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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.12 Lisboa dez. 2019

 

VARIA

Explorar a cidade: passo a passo pelos bairros de Lisboa

Ana Brites**

Ana Loureiro**

Filipa Ferreira***

Vitória Pinheiro****

*Ana Margarida Teixeira Brites, DAM-CML – Divisão de Arquivo Municipal – Câmara Municipal de Lisboa, Portugal. ana.brites@cm-lisboa.pt

**Ana Maria Menezes Loureiro, DAM-CML – Divisão de Arquivo Municipal– Câmara Municipal de Lisboa, Portugal. ana.menezes.loureiro@cm-lisboa.pt

***Filipa Schreck Cancela de Abreu Ribeiro Ferreira, DAM-CML – Divisão de Arquivo Municipal – Câmara Municipal de Lisboa, Portugal.filipa.ferreira@cm-lisboa.pt

****Maria Vitória Lourenço Pinheiro, DAM-CML – Divisão de Arquivo Municipal – Câmara Municipal de Lisboa, Portugal. vitoria.pinheiro@cm-lisboa.pt, Equipa do Serviço Educativo do Arquivo Municipal de Lisboa.

 

 

Lisboa, designada como “cidade de bairros” na Carta Estratégica de 2010-2024, apresenta-se, ao longo do tempo, com uma morfologia habitacional de marcas identitárias únicas presentes em bairros como os do Alto do Pina, da Boavista, da Madragoa, de Alvalade, da Graça, da Ajuda, entre outros.

Mas que marcas identitárias definem um bairro? – É a questão que se coloca. Sobre esta relembramos a afirmação do escritor Mário de Carvalho:

[…] é um privilégio viver nesta cidade tão bonita e cheia de ressonâncias. Em cada esquina encontra-se qualquer coisa que vem de trás, que evoca outras coisas. Nós vamos numa rua que parece insignificante e, de repente, aparecem imensas coisas que nos surpreendem. Há também o caráter quase ímpar de certos bairros e isso confere-lhe uma identidade única1.

O escritor afirma uma Lisboa cheia de ressonâncias, de ecos que vêm do passado e que trazem à memória marcas presentes na arquitetura dos bairros, nos topónimos e nas gentes que os habitam.

Se, por um lado, o bairro pode ser entendido como uma subdivisão de uma cidade ou localidade, por outro, os laços criados para quem os habita vão mais longe que essa visão simplista, havendo uma noção de pertença e rivalidade entre bairros, como se de uma família se tratasse. E é dessa união que nasce a identidade única de cada bairro e de cada cidade2.

É a procura dessa identidade única que a equipa do Serviço Educativo do Arquivo Municipal de Lisboa tem como preocupação constante na construção da memória da cidade, aquando da conceção e execução dos seus projetos destinados a todos os públicos. A abrangência e a transversalidade das atividades incidem nos diferentes públicos de todas as faixas etárias, com temas para todos os níveis de escolaridade, desde o pré-escolar até ao universitário, bem como para famílias, adultos e seniores. Tendo assumido um compromisso com a educação e preservação da memória individual e coletiva da cidade, esta equipa tem vindo a desenvolver, desde 2003, uma estreita relação com as escolas ao longo de todo o ano letivo, trabalhando as competências dos alunos com uma ampla oferta de atividades educativas.

Para o público escolar, em particular, a finalidade é contribuir para o desenvolvimento de todas as áreas de competências consideradas n’O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória3, que os alunos devem adquirir como ferramentas indispensáveis para o exercício de uma cidadania plena, ativa e criativa na sociedade da informação e do conhecimento em que estão inseridos.

Cabe a todos nós o dever de preservar o património cultural, material e imaterial, para memória das gerações futuras. Contudo, o Arquivo Municipal de Lisboa detém uma responsabilidade acrescida nesta matéria, pois é a entidade responsável pela guarda de toda a documentação da capital. Quando falamos em arquivo temos em mente a organização de documentação guardada em local próprio, em condições adequadas e específicas. Ao pensarmos numa definição de Arquivo pensamos no conceito, na sua finalidade e no valor da sua documentação. Senão, vejamos a Declaração Universal sobre os Arquivos:

Arquivos registam decisões, ações e memórias. Arquivos são um património único e insubstituível transmitido de uma geração a outra. Documentos de arquivo são geridos desde a criação para preservar seu valor e significado. Arquivos são fontes confiáveis de informação para ações administrativas responsáveis e transparentes. Desempenham um papel essencial no desenvolvimento das sociedades ao contribuir para a constituição e salvaguarda da memória individual e coletiva. O livre acesso aos arquivos enriquece o conhecimento sobre a sociedade humana, promove a democracia, protege os direitos dos cidadãos e aumenta a qualidade de vida4.

Os arquivos são, de acordo com a sua definição, lugares de aprendizagem ativa, de dimensão cívica e democrática imprescindível à formação da identidade, ao reforço do conhecimento e à consciência histórica dos cidadãos, são equipamentos socioculturais disponíveis e próximos das comunidades.

No caso do Arquivo Municipal de Lisboa, em especial, e como foi referido, este preserva a memória e identidade da cidade de Lisboa, tendo à sua guarda alguns dos mais antigos e importantes documentos da sua história, que permitem conhecer melhor a cidade e os seus habitantes ao longo do tempo. É neste processo de reforço de consciência histórica e de identidade que esta equipa desempenha um papel preponderante junto das escolas do município, procurando divulgar factos sobre a história e memória da cidade desde o século XIII até à atualidade.

A cada ano letivo novos desafios se configuram, não só aos professores como a todos os agentes educativos, no desenvolvimento de competências dos alunos do século XXI.

É, pois, sob esta premissa que o Serviço Educativo procura inovar tendo sempre em foco a sua missão – promover o conhecimento cultural e patrimonial, divulgar o património histórico-cultural da cidade de Lisboa.

Com base no Programa de Estudo do Meio do Ensino Básico – 1º ciclo5, constatamos que o Passado é um tema central, tanto a nível local como nacional. Em específico, o Passado do Meio Local, inserido na temática À descoberta dos outros e das instituições, é uma das aprendizagens essenciais (AE)6 do 3º ano, cujos objetivos são:

• Identificar figuras da história local presentes na toponímia, estatuária, tradição oral, etc;

• Conhecer factos e datas importantes para a história local (origem da povoação, concessão de forais, batalhas, lendas históricas, etc.);

• Conhecer vestígios do passado local;

• Reconhecer a importância do património histórico local.

Ora, o Arquivo Municipal de Lisboa, tendo ao dispor documentos onde o passado local está registado, designadamente mapas, fotografias, projetos de arquitetura, entre outros, é o lugar ideal para qualquer cidadão testemunhar as transformações e as permanências nos bairros de Lisboa. Com base nos currículos definidos pelo Ministério da Educação, o Serviço Educativo considerou ser de grande importância arquitetar atividades que fossem ao encontro das metas de aprendizagem.

Assim surgiu o Explorar a cidade. Concebido com o objetivo de dar a conhecer ao público escolar o bairro onde a escola está inserida e fazer a reconstituição do passado local, é realizado um percurso onde os alunos descobrem o património histórico/cultural presente no bairro da sua escola através de topónimos, estátuas, monumentos, equipamentos, edifícios em que outrora existiram atividades agora extintas, mas onde marcas desse passado permanecem até hoje. Com recurso ao acervo do Arquivo Municipal de Lisboa é produzido um roteiro que acompanha os alunos durante todo o percurso.

 

 

 

 

Desde 2007, o Explorar a cidade foi realizado em 22 bairros diferentes, geograficamente opostos. Dos Olivais a Belém, os alunos são motivados a explorar as características próprias e únicas de cada um deles, promovendo o seu sentido de pertença. Neste último ano letivo de 2018/2019, foram realizadas 27 atividades que contaram com a participação de 737 alunos do 3º ano do Ensino Básico.

 

 

 

 

Conceber atividades educativas decorre não só da iniciativa e criatividade da equipa do Serviço Educativo, do encontro entre espólio do Arquivo Municipal de Lisboa e programas curriculares, mas até mesmo de solicitações espontâneas dos professores, como foi o caso da atividade Passo a passo pelo bairro da minha escola: transformações e permanências.

Um professor de Geografia, de uma escola básica de Lisboa, ao consultar o Guia de atividades7 do Serviço Educativo, ficou imediatamente interessado na atividade Explorar a cidade que, apesar de motivadora, não era para a sua turma a ideal. Depois de estabelecido pelo professor o primeiro contacto e transmitidos, em linhas gerais, os objetivos pretendidos, dá-se o ponto de partida para a criação de uma nova atividade que, apesar de dirigida aos alunos do 8º ano do Ensino Básico – 3º ciclo, é adaptável a outro ano de ensino.

Entre outras, questões como "será que o bairro da nossa escola mudou muito ao longo dos anos? Se nós não estivemos sempre cá, como poderemos saber? Onde se guardam essas memórias?", poderão ser respondidas nesta atividade com o auxílio de mapas, cartas topográficas e fotografias. Os alunos podem analisar, descobrir e descodificar quais as mudanças operadas na cidade e nas ruas do bairro da sua escola.

O objetivo é refletir em conjunto sobre a mudança no quotidiano do bairro; relacionar as mudanças do passado com o presente; refletir sobre a passagem do tempo e as suas consequências; posicionar-se como cidadão ativo na vida e sustentabilidade da cidade; construir uma noção de cidade em transformação ou reinvenção, concluindo, por fim, que a transformação é uma constante.

 

 

 

 

Outro exemplo de atividade com enfoque na questão do bairro com marcas identitárias de transformação e permanência, desta vez para o público adulto, foi a Oficina Fotografar Lisboa inserida na exposição Lisboa uma grande surpresa (2016) em que, através de um percurso fotográfico apoiado por um roteiro com informação histórica, os participantes fotografaram alguns edifícios em igual perspetiva à das fotografias presentes na exposição. A partir de imagens do Fundo Antigo do Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico, a exposição revelou a clara intenção de se inventariar, mapear, cartografar e fotografar Lisboa de modo a registar a transformação da cidade. Nesta oficina, através do foco de cada objetiva, os participantes são desafiados a fotografar os prédios e lugares com idêntica perspetiva. A comparação entre o passado e o presente é sempre uma agradável surpresa, pois se em alguns casos os lugares se alteraram outros há que decorrido um século até hoje se mantém iguais. O interesse demonstrado por este tipo de iniciativa foi de tal ordem que, apesar de a exposição ter terminado em 2017, voltou a realizar-se em 2018 no âmbito das Jornadas Europeias do Património.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em conclusão, estas atividades desenvolvidas pelo Serviço Educativo do Arquivo Municipal de Lisboa visam a sensibilização para os conceitos de interação/causalidade, relações passado/presente e mudança/permanência, promovendo o interesse pela pesquisa sobre a história do bairro e da cidade de Lisboa. Nelas os participantes podem reconhecer as condições sociais subjacentes à criação dos locais onde vivem e/ou estudam, as suas características arquitetónicas e os acontecimentos que produziram mudanças significativas na cidade de Lisboa, contribuindo simultaneamente para o desenvolvimento de conceitos de temporalidade, espacialidade e identidade como partes integrantes da construção do conhecimento histórico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARREIROS, Maria Helena, coord. – Lisboa: conhecer, pensar, fazer cidade. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Centro de Informação Urbana de Lisboa, 2001.         [ Links ]

LISBOA. Câmara Municipal. Arquivo Municipal – Lisboa uma grande surpresa. Lisboa: AML, 2016.         [ Links ]

CARVALHO, Mário de – Entrevista. Os bairros dão identidade única a Lisboa. Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Departamento de Marca e Comunicação. N. 27 (2019).         [ Links ]

CARVALHO, Ricardo – A cidade social: impasse, desenvolvimento, fragmento. Lisboa: Tinta-da-china, 2016.         [ Links ]

Despacho nº 6944-A/2018 de 19 de julho. D. R. II Série. 138 (2018-07-19).

MARTINS, Guilherme d’Oliveira [et al.] – O perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória. [Lisboa]: Ministério da Educação/Direção-Geral da educação (DGE), 2017.

 

RECURSOS ONLINE

PORTUGAL. Direcção Geral dos Arquivos – Declaração universal sobre arquivos [Em linha]. Lisboa: DGARQ, 2011. [Consult. 01/05/2019]. Disponível na Internet: http://arquivos.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/16/2014/01/DGArqBolt-19.pdf.

Dicionário de Conceitos [Em linha]. Lisboa: Conceito.de, 2010-2019. [Consult. 01/05/2019]. Disponível na Internet: https://conceito.de/bairro.

LISBOA. Câmara Municipal. Arquivo Municipal – Guia de atividades do Serviço Educativo do Arquivo Municipal de Lisboa [Em linha]. [Consult. 15/04/2019]. Disponível na Internet: http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/educacao/Actividades%20SE/brochuraservicoeducativo2018.pdf.

PORTUGAL. Ministério da Educação – Organização curricular e programas: 1.º Ciclo Ensino Básico[Em linha]. Lisboa: Ministério da Educação, [20-]. [Consult. 23/04/2019]. Disponível na Internet: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Metas/Estudo_Meio/eb_em_programa_1c.pdf.

 

 

NOTAS

1 CARVALHO, Mário de – Entrevista. Os bairros dão identidade única a Lisboa. Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Departamento de Marca e Comunicação. N. 27 (2019), p. 43.

2 Dicionário de conceitos disponível em https://conceito.de/bairro.

3 OLIVEIRA MARTINS, Guilherme [et al.] – O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Ministério da Educação/Direção-Geral da Educação (DGE), 2017.

4 Declaração universal sobre arquivos aprovada na 36ª sessão da Assembleia Geral da UNESCO realizada em Paris, em novembro de 2011.

5 Organização curricular e programas, 1º Ciclo Ensino Básico. Lisboa: 4ª edição, Ministério da Educação.

6 Despacho n.º 6944-A/2018 de 19 de julho. Diário da República N.º 138 - 2ª série, Educação – Gabinete do Secretário de Estado da Educação.

7 Guia de atividades do Serviço Educativo do Arquivo Municipal de Lisboa, disponível na Internet em http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/.

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