elas pertencentes, tendo alguns corregedores incluído mapas das respetivas regiões, contribuindo, também, para o estudo demográfico e cartográfico da época54. Estes dados, obtidos pela Junta de Inspecção, eram também um instrumento de poder e do seu exercício, na medida em que, quanto melhor conhecessem o território e suas gentes, melhor podiam fazer aplicar as medidas de saúde, entre outras de controlo territorial (político, económico, policial, etc.).

Responderam ao inquérito vinte e oito comarcas: Alenquer; Aveiro; Avis; Barcelos; Braga; Bragança; Castelo Branco; Chão de Couce; Coimbra; Crato; Elvas; Guarda; Lagos; Linhares; Miranda; Moncorvo; Ourém; Ourique; Penafiel; Pinhel; Tavira; Tomar; Valença; Viana do Castelo; Vila da Feira; Vila Real; Vila Viçosa; Viseu55, algumas das quais recolheram dados precisos dos lugares a elas afetos. As respostas são variadas, desde as mais simples às mais detalhadas, denotando-se, por um lado, a importância que muitas autoridades locais atribuíam às questões relacionadas com a saúde, lamentando-se até por falta de meios para corresponder às necessidades e, por outro lado, a incapacidade (ou falta de vontade em responder ao anseio de informação pelo poder central, na medida em que o podiam encarar como ameaça ou interferência) de algumas comarcas e províncias responderem ao solicitado.

Da enorme tabela por nós construída com os dados recolhidos, verifica-se, de imediato, a ausência de resposta das cidades de Lisboa e Porto. Se no primeiro caso é compreensível, uma vez que a Provedoria-mor detinha os dados da Capital (pelo menos no tocante às matérias relacionadas com a saúde), o mesmo não pode dizer-se relativamente ao Porto, cuja documentação, por nós consultada, parece evidenciar uma tentativa de escapar à subjugação detida pela Junta de Inspecção e, consequentemente, pelo Senado da Câmara de Lisboa. Este domínio sobre todas as outras comarcas, incluindo a da cidade do Porto, no tocante às medidas sanitárias está patente, por exemplo, numa informação do guarda-mor da Saúde do Porto remetida para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, sobre um infetado com peste internado no Hospital Geral da mesma cidade. O conde de Vila Verde ordenou ao referido oficial, por ordem real: «que se forem precisas quaisquer Ordens as deverá requerer á Junta da Inspecção Sobre Providencias para a Peste, e lhe serão participadas pela mesma Junta as Ordens necessárias»56. Este documento, além de refletir o esforço da comarca do Porto para se autonomizar relativamente a Lisboa ou à Provedoria-mor, torna bem visível o carácter de instituição central atribuído à Junta e por inerência ao presidente da capital do Reino.

No caso do corregedor da comarca de Miranda, o próprio justifica a ausência de dados explicando que as ordens transmitidas aos juízes territoriais para recolherem informação de modo a responderem aos sete Quesitos «muitos deles não entenderam bem, nem satisfizeram com a informação de tudo o que lhes ordenava», só sendo possível elaborar um mapa, com alguns dos dados, em 28 de dezembro de 180557. Do mesmo se queixou o juiz de fora que servia de provedor e corregedor da comarca de Ourique, não podendo responder aos Quesitos «porque os Juizes Territoriaes» a quem pediu «as correspondentes Instrucções de cada humas das Terras, até ao prezente não cumprirão os meus Officios»58. O assunto foi apresentado no dia 2 de agosto à Junta, onde se ordenou que, além de acusar a receção do ofício, se remetesse o mapa enviado «para ser concluido do que falta». O referido mapa não terá sido devolvido, uma vez que não consta da documentação existente no Arquivo Municipal de Lisboa59. Estes dois casos são paradigmáticos de como no início da Época Contemporânea sobressaíam como «as Autoridades» locais, em detrimento de algumas câmaras, «os capitães-mores e párocos» e outros oficiais (acrescentamos nós), uma vez que eram eles que tinham «as listas sempre apuradas, conhecem os indivíduos todos da povoação, do maior ao mais pequeno» e, como já foi notado por Nuno Gonçalo Monteiro, «foi a eles que se recorreu nos finais do Antigo Regime quando se quiseram fazer inquéritos à população do reino»60.

Todavia, este exemplo não foi adotado pela Junta e, pelo teor dos Quesitos, não parecem ter sido considerados os dados recolhidos pelos censos ordenados por Pina Manique, elaborados entre 1776 e 1798, e por D. Rodrigo de Sousa Coutinho (presidente do Real Erário entre 1801-1803), realizados em 180161, talvez por falta de articulação entre instituições, por indisponibilidade dos dados, uma vez que os últimos só viriam a ser publicados em 1820 (provavelmente devido à ausência do seu mentor entre 1803-1807), ou porque o presidente da Junta de Inspecção procurava que o apuramento fosse o mais exato à época, ou até para obter maior autonomia no processo.

Os sete Quesitos focam-se em três grandes áreas: características territoriais, demográficas e autoridades civis e militares; vias de comunicação (com Espanha ou por mar) e sua guarda; e, por fim, organização da saúde pública.

Antes de passar à análise das questões relacionadas com a saúde pública, importa referir que o número de habitantes por província apresenta ligeiras diferenças comparativamente com os dados apurados por José Vicente Serrão62 (ver Quadro I). Diversos fatores poderão contribuir para essas dissemelhanças, desde logo: não constam dados relativos a Lisboa, Porto e Miranda (esta última só apresentou o número de fogos, 8220). Relativamente ao Algarve, devem referir-se apenas a Lagos (Monchique, Portimão, Albufeira, Aljezur, Vila do Bispo e Sagres), não constando o número de habitantes de Ourique, Faro e Tavira. Por outro lado, os dados apurados pelo historiador são relativos ao ano de 1801, enquanto o inquérito em causa é de 1805 e, obviamente, durante este período terão existido variações, quer por nascimentos e óbitos ou deslocação da população.

 

 

Embora a ausência de dados para as localidades referidas, é possível verificar que não houve alterações significativas, continuando as províncias de Entre Douro e Minho, Beira e Estremadura com maior número de habitantes, e o ligeiro aumento verificado em termos percentuais poderá ser uma consequência da falta de dados das povoações assinaladas. Em todo o caso, verifica-se um aumento significativo na região de Trás-os-Montes revelando um «melhor equilíbrio entre a sua população e o espaço que ocupavam»63, à semelhança das regiões mais povoadas, distanciando-se, portanto, do Algarve e Alentejo que, juntamente com estas províncias, em 1801, apresentavam «um desfasamento negativo»64. Não nos importa aqui analisar as questões demográficas, até porque elas foram amplamente estudadas por diversos autores65, mas tentar apurar a veracidade dos dados enviados, pois era sob estes números que a Junta de Inspecção se baseava para gerir as questões relacionadas com a saúde.

Como é sabido, por diversas vezes, nomeadamente ao longo dos anos de 1804 e 1805, em prol da saúde pública foram estabelecidos cordões sanitários em diversos locais do país, os quais eram assegurados por forças militares66, dando notícias à Provedoria-mor da Saúde sobre essas barreiras67. Ainda assim, foram também colocadas questões sobre a matéria, com o objetivo de conhecer e perceber se, em caso de necessidade, nas diversas localidades existiam forças suficientes e capazes de executar as normas impostas pelo Regimento da Saúde para prevenção do contágio. Neste mesmo sentido, as comarcas foram indagadas sobre a comunicação com Espanha, através do mar e rios, para aferir os locais com maior probabilidade de transmissão do contágio e colocar cordões sanitários (e, até, se os estabelecidos em 1804 poderiam ser melhorados), e averiguar se existiam meios humanos suficientes para implementar barreiras sanitárias.

Quanto às restantes questões mais diretamente relacionadas com a gestão e organização da saúde podemos observar dissemelhanças impressionantes comparativamente às diversas localidades. Sobre esta matéria, os Quesitos centraram-se em quatro áreas relativas aos guardas-mores; lazaretos; lazaretos para purificação de correspondência; cemitérios.

Conforme apresentamos no Quadro II68 relativo aos guardas-mores de cada uma das províncias, as discrepâncias são enormes.

 

 

Para o total do país, registámos 47 guardas-mores da Saúde, o que, à partida, poderia pressupor que a gestão da saúde pública, nomeadamente da imposição de medidas preventivas, estaria a ser assegurada. Todavia, analisando estes valores, por comarca, verificámos que só existiam dez guardas-mores permanentes. Destes, um era nomeado pela Junta da Real Casa e Estado do Infantado (Ovar), quatro pelas câmaras locais (Melgaço, Viana do Castelo, Penafiel, não se sabendo se por imposição da Provedoria-Mor) e os restantes pelas câmaras das comarcas por «Real ordem» através do provedor-mor da Saúde da Corte e Reino. Embora não possamos afirmar com certeza, porque os dados estão omissos na maioria das comarcas e, à exceção de dois interinos que eram nomeados pela Casa de Bragança (Vila do Conde e Esposende), consideramos que as nomeações dos guardas-mores não permanentes foram efetuadas pela Provedoria-mor da Saúde em novembro de 1804 (como aconteceu em Penafiel e Moncorvo69), na sequência das medidas preventivas para evitar o contágio que grassava em Espanha. Este facto torna-se ainda mais evidente ao apurarmos que Miranda tinha nove guardas-mores e Castelo Branco dezanove (nos dois casos só em tempo de peste), pois trata-se de regiões atravessadas pelos rios Douro e Tejo, com fronteira, também pela raia seca, com Espanha, não admirando, por isso, o investimento em recursos humanos. De salientar o guarda-mor da Saúde no porto de Caminha, nomeado pela Provedoria-mor, em acumulação de funções, sendo, outrossim, ajudante da Praça de Caminha, embora considerado «impróprio» pelo corregedor da comarca de Valença, Manuel José da Cruz Mendes Taborda.

Por outro lado, se havia corregedores que consideravam absolutamente necessária a presença destes oficiais da Saúde em permanência nas suas regiões, outros julgavam-nos completamente desnecessários e as razões eram diversas. No primeiro caso, em Ervededo (Braga) «é muito necessário» pela comunicação com Espanha; em Coimbra, embora existisse um, na Figueira, consideravam que «devia haver noutros locais» (talvez devido à ampla extensão da costa); e em Valença que, para além do existente, devia ter outros em alturas de contágio, ainda que interinos, nas vilas de Valença e Valadares; e em Vila da Feira. No segundo caso, porque havia pouca comunicação com Espanha (Moncorvo); não havia portos de navegação (Guarda); o cargo poderia ser ocupado por «Juizes, e Cameras [que] superabundão para exercer suas funções» (Viana); em caso de urgência, as câmaras podiam nomear «homens habeis que inteiramente os desimpenhão» (Avis); ou ainda, na opinião do corregedor de Tomar, não eram de «absoluta necessidade», porque os juízes de fora, ordinários e almotacés tinham obrigação de tomar providências que eram encarregadas aos guardas da Saúde que só serviam «de perturbação no conflito de jurisdições acumuladas». São, fundamentalmente, estes três últimos corregedores a espelharem um dos maiores entraves e, por consequência, resistência ao estabelecimento da organização e gestão da saúde em diversas comarcas dos reinos devido aos “poderes” e “jurisdições” instituídos. Ou seja, como acima referimos, concorrência de poderes e conflitos com a desejada e não pretendida interferência do poder central nos poderes locais70.

Este facto torna-se ainda mais evidente quando analisamos as questões relativas aos ordenados e emolumentos. Dos 47 guardas-mores, apenas quatro tinham ordenado (Aveiro e Tavira), não existe informação relativamente a dez e, dos restantes 35, apenas nove recebiam emolumentos pelas visitas às embarcações, casos de Viana do Castelo, Valença, Aveiro, Coimbra e Lagos, e em Tomar «vinte réis por cada um defunto que se enterra naqueles distritos»71. As remunerações chegavam a ser consideradas muito baixas para o bom desempenho do ofício72. Vinte e quatro não recebiam qualquer tipo de pagamento. Sobre esta matéria, a opinião dos corregedores era divergente. Por um lado, embora alguns considerassem que os guardas-mores deveriam ser remunerados, não existiam verbas para proceder em conformidade: a câmara de Penafiel tinha «falta de rendimento»; em Ovar, o que havia sido nomeado no ano de 1804 «não se lhe asignou pela tenuidade das rendas do Concelho, assim como ao Escrivão, que para isso se nomeou»; em Valença julgava-se «que se lhe [devia] estabele[cer] na folha da Alfândega […] ao menos de doze mil réis»; o de Ovar já tinha feito o pedido mas havia sido recusado.

Por outro lado, havia quem considerasse absolutamente desnecessário tal dispêndio:

por não haver leis que lhas conceda e regulle, parecendo superflua esta despeza e mattição e não exigirem estes emprêgos hum trabalho asidu-o e regular, alem de recahirem em pessôas da maior reprezentação das Terras que do seu dezemteresse fazem ostentação em huma materia tão recommendavel73; porque como só tem exercicio em tempo em que há receio de Peste, e fora disto o seu trabalho hé nenhum tãobem se lhe não deve estabelecer, e quando aconteça terem trabalho digno de concideração, o que Deoz não permita será bastante o serem comtemplados com algum Previlegio onorifico.74

Por fim, porque as funções de guarda-mor haviam sido usurpadas por agentes locais com o consentimento das respetivas câmaras:

[As v]isitas às embarcações são feitas pelos Juízes de fora, que recebem, por cada visita, 400 réis pelas descobertas, 800 pelas cobertas e 50 pelas Cartas da Saúde, até 15:000 réis ano75; [os] guardas da saude […] só servem de perturbação no conflito de jurisdições acomuladas, e para isso não concorre razão para que se lhe deva estabelecer Ordenado algum76.

Não admira pois o rol de queixas ao provedor-mor da Saúde devido a «conflitos jurisdicionais» ocorridos em diversas comarcas dos reinos quando os guardas-mores tentavam desempenhar as funções para as quais haviam sido nomeados77, dificultando a gestão da saúde pública, problema que irá subsistir, pelo menos, até 1820 altura em que foi reclamada a «necessidade de estabelecer uma rede administrativa da Saúde em todo o país»78.

Quanto aos lazaretos79, a maioria das comarcas não os tinha, servindo-se de alguns edifícios em caso de necessidade, ou seja, perante ameaças de contágio. A exceção residia em Chaves (2), em Miranda (4), no Crato (3) e em Tavira (1).

Relativamente aos lazaretos para purificação de correspondência, a situação era ainda pior, existindo apenas em Tavira e Ervededo (Chaves). Em caso de contágio, algumas comarcas providenciavam edifícios para o efeito, como em Valença, em Viana do Castelo e em Tavira. O corregedor de Coimbra foi o único a apontar a necessidade de estabelecer um lazareto permanente na Figueira.

Por fim, as questões relativas aos cemitérios. Já em 1506 se tinha percebido a importância de enterrar os mortos fora dos adros das igrejas, nomeadamente, os que morriam infetados pela peste80. Embora a matéria fizesse parte das «novas preocupação sanitárias», desde o século XVIII até à data do inquérito não haviam sido adotadas medidas legislativas que obrigassem à construção destes espaços para a generalidade do país e, apesar de constarem em diversos regimentos da Saúde, só em 1796, através de uma portaria régia, D. Maria I ordenou a compra de terrenos para a construção de dois cemitérios em Lisboa81. O problema mantinha-se no início do século XIX, como ficou expresso na resposta aos Quesitos82, afirmando alguns corregedores que «não consta que traga dano à saúde pública»83. Contudo, a maioria deles era favorável à criação de cemitérios até fora das povoações, chegando a insurgir-se o corregedor de Tavira por as corporações religiosas continuarem a enterrar os seus membros nas igrejas. Como é sabido, este debate irá prolongar-se durante o Liberalismo, apesar da portaria de setembro de 1833 de D. Pedro proibir «os enterros nas igrejas, nos adros e nos claustros da capital» e só através da lei de 21 de setembro de 1835, extensível a todo o território do reino, se determina a construção de cemitérios fora dos limites das povoações84.

Era este o cenário apresentado à Junta de Inspecção da Saúde Contra a Peste85, ou Junta de Inspecção da Saúde, como já então a denominavam86. Apesar de não terem sido aqui enunciadas a maior parte das medidas empreendidas durante a regência de D. João VI, muitas delas tinham como finalidade e contribuíram para uma melhor organização da saúde na Corte e Reino87. Embora não tenha sido possível apurar a data da sua extinção, a Junta ainda se mantinha em funções em outubro de 180788 demonstrando que a instituição foi para além das funções e, carácter provisório, que tinham originado a sua criação. Ainda que tenham sido úteis para outros fins, os Quesitos e a própria Junta de Inspecção de Providências Contra a Peste serviram outrossim para o despertar da necessidade de estabelecer uma nova organização e administração da saúde nos reinos de Portugal e do Algarve que congregasse diversas valências, uma Junta de Saúde Pública que viria a ser criada em 28 de agosto de 181389. Como afirmou Maria Antónia Lopes para a temática assistencial «a fórmula pombalina, sistematizada e amplamente desenvolvida na regência de D. João, antecipa, em boa medida, as soluções assistenciais dos séculos XIX e XX»90.

 

CONCLUSÃO

Embora instituída com o objetivo de prevenir o contágio que grassava em Espanha, a criação da Junta de Providências Contra a Peste foi, talvez, a primeira tentativa para o estabelecimento de uma rede administrativa da saúde em todo o país. Como procurámos demonstrar, ao invés de ver os seus poderes limitados, devido às características da própria instituição e dos membros que a compunham, o presidente do Senado da Câmara de Lisboa e, consequentemente, o provedor-mor da Saúde da Corte e Reino viram os seus poderes reforçados na medida em que tinham ao seu dispor amplos poderes e recursos, concedidos pelo príncipe regente, para a gestão da saúde pública na Corte e no Reino, assumindo o carácter de instituição central nesta matéria. Como indicam as fontes, o sucesso desta “nova instância de poder” foi condicionado pela resistência de alguns municípios à implementação de regras emanadas pelo poder central, que a Junta e o Senado representavam, e pela falta de afirmação de algumas câmaras perante outros protagonistas locais; ou seja, o problema dos conflitos institucionais que só veriam resolução com a instauração do Liberalismo. Esta assunção é devida à riqueza dos dados que os Quesitos contêm, cuja informação muito poderá contribuir para aprofundar esta e outras análises – para completar estudos já existentes, confirmando-os, ou até depurar trabalhos já efetuados – os quais não cabem neste espaço. Por fim, importa salientar que o estabelecido nos regimentos da Saúde relativamente à fixação de guardas-mores, à instauração de lazaretos (para indivíduos, géneros e correspondência) e à construção de cemitérios, na maioria das comarcas dos reinos, não eram cumpridos, contrastando com o que se verificava na cidade de Lisboa e seu termo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

MANUSCRITAS

Arquivo Municipal de Lisboa

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Provimento da Saúde, Livro de ordens e determinações à secretaria da Junta da Saúde.

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Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas.

Provimento da Saúde, Pasta nº 2 de reais avisos expedidos das Secretarias de Estado.

Provimento da Saúde, Pasta nº 3 de papéis remetidos das Secretarias de Estado.

Provimento da Saúde, Pasta nº 5º da Provedoria-Mor da Saúde da Corte e Reino.

Provimento da Saúde, Pasta nº 8 dos papéis pertencentes à província do Alentejo.

Provimento da Saúde, Pasta nº 10 dos papéis pertencentes à província do Minho e Porto.

Provimento da Saúde, Pasta nº 4 de requisições e participações de Ministros e Tribunais de Soberanos Estrangeiros.

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IMPRESSAS

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Legislação Régia, Livro 1791-1801 [Em linha]. [Consult. 22/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/2/97/p681.

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Legislação Régia, Livro 1802-1810 [Em linha]. [Consult. 22/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p313.

Lei sobre a nova divisão administrativa, de 19 de Julho de 1790 determinada por D. Maria I. Legislação Régia, Livro 1775-1790 [Em linha]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/68/137/p141.

 

ESTUDOS

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Submissão/submission: 05/07/2020

Aceitação/approval: 11/09/2020

 

 

NOTAS

* Agradeço ao Nuno Martins (Arquivo Municipal de Lisboa) pelas sugestões e leitura cuidada do texto.

** Bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2012-2015), (com a bolsa de doutoramento referência SFRH/BD/78349/2011).

1 Prelecções do direito pátrio, público e particular […]. Primeira e segunda parte em que se trata das noções preliminares e do direito público português. Coimbra, 1793. Ver Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Provimento da Saúde, Livro do Regimento e Posturas da Casa da Saúde, Códice nº 5, 1526-09-27-1828-01-18; e HESPANHA, António Manuel – Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p. 429.

2 HERCULANO, Alexandre – História de Portugal desde o começo da Monarchia até ao fim do reinado de Affonso III. Lisboa: Aillaud&Bertrand, [ca. 1875]. livro VII, parte II; cf. MORENO, Humberto Baquero – Os municípios portugueses nos séculos XIII e XVI. Lisboa: Presença, 1986. p. 7-8.

3 Idem. p. 8.

4 HESPANHA, António Manuel – Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1984. p. 362; FERNANDES, Paulo Jorge – A organização municipal de Lisboa. In OLIVEIRA, César, dir. – História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 103. Sobre a eleição nas outras câmaras municipais, ver HESPANHA, António Manuel – Op. cit., p. 361-362.

5 Segundo as Prelecções do direito pátrio, público e particular […]. Primeira e segunda parte em que se trata das noções preliminares e do direito público português, Coimbra, 1793. Reproduzida em HESPANHA, António Manuel – Op. cit., p. 429n-430n, salienta-se que em «Lisboa já antes do Senhor D. Manuel havia hum Provedor da saude, para vigiar sobre os mantimentos, que vem de fóra do Reino.»

6 Miguel Gomes Martins assinala para esta data cinco vereadores: António Dias; Duarte da Costa; Fernão de Pina Marecos; Henrique Jacques; Simeão Cabral. MARTINS, Miguel Gomes – A evolução Municipal de Lisboa: pelouros e vereações. Lisboa: Câmara Municipal, 1996. p. 70.

7 HESPANHA, António Manuel – Op. cit., p. 362. Em 1585 aumentaram para quatro e em 1591 passaram para seis vereadores. Após a divisão do Arcebispado de Lisboa e a consequente divisão em duas dioceses, D. João V, em 15 de janeiro de 1717, ordenou o estabelecimento de dois senados, o que veio a efetivar-se, mantendo-se os seis vereadores, três em cada um deles, contudo com apenas uma presidência (a outra não chegou a concretizar-se). Idem, p. 362-364.

8 Prelecções do direito pátrio, público e particular […]. Primeira e segunda parte em que se trata das noções preliminares e do direito público português, Coimbra, 1793. Reproduzida in HESPANHA, António Manuel – Op. cit., p. 429.

9 AML, Provimento da Saúde. O mesmo foi já notado por José Subtil a partir do início do século XVIII até princípio do seguinte. SUBTIL, José – O Antigo Regime da saúde pública entre o Reino e o Brasil. Revista Ultramares. V. 1 Nº 8 (ago-dez 2015), p. 42-43.

10 Como ABREU, Laurinda – A luta contra as invasões epidémicas em Portugal: políticas e agentes, séculos XVI-XIX. Ler História. Nº 73 (2018), p. 4. [Consult. 16/6/2020]. Disponível na Internet: https://journals.openedition.org/lerhistoria/4118.

11 CUNHA, Mafalda Soares da – Práticas do poder senhorial à escala local e regional (fins do século XV a 1640). In OLIVEIRA, César, dir. – História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 153.

12 AML, Livro 1º do Provimento da Saúde, f. 3-4v. Entre outras medidas, como: estabelecimento do lazareto no Porto, em S. Nicolaínho, em 1448; construção de um hospital de isolamento (casa da saúde) de emergência para infetados com peste, em Évora, 1482.

13 Veja-se, também, o estudo para os séculos XIV e XV, TAVARES, Maria José Ferro – A política municipal de saúde pública: séculos XIV-XV. Revista de História Económica e Social. Nº 19 (1987), p. 17-32.

14 AML, Provimento da Saúde, Livro de memória de vários documentos sobre matérias da saúde, f. 53v-54v.

15 Embora até ao século XVIII elas tenham tido uma conceção distinta. Ver SUBTIL, José – O Antigo Regime da saúde pública entre o Reino e o Brasil. Revista Ultramares. V. 1 Nº 8 (ago-dez 2015), p. 39-66. D. Manuel, através do alvará de 3 de abril de 1502, impunha já «regras arquitectónicas» com a finalidade de evitar a «proximidade das fachadas» dos edifícios, a bem da «defesa da saúde dos habitantes», de forma a evitar maior contágio de peste, numa cidade com cerca de «cem mil habitantes» em meados do século. Cf. FRANÇA, José Augusto – Lisboa: história física e moral. Lisboa: Livros Horizonte, 2008. p. 133-134.

16 SÁ, Maria de Fátima – A luta contra os cemitérios públicos no século XIX. Ler História. Nº 30 (1996), p. 19.

17 LOPES, Maria Antónia – A intervenção da Coroa nas instituições de protecção social de 1750 a 1820. Revista de História das Ideias. V. 29 (2008), p. 133.

18 OLIVEIRA, Luísa Tiago de – A saúde pública no vintismo. Lisboa: João Sá da Costa. 1992. p. 3-4.

19 OLIVEIRA, César – Os municípios no liberalismo monárquico constitucional. In OLIVEIRA, César, dir. – História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 195.

20 HESPANHA, António Manuel; SUBTIL, José – Corporativismo e Estado de Polícia como modelos de governo das sociedades euro-americanas do Antigo Regime. In GOUVÊA, F.; FRAGOSO, J., org. – O Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 127-166. SUBTIL, José – Actores, territórios e redes de poder, entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Curitiba: Juruá Editora, 2011. Ver, também, recente trabalho de SUBTIL, José – O Estado de Polícia, Revolução e Estado Liberal (1760-1865): “Em homenagem a António Manuel Hespanha”. Cadernos do Arquivo Municipal, [Em linha]. 2ª Série Nº 14; (julho-dezembro 2020), p. 15-40. Disponível na Internet: http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/investigacao/cadernos-do-arquivo-municipal/2-serie/numero-14/03_hespanha.pdf.

OLIVEIRA MARQUES, A. H. de – Breve História de Portugal. Lisboa: Presença, 1998. p. 424-425.

21 Para o período liberal ver OLIVEIRA, Luísa Tiago de – A crise do Antigo Regime e as Cortes Constituintes de 1821-1822. In PEREIRA, Miriam Halpern, dir. – A saúde pública no vintismo: estudo e documentos. Lisboa: João Sá da Costa, 1992. vol. 4; e ABREU, Laurinda – A luta contra as invasões epidémicas em Portugal: políticas e agentes, séculos XVI-XIX. Ler História [Em linha]. Nº 73 (2018), p. 93-120. [Consult. 16/05/2020]. Disponível na Internet: https://journals.openedition.org/lerhistoria/4118?lang=pt.

22 SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da – Território e poder: nas origens do Estado contemporâneo em Portugal. Carnaxide: Patrimonia, 1998. p. 65-66.

23 ABREU, Laurinda – Op. cit. , p. 4.

24 Entre os quais, – Idem, p. 34.

25 Idem, p. 26.

26 PT/OF/CDF/D/012/L. Lei pela qual é criada a Junta do Protomedicato [Em linha]. [Consult. 30/06/2020]. Disponível na Internet: http://www.cdf.pt/archeevo/viewer?id=1004404&FileID=159806; A junta viria a ser extinta por D. João, através do alvará de 7 de janeiro de 1809, ordenando que os cirurgião-mor e físico-mor «exercitem a sua competente jurisdição nos Reynos de Portugal, e Algarve por meio de seus delegados». AML, Chancelaria Régia, Livro 2º de registo de consultas e decretos de D. Maria e regência de D. Pedro, f. 11v a 12v. Sobre o tema ver SUBTIL, Carlos – A saúde pública e os enfermeiros entre o vintismo e a Regeneração (1821-1852). Lisboa: [s.n.], 2013. Tese de doutoramento em História e Filosofia da Enfermagem, apresentada à Universidade Católica Portuguesa, p. 66-76.

27 John Howard (1726-1790), «a philanthropist and social reformer, Howard was dedicated to prison reform and public health improvements.». Ver John Howard (1726-1790). In BBC [Em linha]. [London]: BBC, cop. 2014. [Consult. 21/04/2020]. Disponível na Internet: http://www.bbc.co.uk/history/historic_figures/howard_john.shtml.

282 AML, Provimento da Saúde.

29 AML, Provimento da Saúde; Legislação Régia, Livro 1791-1801 [Em linha]. [Consult. 22/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/2/97/p681.

30 Fidalgo da Casa Real, do Conselho do Príncipe Regente, professo na Ordem de Cristo, desembargador no Tribunal do Senado da Câmara de Lisboa, juiz conservador dos Privilégios com Inibição às mais Justiças, deputado da Real Fazenda, e Estado do Conselho das Senhoras Rainhas de Portugal, superintendente da Real Fazenda, e Foros de Nossa Senhora d’Ajuda, Belém, e de Mafra.

31 Legislação Régia, Livro 1802-1810 [Em linha]. [Consult. 22/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p311.

32 Na documentação, também aparecem as denominações de Real Junta da Inspecção da Saúde e Junta da Inspecção da Saúde. cf. AML, Provimento da Saúde, Livro do Provimento da Saúde: documentação diversa, f. 9-9v e 297-301v. e AML, Provimento da Saúde, Livro 2º de notas de saída de documentos da Junta da Inspecção da Saúde, 1804-12-01 – 1807-10-09, respetivamente.

33 Legislação Régia, Livro 1802-1810 [Em linha]. [Consult 16/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p313.

34 Compunham a referida Junta, como oficiais, um tesoureiro, Venceslau Bernardino da Costa (novembro 1804), um meirinho, um oficial de diligências, três contínuos e dois oficiais da secretaria. Foi também criada uma Comissão de Providências sobre Peste no Reino do Algarve, cujo juiz comissário era José Anastácio Lopes Cardoso, sobre quem recaiu a responsabilidade de nomear os membros da comissão. Esta contava com, pelo menos, um escrivão e um meirinho; e outra para a província do Alentejo, cujo comissário era o desembargador José Paulo de Carvalho. AML, Provimento da Saúde, Livro do provimento da Saúde: documentação diversa, f. 1-6v e 11-11v e 81-81v e 83-83v, 148-148v, 154-156v, 251-252v.

35 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 13 de ordens e determinações à secretaria da Junta da Inspecção de Saúde, Livro de ordens e determinações à secretaria da Junta da Saúde, 22 de outubro de 1805, f. 43-46v.

36 AML, Provimento da Saúde, Livro do Provimento da Saúde: documentação diversa, f. 146-147v.

37 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 3 de papéis remetidos das Secretarias de Estado; Legislação Régia, Livro 1802-1810 [Em linha]. [Consult. 16/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p313.

38 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 2 de reais avisos expedidos das Secretarias de Estado, Palácio de Mafra, 22 de outubro de 1804, visconde de Anadia, dirigido ao 2º marquês de Pombal. doc. 1, f. 2-3v.

39 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 3 de papéis remetidos das Secretarias de Estado, f. 9-14v.

40 Legislação Régia, Livro 1802-1810[Em linha]. [Consult. 16-04-2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p313.

41 Ver, por exemplo: AML, Pasta nº 5 da Provedoria-Mor da Saúde da Corte e Reino, f. 2-7v, f. 18-19v; Pasta nº 8 dos papéis pertencentes à província do Alentejo, f. 340-355v, 370-371v; Pasta nº 10 dos papéis pertencentes à província do Minho e Porto, f. 32-77v.

42 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 4 de requisições e participações de Ministros e Tribunais de Soberanos Estrangeiros, 8 a 14 de novembro de 1804, f. 9-16v.

43 Em 8 de dezembro de 1805, o comandante interino da Praça de Setúbal informava o presidente do Senado da Câmara de Lisboa que tinham sido encontrados sete cadáveres nas praias da Comporta e de Tróia juntamente com vários destroços de naus de guerra. AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 7 da Corte e Província da Estremadura, f. 165 a 166v.

44 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 4 de requisições e participações de Ministros e Tribunais de Soberanos Estrangeiros, 19 a 24 de dezembro de 1804, f. 31-32v.

45 Embora este tipo de medidas fosse adotado pela maioria das nações, seria interessante verificar de que forma as medidas de quarentena condicionavam as relações entre Portugal e outros países. De salientar a existência de um regimento sobre os princípios a adotar em todos os portos do continente e conquistas relativamente aos corsários das potências beligerantes «emquanto não Manda formalizar hum Systema mais amplo de Policia Maritima». AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 3 de papéis remetidos pelas Secretarias de Estado, f. 215-222v.

46 Legislação Régia. Livro 1802-1810. [Em linha]. [Consult. 22/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p313.

47 Ver Anexo I. AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 3 de papéis remetidos das Secretarias de Estado, f. 2 a 2v, datada de 25 de Outubro de 1804.

48 Legislação Régia. Livro 1802-1810. [Em linha]. [Consult. 22/04/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p313.

49 AML, Provimento da Saúde, Livro de ordens e determinações à secretaria da Junta da Saúde, f. 86 a 87v. Ver Anexo I.

50 AML, Provimento da Saúde, Livro de ordens e determinações à secretaria da Junta da Saúde, f. 86 a 87v.

51 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, f. 1 a 2v.

52 Cf. ABREU, Laurinda – A luta contra as invasões epidémicas em Portugal: políticas e agentes, séculos XVI-XIX. Ler História. Nº 73 (2018), p. 8, apesar de não indicar a fonte.

53 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, f. 1 a 2v. Lisboa em 18 de fevereiro de 1805. «Com Rubrica do Primeiro Deputado o Sñr [2º] Marques de Pombal». Assinado por Francisco Joaquim Coelho Freire. Esta transcrição e seguintes são fiéis aos originais.

54 Lei sobre a nova divisão administrativa, de 19 de julho de 1790 determinada por D. Maria I. Legislação Régia, Livro 1775-1790 [Em linha]. [Consult. 11/03/2020]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/68/137/p141.

55 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas.

56 Embora exista muita documentação trocada entre a Junta de Inspecção e aquela comarca, não constam os dados do inquérito relativos ao Porto. Seria interessante efetuar uma investigação aturada e verificar se esta ausência se deve a uma disputa de autoridade. AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 3 de papéis remetidos pelas Secretarias de Estado, f. 81-84v, em 16 de janeiro de 1805.

57 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, f. 245-249. Numa investigação mais aturada seria conveniente perceber se os juízes territoriais, de facto, não responderam por incapacidade ou se seria por conflito entre estes e o corregedor da comarca de Miranda.

58 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas. Resposta do corregedor de Ourique ao inquérito sobre saúde pública, dirigido ao secretário da Junta de Inspecção, Francisco Joaquim Coelho Freire, 20 de julho de 1805, f. 11-12v.

59 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de decretos e consultas do Provimento da Saúde, f. 11.

60 MONTEIRO, Nuno Gonçalo – O espaço político e social local. In OLIVEIRA, César, dir. – História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 122-123.

61 FRANÇA, José-Augusto – Lisboa: história física e moral. Lisboa: Livros Horizonte, 2008. p. 485.

62 SERRÃO, José Vicente – População e rede urbana nos séculos XVI-XVIII. In OLIVEIRA, César, dir. – História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 69.

63 SERRÃO, José Vicente – População e rede urbana nos séculos XVI-XVIII. In OLIVEIRA, César, dir. – História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 69.

64 Ibidem.

65 Nomeadamente, SERRÃO, José Vicente – O quadro humano. In MATTOSO, José – História de Portugal. Lisboa: Presença, 1998. vol. 4 – O Antigo Regime, p. 43-65.

66 Durante o ano de 1804, por exemplo, são estabelecidos cordões sanitários em todas as comarcas do Reino, sendo do conhecimento da Provedoria-mor da Saúde. AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 10 dos papéis pertencentes à província do Minho e Porto, Carta sobre o cordão do Porto, 24 de dezembro de 1804 a 7 de janeiro de 1805; AML, Provimento da Saúde, Livro do Provimento da Saúde: documentação diversa; ver também ABREU, Laurinda – Op. cit.

67 AML, Provimento da Saúde, diversas pastas contendo correspondência trocada entre a Provedoria-mor da Saúde e diversas comarcas dos reinos.

68 Inteiramente elaborado com fontes existentes no AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de decretos e consultas do Provimento da Saúde, 1-249v. Infelizmente, não constam dados relativos a outros oficiais da Saúde, como escrivães, meirinhos, guardas da bandeira, intérpretes, etc., à exceção do corregedor de Lagos que lhes faz referência para as localidades de Lagos e Portimão.

69 Nesta última foram nomeados dois guardas-mores que já não estavam ao serviço na altura do inquérito.

70 Sobre a administração periférica no Antigo Regime e as reformas administrativas no período liberal ver MANIQUE, António Pedro – O poder municipal ou poder administrativo? Um conflito entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo (1834-1835). Cadernos do Arquivo Municipal [Em linha]. 2ª Série Nº 2 (julho-dezembro 2014), p. 243-269. Disponível na Internet: http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/Cadernos/2serie/2/antoniom.pdf.

71 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, Resposta do corregedor de Tomar ao inquérito sobre saúde pública, f. 66-73v.

72 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, Resposta do corregedor de Viana do Castelo ao inquérito sobre saúde pública, f. 60-65v.

73 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, Resposta do corregedor de Bragança ao inquérito sobre saúde pública, f. 82-110v.

74 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, Resposta do corregedor de Castelo Branco ao inquérito sobre saúde pública, f. 236-244v.

75 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, Resposta do corregedor de Barcelos ao inquérito sobre saúde pública, f. 5-10v.

76 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, Resposta do corregedor de Tomar ao inquérito sobre saúde pública, f. 66-73v.

77 AML, Provimento da Saúde, Pastas diversas.

78 OLIVEIRA, Luísa Tiago de – A saúde pública no vintismo. Lisboa: Sá da Costa, 1992. p. 14.

79 Ver tabelas em Anexo II.

80 AML, Provimento da Saúde, Cópia do livro 1º do Provimento da Saúde, f. 29-29v.

81 SÁ, Maria de Fátima – A luta contra os cemitérios públicos no século XIX. Ler História. Nº 30 (1996), p. 20.

82 Ver tabela em Anexo III.

83 AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, Resposta do corregedor da comarca de Barcelos, f. 5-10v.

84 SÁ, Maria de Fátima – A luta contra os cemitérios públicos no século XIX. Ler História. Nº 30 (1996), p. 20. Ver também, entre outros, CATROGA, Fernando – Morte romântica e religiosidade cívica. In MATTOSO, José, dir. – História de Portugal. Lisboa: Estampa. 1998. vol. 5 – O liberalismo, p. 505-514.

85 Seria interessante analisar as medidas adotadas pela Junta de Inspecção Contra a Peste para resolver os problemas apontados pelos corregedores, o que não foi feito no presente texto porque obrigava a uma consulta de várias fontes e aumento da bibliografia, incomportável num artigo desta natureza. Esta análise pode vir a ser efetuada com base, também, em fontes existentes no Arquivo Municipal de Lisboa.

86 Na documentação, esta designação aparece pelo menos desde 27 de dezembro de 1804.

87 Como é percetível, por exemplo, no registo, em livro próprio, do cargo de cabeças da saúde das diversas freguesias de Lisboa, em exercício em 1 de janeiro de 1808, cujas tomadas de posse haviam sido efetuadas nos anos anteriores. AML, Provimento da Saúde, Livro de assentamentos dos cabeças da saúde, 1756/07/06 – 1808/03/22, f. 1-97.

88 AML, Provimento da Saúde, Livro 2º de notas de saída de documentos da Junta de Inspecção da Saúde.

89 Sobre a Junta de Saúde Pública ver SUBTIL, Carlos – A saúde pública e os enfermeiros entre o vintismo e a Regeneração (1821-1852). Lisboa: [s.n.], 2013. Tese de doutoramento em História e Filosofia da Enfermagem, apresentada à Universidade Católica Portuguesa. p. 76-82.

90 LOPES, Maria Antónia – A intervenção da Coroa nas instituições de protecção social de 1750 a 1820. Revista de História das Ideias. V. 29 (2008), p. 175.

91 Fonte: AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 3 de papéis remetidos das Secretarias de Estado, f. 2 a 2v, datada de 25 de outubro de 1804.

92 Fonte: AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, f. 1-249v.

93 Fonte: AML, Provimento da Saúde, Pasta nº 1 de Decretos e Consultas, f. 1-249v.

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