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Cadernos do Arquivo Municipal

On-line version ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.10 Lisboa Dec. 2018

 

ARTIGO

Anotações de diplomática judicial portuguesa: os tribunais superiores na Lisboa quinhentista

Notes on Portuguese judicial diplomatics: high courts in sixteenth century Lisbon

Jorge Veiga Testos*

* Jorge André Nunes Barbosa da Veiga Testos, THD-UL – Teoria e História do Direito, Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 1649-014 Lisboa, Portugal. jorgetestos@fd.ulisboa.pt

 

RESUMO

Tendo por base a análise de um conjunto de cartas de sentença dos tribunais superiores portugueses – Casa do Cível e Casa da Suplicação – datadas da primeira metade do século XVI, o artigo procura reconstituir os respetivos mecanismos de produção escrita. A análise do seu discurso diplomático permite evidenciar as particularidades desta tipologia documental.

 

PALAVRAS-CHAVE

Diplomática judicial / Tribunais superiores / Administração da justiça / Carta de sentença

 

ABSTRACT

Based on the analysis of a set of sentences from the Portuguese high courts – Casa do Cível and Casa da Suplicação – dated from the first half of the sixteenth century, this paper aims to recreate their mechanisms of written production. The analysis of the diplomatic discourse found therein allows to highlight the particularities of this specific type of document.

 

KEYWORDS

Judicial diplomatics / High courts / Administration of justice / Judicial sentence

 

1. DOS DOCUMENTOS JUDICIAIS

Em Portugal, a diplomática judicial, embora tema interdisciplinar comum à História e à História do Direito1, não tem suscitado particular interesse a historiadores ou jurishistoriadores2. O lugar de menor destaque a que esta diplomática especial tem sido votada não é, aliás, exclusivo do nosso país, na medida em que os principais manuais de diplomática estrangeiros não conferem autonomia ao estudo dos documentos judiciais3.

A essência de um documento é a conjugação de duas componentes concorrentes: por um lado, a outorga negocial, a atuação que materializa a vontade negocial do ator e que constitui o conteúdo do documento (actio ou negotium conscriptum); por outro, a escrituração documental que atesta que o teor textual corresponde à vontade negocial outorgada (conscriptio negotii)4. Assim, o ator (outorgante ou atuante) outorga o negócio jurídico, proporcionando a matéria do documento. Já a escrituração exige um auctor (autor), que elabora o documento, dando-lhe a forma requerida.

Face à obsolescência da tripartição clássica da diplomática em régia, papal e particular, exclusivamente fundada na pessoa do actor (rei, imperador, papa, particulares), a partir de meados do século (séc.) XX abriu-se caminho a novos domínios não privilegiados, dando um novo fôlego aos estudos diplomatísticos que se espraiaram nas mais diversas direções. O estudo das novas categorias especiais da diplomática permitia agrupar os documentos por categorias de proveniência e natureza equivalentes e colocá-los lado a lado para que, nas sugestivas palavras de Arthur Giry, estes se iluminem mutuamente5.

Deter-nos-emos, em particular, sobre os documentos judiciais. Um documento judicial é, desde logo, um documento público, ou seja, um documento emanado de uma autoridade pública e que atua ex potestate, ou seja, no exercício de um poder público. Com efeito, essa autoridade pública atua no exercício de um poder jurisdicional, que se caracteriza pela existência de um conflito de interesses e um contraditório6. A iurisdictio traduz-se na resolução de uma causa que, por regra, envolve uma disputa entre partes (controvérsia), aplicando o Direito ao caso concreto. Assim, o critério de distinção de um documento judicial deve assentar numa base objetiva, atendendo ao poder que é exercido, e não numa base subjetiva, assente no ator ou auctor7.

Como uma representação teatral, a atividade judicial (juízo, iudicium) desenrola-se num palco próprio – o tribunal – onde três personagens principais (o iudicium é um actus trium personarum)8 representam o seu papel: o autor que demanda e o réu que se defende digladiam-se perante o juiz. Este diálogo teatralizado entre os litigantes e o juiz obedece a uma ordem própria (ordem do juízo), uma sequência de atos jurídicos ordenados para um fim que constituem o processo jurisdicional. A assistir à ação dramática está o escrivão que confere fé pública ao que se desenrola perante ele. Os documentos judiciais traduzem-se, por conseguinte, na escrituração produzida durante a tramitação de um processo, respondendo às necessidades funcionais do procedimento9.

O que também caracteriza o documento judicial é a sua diversidade potencial, na medida em que pode corresponder a documentação específica de uma fase da marcha do processo e que pode ser produto de uma diversidade de instâncias jurisdicionais, representantes da justiça régia, pontifícia, episcopal, senhorial, comunal ou qualquer outra que desempenhe funções jurisdicionais. Podem integrar, por conseguinte, o conceito de documento judicial, as petições, as citações, as notificações, as procurações, os requerimentos, as diligências, as alegações, as inquirições, enfim, toda a documentação produzida no âmbito de um processo. Nas palavras de Ruy de Albuquerque e Martim de Albuquerque, os documentos de atos jurídicos constituem o “espelho daquilo que se chamou o direito vivo”10.

Contudo, o documento judicial por excelência é a carta de sentença. A carta de sentença, expedida a petição de uma parte, como garantia dos seus direitos judicialmente declarados, tem como conteúdo essencial a sentença dada pelo juiz no processo. A sentença consiste na decisão de um juiz (ou juízes) que traduz o poder de conformar um litígio, por forma a reestabelecer a ordem entre as partes em conflito. A decisão impõe-se às partes e a autoridade que detém o poder de decidir faz executar a decisão, se necessário pela força11. A função da carta de sentença é múltipla: tem valor dispositivo, porque traduz uma decisão que resolve um litígio; adquire valor probatório quando reduzida a escrito, dando fé pública à decisão e servindo de garantia dos direitos das partes; desempenha também uma função executória, por constituir um título bastante para que a decisão seja executada.

O seu papel como fonte primordial resulta, sobretudo, do seu conteúdo. Na medida em que encerra – mesmo que provisoriamente – a marcha do processo, a sentença permite reconstituir virtualmente o iter processual decorrido e intuir o percurso burocrático associado. Reconstrução que se baseia na produção concreta do tribunal e não somente num retrato normativo abstrato, formando, deste modo, os alicerces para uma comparação entre a realidade normativa e a realidade produzida. Nesse sentido, o apelo ao estudo dos documentos judiciais e, em particular, das cartas de sentença tem sido repetido pelos mais diversos autores, entre historiadores e jurishistoriadores. Carvalho Homem, na sua obra fundadora dedicada ao desembargo régio, destacava que:

a análise detalhada das cartas de sentença poderá facultar aos historiadores do Direito um conhecimento dos trâmites processuais com base no funcionamento efectivo das instituições judiciárias, e não apenas estribado na legislação, que tem constituído o sustentáculo fundamental dos estudos até agora feitos na matéria12.

Também António Manuel Hespanha acentuou a mesma ideia:

(…) quem quiser fazer a história das instituições jurídicas tal como a vida real as conhece (os ingleses falam em law in action, por contraposição a law in books) tem que se preocupar, sobretudo, com os resultados da prática jurídica concreta, com essa massa de fenómenos jurídicos todos os dias repetidos (contratos, sentenças, decisões administrativas, pareceres doutrinais e forenses, intervenções parlamentares, etc.). São eles de facto, mais do que os textos das leis ou as obras de ponta da ciência jurídica a medula das instituições jurídicas concretas, o corpo do direito vivido13.

A esta luz, propomo-nos analisar um conjunto de cartas de sentença dos tribunais superiores portugueses. Antes, porém, e a fim de melhor colhermos e retratarmos o seu conteúdo, cumpre deixar um excurso sobre a origem e singularidade destes dois tribunais, tão breve quanto a economia que nos é exigida neste escrito nos permite.

 

2. DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: A CASA DA SUPLICAÇÃO E A CASA DO CÍVEL

No séc. XVI, a ligação entre a cidade de Lisboa e os dois tribunais superiores que representam a justiça contenciosa régia14 – a Casa da Suplicação e a Casa do Cível15 – intensifica-se. No entanto, o caminho percorrido pelos dois tribunais desde a sua génese passou por várias fases até à sua sedentarização na capital do reino.

O tribunal do rei é, no início da nacionalidade, uma instituição una. A afirmação dos recursos como instrumentos de excelência da justiça régia, por influência do renascimento do direito romano, e a consequente construção de uma arquitetura hierárquica judiciária, transformará o tribunal do rei numa longa manus que paira sobre as justiças locais de todo o reino, sujeitas à possibilidade de revisão das suas decisões enquanto concretização prática do arquétipo medieval do rei-juiz. A apelação tornar-se-á a peça central da administração da justiça régia: toda a parte que se sentisse prejudicada pela sentença de um tribunal inferior podia recorrer (apelar) da mesma. Não sendo possível apelar das sentenças definitivas de certos juízes dos tribunais superiores era, contudo, admissível, dependendo do valor da demanda, interpor um recurso de agravo (suplicação) das suas sentenças.

A prática processual, também inspirada no direito romano (e canónico), desenvolve uma teia complexa de regras consolidadas, apreendidas por um núcleo de oficiais que desempenham funções especializadas na administração da justiça. O caminho da especialização, que ocorre quase simultaneamente ao nível das matérias e dos julgadores, permitirá a distinção entre os núcleos das matérias crimes e das matérias cíveis, adstritos a oficiais próprios, já ocorrida na primeira metade do séc. XIV.

O peso da máquina da justiça pedia, então, sedentarização: o tribunal do rei desdobra-se e os recursos em matéria cível autonomizam-se da Corte. O rei mantém, contudo, junto de si, a essência do seu poder de punir, preservando o núcleo do crime. Formam-se dois tribunais distintos: um com carácter sedentário, que ganha uma Chancelaria própria e um corpo burocrático autónomo (que se designará por Casa do Cível); outro que acompanha o rei na sua itinerância, que recorre à Chancelaria Régia que também se mantém itinerante (que se designará Casa da Suplicação).

A primeira referência expressa à Casa do Cível surge no reinado de D. Pedro I (1362)16. Dotada de Chancelaria própria (1362), encabeçada por um vedor, e de selo autónomo (1375), a Casa esteve sedeada em Coimbra (1362-1363) e depois em Santarém (a partir de 1364). Relativamente a este período pouco se sabe acerca das suas competências: apenas temos notícia de que na Casa do Cível desembargavam os sobrejuízes, com competência em matéria de recurso de feitos cíveis.

O séc. XV afirma-se como um período de continuidades, assente na consolidação e estabilização dos órgãos judiciais régios. D. João I procurou fixar a Casa do Cível na cidade de Lisboa, embora ainda se conheçam períodos de permanência em Santarém. Neste reinado o tribunal também surge designado por Casa do Cível e Crime17, o que é tributário dos compromissos adotados pelo monarca nas Cortes de 1385. Parece ser no período em que D. Duarte, ainda infante, está associado ao trono na administração dos assuntos da justiça que a Casa do Cível adquire residência permanente em Lisboa, instalada já em 1429 no “paaço do Jfante”18. Trata-se do Paço que se erguia defronte da desaparecida Igreja de S. Martinho, acima da Sé de Lisboa, e que conheceu várias designações ao longo do tempo19. No séc. XIV o edifício fora ocupado, talvez parcialmente, pela Casa da Moeda, designando-se no reinado de D. Fernando por Paços da Moeda. Fernão Lopes diz-nos que o monarca habitava os “paaços que chamavom dos Iffantes, que som acerca dessa egreia [de S. Martinho]”20.

Nas Cortes de 1434 D. Duarte irá esclarecer as dúvidas relativas à competência dos dois tribunais superiores: as apelações dos feitos cíveis de qualquer parte do reino iriam à Casa do Cível, salvo as que saíssem do lugar onde o rei ou Corte estivessem ou cinco léguas em redor; as apelações dos feitos crimes de qualquer parte do reino iriam ao tribunal da Corte, salvo as que saíssem da cidade de Lisboa e seu termo21.

No reinado de D. Afonso V a designação do tribunal itinerante da Corte está já consolidada como Casa da Suplicação (ainda que, com forte probabilidade, pelo envolvimento de D. Duarte em matéria de justiça, a designação resulte do reinado anterior)22. Em 1459, na medida em que os sobrejuízes da Casa do Cível estavam sobrecarregados com os feitos dos resíduos e os feitos das penas ordenadas para a rendição dos cativos, deixando de despachar os feitos cíveis que lhes pertenciam por força do seu regimento, D. Afonso V determina que os feitos dos resíduos e cativos passem para a Casa da Suplicação23.

Entretanto, no mesmo espaço ocupado pela Casa do Cível, já em 1463, situava-se a prisão do Limoeiro24. No reinado de D. Manuel I fez-se neste espaço “obra muito magnifica, & sumptuosa”, destinada a albergar os paços da Casa da Suplicação e do Cível e a Cadeia do Limoeiro25. O monarca encomendou ao pintor flamengo Francisco Henriques uma grande obra de pintura “pera o curucheo do Llimoeyro” (ou “da Rellaçam desta casa do cyvell”), obra que decorria ainda em 1518, quando a peste assolou Lisboa, vitimando o pintor e vários dos seus colaboradores, intimados pelo monarca a ficarem na cidade para terminar a obra26.

A reconstrução do espaço para albergar os dois tribunais superiores do reino – e não apenas a Casa do Cível, que já o ocupava há quase um século – é reveladora da tendência para a sedentarização da Casa da Suplicação. Em 1534, atendendo a que a Casa da Suplicação se separava com frequência do rei, D. João III decide dotar o tribunal de uma Chancelaria própria (e de um chanceler), para evitar que o chanceler-mor, que tinha até então assento no tribunal, deixasse os selos à guarda de outro oficial27. Em 1550, numa descrição das justiças superiores do reino, diz-se que a Casa da Suplicação acompanhava “a mais das vezes” o monarca, mudando-se “pera as cidades e vilas pera onde Sua Alteza vay quando comodamente se pode fazer”; quando a mudança se revelava incómoda, o tribunal ficava em Lisboa “ou em outro lugar segundo a Sua Alteza parece que convem”. Quanto à Casa do Cível, estava “de asemto na cidade de Lixboa”28. No entanto, quando a cidade era assolada pela peste, era frequente que a Casa do Cível se deslocasse para o termo da cidade, designadamente para o Lumiar (1523 e 1531)29.

Quando Filipe II de Espanha ocupa o trono de Portugal e inicia uma importante reforma da justiça, os dois tribunais superiores residiam em Lisboa. Filipe I irá definitivamente pôr fim à itinerância – ainda que essencialmente formal – da Casa da Suplicação (de difícil praticabilidade no contexto da união ibérica), determinando que o tribunal passe a residir continuadamente em Lisboa

& della se nom mudar, nem andar com a corte, como se costumaua, pella muita oppressão que por essa causa recebiam as partes que na dita casa tinhão negocio, & pella muita despesa que o Regedor, Desembargadores, & mais officiaes faziam nas mudanças della, & inquietação que recebiam, os quaes pera milhor fazerem seus ofícios, & comprirem com suas obrigações, conuem estarem quietos, & dassento em hum lugar30.

A Casa do Cível tornava-se dispensável e a centralização dos tribunais superiores na capital dificultava o acesso à justiça aos que viviam longe da capital, sobretudo por parte das populosas comarcas do norte do reino, obrigando--os a “virem as ditas Casas com suas appellações, & aggrauos, & muitas vezes por casos tam leues, & de tam pequenas contias, que importam menos, que a despesa que nisso fazem”31. A Casa do Cível será extinta em 1582, sendo ordenada a criação de um novo tribunal na cidade do Porto, a Casa da Relação do Porto.

A Casa da Suplicação manteve-se no Limoeiro até ao terramoto de 1755. Em 1584, a cadeia pública do Limoeiro é descrita como

amplíssima, em cujo andar superior há salas muito espaçosas, destinadas à administração da justiça. Aí, senadores da maior ponderação e sabedoria reúnem todos os dias, para decidir com toda a rectidão as causas da maior importância, enviadas de todo o reino por magistrados inferiores, e castigam os criminosos com a morte, o exílio, e outras penas32.

Enquanto a Casa do Cível esteve fixa na capital do reino, a interação com a Câmara de Lisboa revelou-se tensa e conflituosa, como resulta das respostas régias aos agravos da cidade33.

Um dos privilégios concedidos a Lisboa por D. João I no início do seu reinado, que fazia reverter para a reparação dos muros da cidade o valor das penas maiores de mortes cometidas pelo reino alvidradas em dinheiro, revelou--se fonte de discórdias. Em 1386, D. João I ordenava que fosse guardado o privilégio concedido ao concelho e que as justiças entregassem à cidade o dinheiro das penas já tomado34. Dois anos depois o monarca dirige-se à Casa do Cível, determinando que o tribunal não soltasse as pessoas que deviam pagar as penas que revertiam a favor da cidade e que o escrivão da Chancelaria da Casa do Cível não passasse cartas para que tais pessoas fossem soltas, de modo a que os montantes fossem pagos à cidade e não à Casa do Cível35. Em 1391, D. João I dirige nova carta às justiças do reino, ordenando que não fossem entregues aos condenados nas penas as cartas e instrumentos de sentenças para os soltar até que eles demonstrassem já terem pago as penas a dinheiro que revertiam para as obras da cidade36. D. Duarte confirmará a mercê de seu pai em 1434, constrangendo o regedor da Casa do Cível a entregar as penas de dinheiro para as obras da cidade37.

Por outro lado, os conflitos de jurisdição entre a Câmara de Lisboa e a Casa do Cível são constantes. O tribunal é frequentemente acusado de usurpar a jurisdição da cidade: o regedor é proibido de tomar conhecimento dos assuntos que estavam além do contido no regimento dado ao regedor e oficiais da Casa do Cível (1459)38; os desembargadores da Casa são proibidos de tomar conhecimento de coisas da cidade cujo conhecimento pertencia ao rei por agravo, bem como de dadas de ofícios e privações deles (1465)39; o governador da Casa é proibido de intervir na execução das dívidas das rendas da cidade (1500)40 e de tomar conhecimento das injúrias verbais demandadas na cidade e nos furtos feitos na cidade até 300 reais, mesmo que aos ladrões fossem cortadas as orelhas, por ser jurisdição da cidade (1502)41, proibição reforçada no ano seguinte, dirigindo-se igualmente ao regedor da Casa da Suplicação – o que revela que os dois tribunais se encontravam então na cidade42. Em 1498, D. Manuel já recomendara que, existindo alguma dúvida acerca da jurisdição da Câmara com a Casa do Cível, se deviam juntar “em huma cassa em çima em nossos paaços” alguns desembargadores da Casa do Cível e outros tantos que a cidade indicar e julgassem a quem pertencia43.

Durante a longa regedoria (1450-1478) de Pêro Vaz de Melo, depois conde da Atalaia, o conflito entre a Câmara e o tribunal parece ter sido particularmente intenso. Em 1454, D. Afonso V advertia o tribunal por se recusar a responder a certos requerimentos da cidade; o tribunal proibira os tabeliães da cidade de passarem cartas testemunháveis que atestavam que a Casa do Cível não lhes dava resposta, mandando mesmo prender os tabeliães44. Em 1478, a cidade queixa-se do regedor por este se recusar a ir à Câmara para responder a consultas sobre coisas do bem comum e outras pertencentes à boa guarda e conservação da cidade45 e a guardar os privilégios dos cidadãos de Lisboa de não serem presos por dívidas46. Os oficiais da Câmara queixavam-se ainda ao rei da forma como eram recebidos quando iam à Casa do Cível em representação da cidade, sendo “muy mall acatados nem honrrados” pelos desembargadores, que os faziam “estar em pee nam lhes fazendo aquella honrra que eles mereçem e ainda os espedem dante si com asaz pouca onestidade”47. D. Afonso V exige então ao tribunal que dê “toda honrra e onesto fauor” aos oficiais “da principal cidade destes regnos”, fazendo-os “assentar nos lugares que a elles pertençe por honrra da çidade”. A descortesia com que os oficiais da Câmara eram tratados culminara na derradeira afronta quando “ha ora poucos dias” o regedor e os desembargadores tinham ido à Câmara discutir a taxa do trigo (procurando escusar-se do seu pagamento); defendendo o procurador da cidade a sua posição, os desembargadores “se endynaram” contra ele, ameaçando “que se esperauam de vingar e bem” se algum dos presentes fosse requerer à Casa do Cível. D. Afonso V, condenando fortemente as ameaças dos desembargadores – embora recusando declará-los por suspeitos, como fora pedido pela cidade48 –, ordenava que os desembargadores guardassem inteiramente o direito dos oficiais da Câmara se aparecessem no tribunal, esperando não ter de voltar ao assunto “asperamente de maneira que a elles seja castigo E aos outros enxemplo”49.

Do ponto de vista da sua estrutura orgânica, os dois tribunais superiores assemelhavam-se, embora a dimensão da Casa do Cível seja inferior à da Casa da Suplicação50. As dúvidas sobre a jurisdição de cada tribunal e competências dos seus oficiais foram recorrentes51.

Ambos os tribunais começam por ter o seu regedor52, a principal figura do tribunal, que regia os desembargadores da relação e demais oficiais da Casa, com competências ao nível da coordenação, governo e supervisão do tribunal e maior pendor político do que jurídico. No reinado de D. João II (1485), para evitar confusões entre os dirigentes máximos de ambas as casas, a Casa do Cível passou a ter um governador (1485)53. O papel de cada um deles na estrutura administrativa do reino era de tal forma importante que os seus titulares eram designados como regedor e governador por antonomásia (e assim assinavam).

Os desembargadores são os oficiais que julgam nos tribunais superiores. Em cada tribunal existe um número fixo de julgadores com ofícios certos, aos quais se podiam juntar os desembargadores extravagantes (sem ofício certo).

A Casa da Suplicação dividia-se em cinco núcleos essenciais: (i) o Juízo dos Agravos e Apelações (composto por seis desembargadores dos agravos em 1500, mais um em 1561), que conhece os agravos vindos das sentenças definitivas dos outros núcleos do tribunal e da Casa do Cível (terceira instância); (ii) o Juízo da Correição da Corte (composto por um corregedor do crime da Corte e um corregedor das causas cíveis da Corte; em 1561 existiam já dois corregedores para cada ofício), que exerce as suas competências no lugar onde se encontra o rei e cinco léguas em redor; (iii) o Juízo dos Feitos do Rei (composto por um juiz dos Feitos do Rei e um procurador dos Feitos do Rei, a que se somam dois juízes dos Feitos da Fazenda e um procurador dos Feitos da Fazenda, integrados no tribunal em 1568), que despacha os feitos que envolvam direitos reais, direitos da Coroa e a Fazenda do rei; (iv) o Juízo da Ouvidoria do Crime (composto por três ouvidores, mais um em 1561 e outro em 1565), que conhece as apelações crime vindas do reino; (v) o Juízo da Chancelaria (autonomizado em 1534, composto por um juiz da Chancelaria), que julga dos erros dos escrivães, tabeliães e outros funcionários.

Por seu turno, a Casa do Cível dividia-se em cinco núcleos essenciais54: (i) o Juízo dos Agravos (composto por dois desembargadores do agravo; já doze desembargadores em 1561), que despacha os agravos vindos dos sobrejuízes até 8 marcos de prata; (ii) o Juízo dos Sobrejuízes (composto por seis sobrejuízes, extinto em 1529), que despacha as apelações cíveis vindas do reino, salvo da Corte (quando não esteja em Lisboa), com alçada até quatro marcos de prata (acima da alçada é admissível recurso para a Suplicação); para evitar a existência de duas instâncias este juízo foi extinto, passando as suas competências para o Juízo dos Agravos55; contudo, durante a regência de D. Catarina (1559), foi determinado que, independentemente da quantia, todas as apelações de feitos cíveis fossem à Casa do Cível, sendo possível agravar para a Casa da Suplicação acima de determinados valores56; (iii) o Juízo da Ouvidoria do Crime (composto por 2 ouvidores), que conhece dos feitos crimes vindos por apelação ou agravo de Lisboa e seu termo do corregedor da cidade ou de outros juízes; (iv) o Juízo da Corregedoria da Cidade57 (composto por um corregedor do crime da cidade e um corregedor do cível da cidade, criados em 1515; em 1561 existiam já dois corregedores para cada ofício), que conhece os feitos da correição de Lisboa em matéria crime e cível; (v) e o Juízo dos Feitos da Índia, Mina e Guiné (composto por um juiz)58, que conhece dos feitos relativos concernentes ao comércio ultramarino e cargas e descargas dos navios e das justificações para cobrança do dinheiro de defuntos e ausentes.

Cada juízo tinha adstrito um conjunto de escrivães do ofício, responsáveis por redigir os feitos perante os respetivos julgadores. Em torno dos ofícios de escrita rondavam os distribuidores, inquiridores, corredores das folhas, contadores das custas e recebedores do tribunal. Mais, cada tribunal tinha o seu promotor de justiça, um número de solicitadores para solicitar os feitos que aí corriam e os seus procuradores residentes, que alegavam as leis, acompanhavam em permanência o tribunal e representavam as partes nos litígios submetidos à jurisdição superior; com formação universitária e familiarizados com o stylus curiae, estavam sujeitos a um exame perante o regedor ou governador e o chanceler para acesso ao ofício.

Os tribunais são ainda compostos por pessoal subalterno com funções executórias, como os porteiros, adstritos a um juízo, que têm a seu cargo a comunicação com o exterior e guardam as audiências; o pregoeiro da Corte, que apregoa nas audiências e faz arrematações das execuções das sentenças; o meirinho da Corte, acompanhado pelos seus homens, que executa as decisões do juiz, prendendo os malfeitores e arrecadando as penas. No mesmo edifício que albergava os tribunais superiores na cidade de Lisboa existiam duas cadeias, a Cadeia da Corte e a Cadeia da Cidade, com os respetivos meirinhos, alcaides, carcereiros, guardas e carrascos (e uma população prisional de centenas de presos).

 

3. DA FORMA DOCUMENTAL: O DISCURSO DIPLOMÁTICO DAS CARTAS DE SENTENÇA

A compreensão e reconstituição dos mecanismos de produção escrita dos tribunais superiores encontram nas cartas de sentença uma fonte essencial. A análise de um conjunto de quinze cartas de sentença originais da Casa do Cível e da Casa da Suplicação datadas da primeira metade do séc. XVI e conservadas no Arquivo Municipal de Lisboa59 permite-nos revisitar os processos burocráticos e sentir o pulsar do quotidiano dos tribunais superiores.

Do ponto de vista externo, as cartas de sentença analisadas pouco se distinguem das cartas (literae) redigidas na Chancelaria Régia. O suporte é o pergaminho60, em fólio único ou em caderno61, dependendo da dimensão do texto, sempre redigido em português. Do ponto de vista interno, contudo, as cartas de sentença possuem características próprias que as permitem distinguir e autonomizar de outros documentos régios, características que se evidenciam através da análise do seu discurso diplomático.

O teor das cartas de sentença desenvolve-se através de um conjunto de elementos que formam a sua estrutura, desempenhando cada um desses elementos uma função específica no documento62>. As fórmulas textuais que preenchem essa estrutura não são completamente rígidas. Reconhecem-se variantes nas fórmulas utilizadas em cada elemento do discurso diplomático, ainda que o conteúdo não seja alterado de forma significativa. Considerando que o mesmo escrivão, em curtos períodos de tempo, não utiliza as mesmas fórmulas textuais de carta para carta, entendemos que a redução a escrito não tem por base a rigidez de um formulário obrigatório, havendo antes lugar ao arbítrio do escriba. Apelando à sua memória, o escrivão teria presente o costume seguido no tribunal (stylus curiae), apreendido durante a sua formação63.

A estratégia narrativa utilizada nas cartas de sentença reduz a escrito a representação teatral própria dos processos judiciais, a que atrás aludimos. O seu conteúdo, dominado por um narrador, apresenta-nos as personagens principais e as respetivas interações acrescentam tensão dramática ao texto, até alcançarmos o final da narrativa, a decisão, que favorece uma das personagens em detrimento da outra.

Na intitulação (intitulatio) das cartas de sentença analisadas, é o monarca reinante que surge como emissor do documento e autor do negócio jurídico consignado na carta. O tratamento de “Dom” inicia a carta, seguindo-se o nome do rei, a fórmula de devoção e legitimação “pela graça de Deus”, bem como a respetiva titulação com menção dos seus domínios64.

Ao longo da carta de sentença ouve-se sempre a voz do rei. Trata-se, contudo, de uma narração ficcionada, na medida em que o rei não está fisicamente presente, não atua, não decide, não assiste ao desenrolar do feito, mas está representado em todo o processo pelos seus juízes. O juiz dos tribunais superiores decide em nome do rei e da justiça régia, integrando o seu corpo místico65. No entanto, apesar da delegação do seu poder de julgar em oficiais próprios, os reis, numa manifestação cerimonial de poder, não deixam de comparecer no principal tribunal da Corte, a Casa da Suplicação, para o despacho em relação. Garcia de Resende diz de D. João II que “todalas sestas feiras hia sempre à rolação pollas manhaãs”66. Também D. Manuel – relata-nos Damião de Góis – no mesmo dia “hia sempre à casa da suplicação ouvir hos presos & ser presente aho dar das sentenças & isto sem nunqua faltar nem lho nenhum outro caso impedir senão doença”67. De D. João III diz-nos Francisco de Andrade que “[q]uando se achava presente na rolação aos despachos della, que era huma vez cada somana, mais inclinado se mostrava ha brandura da equidade, que ao rigor da justiça”68.

A partir de 1524, dá-se uma alteração no tratamento dado ao rei na documentação escrita em seu nome. Reunido nesse ano o Conselho de D. João III em Évora, discutiu-se o modo como os seus antecessores tinham usado a expressão “nós el-Rei” nos documentos que se escreviam em seu nome. O parecer do Conselho foi favorável à mudança para o estilo novo de se escrever “eu el-Rei” somente, por outros reis passados o terem assim escrito e “por ser assy mais proprio & decente ha majestade real”. Nesse sentido, foi passada provisão pelo secretário António Carneiro a 16.06.1524 para que o costume antigo fosse afastado e que daí em diante se deveria utilizar “eu el-Rei”, com as correspondentes alterações verbais, em todos os papéis que deviam ser assinados pelo rei ou pelos seus oficiais em seu nome, para que o rei “sempre falle por eu”69.

O destinatário (inscriptio) identifica a pessoa a quem o documento é dirigido, para efeitos da sua execução (não corresponde, portanto, à pessoa que pode usar o documento em seu benefício). As cartas de sentença apresentam um destinatário corporativo em matéria de justiça, sem que seja especificado o nome de uma pessoa em concreto. Com variantes, a carta é dirigida “a todolos70 juizes e justiças de nossos reinos71 a que esta nossa carta de sentença for mostrada7273. Este elemento apresenta uma importante auto-classificação, inserindo o documento na tipologia das cartas de sentença.

A saudação (salutatio) fecha o protocolo inicial com a fórmula de cortesia “saúde”74.

O texto inicia-se com a notificação (notificatio), que anuncia o conteúdo do documento ao destinatário, traduzindo-se numa forma verbal imperativa “sabede que…”75, substituída a partir de 1514 por “fazemos vos saber que…”. No reinado de D. João III, com a mudança atrás referida para o estilo novo no tratamento do rei, a expressão utilizada passa a ser “faço-vos saber que…”76.

Segue-se a exposição (narratio), onde se procede à reconstituição dos factos que dão origem ao processo e à enumeração das diferentes etapas processuais percorridas. Na carta de sentença, a exposição ocupa a maior parte do documento, identificando as partes em litígio, com indicação dos seus nomes e dignidades, o pedido feito pelo autor e os seus motivos e a relação sumária do processo com o resumo dos atos processuais ocorridos e que antecedem a decisão.

A fórmula habitualmente utilizada para dar início à exposição é igualmente ficcionada, revelando a pendência de certo litígio no tribunal superior. A expressão textual, com variantes, indica que no tribunal (“em a nossa corte”77; “em esta minha corte e Casa do Cível”78; “em esta nossa corte e Casa da Suplicação”)79 perante o rei (“perante nós”)80, na verdade representado pelos seus juízes (“perante mim e o licenciado Antão Gonçalves, do meu desembargo”), foi ordenado81 certo litígio (“se tratou um feito”82; “se tratou um feito cível”)83 entre as partes que logo se identificam.

Com o dispositivo (dispositio), que exprime a vontade do autor através de uma decisão, atinge-se o clímax narrativo. O dispositivo inicia-se com a expressão “O qual visto por nós”84 ou “E visto por nós em Relação com os do nosso desembargo”85, a que se segue a conjugação verbal reveladora de assentimento “Acordamos” (depois “Acordei”)86, a qual anuncia a decisão final, tendo por base o pedido deduzido pelo autor.

O processo diegético do texto termina com duas cláusulas finais que asseguram a execução da manifestação de vontade inscrita no documento. A primeira é uma cláusula injuntiva, que determina que a decisão seja cumprida e executada pelo destinatário, prevista na fórmula, com variantes, “E porém vos mandamos que assim o cumprais e guardeis e façais (mui inteiramente)87 cumprir e guardar como por nós é acordado, (determinado)88, julgado e mandado”89. A esta segue-se uma cláusula proibitiva, que interdita a realização de qualquer ato contrário ao que o documento dispõe (“E all nom façades”, depois “E all nom façaes”)90.

O escatocolo abre com a datação tópica, seguida da data cronológica, com referência ao dia e mês. O ano é identificado no final do escatocolo. Uma fórmula consignatória identifica, finalmente, o nome do julgador, que ordena o conteúdo da carta em substituição do monarca (“El-Rei o mandou por…”) e o nome do escrivão, enquanto autor material do documento. Foi o escrivão, como veremos, que permitiu o desenvolvimento narrativo através do feito que foi redigindo ao longo das audiências.

A validação (validatio) da carta de sentença é feita através da assinatura dos juízes que intervieram no pleito e, no verso do documento, da assinatura do chanceler, junto do selo pendente, símbolo da vontade do rei. Onde o selo régio é aposto, ouve-se a voz do rei.

Por fim, a carta de sentença contém ainda, por regra, referências aos emolumentos cobrados. O verso da carta pode também integrar atos notariais relativos ao cumprimento e execução da sentença91.

 

4. DA GÉNESE DOCUMENTAL: AS CHANCELARIAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

A Chancelaria, dirigida pelo chanceler92, é o departamento responsável pela redução a escrito dos documentos emitidos pelo tribunal, pelo seu registo em livros próprios93, pela sua validação através da aposição do selo régio e pela sua expedição, por via da sua entrega aos interessados. Recorde-se que, se a Casa do Cível tinha a sua Chancelaria própria desde a sua autonomização em finais do séc. XIV, a Casa da Suplicação recorria à Chancelaria-mor do Reino até 1534, quando é criado o ofício de chanceler da Casa da Suplicação.

Enquanto centro de produção documental, a Chancelaria controla, através do chanceler, o trabalho dos escrivães do respetivo tribunal, de modo a assegurar que as sentenças eram bem redigidas e que os escrivães não cobravam mais pela redação do que os valores tabelados.

O trabalho do escrivão desenrola-se durante as audiências, sendo responsável por registar os termos da audiência, diligenciar a apresentação das peças e requerimentos das partes (que, através dos seus procuradores, registam os respetivos atos processuais) e os desembargos do juiz, indicar os prazos dados às partes para comparecerem em nova audiência, juntar ou trasladar as inquirições de testemunhas e as escrituras dadas pelas partes como prova e promover o andamento do processo, entregando-o às partes ou fazendo-o concluso aos juízes (que pelo punho do juiz relator, registam a sentença). Embora o processo físico que se vai formando ande de mão em mão – e seja redigido por várias mãos –, entre as partes, o juiz e o escrivão, este último assume-se como o seu guardião. O processo desempenha uma função instrumental, na medida em que permite recolher as posições dos intervenientes no litígio para que no fim da demanda possa ser passada a carta de sentença.

Depois de a sentença ser verbalmente tornada pública em audiência, as partes (designadamente, a parte vencedora) poderiam obter uma carta de sentença, feita com base no processo do feito, de modo a promover o cumprimento da decisão que conformou o litígio.

A 18 de julho de 1511, o escrivão Estêvão Vaz redige quatro cartas de sentença favoráveis à Câmara de Lisboa, passadas pelo juízo das propriedades da cidade e relativas à proibição de tabuleiros em frente das portas das casas da Rua Nova dos Mercadores. As sentenças, contudo, tinham sido dadas mais de nove anos antes, mas o procurador da cidade não tinha ainda tirado a sentença do processo

ate ora que Nos veio pedir que lhe mandassemos dar a dyta nossa sentença E passar per a nossa chamçellaria E antes de lhe seer dado mandamos que citasse a parte porquanto passava de sseis meses que a dita semtença era dada para dizer se tinha embargos ha nom seer tirada do processo94.

Por regra, a carta de sentença era redigida pelo escrivão que tinha o feito. Encontramos, contudo, referências a escrivães que redigem a carta de sentença mas que não têm o feito95. Na carta de sentença o escrivão do feito devia anotar “por suas maõs” a retribuição devida pela feitura da carta96. Sem levarem postas a paga o chanceler não devia passar as cartas que não levassem postas as pagas do que os escrivães levavam pela sua feitura97. Encontram-se referências a este pagamento no final do texto da carta de sentença. Na Casa da Suplicação o valor mais frequente é de 60 reais por fólio (“pg lx rs”)98. Na Casa do Cível paga-se 70 reais (“pg lxx rs”)99.

Redigida a carta de sentença, esta era entregue aos desembargadores que tinham proferido a decisão para a assinar. O valor da assinatura é, em ambas as casas, de 100 reais (“d'assinatura cem reaes”)100. Por vezes, os desembargadores encontravam-se ausentes e não assinavam a carta de sentença: “E por quanto Ao asynar desta os ssobreditos bispo da goarda nem vygairo de tomar nom eram presentes passou ssomente pollo dito doutor bras neto”101.

Depois de assinadas pelo julgador, cabia ao chanceler proceder à revisão das cartas e exercer o controlo de legalidade sobre as mesmas, no momento da sua validação. Assim, cumpria ao chanceler identificar, do ponto de vista formal, falhas de redação e, do ponto de vista material, conflitos com outras disposições ou privilégios previamente concedidos. As cartas que fossem expressamente contra as ordenações ou direito não eram seladas: o chanceler punha-lhes uma glosa e levava-as à relação do tribunal para discussão. Se achasse que não havia dúvidas na carta, punha o seu sinal acostumado de acordo com o selo utilizado102 e mandava selá-las na sua presença ao porteiro da Chancelaria.

Embora apenas uma das cartas de sentença conserve vestígios do selo pendente de cera vermelho103, encontramos a assinatura do chanceler – apenas com o nome latino, sem apelido, tal como os desembargadores104 – no fundo da carta, ao centro, por cima do local onde era colocado o nastro105, ou, no caso de cadernos, no canto inferior junto à dobra do caderno106.

No verso das cartas de sentença da Casa da Suplicação107, validadas pelo chanceler-mor, encontra-se um «p» oblongo, de altura excessiva, ocupando quase todo o fólio, feito pela mão do chanceler-mor. Não se conhece o sentido desta marca do chanceler-mor108, podendo, por ventura, corresponder a um visto de conformidade ou uma autorização para que a carta passe na Chancelaria.

Selada a carta, iniciava-se o ritual da entrega, carregado de formalismo e positivamente descrito nos regimentos dos oficiais envolvidos. A partir do momento em que carrega o selo do rei, o documento ganha a dimensão de uma preciosidade. O porteiro guardava a carta num saco, que fechava e selava, levando-o de imediato à Casa da Chancelaria, onde era feita a expedição das cartas de sentença. As cartas eram mantidas nesse saco até o escrivão da Chancelaria e o recebedor se sentarem para iniciar a entrega, num jogo tripartido de controlo e responsabilidade. Perante o escrivão da Chancelaria, o porteiro abria o saco e tirava as cartas, uma a uma, entregando-as ao escrivão, que assentava na carta a sua paga (taxa da Chancelaria, importante fonte de rendimento do tribunal) e registava-a no livro da receita (para confrontar depois com a conta do recebedor).

Não chegaram até nós estes livros de receita nem o registo das taxas da Chancelaria a cobrar. Encontramos, porém, a paga da carta na Chancelaria registada nas cartas de sentença, com a assinatura do escrivão da Chancelaria, conforme prescreve o texto legal: na Casa da Suplicação o valor pago é de 36 reais em 1511109, diminuindo para 30 reais entre 1513 e 1528110. Já na Casa do Cível, estava fixado em 36 reais em 1511111, parecendo diminuir para 30 reais em 1514112 mas logo aumentando para 40 reais entre 1518 e 1535113.

Depois de ao recebedor ser entregue a quantia devida, o porteiro entregava a carta às partes indicadas pelo escrivão. O cerimonial repetia-se para cada carta, até todas terem sido entregues. Então o porteiro recupera as cartas que ficaram por entregar e que se encontravam numa arca, que se abria com a chave do escrivão e do recebedor114. Se aí estivessem as partes, procedia-se à sua entrega, regressando, caso contrário, à referida arca.

Estando presente na entrega, a parte condenada pode opor-se a que uma carta de sentença passe pela Chancelaria, pagando o direito do embargo à Chancelaria. O escrivão entrega a carta de sentença com os embargos apresentados pelo embargante e leva-os ao desembargador que a assinou, para despacho. Quem opusesse embargos à Chancelaria que não sejam recebidos ou não os provar, era condenado nas custas em dobro, mesmo que a sentença fosse sem custas.

No litígio que opõe a cidade de Lisboa a Pêro Vaz e Vasco Gonçalves sobre o aforamento de umas casas junto da Portagem do Pão foram passadas, por escrivães distintos, duas cartas de sentença, a primeira a 27 de junho de 1514 e a segunda a 23 de julho de 1514115. Passada a primeira carta, vieram os réus com embargos a não passar na Chancelaria a sentença. A segunda sentença, de conteúdo igual à primeira, decide sumariamente os embargos, determinando que a sentença passe pela Chancelaria116. Construídas as duas sentenças com base no mesmo processo de feito, são identificáveis variantes textuais que as distinguem, o que comprova a margem que cada escrivão tem na redação da carta de sentença.

Ainda que a amostragem seja muito limitada para conclusões definitivas, encontramos semelhanças e diferenças na atuação dos dois tribunais. Se, do ponto de vista da análise do discurso diplomático, verificamos que a formalidade documental exigida é comum a ambas as casas, do ponto de vista da redução a escrito vislumbram- -se diferenças ao nível do regime de taxas e emolumentos – que parecem ser mais elevados na Chancelaria da Casa do Cível –, que podem indiciar uma autonomia dos tribunais superiores na sua gestão interna ou a vontade régia de estabelecer distinções a esse nível entre os dois tribunais.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

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Submissão/submission: 24/09/2018

Aceitação/approval: 24/10/2018

 

 

NOTAS

TESTOS, Jorge Veiga – Anotações de diplomática judicial portuguesa: os tribunais superiores na Lisboa quinhentista. Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª Série Nº 10 (julho-dezembro 2018), p. 141 – 163.

1 Sobre a relação entre as duas disciplinas científicas, v. HOMEM, Armando Luís de Carvalho – Diplomática e História do Direito, raízes da “nova” História Política. Cuadernos de Historia del Derecho. Madrid. Nº 12 (2005), p. 43-56; NOGUEIRA, José Artur Duarte – Jurishistoriadores e historiadores: identidade e diferença (algumas reflexões). In Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão. Coimbra: Almedina, 2008. vol. II, p. 1845-1856.

2 As abordagens portuguesas que versam assumidamente a diplomática judicial resumem-se a duas comunicações apresentadas no X Congresso Internacional da Comission Internationale de Diplomatique, subordinado ao tema e realizado em 2001 (MARQUES, José; CUNHA, Maria Cristina – Conflit de juridictions et documents judiciaires: le cas de Braga. In NICOLAJ, Giovanna, ed. – La diplomatica dei documenti giudiziari (dai placiti agli acta – secc. XII-XV). Vaticano: Scuola Vaticana di Paleografia, Diplomatica e Archivistica, 2004. p. 243-280; COELHO, Maria Helena da Cruz; HOMEM, Armando Luís de Carvalho – Les actes judiciaires de Pierre Ier du Portugal (1357-1366). In NICOLAJ, Giovanna, ed. – op. cit., p. 281-293 e a uma dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática sob orientação de Armando Luís de Carvalho Homem e Bernardo Sá Nogueira (TESTOS, Jorge Veiga – Sentenças régias em tempo de Ordenações Afonsinas, 1446-1512: um estudo de diplomática judicial. Lisboa: [s.n.], 2011. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).

3 O principal impulso dado à diplomática judicial resultou do já referido Congresso Internacional da Comission Internationale de Diplomatique, organizado em Bolonha por Giovanna Nicolaj (v. NICOLAJ, Giovanna, ed. – op. cit.). V. o diagnóstico feito em TESTOS – op. cit., p. 10-16.

4 V. BONO Y HUERTA, José – Conceptos fundamentales de la Diplomatica notarial. Historia, instituciones, documentos. Sevilla. Nº 19 (1992), p. 73-88; CÁRCEL ORTÍ, Maria Milagros, ed. – Vocabulaire internationale de la Diplomatique. 2ª edição. València: Universitat de València, 1997; GUYOTJEANNIN, Olivier; PYCKE, Jacques; TOCK, Benoit-Michel – Diplomatique médiévale. Turnhout: Brepols, 2006.

5 GIRY, Arthur – Manuel de Diplomatique. Paris: Librairie Felix Alcan, 1925. p. 659.

6 NICOLAJ, Giovanna – Lineamenti di diplomatica generale. Scrineum Rivista. Pavia. Nº 1 (2003), p. 81.

7 O critério assente na produção documental do auctor, proposto por José Bono, deixaria de fora, por exemplo, os casos em que a redação do documento judicial não é feita num órgão próprio do tribunal mas na Chancelaria Régia ou quando o notário local redige a documentação concelhia em matéria judicial (v. BONO – op. cit., p. 75).

8 Na definição de atividade jurisdicional legada no século XII por Búlgaro, “iudicium est actus ad minus trium personarum, actoris intendentis, rei intentionem evitantis, iudicis in medio cognoscentis” (WAHRMUND, Ludwig, ed. – Quellen zur Geschichte des römisch-kanonischen Processes im Mittelalter. Innsbruck: Universitätsverlag Wagner, 1925. vol. IV, parte 1, p. 5).

9 RUIZ GARCIA, Elisa – La carta ejecutoria de hidalguía: un espacio gráfico privilegiado. En la España medieval. Madrid. Nº extra 1(2006), p. 251-276; ORTEGO GIL, Pedro – Sentencias criminales en Castilla: entre jueces y abogados. Clio & Crimen. Durango. Nº 10 (2013), p. 359-372.

10 ALBUQUERQUE, Ruy de; ALBUQUERQUE, Martim de - História do Direito português. Lisboa: Ed. Pedro Ferreira, 1999. vol. I, p. 372.

11 GODDING, Philippe – La Jurisprudence. Turnhout: Brepols, 1973. p. 18.

12 HOMEM, Armando Luís de Carvalho – O Desembargo Régio (1320-1433). Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica; Centro de História da Universidade do Porto, 1990. p. 171.

13 HESPANHA, António Manuel – História das instituições: épocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982. p. 20.

14 Excluímos desta equação o Desembargo do Paço, instituição que ganha autonomia durante o reinado de D. João II e que assumirá a sua preponderância na hierarquia judiciária ao longo do séc. XVI. Trata-se, contudo, de um tribunal-conselho, de natureza híbrida, onde se decidem sobretudo os casos da graça régia e onde a intervenção contenciosa é residual, limitada ao recurso de revista. O estudo mais aprofundado sobre esta instituição concentra-se, porém, no seu último século de existência (v. SUBTIL, José – O Desembargo do Paço (1750-1833). Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 1996).

15 Os elementos recolhidos no século XIX por Gama Barros constituem, ainda hoje, a base essencial do que se divulga sobre estas duas instituições (BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV. Lisboa: Imprensa Nacional, 1885. tomo I, p. 611-626). Veja-se também CAETANO, Marcello – História do Direito português. 4ª edição. Lisboa: Verbo, 2000. p. 308-311, 484-486; CRUZ, Maria do Rosário Azevedo – As regências na menoridade de D. Sebastião. Lisboa: INCM, 1992. I volume, p. 128-155; DUARTE, Luís Miguel – Justiça e criminalidade no Portugal Medievo (1459-1481). Porto: [s.n.], 1993. vol. 1, p. 259 e segs. e vol. 2. Tese de doutoramento em História da Idade Média, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto; Hespanha - op. cit., p. 332 e segs; Homem – op. cit., 1990, p. 163-171; TORRES, Ruy d'Abreu – Casa do Cível. In SERRÃO, Joel, ed. – Dicionário de História de Portugal. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1975. vol. II.

16 É certo que a separação física no julgamento das apelações crime e das apelações cíveis, entregues a magistrados distintos, data do reinado de D. Afonso IV, embora sem certeza de que o desdobramento dos tribunais superiores já se verificara. A referência à existência da Casa do Cível já em 1355, por força de uma lei de 12 de março desse ano integrada no corpo das Ordenações Afonsinas (OA.5.59.1 a 11) é equívoca, na medida em que a mesma lei copiada no Livro das Leis e Posturas apenas refere os sobrejuizes do nosso civil” (v. Barros – op. cit., p. 615; Homem – op. cit., 1990, p. 169).

17 V. Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Chancelaria Régia, Livro 1º de D. João I, doc. 41 (carta de 11.05.1391 – “nossa cassa do Cyvil E crime que ora esta na Çidade de lixboa”); AML, Chancelaria Régia, Livro 1º de místicos de reis, doc. 10 (instrumento de treslado de 01.04.1429 – em a cidade de Lixboa no paaço do Jfante em a cassa da Rollaçom per ante pedreanes lobato Regedor por ElRej da cassa do Çiujll E crime que ora em a dicta çidade esta”).

18 AML, Chancelaria Régia, Livro 1º de místicos de reis, doc. 10 (acima referido). No ano de 1434 o espaço em que estava sediada a Casa do Cível recebia obras. Por carta de 11 de abril, dirigida ao regedor da Casa do Cível, Pedro Eanes Lobato, o rei D. Duarte autoriza que o produto das penas pecuniárias julgadas naquele tribunal até dia 1 de maio fosse entregue ao “almoxariffe das obras do Noso castello pera as despender nas obras E corregimento deses paços em que uos E eses desembargadores fazees as Relaçooes” (AML, Livro II de D. Duarte e de D. Afonso V, doc. 6).

19 CASTILHO, Júlio de – Lisboa antiga: bairros orientais. 2ª edição. Lisboa: S. Industriais da C.M.L, 1937. vol. IX, p. 18 e segs; SILVA, Augusto Vieira da – A Cêrca Moura de Lisboa: estudo histórico descritivo. 3ª edição. Lisboa: Publicações Culturais da Câmara Municipal, 1987. p. 167-171.

20 Como notou Castilho, a designação como Paço dos Infantes parece ser anterior aos filhos de D. João I. Com efeito, em 1401 o espaço é designado por “paaços do Inffante herdeiro” ou por “paços dos infantes onde soiam fazer a moeda”. Em 1405 pousavam no Paço dos Infantes as donas do Mosteiro de Santos, entre elas a sua comendadeira Inês Pires, mãe de D. Afonso, 1º duque de Bragança. Ora, em 1401 o infante D. Duarte teria apenas 10 anos e só veio a receber casa própria após as Cortes de Évora de 1408.

21 As Ordenações Afonsinas virão dispor que se o rei estivesse em Lisboa, o conhecimento das apelações crime da cidade pertencia à Casa da Suplicação (OA.3.90.1).

22 A primeira preferência que encontramos ao supremo tribunal da Corte com esta designação consta da carta régia de 30 de abril de 1440 dirigida a D. Álvaro [de Abreu], bispo de Évora, do Conselho do Rei, “que ora por Nos tendes carrego da Nossa casa da soplicaçom (…) e aos desembargadores da dita casa” (Ordenações de el-Rei Dom Duarte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 678).

23 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 385, f. 277 e 277v. (alvará de 05.08.1459).

24 Por carta de 20 de julho de 1463, D. Afonso V concede privilégio a Diogo Sanches, morador na cidade de Lisboa, a pedido dos presos que jazem no Limoeiro, enquanto pedir as esmolas por eles (ANTT, Chancelarias Régias, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 9, f. 119).

25 GÓIS, Damião de – Chronica do felicissimo Rei Dom Emanuel. Lisboa: Francisco Correia, 1566-7. IV parte, cap. 85, f. 109v.

26 VITERBO, Sousa – Notícia de alguns pintores portuguezes e de outros que, sendo estrangeiros, exerceram a sua arte em Portugal. Lisboa: Tipografia da Academia Real das Ciências, 1903. p. 56-64.

27 Os regimentos de 1534 constam da compilação manuscrita de Duarte Nunes de Lião, datada de 1566 (ANTT, Feitos Findos, Casa da Suplicação, livro 72, f. 61 e ss.).

28 LEAL, José da Silva Mendes – Corpo Diplomatico Portuguez. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1884. tomo VI, p. 367-370.

29 Nas Cortes de 1498 a cidade agrava-se da opressão feita pelo aposentamento dos desembargadores e oficiais “quando a casa da Rellaçam alguuas vezes por causa da Jmfirmidade da cidade se vay assentar no termo” (v. DIAS, João José Alves, org. – Cortes Portuguesas: reinado de D. Manuel I (Cortes de 1498). Lisboa: Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2002. p. 437). Em 1523, atacando a peste a cidade, a Casa do Cível encontrava- -se no Paço do Lumiar (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, Processo do bacharel Pedro Lourenço, procurador da Casa do Cível, proc. 10931, f. 25 – “vimdo huma peste a esta Cydade na era de vymte E dous ou vymte E tres annos (…) ele declarante estava emtaao no paço do lumear procurando por ao tal tempo estar ahy a casa do civel E Cessando a peste se veyo (…) pera esta Cydade”). Em 1531, ano em que um forte terramoto e a peste também assolaram a cidade, a Casa do Cível estava no Lumiar (v. ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, Maço 168, doc. 20 – mandado de 18.04.1531 feito “no lomear termo da cidade onde a Relaçam E casa do çivell esta”).

30 Preâmbulo do Regimento da Casa da Suplicação de 27.07.1582 (Regimento da Casa da Suplicaçam e da Relaçam do Porto. E o Perdão geeral, com outras Leys & Prouisões. Lisboa: aa custa de Luis Marteel Livreiro del Rey Nosso Senhor per Antonio Ribeiro Impressor do mesmo Señor, 1583). A ideia de fixar a Casa da Suplicação não era nova, e já nas Cortes de Lisboa de 1562 fora pedido que a Casa da Suplicação se não mudasse de Lisboa “pela muita despesa e vexação que de sua mudança se segue aas partes, todos os Officiaes e os Desembargadores della e tambem he dano da fazenda de S.A.” (RIBEIRO, João Pedro – Reflexões históricas. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1836. p. 101).

31 Preâmbulo do Regimento da Relação da Casa do Porto de 27.07.1582 (Regimento...op. cit.).

32 SANDE, Duarte de – Diálogo sobre a missão dos embaixadores japoneses à Cúria Romana. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra; Centro Científico e cultural de Macau, 2009. tomo I, p. 344.

33Mais tarde, a sedentarização dos tribunais superiores na cidade teve impacto direto na composição da vereação de Lisboa, que caminhava para uma extensão do poder régio, em confronto com a autonomia municipal. Em 1572, D. Sebastião determinou que o Senado da Câmara tivesse um presidente e “tres Vereadores letrados que sejam meus Desembarguadores”. Os desembargadores da Casa da Suplicação passarão a participar no governo da capital. V. TERENO, Isaura – Estudo das provisões régias recebidas pela cidade de Lisboa (1565-1585): o rei e a cidade, homens e ofícios. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa. 2ª Série, nº 2 (julho-dezembro 2014), p. 87-88.

34 AML, Chancelaria Régia, Livro 1º de D. João I, doc. 16 (carta de 26.07.1386).

35 AML, Chancelaria Régia, Livro 1º de D. João I, doc. 25, f. 1 e 1v. (carta de 08.06.1388, dirigida a Diogo Lopes Pacheco, vassalo do rei e do seu Conselho e desembargo e aos outros homens bons do desembargo da Casa do Cível). Por esta carta se vê que o longevo matador de Inês de Castro e conselheiro de D. João I, serviu de regedor do tribunal. Braamcamp Freire identifica um Diogo Lopes como regedor da Casa do Cível, mas não o faz corresponder ao famoso Diogo Lopes Pacheco (ver nota de rodapé 52).

36 AML, Chancelaria Régia, Livro 1º de D. João I, doc. 41 (carta de 11.05.1391).

37 AML, Chancelaria Régia, Livro 2º de D. Duarte e D. Afonso V, doc. 6 (carta de 11.04.1434).

38 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 355, f. 265 (alvará de 04.08.1459).

39 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 397, f. 279 e 279v. (alvará de 04.09.1465).

40AML, Chancelaria da Cidade, Livro de posturas antigas, doc. 272, f. 88 (alvará de 15.02.1500), transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. – Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 246 e 247.

41 AML, Chancelaria da Cidade, Livro de posturas antigas, doc. 272, f. 95 e 95v. (alvará de 02.05.1502), transcrito em RODRIGUES – op. cit., p. 266 e 267.

42 AML, Chancelaria da Cidade, Livro de posturas antigas, doc. 272, f. 101 e 101v. (alvará de 20.12.1503), transcrito em RODRIGUES – op. cit., p. 280-282.

43 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 485, f. 313 (carta de 26.03.1498).

44 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 383, f. 277 (alvará de 23.01.1454).

45 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 422, f. 288v. (carta régia de 18.06.1478).

46 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 436, f. 294 (carta de 04.08.1478).

47 O tratamento contrastava com aquele que era dado aos desembargadores quando iam à Câmara: os oficiais da cidade davam-lhes “outro acatamento E mesura”, despachando graciosamente, “poemdos e asentandoos acyma de sy”.

48 Os oficiais da Câmara pediam que tivessem por juiz nos seus feitos o corregedor da cidade, com apelação para a Casa da Suplicação.

49 AML, Chancelaria Régia, Livro dos pregos, doc. 439, f. 294v. e 295 (carta de 04.08.1478).

50 Os regimentos dos oficiais da Casa da Suplicação encontram-se nos títulos 1 a 22 das Ordenações Afonsinas. Nas Ordenações Manuelinas de 1521 os regimentos dos oficiais da Casa da Suplicação constam dos títulos 1 a 25 e os da Casa do Cível dos títulos 29 a 37. Estas disposições sofreram alterações posteriores, registadas nas Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Lião (Extravagantes), 1ª parte, tít. 1 e segs. V., também, OLIVEIRA, Cristóvão Rodrigues de – Lisboa em 1551: sumário. Lisboa: Livros Horizonte, 1987. p. 83 e segs; OLIVEIRA, Nicolau de – Livro das grandezas de Lisboa. Lisboa: Vega, 1991. p. 635 e segs. Para a comparação do oficialato judicial régio entre as Ordenações Afonsinas e Ordenações Manuelinas, v. FREITAS, Judite Gonçalves – Tradição legal, codificação e práticas institucionais: um relance pelo poder régio no Portugal de Quatrocentos. História: Revista da Faculdade de Letras. Porto. III Série Vol. 7 (2006), quadro I, p. 66.

51 Extravagantes, 2ª parte, tít. 1.

52 Os catálogos dos regedores da Casa da Suplicação e dos regedores e governadores da Casa do Cível encontram-se em FREIRE, Anselmo Braamcamp – Brasões da sala de Sintra. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1927. Livro segundo, p. 149-167 e 167-182. V. nota de rodapé 35.

53 O primeiro governador foi Gonçalo Vaz de Castelbranco, senhor de Vila Nova de Portimão, que já servia o ofício de regedor da Casa do Cível desde 1481. Seu filho, D. Martinho de Castelbranco, feito conde de Vila Nova de Portimão por D. Manuel I, tinha os seus paços junto ao Limoeiro, defronte da Igreja de S. Martinho (CASTILHO – op. cit., p. 70). A família, embora tenha deixado a governadoria da Casa do Cível, manteve o seu paço no Limoeiro e a ligação à Igreja de S. Martinho, mausoléu da família (CASTILHO – op. cit., p. 77; inscrições sepulcrais na p. 96). Sobre o 1º conde de Vila Nova de Portimão, v. FREIRE – op. cit., livro terceiro, 1930, p. 373 e segs.; COUTINHO, Valdemar – O Condado de Vila Nova de Portimão. In CONGRESSO INTERNACIONAL A ALTA NOBREZA E A FUNDAÇÃO DO ESTADO DA ÍNDIA, Lisboa, 2001 – Actas do Congresso Internacional. Lisboa: Centro de História da Além-Mar Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa, 2004. p. 227-238. Sobre o palácio do Limoeiro v. Miguel, Pedro – Descobrir a dimensão palaciana de Lisboa na primeira metade do seculo XVIII: titulares, a corte, vivências e sociabilidades. Lisboa: [s.n.], 2012. Dissertação de mestrado em História Moderna e dos Descobrimentos, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. vol. II, p. 29-35.

54 Em 1565 é criado o Juízo dos Feitos da Misericórdia e do Hospital de Todos os Santos, sendo integrado na orgânica da Casa do Cível (Extravagantes, 1ª parte, tít. 14, lei 1).

55 Extravagantes, 2ª parte, tít. I, leis III e IV.

56 ANTT, Leis e Ordenações, Leis, mç. 3, nº 29 (lei de 15.02.1559).

57 Pela dimensão, importância e centralidade da cidade, o município de Lisboa beneficiava de uma organização judiciária distinta. A cidade tinha os seus juízes do cível e do crime, que respondiam perante um corregedor privativo, criado no reinado de D. Fernando (1373). O ofício seria desdobrado no reinado de D. Manuel (1515), com a nomeação, para melhor administração e provimento das coisas da justiça, de dois corregedores, um para feitos crimes e outro para os feitos cíveis (AML, Livro I do provimento de ofícios, f. 150 (carta de 02.01.1515)). D. Sebastião terá ordenado em 1569 a divisão de Lisboa em bairros, com ministros da justiça separados, para que a administração da justiça na cidade fosse mais eficaz (v. OLIVEIRA, Eduardo Freire de – Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Tipografia Universal,1904. tomo XIV, p. 38, nota). A fixação da Casa da Suplicação em Lisboa e extinção da Casa do Cível tem efeitos nas justiças da cidade, designadamente no que diz respeito às competências do juízo da Corregedoria da Corte e da Corregedoria da Cidade. Por alvará de 06.02.1593 Filipe I reparte a cidade em seis bairros, nos quais deviam ter suas moradas os corregedores do Crime da Corte e da Cidade e os juízes do Crime e alcaides dela (OLIVEIRA – op. cit., 1904, p. 36-38). Por carta régia de 31.07.1605 a cidade é novamente dividida em 10 bairros, 6 pelos corregedores do Crime da Corte e da Cidade, 2 pelos juízes do Crime e para os outros 4 bairros se criem 2 novos corregedores e 2 juízes do Crime da cidade “além dos que até agora houve”. (OLIVEIRA – op. cit., tomo II, 1887, p. 152). Sobre a administração da justiça da cidade, v. FARELO, Mário – A oligarquia camarária de Lisboa (1325-1433). Lisboa: [s.n.], 2009. p. 253 e segs. Tese de doutoramento em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; FERNANDES, Paulo Jorge – A organização municipal de Lisboa. In OLIVEIRA, César, dir. – História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 103-105; PEREIRA, Rui Pedro – Evolução dos bairros de Lisboa. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa. 2ª Série Nº 2 (julho-dezembro 2014), p. 357-371.

58 Em 1565 este juízo parece deixar de integrar a Casa do Cível, passando a despachar na Casa do Despacho da Fazenda ou na Casa da Índia (Extravagantes, 1ª parte, tít. 13, lei 4).

59 Na medida em que não chegaram até nós livros de registos de sentenças dos tribunais superiores para este período, as cartas de sentença encontram-se dispersas pelos arquivos, dependendo do interesse dos seus detentores na sua conservação (por regra, por conferirem ou reconhecerem determinado direito, isto é, por serem favoráveis à entidade que as conservou). Nesse sentido, o corpus documental analisado dá-nos uma visão naturalmente muito limitada das cartas produzidas pelos tribunais superiores (em todas as cartas a cidade é parte da contenda, como autor ou réu, e em todas a decisão é favorável à cidade). O corpus compõe-se de oito cartas de sentença da Casa do Cível (1511-1535) e sete cartas de sentença da Casa da Suplicação (1511-1528), conservadas no códice conhecido por Livro 1º das sentenças, que inclui um conjunto de decisões judiciais produzidas entre finais do séc. XIII e a primeira metade do séc. XVI. Para melhor identificação das cartas de sentença, utilizaremos o número do documento conforme catalogado no códice, precedido da letra C para sentenças da Casa do Cível e da letra S para sentenças da Casa da Suplicação (v. Anexo).

60 As ordenações determinam que o papel ou pergaminho utilizado para as cartas deve vir da Chancelaria (OM.1.20.20).

61 Cadernos de dois (S40, S42, S44, C49), quatro (S45), cinco (S47) ou seis (C50) fólios.

62 Esta estrutura documental ter-se-á consolidado na primeira metade do séc. XV, possivelmente por volta de 1410-1420, não devendo ser alheio o facto de, neste período, D. Duarte ter intervenção no governo do reino e da Casa da Justiça (v. TESTOS – op. cit., p. 16).

63 No mesmo sentido, v. TESSIER, Georges – La Diplomatique. Paris: Presses Universitaires de France, 1962. p. 63 e VARONA GARCIA, María Antonia – op. cit., p. 1449.

64 Sobre a intitulação régia, v. RIBEIRO, João Pedro – Dissertações chronologicas e criticas sobre a historia e jurisprudencia ecclesiastica e civil de Portugal. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1811. tomo II, apêndice VI, p. 206-209.

65 V. HOMEM, António Pedro Barbas - A Lei da liberdade. Cascais: Principia, 2001. p. 103 e segs.

66 RESENDE, Garcia de – Choronica que tracta da vida e grandissimas virtudes e bondades, magnanimo esforço, excellentes costumes & manhas & claros feytos do christianissimo Dom Ioão ho segundo deste nome…. Lisboa: em casa de Simão Lopes, 1596. f. 2.

67GÓIS, op. cit., IV parte, cap. 84, f. 107.

68 ANDRADE, Francisco de – Cronica do muyto alto e muito poderoso Rey destes Reynos de Portugal Dom Ioão o III. deste nome. Lisboa: por Jorge Rodrigues, 1613. parte IV, f. 154v.

69 Extravagantes, 6ª parte, tít. I, lei VI; ANDRADE – op. cit., parte I, f. 53 e 53v.

70 Nalgumas cartas são acrescentados os corregedores (S42, S43, S44, S45, C49) e ouvidores (S47, C50).

71 Ou “reinos e senhorios” (S42, S43, S44, S45, S47, C49, C50).

72Seguido de “e o conhecimento delo pertencer” (S40, S45, C49) ou “e o conhecimento delo com direito pertencer” (S42, S44, S47), ainda acrescido de “por qualquer guisa que seja” (S42, S44, S45, C50).

73 C35, C36, C37, C38, S39, C41, C46.

74 Identificada em todas as cartas de sentença.

75C35, C36, C37, C38, C39, S40, C41 e C46. Note-se que a carta C46 é redigida em 1518 por Henrique Vaz, ativo nos anos anteriores e que mantém a formulação que estaria a ser substituída.

76 S47, C49 e C50 (com variantes).

77C35, C36, C37, C38, C41, C46.

78 C50.

79S42, S43, S45.

80 C35, C36, C37, C38, C41, C46.

81 C50.

82 C35, C36, C37, C38, C41, C46.

83 S39, S40, S42, S43, S45.

84C35, C36, C37, C38, C41, C46. Com a variante “com os do nosso conselho e desembargo”, S40 ou “com os do nosso desembargo”, S45.

85 S39, S42, S43. Com a variante “visto por mim… com os do meu desembargo”, S47, C49, C50.

86 S47, C49, C50.

87 S40, S42, S44, S45, S47.

88 S40, C49, C50.

89 C35, C36, C37, C38, S39, C41, S43, C46.

90 S47, C49, C50.

91 Instrumentos de posse em C41 (18.09.1514), S39 (13.08.1511), S42 (28.08.1514) e um auto de execução em S47 (31.03.1528).

92 Sobre o ofício de chanceler, v. HOMEM – op. cit., 1990, p. 100 e segs; GOMES, Rita Costa – A corte dos reis de Portugal no final da Idade Média. Lisboa: Difel, 1995. p. 30 e segs. Sobre a chancelaria medieval portuguesa, v. AZEVEDO, Rui de – A chancelaria régia portuguesa nos séculos XII e XIII : linhas gerais da sua evolução. Revista da Universidade de Coimbra. V. XIV (1940), p. 1-54; COSTA, Avelino Jesus da – La chancellerie royale portugaise jusqu'au milieu du XIIIe siècle. Revista Portuguesa de História. T. XV (1975), p. 143-168; COSTA, Avelino Jesus da – A chancelaria real portuguesa e os seus registos, de 1217 a 1438. Revista da Faculdade da Letras. II série, XIII (1996), p. 71-101; COELHO, Maria Helena da Cruz; HOMEM, Armando Luís de Carvalho – Origines et évolution du registre de la chancellerie royale portugaise (XIIIe - XVe siècles). Revista da Faculdade de Letras. II Série, XII (1996), p. 48-76.

93 No que respeita ao desempenho da função registral, não chegaram até nós livros de registo de sentenças dos tribunais superiores.

94 S35. As sentenças tinham sido dadas, respetivamente, a 29.04.1502, 05.04.1502, 07.05.1502 e 05.04.1502 pelo licenciado Aires de Almada, do Conselho do Rei e juiz dos seus Feitos e pelo bacharel João Cotrim, corregedor da Corte dos Feitos Cíveis, que por especial mandado foram juízes das propriedades da cidade de Lisboa (C35, C36, C37, C38). Sobre os juízes (ou almotacés) das propriedades, v. PINTO, Sandra – A instituição da almotaçaria, o controlo da atividade construtiva e as singularidades de Lisboa em finais da Idade Média. In AAVV – Lisboa Medieval: gentes, espaços e poderes. Lisboa: IEM-Instituto de Estudos Medievais, 2016. p. 309.

95 “pero de matos a fez E diogo de bellmonte escprivam tem hos autos” (S42); “Amrrique Vaaz emqueredor em ela [na Corte] por diogo de belmonte que tem o feito a ffez” (S43); “Amrrique Vaaz pelo podeer que do dito Senhor tem a fez por diogo laso que tem o feito” (S45).

96 OM.1.20.6.

97 Extravagantes,1ª parte, tit. 2, §10.

98 S39, S40, S43, S44. Não se enquadram neste montante os valores de 150 reais por dois fólios (S42), ou de 140 reais por um fólio (S45).

99 C46, C49. Não se enquadra neste montante o valor de 160 reais pago por seis fólios (C50).

100 S39, S43, S44, C50. Noutra carta pagou-se «um justo dassinatura» (S40). A carta que decide o embargo posto a que não passasse na Chancelaria foi taxada em «R.ta de assinar» (S42). A lei de 05.07.1540 sobre assinaturas – que confirma estes valores – revela que o montante a pagar depende do valor da ação, do desembargador por quem passa ou da decisão (Extravagantes, 3ª parte, tít. 6, lei 2).

101 S40. «E porquanto ao asinar desta o ditoo bispo nom era presemte na dita cidade pasou soomente pelo dito bras neto» (Lisboa, 08.10.1517 – S45).

102 O chanceler assinava “na Carta de seello redondo em fundo, honde ha de seer o dito seello; e nas cartas do seello pendente em cima da fita, em que hade pender o dito selo” (OA, I, 17). A disposição não foi acolhida pelas Ordenações Manuelinas.

103 C38.

104 A exceção é o doutor Pedro Nunes, chanceler da Casa do Cível em 1535. João Pedro Ribeiro fez notar que a partir do reinado de D. João III os chanceleres passam a assinar com o nome inteiro (v. RIBEIRO – op. cit., 1813, p. 33).

105 Na Casa da Suplicação, «Rodericus» (Rui Boto, S39, S43). Na Casa do Cível, «fernandus» (C35, C38) e «stephanus» (Estêvão Correia, C41).

106 Na Casa da Suplicação, «Rodericus» (Rui Boto, S42, S44, S45) e Alvarus (Álvaro Fernandes, S47). Na Casa do Cível, «petrus u. j. doctor» (Pêro Jorge, C49) e «ho doctor pero nunez» (Pedro Nunes, C50).

107 V. S39, S40, S42, S43, S44, S45, S47.Não se encontra sinal equivalente nas cartas validadas pelo chanceler da Casa do Cível.

108 João Pedro Ribeiro faz referência a este p. cubital, debaixo do qual assinava o chanceler, balizando-o entre os reinados de D. Afonso V e Filipe I, embora não avente qual o seu significado (v. RIBEIRO – op. cit., 1813, p. 33).

109 S39.

110 S40, S47.

111 C35.

112 C41.

113 C46, C50.

114 No caso da Chancelaria da Casa do Cível, o chanceler tinha uma terceira chave.

115 Respetivamente S43 e S42.

116Não encontramos prazo fixado nas ordenações para opor embargos à Chancelaria, indefinição que pode explicar a razão para a primeira carta ter sido passada na Chancelaria. Teriam sido opostos já depois de passada a carta de sentença?

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