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Cadernos do Arquivo Municipal

On-line version ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.12 Lisboa Dec. 2019

 

ARTIGO

Para onde a indústria os levou: crescimento urbano de Marvila e Beato a partir de 18351

Where the industry led them: urban growth of the Marvila and Beato boroughs since 1835

Margarida Reis e Silva*

*Margarida de Almeida Reis e Silva. Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, 1600-189 Lisboa, Portugal.mreisesilva@gmail.com

Doutoranda em História no Programa Interuniversitário de Doutoramento (PIUDHist). Membro da comissão instaladora do Centro Interpretativo de Marvila e Beato: Câmara Municipal de Lisboa e ICS-UL. This research was supported by the H2020 European funding on the project “ROCK: Regeneration and Optimization of Cultural Heritage in Creative and Knowledge Cities”, hosted by Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, under the Grant Agreement Number 730280.

 

 

RESUMO

Até ao segundo quartel do século XIX, Marvila e Beato eram zonas agrícolas na fronteira oriental de Lisboa, terreiros de lazer aristocrático e locais de reclusão monástica, com as suas cercas cultivadas. Chegada a indústria, inicia-se novo rumo para estas atuais freguesias: os velhos conventos, extintas as ordens religiosas, renascem como complexos industriais; multiplica-se a habitação operária. Com o avanço fabril e dos grandes armazéns, a paisagem densifica-se, em aterros ao rio que trazem uma nova escala. No final do século XX, a indústria perde o ímpeto e Marvila e Beato ribeirinhos desertificam-se. Atualmente, ensaia-se o retorno a estes bairros (quase) esquecidos de Lisboa. Neste trabalho, segue-se o crescimento desta região usando os seus velhos mapas, procurando perspetivar a revitalização a partir das marcas indeléveis de um crescimento feito ao ritmo da indústria.

 

PALAVRAS-CHAVE

Zona ribeirinha oriental de Lisboa / Marvila / Beato / Evolução urbana de Lisboa / Industrialização de Lisboa

 

ABSTRACT

Up to the second quarter of the 19th century, Marvila and Beato were farming districts at Lisbon’s eastern border, courtyards for the leisure of the aristocratic classes and places of ecclesiastic seclusion, along with their lengthy cultivated properties. With the industry’s arrival, a new path begins for these boroughs: the old convents, after the extinction in Portugal of all religious orders, are reborn as industrial sites; working-class housing multiplies. With increasing industrial growth and the settling of large warehouses in the region, the landscape thickened, with embankments which brought a whole new scale. At the end of the 20th century, the industry lost its pace, and the riverside Marvila and Beato became deserted. Presently, a return is on the way to this (almost) forgotten boroughs. This essay follows the region’s urban development using its old cartography, attempting to foresee urban revitalization from the indelible marks of a growth led by the industry’s pace.

 

KEYWORDS

Lisbon’s oriental riverfront / Marvila / Beato / Lisbon’s urban growth / Lisbon’s industrialization

 

 

INTRODUÇÃO

Este texto parte de uma investigação sobre os pátios e vilas da zona ribeirinha oriental de Lisboa2. Para melhor enquadrar esses núcleos de habitação popular, identificou-se como necessário um conhecimento mais profundo do tecido urbano das atuais freguesias de Marvila e Beato3 (na sua zona ribeirinha), dois «burgos» industriais da cidade, abordando as suas fases de crescimento e transformação desde o nascimento na região de um universo fabril, até à desindustrialização de finais do século XX e chegando aos nossos dias.

Perdida a sua identidade industrial, despontam atualmente estes bairros como nova centralidade em Lisboa, com os seus grandes espaços obsoletos procurados agora pelas chamadas «indústrias criativas». Ainda assim, os antigos núcleos de habitação popular e os complexos fabris confundem-se na restante malha urbana, num processo de degradação que a nova vaga urbanística ainda não veio totalmente mitigar.

Será justamente com este renovado interesse por Marvila e Beato no horizonte que procuraremos caracterizar a materialidade destes que foram, em determinada altura, os principais bairros industriais de Lisboa e cuja identidade julgamos importante salvaguardar.

A região em estudo, na sua feição atual, é o resultado de transfigurações urbanas marcantes que a cidade também viveu na sua progressão, desde capital de um país maioritariamente agrícola, passando (tardiamente) por um período de industrialização e chegando, nos dias de hoje, às encruzilhadas da era pós-industrial. Torna-se, porém, nítido que, nos espaços onde a indústria foi o principal motor de crescimento, terá sido essa irrupção (e ocaso) particularmente determinante em todo o desenhar do espaço urbano atual.

Para melhor descrever as profundas alterações aqui vividas, iremos seguir esse percurso utilizando velhos mapas – as representações cartográficas produzidas ao longo dos últimos dois séculos e mantidas nos seus arquivos pela Câmara Municipal de Lisboa –, fontes primárias criadas sem intenção de compor a história da cidade, que nos permitirão não só olhar o território como um todo, como também criar uma cronologia das mudanças operadas no terreno, refletindo sobre esse trajeto à luz das insuficiências encontradas na atualidade. Procuraremos, sempre que possível, cruzar as informações aí obtidas com a bibliografia e as fontes conhecidas, incluindo-se nestas alguns testemunhos orais.

 

 

A ZONA RIBEIRINHA ORIENTAL NA CARTA DA LINHA DE DEFESA DE LISBOA (1835)

 

 

 

 

Na segunda metade do século XIX, a expansão de Lisboa passa a desenhar-se para norte, definindo-se novos eixos, com destaque para a atual Avenida da Liberdade. A oriente, a paisagem mantém-se pouco urbanizada, povoada de uma dúzia de manufaturas, mas permanecendo esta uma zona rural, destino de veraneio de alguma aristocracia lisboeta aqui proprietária desde (pelo menos) finais do século XV, lado-a-lado com os robustos edifícios das ordens religiosas, aqui instaladas desde os alvores da Idade Média.

Nesta representação da região em escala alargada, distinguem-se referentes existentes ainda hoje. A paisagem ribeirinha é cortada por algumas vias de circulação: a principal será a estrada marginal, que na época tomava os nomes de Rua Direita de Xabregas, Direita do Grilo ou Direita do Beato (atual Rua do Açúcar), no seu percurso entre a Madre de Deus e o Poço do Bispo4. Ao longo deste eixo - o Caminho do Oriente, como décadas mais tarde foi batizado, para que Lisboa reaprendesse a percorrê-lo5 - encontramos as principais edificações. Primeiro a Madre de Deus, em conjunto com o Palácio dos Marqueses de Nisa, desenhando-se em ziguezague frente ao rio. Seria este conjunto arquitetónico o centro do velho sonho de Francisco de Holanda para um palácio de veraneio de D. Sebastião, em terrenos já aqui comprados por seu avô, D. João III, em que o «Terreiro de Xabregas», ombreando com o ocidental Terreiro do Paço, fecharia, virando-se aos «bons ares do rio», o frondoso Vale de Chelas6. Seguia-se, nesta linha ribeirinha, o Convento de São Francisco, com os seus pátios e claustros e que, na sua configuração inicial, pré-terramoto, teria a fachada virada a sul, fechando porventura o idealizado Terreiro Real7. Seguem-se o Palácio de Xabregas, dos Marqueses de Olhão, e o Palacete da Quinta Leite de Sousa, quase a par do Palácio dos Senhores das Ilhas Desertas, herdeiros do nobre D. Gastão Coutinho, com propriedades de ambos os lados da marginal. Sucedem-se os conventos, destacando-se o do Beato António, no centro do território, e terminando no Palácio da Mitra, já na chegada ao Poço do Bispo. Ao longo do percurso, a proximidade constante do rio, que em alguns trechos, como do Palácio das Ilhas Desertas ao Convento das Freiras Grilas8, mal se distingue das casas, que parecem invadi-lo. Ao que se sabe, muitas propriedades da região teriam o seu próprio cais. Numa cota superior, vê-se a atual Rua Direita de Marvila (ao tempo a exótica «Rua Direita dos Ananases»), cortada por duas grandes calçadas transversais que ainda hoje permanecem. Subindo o Vale de Chelas, e a Estrada que vinha terminar a sueste da Madre de Deus, perto da «Quinta da Borda d’Água», surgem na Carta duas Estamparias de Chitas, das quais se encontra igualmente registo na bibliografia9.

No restante terreno, poucos mais núcleos habitacionais se distinguem: um pequeno núcleo encima S. Francisco - o Alto dos Toucinheiros -, mais à frente, vê-se um outro conjunto - o Grilo - semelhante ao que envolve o Convento do Beato e os palácios do Duque de Lafões e do Marquês de Marialva, ambos sobre a encosta. Maior concentração se distingue junto ao Poço do Bispo, nos quarteirões que envolvem o Convento de Marvila (de Freiras Brígidas) e se estendem até ao Palácio do Marquês de Abrantes, sendo estes aglomerados possivelmente as habitações dos que se encontravam ao serviço de tais casas nobres e eclesiásticas.

Nas vésperas da chegada do comboio, a Zona Ribeirinha Oriental era assim um território aberto, de terrenos rurais virados ao rio. Em 1939, evocava-a assim Norberto de Araújo, nas suas Peregrinações em Lisboa:

Sem linha férrea nem passagem sôbre viadutos, sem edifícios fabris, armazéns e oficinas, sem cortinas de prédios a encobrir o rio - largo como o mar - Xabregas, «Enxobregas» dos séculos velhos, era arrabalde, tímido de póvoas ao acaso, luminoso e lavado. No século passado, aí por 1840, a transição estava feita. […] Mutação assim em parte alguma de Lisboa se verificou10.

Em 1834, com a afirmação do Liberalismo, a extinção das ordens religiosas trouxera uma transfiguração urbana significativa, operada não só em Lisboa mas em todo o país, com o Estado subitamente a braços com centenas de espaços conventuais desocupados. Também a burguesia, em ascensão nesta conjuntura, começara a adquirir as quintas de alguma nobreza descapitalizada, transferindo para aqui as suas residências secundárias e, pouco a pouco, também as unidades industriais que vão fazendo a sua fortuna. É nesse momento histórico que a Zona Oriental encontra definitivamente a sua nova vocação e inicia a conversão numa das grandes bases industriais de Lisboa, a par com a Zona Ribeirinha Ocidental, em Alcântara.

Será em 1840 que se fixará em Xabregas a primeira grande unidade industrial: a Fábrica da Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense. Para instalar este complexo movido a vapor, a sociedade proprietária requerera ao Estado ocupar o extinto Convento de S. Francisco, que aqui existira desde 146011. Após um incêndio, a Fiação abandona o Convento, aí se instalando, em 1844, a Fábrica de Tabacos de Xabregas12, unidade que aqui permanecerá até 1965.

Em 28 de Outubro de 1856, no contexto do grande desenvolvimento das comunicações e transportes que pautou os anos da Regeneração, é inaugurada a primeira linha férrea nacional, a Linha do Norte, ligando Lisboa - e a ainda não concluída Estação de Santa Apolónia - à Estação do Carregado e cruzando nesse caminho as pacatas quintas da zona ribeirinha oriental. Precipitava-se o começo de uma nova etapa sem retorno no destino desta região.

 

 

 

 

A ZONA RIBEIRINHA ORIENTAL NO LEVANTAMENTO DE FILIPE FOLQUE (1856-1858)

 

 

 

 

No contexto de um inédito desenvolvimento urbano, é feito um levantamento topográfico da cidade de Lisboa e seus termos. A nova Carta consistia em 65 plantas, à escala de 1/1000, elaboradas entre 1856 e 1858 sob direção de Filipe Folque, «Director dos Trabalhos Geodésicos, Chorographicos e Hydrographicos do Reino». Com esta representação do espaço urbano, encomenda do ministro Fontes Pereira de Melo, pretendia criar-se a base de trabalho para programar uma nova cidade.

Pela observação destas plantas, é-nos possível, sempre com apoio na bibliografia e fontes, caracterizar com mais pormenor a freguesia do Beato António de meados de oitocentos, situada para lá do limite oriental da cidade, demarcado pela Estrada da Circunvalação desde 185213. Compreendendo terrenos das atuais Marvila e Beato, a freguesia pertencia então ao efémero concelho dos Olivais, vizinho de Lisboa pelo lado oriental.

Encontramos nestas plantas uma cidade que, para oriente, pouco mais se construíra do que à beira-rio, numa paisagem essencialmente agrícola, desde a Madre de Deus ao Convento do Beato. Identificam-se os locais de veraneio da nobreza, com as suas quintas, como o Palácio Olhão ou o palacete da Quinta Leite de Sousa, na Calçada do Grilo, junto ao qual se adivinha um jardim de buxo com sebes recortadas, denunciando a natureza do edifício que o acompanha. Mas a mais sumptuosa propriedade da Zona Oriental é sem dúvida o Palácio do Duque de Lafões, junto à Rua Direita do Beato António, cujos riquíssimos jardins, pomares e alamedas não deixam dúvidas quanto ao lugar desta zona como recreio das classes abastadas. Esta propriedade serve ainda como paradigma do impacto profundo de outro elemento no panorama local: a já referida via férrea. O corte abrupto que o comboio imprimiu nesta quinta será a imagem viva do seu impacto na região, marcando um profundo sulco que corta a paisagem e a compartimenta e isola até hoje.

Da nova camada industrial que começa a inscrever-se no espaço vislumbram-se então poucos sinais. O convento dos frades Grilos surge ainda com essa designação, já que a sua utilização não teria ainda conhecido mudança relevante. O Convento do Beato teria sido vendido em hasta pública e viveria então os primeiros tempos como indústria de transformação de cereais; não obstante, nesta representação tal não é visível. O mesmo não sucede com S. Francisco de Xabregas, já designado como «Fábrica de Tabaco», a laborar há uma década. A noroeste desta unidade, um novo volume se distingue, a Fábrica de Fiação e Tecidos de Xabregas, ou Fábrica da Samaritana, aqui construída entre 1854 e 185714.

No contexto geral de um território pouco urbanizado, quanto a núcleos habitacionais distingue-se, à direita da Samaritana, no sopé do monte, o conjunto do Beco dos Toucinheiros. Entre o Convento do Beato o Palácio do Duque de Lafões, identificam-se as mesmas pequenas concentrações de casas. No alto do Grilo, outro antigo núcleo populacional, percebem-se algumas construções onde se lê a designação «Travessa da Ilha do Grilo»15.

Incontornável, na planta da região, é certamente o rio. Solares, conventos e azinhagas, todos partilhavam o azul do Tejo como pano de fundo. À «entrada» do Beato, o Largo Marquês de Nisa era ainda um terreiro fechado, virado ao rio, apesar de já parcialmente demolido pela construção da Ponte Ferroviária. As antigas casas de
D. Gastão e o convento das freiras Grilas avançavam ainda pelas águas e a Rua Direita de Xabregas desenvolvia-se ainda como marginal, com os respetivos muros de suporte, interrompidos pelos ancoradouros de apoio às propriedades. A então freguesia do Beato António tinha do seu lado esta ligação ao tráfego fluvial, a que agora se acrescentava a chegada da linha do comboio, que a ligava rapidamente a outros destinos e lhe duplicava a atratividade. Por agora, em 1858, a passagem por aqui do caminho de ferro ditara com certeza a inscrição desta freguesia «do termo» no traçado de um mapa da capital.

Acrescente-se ainda um outro (pequeno) elemento, a respeito desta dúplice ligação entre a região e o comboio. Em 1856, o Convento da Madre de Deus e o vizinho Palácio Nisa viram-se praticamente «invadidos» pela Ponte Ferroviária de Xabregas, construída a centímetros das suas paredes centenárias. Em 1871, um dos artífices envolvidos na grande campanha de obras do antigo convento terá decidido «abraçar» definitivamente esta referência na vida do edifício e da região, esculpindo num dos capitéis das colunas do claustrim a imagem de um comboio a vapor16.

 

 

 

 

 

 

A ZONA RIBEIRINHA ORIENTAL NO LEVANTAMENTO DE JÚLIO VIEIRA DA SILVA PINTO (1904-1911)

 

 

 

 

 

 

 

 

Observamos agora uma planta feita cinco décadas mais tarde, sob direção do engenheiro Júlio Vieira da Silva Pinto.

Lisboa tinha nova divisão administrativa e atravessava um crescimento sem precedentes, com novos bairros, população duplicada e abraçando novas noções de planeamento urbano. O levantamento completo resultou então em 249 plantas, à escala de 1/1000. As atuais freguesias de Marvila e Beato encontravam-se reintegradas no espaço da cidade; desaparecido o concelho dos Olivais, em 1886, Lisboa ganhara uma silhueta mais próxima da atual. Na Zona Oriental, as mudanças que apenas se adivinhavam 50 anos antes tinham tomado agora outra dimensão. Apesar de, no interior, a paisagem apresentar ainda consideráveis extensões agrícolas, a frente ribeirinha, entre o rio e a linha do comboio, espelhava uma dinâmica totalmente nova - a indústria tinha-se instalado definitivamente.

Na linha litoral, poucos eram os vestígios de outrora: o Palácio Olhão e a grande propriedade do Duque de Lafões eram aparentemente uns dos poucos resistentes, na sua função residencial. Em volta, uma nova camada de vocação industrial e mercantil de grande escala viera acrescentar-se e, não arrasando integralmente o que a precedera, moldara-se e alojara-se nos espaços pré-existentes, a uma velocidade perturbadora, se comparado com o território em 1858.

O conjunto do Convento da Madre de Deus e Palácio Nisa, ambos entregues ao Estado, transformara-se, a partir de 1871, no Asilo D. Maria Pia, assim identificado nesta Carta. Sabe-se que, a par do ensino técnico ministrado no Asilo, desde 1884 que parte do edifício se destinava à Escola Afonso Domingues, dedicada a formar profissionais para a indústria17. Fronteira, no número 5 do mesmo Largo, funcionava desde 1882 a Fábrica de Licores Âncora18. Logo acima, a Fábrica de Fiação e Tecidos de Xabregas (Samaritana) duplicara de tamanho e construíra, num terreiro interior ligado ao seu parque industrial, a primeira vila operária da zona ribeirinha oriental - a Vila Flamiano. Subindo o Beco dos Toucinheiros, encontrava-se agora o Pátio do Black, conjunto adaptado a habitação operária, em finais de oitocentos, pela mesma firma19, seguido da extensa correnteza da Vila Dias, que terá chegado a albergar 300 famílias20. Mais acima, são agora visíveis vários edifícios em banda, com pequenos módulos construtivos que se repetem, típicos da habitação popular, que passam a pontuar o traçado desta zona. É aqui, no epicentro dessa nova «colmeia» de trabalhadores, que se instalara em 1899, no Beco dos Toucinheiros, a Cooperativa de Crédito e Consumo A Xabreguense21, votada a ajudar os trabalhadores na sua vida financeira e dinamizando igualmente uma biblioteca operária22.

 

 

 

 

 

 

 

 

Em S. Francisco, a «Fábrica de Tabacos» prosperava, identificando-se um novo edifício no seguimento da Rua de Xabregas. Logo em frente deste importante centro industrial encontrava-se já instalada, desde 1896, uma Cozinha Económica, a quarta em Lisboa, obra social que procurava dar apoio alimentar aos trabalhadores da região23.

Mais à frente, os pomares da Quinta Leite de Sousa haviam dado lugar a uma enorme massa construída: a Fábrica de Fiação e Tecidos Oriental, terminada em 188824. No antigo Palácio da Quinta e seu entorno, improvisava-se habitação para as classes mais pobres na então Vila Zenha (depois Vila Maria Luísa) e aqui se instalará, nos primeiros anos do século, a Escola Central nº 20, frequentada pelos filhos dos operários25. O Palácio das Ilhas Desertas encontrava-se igualmente subdividido e alugado para diversos fins; em frente, na Calçada de D. Gastão, antigo terreiro do seu nobre palácio, funcionava então a Cooperativa Operária Oriental26. O convento masculino do Grilo dera lugar ao Recolhimento de Nossa Senhora do Amparo (ou do Grilo), mantendo-se a igreja como centro da paróquia de S. Bartolomeu. Na antiga cerca conventual e em toda a extensão da sua congénere feminina, erguia-se agora o complexo industrial da Manutenção Militar, adaptando alguns edifícios e tendo destruído outros, com as suas enormes alas de produção e a sua padaria industrial, garantindo o abastecimento de todo o Exército. Na antiga morada do Beato António, continuava em laboração a cerealífera Nacional.

Para Leste, onde se estende atualmente Marvila e onde o anterior levantamento não chegara, alongava-se, sem interrupções, a paisagem fabril. Na Rua do Açúcar, distingue-se o edifício da Companhia Portuguesa de Fósforos27. Para oriente, a grande Fábrica de Material de Guerra de Braço de Prata. Junto a esta, identificam-se os armazéns vinícolas de José Domingos Barreiro ou da Sociedade Abel Pereira da Fonseca, esta última com cais de embarque para o Tejo nas traseiras do edifício. Também tinha armazéns no Poço do Bispo a companhia agrícola de Joaquim dos Santos Lima, que aqui construíra um dos exemplos mais interessantes de habitação popular da capital - o Prédio Santos Lima - onde os trabalhadores habitavam os pisos superiores, sobre as tanoarias e armazéns da empresa. Num rápido desvio pela Rua do Vale Formoso, encontramos vestígios da nova vivência operária em edifícios como a Cooperativa de Braço de Prata. Também aqui se encontra o reticulado da pequena Vila Leonilla28, com as suas casas térreas de fachadas repetidas, junto à antiga Quinta da Conceição. Mais à frente, na Quinta da Matinha, distinguem-se na cartografia os pavilhões de uma unidade corticeira que aqui laboraria desde 1887 e que terá pertencido à Companhia Geral da Cortiça29.

Voltando ao Poço do Bispo e subindo a Rua Direita de Marvila, deparamos com o antigo Convento das Brígidas, também ele entretanto extinto e identificado já no mapa como «Asilo D. Luís». Cruzando a linha férrea, identifica-se o Palácio do Marquês de Abrantes, propriedade-charneira desta freguesia, desde finais do século XIX transformado no Pátio do Colégio. Mais à frente, fechando este percurso, a inscrição «Quinta dos Sabões» revela as primeiras marcas de uma indústria em desenvolvimento30.

A feição fabril que viera envolver os terrenos das antigas quintas operara grandes transformações também noutra esfera da Zona Oriental. Desde 1887 e das Grandes Obras do Porto de Lisboa e, mais tarde, na 1ª República, sucederam-se as construções de «novos cais e docas por toda a orla oriental»31, numa espessa linha construída que iniciava um afastamento relativamente ao Rio Tejo. Frente à Madre de Deus e a S. Francisco, já trespassados pela Ponte Ferroviária e fronteira ao terreiro de onde outrora os Marqueses de Nisa olhavam o rio, erguia-se agora, em aterro, a grande Fábrica de Moagem a Vapor Aliança, dominando a paisagem com a sua construção em altura.

 

 

 

 

 

 

 

 

Também em terrenos ganhos ao rio se construíra a Rua da Manutenção, que, ao mesmo tempo que permitia a expansão das indústrias e o melhoramento das comunicações fluviais, transformava a velha Rua de Xabregas ribeirinha num mero caminho interior32. Grande parte do complexo da Manutenção Militar se fizera em aterro e, junto ao Convento do Beato, fazem-se igualmente os primeiros avanços sobre o Tejo. Nesta zona, submerso no parque industrial da Nacional, escondia-se um afamado recanto romântico das freguesias ribeirinhas - a Alameda do Beato, estendendo-se frente ao convento - com um chão que a população embelezara num mosaico de pedrinhas a que chamavam "O Embrexado", estendendo-se frente à fachada do antigo edifício religioso: um Passeio Público virado ao rio33. Em 1900, Angelina Vidal recordava este passeio, elogiando-lhe a vista e a paisagem:

O Embreixado, muito concorrido do povo de Lisboa e dos arredores, que ali costumava divertir-se dos aborrecimentos da vida. No tempo em que foram edificados o convento e o templo não havia em frente casarias. O largo formava uma linda alameda coberta de frondosos arvoredos, e o templo ostentava a sua bela fachada de cantaria, coroada com duas altas torres e várias pirâmides. Depois era o Tejo desafogado que se desdobrava longamente, em ondulações azuladas que vinham quebrar-se suavemente contra o areal da grande praia34.

Onze anos volvidos, esta paisagem idílica encontrava-se totalmente transfigurada. A escala da zona ribeirinha oriental alterara-se.

No domínio das modificações estruturantes, há que referir ainda as comunicações ferroviárias. Entre o levantamento de Folque e o de 1911 terminara-se a Linha de Cintura de Lisboa, que se liga à Linha do Norte junto à estação de Braço de Prata. Esta nova linha rasgará mais um sulco no território, apartando durante décadas a Rua de Marvila do restante perímetro urbano. Também de assinalar o novo túnel da Concordância de Xabregas, que possibilita o acesso, a partir da zona ribeirinha oriental, a todas as linhas férreas que terminam em Lisboa, mas cujo papel de barreira arquitetónica acentuará ainda mais o isolamento do Beco dos Toucinheiros.

Em inícios do século XX, já se encontrava assim construída uma parte significativa do património industrial das atuais Marvila e Beato, em particular a maioria das suas unidades fabris e armazéns, assim como uma parcela expressiva dos conjuntos de habitação operária: a par do crescimento industrial, aumentara obviamente a necessidade de mão de obra, ocasionando movimentos migratórios que trouxeram milhares de pessoas para a capital. É possível identificar nesta Planta as várias soluções encontradas para resolver a crise habitacional vivida, tanto nos velhos edifícios palacianos então subdivididos, como nas próprias construções de raiz, com maior ou melhor qualidade construtiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ZONA RIBEIRINHA ORIENTAL NO LEVANTAMENTO DO INSTITUTO GEOGRÁFICO E CADASTRAL (1954-1958)

Olhamos agora a Zona Oriental num conjunto de plantas elaboradas para a Câmara Municipal de Lisboa (CML), com «levantamento e desenho» do então Instituto Geográfico e Cadastral (IGC). Para a região pretendida, este levantamento foi efetuado entre 1954 e 1958 (com aditamento em 1978), em plantas de 1/1000.

Nesta década, as modificações estruturais vividas na região haviam ganho uma escala tal que iremos enumerá-las à partida, para em seguida enquadrar as situações pontuais do edificado.

Se a Xabregas industrial do início de novecentos espelhava a mudança trazida pela fábrica oitocentista, a fábrica de meados do século XX, movida a energia elétrica e estendendo-se no território, encontrou ainda alguns espaços para se instalar nesta área industrial já bastante consolidada. A principal forma de conseguir esta implantação foram novos aterros ao rio, numa região agora planeada em conjunto com a restante cidade.

Em 1933, operara-se o início de uma mudança nas acessibilidades desta zona com a abertura da Rua Gualdim Pais, partindo do Largo Marquês de Nisa e subindo o Vale de Chelas, para aí se ligar à velha Estrada de Chelas e ao interior da cidade35.

Cerca de 1936/37, com a decisão de retirar a Fábrica de Gás de Belém, adivinha-se nova transformação na Zona Oriental36: em 1944, inaugura-se na Quinta da Matinha, em terreno parcialmente conquistado ao rio, a Fábrica de Gás da Matinha, com os seus enormes gasómetros, que ainda hoje guardam vestígio na paisagem.

No porto, em 1942, foi criada a Zona Industrial do Poço do Bispo, com a edificação de uma nova doca e, em 1946, constrói-se um novo cais entre Xabregas e o Poço do Bispo37.

O Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa, de Étienne De Gröer, de 1938-48, definia este crescimento fabril para oriente, ligado à atividade portuária, e traçava uma nova avenida marginal, de ligação entre toda esta zona ribeirinha. A região oriental viu-se definitivamente votada à indústria, com unidades modernas que se estenderam ordenadamente para norte e para o interior, pelos Olivais e até Moscavide, continuando depois pelo vale do Tejo. Mas a velha zona ribeirinha não ficara inteiramente fora deste reordenamento. Em 1950, é terminado o troço da Avenida Infante D. Henrique que remata Beato e Marvila pelo rio e lhes imprime indelevelmente uma nova escala38.

Nos testemunhos orais, antigos moradores e operários descreveram os banhos no rio quando crianças, os passeios em família, ou mesmo o hábito de fugir ao calor estival, em serões nas praias do Tejo39. Com a construção da nova Avenida, fala-se agora de um «derradeiro adeus ao rio»40. Olhando a planta de 1954-58, descobre-se uma faixa ribeirinha, cuja extensão, desde a linha do comboio, terá quase duplicado de largura desde o século anterior, quando o Duque de Lafões tinha o seu próprio ancoradouro.

Olhemos agora de perto o edificado em meados do século XX: o antigo Convento da Madre de Deus retornou a Asilo D. Maria Pia (agora da Casa Pia de Lisboa)41 - a Escola Afonso Domingues encontrara nova casa, num edifício construído de raiz no interior deste território, na antiga Quinta das Veigas42. Em 1958, a Fábrica Aliança não marcava já o horizonte do Largo Marquês de Nisa: um violento incêndio destruíra-a em 1947, permanecendo as ruínas no local durante décadas. Também a Samaritana sofrera um fogo em meados do século XX, ditando o final desta unidade emblemática que chegou a empregar 500 operários. O enorme edifício foi ocupado parcialmente por pequenas indústrias, encontrando-se no geral muito degradado, mas resistindo até hoje no local, com as suas sólidas paredes incombustíveis.

 

 

 

 

Os núcleos de habitação popular da Vila Dias e do Pátio do Black permaneciam habitados nos anos de 1950, registando-se uma proliferação de construções precárias à sua volta, num autêntico labirinto que se foi formando no Alto dos Toucinheiros. A Vila Flamiano, com a já referida abertura da Rua Gualdim Pais, tinha saído parcialmente do interior dos quarteirões fabris onde nascera. Na mesma rua, surgira entretanto a última vila da Zona Oriental - a Vila Emília - terminada em 1933 e um dos últimos conjuntos deste tipo a serem construídos na cidade de Lisboa.

À data deste levantamento, ainda laborava em S. Francisco a Fábrica de Tabaco, em instalações que se foram alargando43. A Rua de Xabregas e a Rua da Manutenção apresentavam-se mais urbanizadas, tendo aí crescido entretanto alguns prédios de habitação, a par dos antigos armazéns e dos resquícios da Xabregas de veraneio44. A Fábrica de Fiação e Tecidos Oriental ainda trabalhava em 1958, tendo quase duplicado a área construída desde o último levantamento45. Também o quarteirão da Vila Maria Luísa se encontrava nesta época quase totalmente preenchido por construções, entre os equipamentos de apoio à Escola n.º 20 e vários núcleos de habitação de baixo custo, o mesmo parecendo suceder nas propriedades contíguas. Nas imediações, restavam ainda o Palácio Olhão e o Palácio Lafões, testemunhando os tempos em que Xabregas era «um logradouro apetecível da fidalguia lisboeta»46. De referir ainda a Quinta das Pintoras, não longe da propriedade do Duque de Lafões, cujo proprietário, Henry Chatelanat, aí criara uma escola gratuita para as crianças da região, naquele que será agora o Ateneu da Madre de Deus47. Recordando o Convento do Grilo, o Recolhimento e a Igreja de S. Bartolomeu continuavam inalterados na década de 1950, com as funções que mantiveram até recentemente48. Na Alameda do Beato, um pequeníssimo lactário de apoio à primeira infância ajudava desde 1929 as famílias mais pobres49.

Como grandes unidades industriais, nas plantas de 1954-58 continuam a identificar-se a Manutenção Militar, a Nacional (então Companhia Industrial de Portugal e Colónias), ou a Fábrica de Braço de Prata, referências absolutas da região, com espaços que se alargaram, aproveitando os aterros, e empregando um número crescente de trabalhadores50. Acrescentava-se a Sociedade Nacional de Sabões (SNS), nascida no Alto de Marvila, onde outrora tinham existido pequenas unidades industriais do mesmo ramo. A SNS multiplicara-se desde 1919 numa miríade de ramos de produção, um autêntico complexo industrial, com o seu próprio apeadeiro ferroviário e enormes edifícios, que foram crescendo à medida que esta se ia expandindo por várias quintas da região51.

Regista-se ainda a abertura da Fábrica de Borracha Luso-Belga, na Rua do Açúcar, junto à agora Sociedade Nacional de Fósforos, também ela ainda em laboração à data deste levantamento52. No Poço do Bispo, tudo continuava como anteriormente, com as suas tanoarias e empresas vinícolas, registando-se um aumento da extensão de armazéns, alguns deles em aterro53. Desde 1946, aqui se encontrava a sede do Clube Oriental de Lisboa, glória do bairro, resultado da união de três clubes operários já existentes. Na Rua Direita de Marvila, a Sopa de Assistência 5 de Dezembro (conhecida popularmente como «Sopa do Sidónio», devido ao Chefe de Estado na sua génese), dava apoio alimentar aos mais carenciados desde 191854.

A nova escala da indústria, numa época de crescimento que continuaria durante a década seguinte, trouxe consigo novas necessidades habitacionais. O aumento da procura de mão de obra continuava a trazer milhares de pessoas a Marvila e Beato; são visíveis neste levantamento as soluções encontradas para alojar esta nova vaga de trabalhadores e suas famílias. Apesar de se encontrar fora da zona ribeirinha, é impossível não referir a construção do grande Bairro da Madre de Deus, inaugurado em 1944, com as suas ruas cuidadosamente desenhadas, parte dos planos de habitação para as classes médias que o Estado Novo levara a cabo nestas décadas. Após a construção da Madredeus, também as casas degradadas da Ilha do Grilo deram lugar a um novo bairro de linhas retas, característico da arquitetura estadual da época. Mas estas não estariam à disposição da maioria da classe trabalhadora, que se distribuía numa infinidade de novos pátios, aproveitando mais uma vez o edificado pré-existente. Neste levantamento, surgem identificados alguns desses espaços55, como será o Pátio Marialva (ou Casal dos Corvos), o Pátio da Quintinha, o Pátio do Israel, da Matinha56 ou do Beirão57 (no jardim do palacete deste último terá laborado a setecentista Refinaria de Açúcar que dá nome à rua, e, no século XX, funcionou uma escola primária da Voz do Operário). Não esquecendo todos os outros de que se conhece a existência, como o Pátio da Liberdade (ou do Terras), do Coelho ou do Capelista58, mas que não ganharam honras de menção nesta cartografia.

 

 

 

 

 

 

 

 

Por último, a referência a uma outra forma de habitação que entretanto se viera «acrescentar» à paisagem - os bairros clandestinos. Das habitações miseráveis da Rua do Sol a Chelas ao enorme Bairro Chinês, onde centenas de famílias se instalaram na sua chegada à região. Esta realidade patenteou, juntamente com outros núcleos na cidade e periferias, uma nova crise habitacional. No fundo, seria apenas a continuação do mesmo problema antigo, de encontrar soluções para alojar as populações de menores recursos, a que os pátios não conseguiram fazer frente, a que se juntaram as Vilas na viragem para o século XX 59, mas para o qual não houvera ainda resolução, a caminho do século XXI… Em investigação de 2012, Deolinda Folgado demonstra como o Plano dos Olivais Sul, de 1960-61, denota finalmente a preocupação em construir habitação de baixo custo em larga escala, referindo expressamente o número de «empregados» na Zona Oriental (24 400), 60% destes vivendo na região e muitos em «condições habitacionais extremamente deficientes»60. No mesmo sentido, a partir de 1965, implementou-se o primeiro Plano de Urbanização de Chelas, um processo de realojamento que abrangeu populações de vários pontos da cidade e que se prolonga até à atualidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

Após quase dois séculos de percurso observados, procurámos recensear as profundas transformações urbanas vividas nas zonas ribeirinhas de Marvila e Beato. Identificam-se poucas diferenças entre estes dois antigos «bairros» fabris de Lisboa; com um desenvolvimento urbano claramente definido pela indústria, parecem estes ter crescido, neste contexto, a par um do outro, primeiro o Beato, fronteiro a Lisboa, e seguindo-se Marvila, no caminho para oriente.

No início, será de realçar o corte marcado, nas cercas conventuais e quintas de lazer da nobreza, pela chegada do comboio, novo meio de carga e transporte que acelerará claramente o ritmo do crescimento urbano à sua volta. Em sucessão, foi também possível acompanhar o despontar da indústria nesta zona oriental da cidade, com a paisagem oitocentista a ver-se então povoada pelas chaminés de tijolo que ainda hoje se vislumbram pontualmente. Já no século XX, essa indústria florescente continua a reclamar espaço, criando as primeiras cortinas opacas que tapam o rio e iniciam o seu afastamento destes velhos burgos lisboetas. Em meados do século, prolongar-se-ão os aterros, as docas (de um crescente movimento portuário) e nascem as fábricas modernas, em que, às velhas máquinas a vapor, se substituem agora as grandes centrais elétricas, rodeadas de extensões de edifícios em betão.

Transformada (a par de Alcântara, a ocidente) numa zona industrial de primeira importância na cidade de Lisboa, e consequentemente do país, esta orla ribeirinha oriental evoluiu assim num só século – entre meados do século XIX e meados do século XX – ao ritmo acelerado que a indústria lhe veio impor, tão simplesmente o fruto, como explica Jorge Custódio, da «introdução de um novo gigantismo arquitectónico, próprio de locais onde se passara a produzir por meio de máquinas e com um número crescente de operários»61. Numa zona até aí (esparsamente) ocupada pelas classes mais ricas, ganham então terreno as classes populares (cuja presença maioritária marca Marvila e Beato até hoje), já que a indústria traz trabalho em grande escala e atrai milhares de migrantes, que se instalam como podem no novo território. A indústria e a consequente pressão demográfica serão assim os grandes motores da metamorfose aqui observada, que se desenhará por vezes ao sabor do acaso, outras fruto de um maior planeamento urbano, e que vai procurando respostas às necessidades funcionais emergentes.

Em finais do século XX, nova mudança se iniciará: a indústria abranda, os armazéns encerram; Marvila e Beato, agora órfãos das suas fábricas e entrepostos, terão de encontrar novo caminho. No geral, resultou um território descontínuo, feito de cortes e invasões súbitas, em que restam, sobrepostas, as várias camadas do crescimento desordenado das últimas décadas, e que até recentemente parecia ter sido esquecido.

Esperemos que a cidade, relembrada agora destes velhos bairros, não deixe de valorizar aquilo que os distingue no território lisboeta: sob uma luz (ainda) límpida que recorda o seu passado de retiro à beira-rio (e que alguns edifícios ilustres ajudam igualmente a vislumbrar), estende-se um rico património ligado ao crescimento industrial, com as suas vilas e os seus pátios, tomando as mais variadas formas, que recordam a (difícil) busca por uma habitação, ou os grandes edifícios fabris e de armazém, com a sua arquitetura de traços particulares que importará preservar. Se, até recentemente, Marvila e Beato pareciam sofrer o abandono a que por vezes são votados os bairros habitados maioritariamente por populações de baixos rendimentos, esperemos que o renovado interesse por estas paragens contribua agora para construir uma cidade mais diversa, mas que não esqueça e descarte a população que está na génese do seu desenvolvimento urbano e que compôs até hoje a pauta do seu Património Imaterial.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

MANUSCRITAS

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Gabinete de Estudos Olisiponenses

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Museu de Lisboa, Palácio Pimenta

A Antiga Fábrica de Tabacos de Xabregas, Óleo s/ tela, João Pedrozo, 1270mm x 835mm, 1859. MC.PIN.316.

 

 

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RECURSOS ONLINE

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TESTEMUNHOS ORAIS

Informações de vários moradores, Lisboa – 2010-2013 e 2018-2019.

 

 

Submissão/submission: 31/07/2019

Aceitação/approval: 25/09/2019

 

 

NOTAS

1Por definição editorial, irei escrever segundo o Acordo Ortográfico de 1990, com o qual não concordo.

2 Na sua redação inicial, constituiu uma parte da dissertação Pátios e vilas da zona ribeirinha oriental: materialidade, memória e recuperação urbana [Em linha]. Lisboa: [s.n.], 2013. Dissertação de mestrado em História Moderna e Contemporânea apresentada ao ISCTE-IUL. Disponível em: http://hdl.handle.net/10071/6967.

3 Não obstante a população destes núcleos mais antigos parecer ter integrado Beato e Marvila como os seus «bairros» de origem, há que clarificar as designações toponímicas e legais destes territórios: em 1379, foi criada a grande freguesia limítrofe de Santa Maria dos Olivais (concelho entre 1852 e 1886) que compreendia os atuais territórios de Marvila e Beato. A freguesia do Beato – que inclui à beira-rio as zonas de Xabregas ou, menos conhecido, o Grilo – autonomizou-se legalmente em 1770 (com algumas alterações de «fronteiras» até aos nossos dias). Já Marvila, apesar de existir como topónimo lisboeta pelo menos desde o século XII, nasceu como freguesia apenas em 1959 – abaixo da Estrada/Rua de Marvila, na orla ribeirinha, inclui as zonas do Poço do Bispo, Vale Formoso, Braço de Prata ou da Matinha.

4 Utilizou-se como referentes extremos da faixa ribeirinha, a sudoeste, o Convento da Madre de Deus (para lá da fronteira com a Penha de França, mas referente inalienável do espaço urbano do Beato) e, a nordeste, o Largo do Poço do Bispo (formalmente Largo David Leandro da Silva) ou, se possível, no extremo oriente da freguesia de Marvila, a Quinta da Matinha.

5 Caminho do Oriente foi o nome dado a esta antiga estrada marginal numa série de volumes sobre a zona ribeirinha oriental - do Jardim do Tabaco a Sacavém - publicados no âmbito da Expo 98 e citados neste artigo.

6 MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira – Caminho do Oriente: guia histórico. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. vol. 2, p. 17-18.

7 Idem, p. 26.

8 Assim conhecido pela sua localização na zona «do Grilo». Tanto este convento como o seu fronteiro congénere masculino albergavam Agostinhos Descalços.

9 CUSTÓDIO, Jorge – Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade. In MOITA, Irisalva, coord. - O livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994. p. 462.

10 ARAÚJO, Norberto – Peregrinações em Lisboa. 2.ª ed. Lisboa: Vega, 1993. vol. xv, p. 56.

11 Sobre esta apropriação de espaços religiosos, tão frequente na Lisboa oitocentista, l eia-se sobre as reações à época: «publicado em 1848 em língua inglesa, […] um guia para visitantes estrangeiros mostrava-se particularmente indignado com o que acontecera ao convento de Xabregas, transformado primeiro numa fábrica de algodões […], depois em fábrica de tabacos»: PINHEIRO, Magda de Avelar – Biografia de Lisboa. Lisboa: Esfera dos Livros, 2011. p. 217.

12 A Fábrica de Tabaco de Xabregas será mais tarde vista como uma unidade que «comandava o metabolismo do tecido industrial» nacional. LAINS, Pedro; SILVA, Álvaro Ferreira da, org. – O século XX. In História Económica de Portugal: 1700-2000. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005.vol 3, p. 268.

13 A Circunvalação delimitava o perímetro de Lisboa. Na Zona Oriental, correspondendo à atual Avenida Afonso III, descia do Alto de S. João, terminando no topo sul do Convento da Madre de Deus.

14 FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente: guia do património industrial. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. p. 78.

15 Sendo esta uma designação comum para habitações populares - que se manteve no Porto – chegou-nos uma descrição de 1896: «um duplo renque de casebres, de singela madeira e taipa, mal armados, imundos, quase sem beirais, sem forros, sem vidraças […] Assim como era um, eram todos. Rés-do-chão e um andar: em baixo, alternadamente, uma janela e uma porta; em cima uma sucessão monótona de janelas»: Abel Botelho. Amanhã, citado em CONSIGLIERI, Carlos [et al.] – Pelas freguesias de Lisboa: São João, Beato, Marvila, Santa Maria dos Olivais. Lisboa: Câmara Municipal, 1993. p. 77. Seria este um primeiro núcleo habitacional de trabalhadores de uma das manufaturas do Vale de Chelas? Outras hipóteses apontam para que «Ilha» se refira apenas à situação deste conjunto, isolado no alto de um pequeno monte.

16 Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP - Igreja da Madre de Deus/Mosteiro da Madre de Deus/Museu Nacional do Azulejo: ficha PT031106410009 [Em linha]. [Consult. 13 jun. 2010]. Disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2547.

17 MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira – Caminho do Oriente: guia histórico…, vol. 2, p. 21.

18 FURTADO, Mário – Do antigo sítio de Xabregas. Lisboa: Vega, 1997. p. 17.

19 Segundo o Inquérito Industrial 1881: inquérito directo, segunda parte, visita às fábricas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1881.

20 Cidade/Campo: Cadernos da Habitação ao Território. Lisboa: Ulmeiro. N.º 1 (1978), p. 28.

21 FREIRE, João; LOUSADA, Maria Alexandre – Roteiros da memória urbana - Lisboa: marcas deixadas por libertários e afins ao longo do século XX. Lisboa: Colibri, 2013. p. 82.

22 Informações de vários moradores entre 2018-2019.

23 Segundo investigação recente, a criação da Cozinha Económica de Xabregas ter-se-ia devido a uma petição assinada por 800 trabalhadores da região. No panorama das Cozinhas da cidade, seria, infelizmente, aquela em que se detetava maior carência económica da parte dos seus utilizadores que, no calor do dia 5 de Outubro de 1910, a terão invadido, pilhado e destruído: CORDEIRO, Ricardo Alexandre Forte – Filantropia: as cozinhas económicas de Lisboa (1893-1911) [Em linha]. Lisboa: [s.n.], 2012. Dissertação de mestrado em História Moderna e Contemporânea apresentada ao ISCTE-IUL. Disponível em: http://hdl.handle.net/10071/5510. Localização da Cozinha indicada por testemunhos de vários moradores entre 2018-2019.

24 Em 1898, esta unidade industrial empregaria 425 operários: FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente: guia do património industrial…, p. 103.

25 MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira – Caminho do Oriente: guia histórico…, vol. 2, p. 53.

26 FREIRE, João; LOUSADA, Maria Alexandre – Roteiros da memória urbana – Lisboa…, p. 82.

27 Há também registos da corticeira Fuertes e Comandita, a funcionar na Quinta da Mitra, Rua do Açúcar, entre 1898 e 1919, não se sabendo, na cartografia, onde seriam os seus pavilhões: FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente: guia do património industrial…, p. 148-151.

28 Cf. testemunho de José Fonseca, 2019 e AML, Controlo de obras particulares, Processo de obra nº 51739/20013/1ªREP/PG/1920 - PT/AMLSB/CMLSBAH/COPA/001/42771-00004.

29 FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente: guia do património industrial…, p. 186. Jorge Custódio identificou 12 unidades de transformação de cortiça a laborar na zona em finais do século XIX: CUSTÓDIO, Jorge – Reflexos da Industrialização…, p. 471 e 489.

30 Também nos eixos da Rua de Marvila e Rua Direita de Marvila funcionaram várias organizações operárias, como as Associações de Classe dos Corticeiros e dos Manipuladores de Sabão, assim como a Cooperativa Operária do Beato e Poço do Bispo. FREIRE, João; LOUSADA, Maria Alexandre – Roteiros da memória urbana – Lisboa…, p. 84.

31 CONSIGLIERI, Carlos; ABEL, Marília – O formoso sítio de Marvila. Lisboa: Junta de Freguesia de Marvila, 2004. p. 30.

32 A Rua da Manutenção, agora na primeira linha ribeirinha, já não funcionava como um passeio marginal, visto num dos seus extremos ser um beco sem saída.

33 CONSIGLIERI, Carlos [et al.] – Pelas freguesias de Lisboa…, p. 73.

34 VIDAL, Angelina – Lisboa antiga e Lisboa moderna. 2.ª ed. Lisboa: Vega, 1994. p. 265.

35 Mais tarde, foi concluída esta ligação entre o interior e a Zona Ribeirinha, com a abertura da Rua Bispo de Cochim, que liga a Rua Gualdim Pais à Avenida Infante D. Henrique e ao rio.

36 «Que seja regularizada desde já a margem […] para montante do Poço do Bispo até à Quinta da Matinha […] O Governo determinou pelo Decreto-Lei […] de 1935, a transferência das instalações […] das Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade, […] pela necessidade de estética de desafrontar o monumento arquitectónico […] que é a Torre de Belém». AHMOP, Conselho Superior de Obras Públicas, parecer n.º 762, citado em FOLGADO, Deolinda – A nova ordem industrial no Estado Novo (1933-1968): da fábrica ao território de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 2012. p. 138.

37 CONSIGLIERI, Carlos; ABEL, Marília – O formoso sítio de Marvila…, p. 30.

38 Seguem-se novos aterros, com linhas viária e ferroviária dentro do porto, e os parques de contentores a partir da década de 1970.

39 Ver SILVA, Margarida Reis e – Pátios e vilas de Marvila e Beato: modos de vida de um movimento antigo. Cadernos do Arquivo Municipal [Em linha]. 2ª Série, Nº 6 (julho - dezembro 2016), p. 143-170. Disponível em: http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/Cadernos/2serie/cad6/artigo05.pdf.

40 FURTADO, Mário – Do antigo sítio de Xabregas…, p. 145.

41 Cerca de 1965, a Igreja e parte do edifício acolherão coleções de artes decorativas do Museu Nacional de Arte Antiga e mais tarde o Museu do Azulejo.

42 Atualmente na rota da Terceira Travessia do Tejo, esta Escola Industrial, que alguns chamaram «A Universidade de Xabregas», foi desativada em 2010, encontrando-se o edifício abandonado desde então.

43 A Companhia mudou-se para Cabo Ruivo e o convento, reabilitado, encontra-se ocupado por uma entidade estatal. No espaço da antiga igreja encontra-se sedeada uma companhia de teatro.

44 Houve entretanto demolições, sem reconstruções posteriores. De realçar o que resta do Palácio das Ilhas Desertas, adaptado entretanto a escola e habitação popular, com as suas grossas paredes que outrora flanqueavam o Tejo.

45 Terá laborado até à década de 1980. Anos depois foi demolida e aí construída uma zona comercial e de serviços, com um enorme bloco de habitação em altura.

46 DELGADO, Ralph – A antiga freguesia dos Olivais, Lisboa: Câmara Municipal, 1969. p. 21. O Palácio Olhão terá sido vendido à indústria hoteleira na década de 2000, permanecendo o Palácio Lafões como residência dos proprietários até 2019, data em que terá sido vendido para o mesmo ramo.

47 Testemunho de América Nabais, Lisboa, 17/06/2011. Também no Pátio do Colégio, onde se instalara a Sociedade Musical 3 de Agosto, há testemunhos da existência de uma escola. Referência a esta escola também em CONSIGLIERI, Carlos; ABEL, Marília – O formoso sítio de Marvila…, p. 34.

48 Desativado recentemente, o Recolhimento surge integrado num plano estatal de reabilitação de edificado para arrendamento acessível.

49 CONSIGLIERI, Carlos; ABEL, Marília – O formoso sítio de Marvila…, p. 20.

50 Os edifícios da Manutenção Militar, desativada em finais dos anos 90, encontram-se, do seu lado poente, com ocupação residual. O lado nascente foi mais recentemente cedido à CML para criação do Hub Criativo do Beato, para instalação de startups, atualmente em curso - de referir a existência nestes edifícios de um núcleo museológico da Manutenção Militar. A Fábrica de Braço de Prata, quase totalmente demolida, dará lugar a um condomínio privado; o edifício dos seus antigos escritórios – que alberga um conhecido espaço cultural - aguarda decisões sobre a Terceira Travessia do Tejo. A Nacional, ainda em laboração, terá desafetado os aposentos conventuais do Beato e parte dos edifícios industriais de há um século. Parte desses espaços é arrendada para eventos, sem que essa nova rentabilização e fruição reverta para o espaço urbano exterior, até agora em estado de algum abandono. Os edifícios restantes estão atualmente em obras para transformação em condomínio.

51 Ver FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente: guia do património industrial…, p. 128-135. Desativada na década de 1980, a SNS foi integralmente destruída. Restou o mirante centenário da Quinta do Brito, uma das propriedades em que esta unidade se instalou.

52 Ambas as unidades fecharam na década de 1980, encontrando-se os edifícios arrendados para diversos fins. De registar, em torno da antiga Fosforeira
(e bairro conhecido como «Trás-dos-Fósforos»), a fixação de várias empresas de produção de cerveja artesanal.

53 Também nesta zona, a propriedade entre a Quinta da Mitra e a da Pedreira, recordada pelo seu chalé, foi coberta de armazéns, com apeadeiro privativo, não se sabendo, no entanto, a que ramo de atividade estariam ligados. Hoje incluem espaços de cowork e são palco de inúmeras iniciativas culturais e de lazer. A Abel Pereira da Fonseca e a José Domingos Barreiro fecharam as portas na década de 1970. A primeira tem agora várias ocupações, da restauração ao comércio vintage, passando por um espaço de cowork. A segunda, e todo o quarteirão que a rodeia, serão transformados brevemente num condomínio privado.

54 CONSIGLIERI, Carlos; ABEL, Marília – O formoso sítio de Marvila.., p. 35.

55 Podendo estes conjuntos, no entanto, ter uma existência anterior.

56 No caminho para a Matinha, perto da Rua do Vale Formoso, a coletividade da Fraternidade Operária tinha entretanto (1916) dado nome à rua onde se instalara.

57 Este conjunto, propriedade da CML, aguarda atualmente reabilitação, integrada num programa municipal de arrendamento jovem.

58 Informações de vários moradores, Lisboa, 2010-2013 e 2018-2019.

59 O primeiro texto sobre habitação popular oitocentista chamara justamente às vilas um «ensaio de solução»: RODRIGUES, Maria João Madeira – Tradição, transição e mudança: a produção do espaço urbano na Lisboa oitocentista. Boletim da Assembleia Municipal de Lisboa. Lisboa: Assembleia Municipal de Lisboa, 1979. p. 40. Separata.

60 FOLGADO, Deolinda – A nova ordem industrial no Estado Novo (1933-1968)…, p. 261-262.

61 CUSTÓDIO, Jorge – Reflexos da industrialização…, p. 475.

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