SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 número13Entre a autogestão e o controlo operário: os casos da Setenave e Sogantal durante o período revolucionário português (1974-1975)Luz e sombra: 100 imagens do mundo operário no limiar do século XX índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.13 Lisboa jun. 2020

 

ARTIGO

 

Um palacete, dois projetos: Palacete Mendonça (1900 e 1902)*

One Palace, two projects: Mendonça Palace (1900 and 1902)

 

Júlia Zurbach Varela**

**Júlia Zurbach Varela, CHAIA – Centro de História de Arte e Investigação Artística da Universidade de Évora, Universidade de Évora, 7000-809 Évora Portugal.juliazvarela@gmail.com

 

 

RESUMO

O Palacete Mendonça, situado em Lisboa, na Rua Marquês da Fronteira, foi construído para o roceiro Henrique Mendonça, entre 1900 e 1909, segundo projeto do Arquiteto Miguel Ventura Terra. O presente artigo dá a conhecer um primeiro projeto para este mesmo edifício que, apesar de não questionar a cronologia estabelecida, obriga a rever a questão da atribuição exclusiva da autoria desta obra a Ventura Terra. O objetivo deste artigo, apresentando um projeto até agora desconhecido, é também o de reiterar o papel fundamental de Ventura Terra no desenvolvimento do projeto desta obra de referência do ecletismo do virar do século. Reafirma-se que o palacete é um exemplar particularmente relevante para o estudo da obra deste autor, pelo modo como, no seu processo, confirmou o caráter consequente e informado da sua prática, no contexto da afirmação da profissão de arquiteto em Portugal do início do século XX.

 

PALAVRAS-CHAVE

PALAVRAS-CHAVE

Ecletismo / Miguel Ventura Terra / Rafael da Silva Castro / Arquitetura Doméstica

 

ABSTRACT

The Mendonça Palace, located in Lisbon at Rua Marquês da Fronteira, was built for the colonial settler Henrique Mendonça, between 1900 and 1909, according to the design of the architect Miguel Ventura Terra. This article introduces an earlier project for this same building which, despite not questioning the established chronology, invites us to revise the exclusive attribution of the authorship of this work to Ventura Terra. The presentation of this first project seeks, more than to question the authorship of Ventura Terra, to reiterate its fundamental role as a work of reference during the Eclecticism period at the turn of the century, and in this way, to reaffirm this building as of particular relevance to the study of Ventura's work, due to the way it confirms the consistent and informed character of his practice, in the context of a burgeoning architectural profession in Portugal at the beginning of the 20th century.

 

KEYWORDS

Eclecticism / Miguel Ventura Terra / Rafael da Silva Castro / Mendonça Palace / Domestic Architecture

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

Construído para o próspero roceiro Henrique Mendonça (1864-1942)1, no Alto do Parque Eduardo VII, nos terrenos da antiga Quinta do Seabra, o Palacete Mendonça é uma obra de referência da arquitetura eclética em Portugal. Em 1909, o reconhecimento da crítica era dado pela atribuição do Prémio Valmor, assim como pela ampla cobertura que a imprensa especializada deu ao edifício aquando da sua inauguração, reconhecendo o inexcedível bom gosto do proprietário e o génio de Miguel Ventura Terra (1866-1919)2, o mais aclamado arquiteto de Lisboa à época.

Nos dias de hoje, o bom estado de conservação do edifício e o facto de este se ter mantido praticamente inalterado desde a sua construção conferem ao Palacete Mendonça um carácter de edifício-documento3, cuja circunstância particular convida a uma abordagem mais centrada no estudo do edifício do que nas menos abundantes fontes de arquivo. De facto, sem que haja notícia da existência de informação sobre este projeto nos arquivos do seu autor, o conjunto de documentação mais relevante sobre o palacete conhecido até hoje está depositado no Arquivo Municipal de Lisboa, no respetivo volume de obra4. Apesar de o conjunto de processos constantes neste volume permitir sequenciar de forma relativamente linear o processo de projeto e obra do edifício, persistem dúvidas acerca de um primeiro projeto, entregue no ano de 1900, e cuja atribuição a Ventura Terra, não sendo inequívoca, seria, por várias razões, muito provável5. Foi possível agora conhecer essa primeira proposta elaborada para Henrique Mendonça, para a antiga Quinta do Seabra, e perceber que, apesar da semelhança entre esta primeira proposta e o projeto que foi construído, o autor deste primeiro projeto terá sido, muito provavelmente, Rafael da Silva Castro e não Miguel Ventura Terra.

 

OS PROJETOS E A SUA DOCUMENTAÇÃO

O volume de obra referente ao Palacete Mendonça existente no Arquivo Municipal de Lisboa dá conta da entrega de vários projetos para o lote de Henrique Mendonça entre o ano de 1900 e o ano de 1909, data em que o edifício foi concluído. Nesse período, são entregues projetos para a portaria, para as arrecadações e para a vedação da propriedade6, além de dois projetos para o Palacete: um primeiro em 19007, seguido de um pedido de alterações em 19028. O projeto de alterações é precedido, em poucas semanas, da entrega de um novo termo de responsabilidade pela obra, até então assumida por Rafael da Silva Castro e que passará a estar a cargo de João Pedro dos Santos, a partir de julho de 19029.

Se este segundo projeto está documentado graficamente com um conjunto de plantas, cortes e alçados que correspondem, praticamente na íntegra, ao edifício tal como ele foi construído, o primeiro projeto, entregue em 1900, não contém qualquer tipo de peças desenhadas, mas apenas documentos processuais como cálculos para pagamento de taxas, com a respetiva relação de áreas, assinados ou pelo cliente, ou por Rafael da Silva Castro. Dois elementos constantes neste volume de obra permitiam, no entanto, deduzir alguma informação a respeito desta primeira proposta. Por um lado, a mancha de implantação e a localização do projeto de 1900 seria muito semelhante à do projeto que veio a ser construído, conforme atesta a “Planta topográfica” no licenciamento da portaria, entregue em janeiro de 1901; e por outro, o pagamento adicional de taxas em 1902, dá conta de um aumento de 785m2 de área de um projeto para o outro10.

 

 

 

 

O acesso a um novo fundo documental permitiu conhecer outro projeto para o Palacete que, ao que tudo indica, é anterior ao projeto de alterações de 1902 e pode mesmo corresponder ao primeiro projeto, de novembro de 190011. Sem que tenha sido encontrada, ainda, qualquer peça escrita associada a este projeto, a nova documentação consiste num conjunto de dez aguarelas, todas com a mesma dimensão, com plantas, cortes e alçados do projeto para um Palacete, à escala 1:100, sem legenda nem data, mas com a assinatura “Rafael Castro”. Semelhante, nas suas linhas gerais, ao Palacete tal como ele veio a ser construído, estes desenhos confirmam ambos os dados conhecidos acerca deste projeto: no que se refere à diferença de áreas, mas também à mancha de implantação, que é perfeitamente coincidente com aquela da planta de conjunto incluída no projeto da portaria. De facto, apesar de se tratar de uma representação muito esquemática, o desenho das escadas exteriores do edifício corresponde à solução apresentada neste conjunto de aguarelas e não àquela do projeto de alterações de 1902.

 

Rafael Castro

Nascido em 1865, filho de Rafael da Silva Castro, aquele que era conhecido pelos nomes de Rafael Castro, Rafael da Silva Castro ou ainda como Rafael da Silva Castro Júnior, foi funcionário público em diversos Serviços e Direções Gerais sob a tutela do então Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria.

O seu pai, Rafael da Silva Castro, ingressou na função pública como aprendiz de canteiro, passou à categoria de desenhador, depois de ter frequentado, sem, no entanto, ter concluído a Aula de Desenho da Inspeção das Obras Públicas12. A sua longa carreira na função pública levá-lo-á ainda à categoria de condutor de obras públicas, para acabar a sua carreira como arquiteto de 1ª classe, nomeado em 1886.13 Apesar de nunca ter assumido cargos de grande protagonismo, o seu nome está associado a algumas das obras mais emblemáticas do século XIX em Lisboa14, vindo também a assinar em nome próprio o projeto para o edifício do Real Gabinete de Leitura, no Rio de Janeiro, concluído em 1888. Morre quatro anos mais tarde, em 1892, sendo substituído pelo “conductor de 3ª classe Rosendo Garcia d'Araújo Carvalheira”15, no cargo que então ocupava de “chefe da secção de architectura numero dois”16 do Serviço da Direção de Obras Públicas do Distrito de Lisboa.

Rafael da Silva Castro Júnior, adiante designado por Rafael Castro, será apresentado, anos mais tarde, e já depois da morte de Rafael da Silva Castro, como discípulo do seu pai17, não havendo, por enquanto, conhecimento de uma efetiva colaboração entre os dois, quer em obra privada, quer em obra pública, apesar de terem estado em simultâneo ao serviço das Obras Públicas durante um período de cerca de dez anos.

De facto, Rafael Castro ingressou na Direção das Obras Públicas do Distrito de Lisboa em janeiro de 188318, enquanto ainda frequentava o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa19. Olheiro-desenhador num primeiro momento, ascende a desenhador de 1ª classe em 1887, tendo-se mantido nesta categoria até à cessação da sua atividade como funcionário público, em 1926. Não são conhecidas em detalhe as obras que realizou ou em que colaborou durante a sua carreira profissional, mas sabe-se que, tal como o seu pai, Rafael Castro foi um dos atores na longa história do restauro do Mosteiro dos Jerónimos, tendo obtido uma Portaria de Louvor20 no concurso em que participou para o restauro da Igreja de Santa Maria de Belém e para a transformação da Ala Sul em Museu Nacional, em 189621.

Se a carreira profissional do seu pai é marcada, aparentemente, por uma certa constância na sua atividade ao serviço das Obras Públicas, o percurso de Rafael Castro denota, pelo contrário, alguma errância e inconstância no serviço prestado enquanto funcionário. Para além de ter transitado com frequência entre vários serviços e direções gerais dependentes do então designado Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOPCI)22, o seu percurso será marcado pelo pedido frequente de licenças, com e sem vencimento, que o afastaram dos vários serviços em que esteve colocado, por períodos mais ou menos longos. Sofria de doença crónica, o que o obrigou a ausentar-se com alguma frequência por motivos médicos mas, para além disso, outras licenças foram sendo requeridas para “tratar de negócios particulares”, uma vez que, paralelamente à sua atividade como funcionário público, Rafael da Silva Castro Júnior dirigia com alguma frequência obras particulares23, estando mesmo inscrito no registos dos construtores da Câmara Municipal de Lisboa24.

De facto, no período de cerca de ano e meio em que foi responsável técnico da obra do Palacete Mendonça, Rafael da Silva Castro Júnior solicitou várias licenças aos serviços a que estava então afeto25. Estará ausente todo o mês de setembro de 1900, “fora do reino”, voltando a gozar de nova licença, agora por 90 dias, para tratar de negócios pessoais, a partir de 12 de novembro de 1900, período no qual entrega o pedido de licenciamento do primeiro projeto do palacete e o projeto para a portaria, em paralelo com o arranque da obra. Terá regressado ao serviço a meio do mês de fevereiro de 1901, para voltar a pedir duas licenças consecutivas que o afastaram do seu trabalho enquanto funcionário público entre abril e novembro de 1901. A partir dessa data e até 1907, quando pede licença “para se tratar” novamente, não haverá, ao que tudo indica, mais ausências ao seu trabalho na função pública. Será aliás nesse período que colabora, como condutor de Obras Públicas, na obra do edifício da Assistência Nacional aos Tuberculosos, ao Cais do Sodré, da autoria de Rosendo Carvalheira, inaugurado em 1906. O bom desempenho na condução dos trabalhos valer-lhe-á a atribuição do Grau de Cavaleiro da Ordem de Santiago, nesse mesmo ano, “pela forma distintérrima como se houve e pela inteligência e inexcedível zelo com que se dedicou para o bom êxito na Construção do edifício”26.

 

DESENHADOR OU PROJETISTA: A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DA SNBA EM 1901

Que o autor deste conjunto de aguarelas agora conhecido é Rafael Castro parece claro e irrefutável, mas resta ainda esclarecer se as assina enquanto desenhador ao serviço de um projetista, ou se é, ele próprio, o projetista. O catálogo da 1ª Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes parece conter pistas para a resposta a esta questão, ao dar conta da presença, nessa exposição, de um projeto para um “Palácio em construção na Quinta do Seabra à circunvalação”, em que Rafael Castro, “discípulo do fallecido architecto Raphael de Castro (…)”, surge como autor27. O projeto esteve incluído na Secção de Arquitetura desta grande exposição de arte organizada pela recém-criada Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), inaugurada a 15 de maio de 190128, momento em que Rafael Castro era o responsável pela obra do palacete.

Se as notícias da imprensa generalista sobre a inauguração destra mostra praticamente ignoram a secção de arquitetura29, do lado da imprensa especializada, pelo contrário, A Construcção Moderna dá especial destaque aos arquitetos representados, congratulando-se pelo número de trabalhos expostos. Num extenso artigo publicado em junho de 1901, descrevem-se ainda os trabalhos apresentados pelos oito autores representados na exposição, todos eles jovens arquitetos nascidos na década de 70 do século XIX: Raul Lino, Norte Júnior, Álvaro Machado e António Couto, entre outros. Rafael Castro vê-se assim rodeado, nesta ocasião, de alguns dos mais promissores jovens arquitetos do virar de século com o projeto do seu “magnífico” palácio que, refere o artigo, está já em construção30. Em julho de 1901, A Construcção Moderna publica o projeto para uma “Casa de Jantar, em nogueira, estylo Luiz XIV”, do arquiteto Álvaro Machado, dando assim início à edição de uma série de números onde são publicados os projetos expostos na SNBA, à razão de um por número31. Aquando da publicação do quarto e quinto projetos desta série, em setembro de 1901, A Construcção Moderna publica uma listagem dos projetos já publicados e a publicar e, estranhamente, não há qualquer referência a Rafael Castro e ao seu projeto para um palácio32, que, efetivamente, nunca virá a ser publicado.

Nem a imprensa da época, nem o catálogo da própria exposição contêm qualquer reprodução dos materiais expostos por Rafael Castro na SNBA e a listagem dos elementos expostos, constante no catálogo da exposição de 190133, pode ainda deixar margem para alguma indefinição. Porém, a dimensão das peças expostas tal como estão elencadas no catálogo da exposição coincide perfeitamente com a dimensão destas aguarelas34 e, para além disso, a moldura da aguarela da fachada principal do edifício guarda, ainda hoje, um papel colado, onde o texto, parcialmente apagado, permite ainda ler “Premiado com [...] Medalha”, numa muito provável menção a uma medalha de 3ª ordem que terá sido atribuída a Rafael Castro nesta mostra35.

 

UM NOVO PROJETO, UMA OBRA EM CURSO

O facto de, em setembro de 1901, A Construcção Moderna já não prever a publicação do projeto de Rafael Castro, tem muito provavelmente que ver com problemas na obra que, ao que indica a documentação consultada, estaria, em dezembro de 1901, parada36. Certo é que, em julho do ano seguinte, Rafael Castro deixa de ter a responsabilidade técnica da obra e, dois meses depois, é entregue um projeto de alterações ao projeto, da autoria de Ventura Terra. A documentação existente não permite ainda identificar os motivos e o momento exatos do afastamento de Rafael Castro, nem as circunstâncias da entrada de Ventura Terra no processo. Estas mudanças terão tido lugar no período de cerca de um ano que decorreu entre a exposição do projeto na SNBA, em maio de 1901, e a entrada de novos responsáveis pelo projeto e obra entre julho e setembro de 1902. Ao que tudo indica, o Caderno de Encargos do projeto de alterações de 1902 terá sido elaborado ainda em 1901, não havendo, no entanto, registo de pagamentos a Ventura Terra por trabalhos elaborados para o palacete, anteriores a dezembro de 190237.

 

 

 

 

Certo é que o projeto de alterações de 1902 é realizado não apenas sobre um projeto existente e aprovado pela Câmara de Lisboa, mas também sobre um edifício cuja construção tinha já sido iniciada. Não há dúvidas a esse respeito, uma vez que o Caderno de Encargos do projeto de alterações refere expressamente a existência de alguns elementos já construídos no local, mais precisamente ao nível do piso térreo. No ponto nº 3, respeitante às alvenarias, pode ler-se: “As paredes do rez-do-chão – apezar da parte que já se encontra executada – terão a disposição indicada no projeto – demolindo e construindo-se de novo o que para esse effeito seja necessário.”38 De facto, o esquema de compartimentação do piso térreo é igual em ambos os projetos e determina a matriz espacial dos pisos superiores. Assim, o projeto de 1902 trabalha não apenas sobre uma linha de limite do construído já definida, correspondente à mancha de implantação de 1900, mas também sobre uma matriz de desenho, definida pela grelha de muros que constituem os alicerces do edifício, e que determina o fundamental do desenho e dimensão dos espaços interiores do Palacete.

 

 

 

 

As diferenças entre os dois projetos são tão subtis quanto substanciais e decorrem diretamente do facto de se tratar de alterações a uma obra em curso, o que permite entender a natureza das transformações operadas sobre o primeiro projeto de 1900, mas também o facto de, no essencial, a matriz espacial, organização programática do conjunto e mesmo a matriz de desenho dos alçados, ter sido mantida. De facto, os dois projetos adotam uma mesma tipologia de planta centralizada e uma distribuição canónica dos grandes conjuntos de funções por pisos, onde se encontram os serviços no piso semienterrado, os espaços de representação no piso intermédio e espaços para a intimidade no piso superior. Seguindo este mesmo esquema de organização, a proposta de 1902 acrescenta mais um piso de quartos, imediatamente acima daquele que já estava previsto, reforçando a centralidade do grande hall de duplo pé-direito, em torno do qual se distribuem os novos compartimentos.

Não sendo possível fazer, no âmbito deste artigo, uma enumeração exaustiva das diferenças entre os dois projetos, apontar-se-ão apenas as transformações fundamentais operadas em 1902, ao nível da organização geral dos espaços e do seu programa, do desenho do piso térreo, da organização das circulações verticais, da integração da técnica e da articulação dos espaços, entre si e com os espaços exteriores.

Em lugar de ocupar apenas parcialmente o piso térreo, as áreas de serviço passam, no projeto de alterações, a estender-se por toda a superfície deste piso semienterrado, o que, associado a uma reorganização das funções neste piso, que relocaliza a cozinha sobre o eixo central do palacete, vem reforçar a centralidade da planta e da globalidade da construção. Este novo desenho do piso de serviços e o aproveitamento de um ligeiríssimo declive na frente nascente do terreno permitirá igualmente a construção, ao nível do piso de serviços, de um átrio coberto, que dá acesso à entrada lateral no palacete, que deste modo transita da fachada poente, onde estava localizada, para o ponto onde atualmente se situa, na frente nascente.

O reposicionamento da entrada lateral está também associado a mudanças no modo de circular internamente entre pisos, uma vez que leva ao reposicionamento das circulações verticais, mas também à reformulação das suas funções e da sua hierarquia relativa no interior do espaço doméstico. Se, no primeiro projeto, as circulações verticais estão muito claramente separadas entre uma escada nobre – situada entre a entrada lateral e o grande hall central com a sua galeria –, e uma escada de serviço, de muito menor dimensão, no extremo nordeste do Palacete, o projeto de alterações vem, de certo modo, subverter este princípio. Conforme apontado por Rui Garcia Ramos, nesta e noutras obras de Ventura Terra, os espaços para os serviços apresentam uma nobreza e dimensão que não são comuns na arquitetura da época e, no palacete Mendonça, a nova escada de serviço, localizada junto à nova entrada lateral na ala nascente, “é tratada com uma dimensão pouco usual”, muito próxima da área do hall central que lhe é adjacente39. Nesta escada, virá a encaixar um elegante elevador, que irá reforçar o carácter nobre desta circulação vertical. Assim, a nova escadaria nobre, que contorna o grande hall central de duplo pé-direito, acaba por, paradoxalmente, ficar algo secundarizada e remetida a um sentido mais cenográfico que utilitário, reforçando o carácter monumental da sequência de salões de aparato posicionados ao longo deste eixo central.

 

 

 

 

Este conjunto de espaços – vestíbulo, hall e sala de jantar – funciona, em ambos os projetos, em estreita articulação entre si, abrindo generosamente para o exterior, com um grande plano envidraçado, debruçado sobre a escadaria na entrada sul do palacete, que faz a ligação ao jardim na frente do lote. O projeto de 1902 virá enfatizar esta articulação entre espaços interiores e espaços exteriores, ao relocalizar o Jardim de Inverno, e ao implementar, no seu lugar, no extremo norte do eixo central, um espaço exterior de mediação, sob a forma de um terraço, ladeado por escadas que permitem o acesso direto à grande área verde existente na vertente a norte do lote. O Jardim de Inverno, por sua vez, na sua nova posição no extremo poente do edifício, assumirá assim uma dimensão pouco usual, tornando-se também ele, pela sua dimensão, programa e, mais tarde, pelo tratamento das superfícies e natureza dos materiais empregues, um espaço híbrido entre o interior e o exterior.

Não obstante a importância de todas estas alterações, que apontam para novos sentidos no entendimento da natureza dos dispositivos que constroem o espaço doméstico, importa ressaltar que as transformações operadas ao primeiro projeto são marcadas, num sentido global e transversal a todos os aspetos do projeto, por uma simplificação do desenho em planta, sobretudo no andar nobre, e por uma maior articulação entre os espaços. Espaços mais generosos, mais articulados entre si e a eliminação de corredores em favor de circulações mais fluidas marcam a solução de 1902, que dá conta de um maior domínio do desenho enquanto instrumento de projeto por parte do seu autor. Do mesmo modo, aspetos técnicos são integrados num pensamento global de desenho e submetidos à axialidade que rege o desenho do conjunto, conjugando um pensamento que tem em conta a racionalidade construtiva com princípios globais de composição, conforme se pode ler, por exemplo, na diferença do posicionamento das zonas de águas e da cozinha nas duas propostas.

 

 

 

 

No que respeita à relação entre o desenho da planta e o desenho dos alçados, a primeira solução denota igualmente um domínio menos sólido dos instrumentos de projeto, conforme demonstram de forma evidente os encontros menos conseguido da escada de serviço e dos compartimentos associados a zonas de águas, com os amplos vãos rasgados nas fachadas do edifício. No projeto de 1902, estamos, pelo contrário, perante um trabalho mais consistente de articulação entre planta e alçado, onde não há lugar a este tipo de incongruências e onde as subtis variações operadas na dimensão e desenho dos vãos, decorrentes do desenho em planta e das diferenças na natureza e dimensão dos compartimentos, não impedem uma leitura clara das quatro fachadas como um todo homogéneo e coerente. Por fim, há ainda que notar, ao nível da linguagem, a influência italianizante em ambas as soluções que, talvez mais marcada na primeira proposta, se mantém na solução seguinte. De facto, se os alçados da segunda proposta têm uma filiação clássica, marcadamente Beaux-Arts, permanece a nota de inspiração italiana, com a loggia que coroa o topo da fachada principal.

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÕES

A leitura paralela dos dois projetos que aqui foi realizada vem apenas tornar mais claro o que foi já afirmado em trabalhos anteriores sobre este edifício e sobre a obra deste arquiteto, ou seja, o carácter informado e consequente do ecletismo de Ventura Terra40, tornado aqui mais evidente, pelo modo como transforma uma primeira proposta para o palacete. De uma proposta para outra, as transformações são operadas por meio de um pensamento global e integrado de todos os elementos através do exercício da composição, eixo central da prática dos arquitetos ecléticos, que o entendem como modo de “tornar coerente a construc¸a~o, a estrutura, as partes e os ornamentos”, ou seja, enquanto “capacidade de associar, justapor e integrar elementos heterogéneos em um conjunto capaz de funcionar como um todo”41. O projeto é, por isso, o lugar onde convergem todas estas questões e onde estas se tornam operativas, através do desenho e pela mão do arquiteto, figura central no universo da construção.

Se Ventura Terra é, neste e noutros projetos, profundamente eclético, encontramos no projeto de alterações do palacete, alguns elementos que Rui Ramos entende serem princípios que regem o caminhar para a modernidade no espaço doméstico e que justificam a sua inclusão no trabalho que desenvolveu sobre o espaço doméstico da casa unifamiliar42. De facto, com as alterações realizadas em 1902, o projeto do palacete pode ser considerado como parte de uma reflexão sobre princípios de modernidade tal como este autor os enunciou, pelo modo como propõe novas leituras sobre espaço central, movimento, núcleos de serviços, simplificação do programa, relação entre o interior e o exterior, mudanças na hierarquia interna e racionalidade construtiva43. Ainda que enunciados, por vezes, de modo algo tímido, estes aspetos estão presentes nas transformações ao projeto inicial, que assim aponta para novos sentidos e leituras do ecletismo, mas também da modernidade de Ventura Terra.

Não obstante, e sem querer retirar a Ventura Terra o papel central no processo de projeto e obra do Palacete Mendonça, se a nova documentação que veio agora à luz não implica rever a cronologia estabelecida, obriga a repensar atribuições. Efetivamente, tudo aponta para que a obra que foi licenciada em 1900 e está referida como estando em construção em maio de 1901 seja da responsabilidade de Rafael Castro, que surge, para todos os efeitos, como autor do projeto para um palácio na Quinta do Seabra, na 1ª Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes. É sobre esta obra em curso que Ventura Terra desenhará o seu projeto de alterações ao palacete, em 1902.

Assim sendo, nem a escolha da posição do palacete no lote, nem as escolhas fundamentais ao nível tipológico e compositivo, nem tão-pouco o esquema estrutural de base que determina a partição global do conjunto terão sido da responsabilidade de Ventura Terra. Do mesmo modo, tudo o que respeita ao projeto e construção da portaria terá sido, igualmente, não da autoria de Terra mas de Rafael Castro, uma vez que o pedido de licenciamento respetivo foi entregue logo no início de 1901, ainda este era o responsável técnico pela obra. A construção deste edifício terá aliás ficado concluída a muito breve trecho, conforme demonstra a imagem do estaleiro de obra, onde, apesar de a obra da variante da Estrada de Circunvalação, diante do lote, não estar ainda realizada, o edifício da portaria está já finalizado. Um olhar mais atento, permite aliás, dar conta de diferenças não apenas no desenho dos vãos, mas também no trabalho de cantaria de ambos os edifícios, apresentando a portaria mais afinidades de desenho com o primeiro projeto do que com o projeto de alterações.

No que respeita ao palacete, toda a documentação consultada permite-nos equacionar uma hipótese, segundo a qual Rafael Castro é efetivamente o autor do projeto representado neste conjunto de aguarelas, que foi este o material exposto na Sociedade Nacional de Belas Artes em Maio de 1901 e que foi sobre esta solução que Miguel Ventura Terra elaborou o seu projeto de alterações. Porém, mais que medir a efetiva intervenção de Terra e Castro no projeto do edifício, que carece de mais estudos e acesso a mais informação, importa sobretudo refletir sobre de que modo este pequeno episódio da história deste edifício e dos percursos profissionais de Ventura Terra e Rafael Castro pode contribuir para a história do debate sobre a profissão de arquiteto e o seu estatuto no início do século XX.

O projeto de 1902 evidencia, como foi referido, um maior domínio da composição e do desenho, entendido como saber específico que coloca a prática e o saber do arquiteto no centro do processo de projeto. À época, esta questão está na base de um debate mais amplo e progressista, protagonizado por Terra e outros profissionais sobre o papel do arquiteto na sociedade, que culminará com a constituição da Sociedade dos Arquitetos Portugueses, em 1903, pela mão do próprio Terra e outros seus contemporâneos. De facto, com a entrada em cena de Terra na obra do Palacete Mendonça em 1902, não já não estamos perante uma relação dual, entre o cliente e o construtor-projetista, mas antes numa relação em triângulo, onde o arquiteto surge, de alguma forma, como mediador, com o seu conhecimento disciplinar específico, informado, culto e académico.

Do mesmo modo, a brevíssima referência que aqui se fez acerca do modo como foi ignorada, pela imprensa generalista, a secção de arquitetura da 1ª Exposição da SNBA, dá conta do quanto todas estas questões seriam marginais na sociedade da época, até em meios mais abastados e cultos. Mesmo no mundo do projeto e da construção, a definição de papéis entre os arquitetos, os desenhadores, os condutores de obras públicas, os construtores e os engenheiros era ainda fluída e difusa e a própria revista A Construcção Moderna, aqui referida, pela natureza das suas publicações e constituição do corpo editorial e de autores, é o espelho deste início de século ainda à procura de entender as atribuições de cada um no mundo da Arquitetura.

O percurso de Rafael Castro revela igualmente uma sociedade em mudança que, por um lado, não hesita em colocá-lo lado a lado com o mundo da Academia na Exposição da SNBA de 1901, mas que, por outro lado, já não lhe terá proporcionado a mesma facilidade na ascensão de desenhador a arquiteto, por dentro da função pública, tal como terá acontecido ao seu pai, uma geração antes. O facto de, por alguma razão ainda hoje desconhecida, Henrique Mendonça ter efetivamente mudado de um construtor-desenhador para um arquiteto, na obra para o seu palacete, pode assim ser lido como um sinal de mudança dos tempos, em que o esforço desta geração de ecléticos pela dignificação e afirmação da sua disciplina consegue conferir à figura do arquiteto um capital simbólico, capaz de se converter em sinal de distinção44 para Henrique Mendonça, apenas chegado ao mundo da alta burguesia da Lisboa da época, desenhando-se assim um processo de valorização mútua, entre o arquiteto de formação parisiense e o seu abastado e culto cliente. Será o apagamento da figura de Rafael Castro deste processo, por parte da imprensa da época e da historiografia, parte deste processo de legitimação de um ofício e de um estatuto?

Restam ainda várias questões por esclarecer neste processo, nomeadamente as razões que estiveram na origem destas mudanças durante o ano de 1901. Porém, se esta investigação não avança com novos dados sobre as circunstâncias que levaram ao encontro entre Henrique Mendonça e Ventura Terra, lança, por outro lado, algumas pistas sobre a relação entre Ventura Terra e Rafael Castro que, aparentemente, se terão cruzado, em alguns momentos, neste virar de século. Com efeito, estiveram ao mesmo tempo na Direção dos Edifícios Públicos durante alguns anos45, onde podem eventualmente ter trabalhado juntos. Mais enigmática, no entanto, será a presença de Miguel Ventura Terra no júri de admissão dos trabalhos para a exposição da SNBA em 190146, onde Rafael Castro surge, para todos os efeitos, como autor do projeto do Palacete Mendonça que virá, apenas um ano mais tarde, a estar sob a responsabilidade de Terra, e que é, hoje ainda, considerada uma das suas obras de referência.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

Arquivo Municipal de Lisboa

Obra nº 31572.

Palacete Henrique Monteiro Mendonça, prémio Valmor de 1909, Paulo Guedes, [post. 1909], PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG/000455.

[Vista panorâmica da zona de São Sebastião da Pedreira no local de construção do Palacete Henrique de Mendonça], Eduardo Portugal, [1900-1902], PT/AMLSB/POR/060668.

 

Arquivo Privado da Família Henrique Mendonça (APFHM)

Documentos avulsos não catalogados.

 

Biblioteca e Arquivo Histórico do Ministério da Economia

Fundo ex-Ministério das Obras Públicas, Comunicações e Indústria (BAHME, Fundo ex-MOPCI

Processo Individual de Rafael da Silva Castro.

Processo Individual de Rafael da Silva Castro Júnior.

 

ESTUDOS, CATÁLOGOS E ARTIGOS EM PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS

BOURDIEU, Pierre – La distinction: critique sociale du jugement.Paris: Les Éditions de Minuit, 1982.         [ Links ]

Casa de jantar em nogueira, estylo Luiz XIV. A Construcção Moderna. Nº 36 (julho 1901), p.1, 3.         [ Links ]

Exposição de Bellas Artes. Brasil-Portugal. Nº 58 (16 junho 1901).         [ Links ]

MACEDO, Marta – Império de Cacau. In JERÓNIMO, Miguel Bandeira, coord. – O império colonial em questão: sécs. XIX e XX. Lisboa: Edições 70, 2012. p. 289-316.         [ Links ]

Palacete do Sr. Henrique de Mendonça. A Construcção Moderna. Nº l (5 janeiro 1912), p. 1-2.         [ Links ]

Palacete do Ex° Sr. Henrique José M. de Mendonça. A Architectura Portugueza. Nº 9 (1911), p. 33-36.         [ Links ]

PEDONE, Jacqueline – O espírito eclético na arquitetura. ArqTexto [Em linha]. Nº 6 (2005), p. 126-137. [Consult. 18.10.2010]. Disponível na Internet: http://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_6/11_ Jaqueline%20Viel%20Caberlon%20Pedone.pdf.         [ Links ]

Projetos de um Museu de esculptura e de um Arco triumphal. A Construção Moderna. Nº 39 (setembro 1901), p. 1-3.         [ Links ]

QUEIRÓS, Amílcar de Barros – Da Sociedade Promotora de Belas Artes e do Grémio Artístico à Sociedade Nacional de Belas Artes 1860-1851. Lisboa: [SNBA] Imp. Sociedade Industrial de Tipografia, 1951.         [ Links ]

RAMOS, Rui Jorge Garcia – A casa unifamiliar burguesa na arquitectura portuguesa: mudança e continuidade no espaço doméstico na primeira metade do século XX. Porto: [s.n.], 2005. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.         [ Links ]

RIBEIRO, Ana Isabel – Biografia. In AAVV – Arquitecto Ventura Terra: 1866-1919. Lisboa: Assembleia da República, 2009. p. 77-135.

RODRIGUES, Paulo Simões – Património, identidade e história: o valor e o significado dos monumentos nacionais no portugal de Oitocentos. Lisboa: FCSH-UNL, 1998.         [ Links ]

SILVA, Raquel Henriques da – Ventura Terra em contexto. In AAVV – Arquitecto Ventura Terra: 1866-1919. Lisboa: Assembleia da República, 2009. p. 277-307.

SOCIEDADE NACIONAL DE BELLAS ARTES – Primeira Exposição: 1901 [Em linha] Lisboa: [SNBA] Imp. Typographia da Companhia Nacional Editora, 1901 [Consult. 17/04/2020]. Disponível na Internet: https://archive.org/details/exposicaocatalog01soci/page/n4/mode/2up.         [ Links ]

SOCIEDADE NACIONAL DE BELLAS ARTES – Sexta Exposição: 1906 [Em linha]. Lisboa: [SNBA] Imp. Typographia da Companhia Nacional Editora, 1906 [Consult. 17/04/2020]. Disponível na Internet: https://archive.org/details/exposicaocatalog27soci/page/n483/mode/2up.         [ Links ]

Sociedade Nacional de Bellas Artes: primeira exposição. O occidente: revista illustrada de Portugal e do estrangeiro. Nº 807 (30 maio1901), p.1 e Nº 808 (10 junho 1901), p. 2.         [ Links ]

Sociedade Nacional de Bellas Artes: primeira exposição. A Construcção Moderna. Nº 33 (junho 1901).         [ Links ]

VARELA, Júlia – Palacete Mendonça: ecletismo, internacionalismo e progresso. Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª Série
Nº 5 (Janeiro - Junho 2016), p. 265-288.         [ Links ]

VARELA, Júlia; RODRIGUES, Paulo Simões; SILVA, Raquel Henriques da – Palacete Mendonça: de legado familiar a legado patrimonial. In ANDRÉ, Paula; RODRIGUES, Paulo Simões, org. – Laboratório colaborativo: dinâmicas urbanas, património e artes: investigação, ensino e difusão [Em linha]. Évora: CHAIA/UÉ, 2017. p. 19-34. Disponível na Internet: http://www.chaia.uevora.pt/uploads/pdfs/775dd28cc5bcb01abc1593dc96e88146f0abd87d.pdf.         [ Links ]

 

 

Submissão/submission: 03/02/2020

Aceitação/approval: 08/05/2020

 

 

NOTAS

* O presente artigo foi escrito no âmbito da bolsa de doutoramento ref. SFRH/BD/122544/2016, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. A autora agradece à família de Henrique Mendonça o acesso ao arquivo privado de família, adiante designado por APFHM.

1 Henrique José Monteiro de Mendonça foi um importante homem de negócios do final do século XIX e início do século XX em Portugal. Proprietário da Roça da Boa Entrada, na ilha de São Tomé, foi um dos pioneiros do ciclo do cacau, tendo promovido o desenvolvimento de metodologias inovadoras no seu cultivo e processo de secagem. Para informação mais detalhada, ver MACEDO, Marta – Império de Cacau. In JERÓNIMO, Miguel Bandeira, coord. – O império colonial em questão: sécs. XIX e XX. Lisboa: Edições 70, 2012. p. 289-316.

2 Palacete do Sr. Henrique de Mendonça. A Construcção Moderna. Nº l (5 Janeiro 1912), p. 1-2 e Palacete do Exmo. Sr. Henrique José M. de Mendonça. A Architectura Portugueza. Nº 9 (Setembro 1911), p. 33-36.

3 Sobre a história do Palacete Mendonça durante o século XX, ver VARELA, Júlia; RODRIGUES, Paulo Simões; SILVA, Raquel Henriques da – Palacete Mendonça: de legado familiar a legado patrimonial. In ANDRÉ, Paula; RODRIGUES, Paulo Simões, org. – Laboratório Colaborativo: dinâmicas urbanas, património e artes: investigação, ensino e difusão [Em linha]. Évora: CHAIA/UÉ, 2017. p. 19-34. Disponível na Internet: http://www.chaia.uevora.pt/uploads/pdfs/775dd28cc5bcb01abc1593dc96e88146f0abd87d.pdf.

4 AML, Obra nº 31572.

5 Sobre questões fundiárias e licenças de obra associadas à construção do Palacete Mendonça, ver VARELA, Júlia – Palacete Mendonça: ecletismo, internacionalismo e progresso. Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª Série Nº 5 (janeiro - junho 2016), p. 265-288.

6 AML, Obra nº 31572, Processo nº 9/1ªREP/PG/1901, Processo 4012/1903 e Processo 4329/1904, respetivamente.

7 AML, Obra nº 31572, Processo nº 6391/1ª REP/PG/1900.

8 AML, Obra nº 31572, Processo nº 3522/1ª REP/PG/1902.

9 Segundo termo de responsabilidade entregue em 28 de Julho de 1902. AML, Obra nº 31572, Processo nº 6391/1ª REP/PG/1900.

10 AML, Obra nº 31572, Processo nº 3522/1ª REP/PG/1902.

11 APFHM.

12 Biblioteca e Arquivo Histórico do Ministério da Economia (BAHME), Fundo ex-MOPCI, Processo Individual de Rafael da Silva Castro.

13 Ibidem.

14 Rafael da Silva Castro esteve envolvido por duas vezes na obra de restauro do Mosteiro dos Jerónimos (em 1860 e em 1879), na construção do Pavilhão de Exposições na Tapada da Ajuda (1883), em reparações no Palácio da Ajuda e na construção das cavalariças e respetivas dependências nos terrenos a ele adjacentes (1877), em intervenções no Palácio de Belém (1886) e na obra do Liceu Passos Manuel (1888). Ibidem.

15 Ibidem.

16 Ibidem.

17 SOCIEDADE NACIONAL DE BELLAS ARTES – Primeira Exposição: 1901 [Em linha]. Lisboa: [SNBA] Imp. Typographia da Companhia Nacional Editora, 1901. [Consult. 17/04/2020]. p. 3. Disponível na Internet: https://archive.org/details/exposicaocatalog01soci/page/n4/mode/2up.

BAHME, Fundo ex-MOPCI, Processo Individual de Rafael da Silva Castro Junior.

19 Ibidem.

20Idem, p. 3.

2121 RODRIGUES, Paulo Simões – Património, identidade e história: o valor e o significado dos monumentos nacionais no Portugal de Oitocentos. Lisboa: FCSH-UNL, 1998. vol. I, p. 326-327, 339, 341-343.

22 Rafael da Silva Castro presta serviço na Direção Geral da Agricultura, nos anos de 1887, 1888 e 1892. Estará ainda ao serviço da Direção dos Edifícios Públicos entre 1893 e 1899, ano em que é colocado na 2ª Zona dos Serviços de Obras Públicas do Distrito de Lisboa. Em 1901 é colocado na 1ª Direção de Obras Públicas do Distrito de Lisboa e mais tarde, já depois da República, trabalhará ainda nas Casas Económicas. BAHME, Fundo ex-MOPCI, Processo Individual de Rafael da Silva Castro Junior.

23 Ibidem.

24 Rafael Castro estava inscrito com o nº 136 no registo dos construtores da Câmara de Lisboa. AML, Obra nº 31572, Processo nº 6391/1ªREP/PG/1900 e Processo nº 9/1ªREP/PG/1901.

25 BAHME, Fundo ex-MOPCI, Processo Individual de Rafael da Silva Castro Júnior.

26 Ibidem.

27 SOCIEDADE NACIONAL DE BELLAS ARTES (1901), Op. cit., p. 3-4.

28 QUEIRÓS, Amílcar de Barros – Da Sociedade Promotora de Belas Artes e do Grémio Artístico à Sociedade Nacional de Belas Artes 1860-1851. Lisboa: [SNBA/] Imp. Sociedade Industrial de Tipografia, 1951. p. 9.

29 Ver, por exemplo: Sociedade Nacional de Bellas Artes: primeira exposição. O occidente: revista illustrada de Portugal e do estrangeiro. Nº 807 (30 maio 1901) p. 1 e Nº 808 (10 de junho de 1901), p. 2; Exposição de Bellas Artes. Brasil-Portugal. Nº 58 (16 junho 1901).

30Sociedade Nacional de Bellas Artes: primeira exposição. A Construcção Moderna. Nº 33 (junho 1901), p. 4-5.

31 Casa de jantar em nogueira, estylo Luiz XIV. A Construcção Moderna. Nº 36 (julho 1901), p. 1-3.

32 Projetos de um Museu de esculptura e de um Arco triumphal. A Construção Moderna, Nº 39 (setembro 1901), p. 1-3.

33 SOCIEDADE NACIONAL DE BELLAS ARTES (1901), Op. cit., p. 3-4.

34 Ibidem.

35 Rafael Castro não voltará a participar nas exposições da SNBA senão em 1906, na secção de Aguarela. No catálogo de 1906, refere-se já lhe ter sido atribuída “(...) medalha de 3ª classe pela Sociedade Nacional de Bellas Artes”. SOCIEDADE NACIONAL DE BELLAS ARTES – Sexta Exposição: 1906 [Em linha]. Lisboa: [SNBA/] Imp. Typographia da Companhia Nacional Editora, 1906. [Consult. 17/04/2020]. Disponível na Internet: https://archive.org/details/exposicaocatalog27soci/page/n483/mode/2up. p. 42.

36 Arquivo Privado da Família Henrique Mendonça (APFHM), Carta de Custódio Martins para Henrique Monteiro de Mendonça (18 dezembro 1901).

37APFHM, [Recibo de pagamento de Miguel Ventura Terra] (15 dezembro 1902).

38 APFHM, [Palacete Mendonça:] Caderno de encargos, 1901.

39 RAMOS, Rui Jorge Garcia – A casa unifamiliar burguesa na arquitectura portuguesa: mudança e continuidade no espaço doméstico na primeira metade do século XX. Porto: [s. n.], 2005. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.

40 Para uma leitura da globalidade da obra do arquiteto Miguel Ventura Terra, ver SILVA, Raquel Henriques da – Ventura Terra em contexto. In AAVV – Arquitecto Ventura Terra (1866-1919). Lisboa: Assembleia da República, 2009. p. 277-307.

41 PEDONE, Jacqueline – O espírito eclético na arquitetura. ArqTexto [Em linha]. Nº 6 (2005), p. 126-137. [Consult. 17/04/2020]. Disponível na Internet: http://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_6/11_ Jaqueline%20Viel%20Caberlon%20Pedone.pdf.

42 RAMOS, Rui Jorge Garcia, Op. cit.

43 Ibidem.

44 O sentido da palavra “distinção” é empregue neste contexto, nos termos em que este é definido pelo sociólogo Pierre Bourdieu, na tensão entre desejos de distinção e de conformidade. BOURDIEU, Pierre – La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Les éditions de minuit, 1982.

45 No seu regresso a Portugal em 1896, também Ventura Terra ingressou na função pública tendo estado vários anos ao serviço da Direcção de Edifícios Públicos e Faróis. RIBEIRO, Ana Isabel – Biografia. In AAVV – Arquitecto Ventura Terra (1866-1919). Lisboa: Assembleia da República, 2009. p. 77-135.

46 Miguel Ventura Terra foi um dos membros efetivos do júri de admissão dos trabalhos da 1ª Exposição da SNBA, juntamente com José Malhoa, José Veloso Salgado, Columbano Bordalo Pinheiro e António Augusto da Costa Mota, sendo membros suplentes António Tomás da Conceição Silva, Ernesto Ferreira Condeixa e Jorge Colaço. SOCIEDADE NACIONAL DE BELLAS ARTES (1901), Op. cit.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons