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Cadernos do Arquivo Municipal

On-line version ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.10 Lisboa Dec. 2018

 

ARTIGO

Abordagem paleográfica ao Livro 1º de fianças de escravos (1549-1556): exercício de análise de grafias

Paleographic approach to the Book 1 of bail bonds of slaves (1549-1556): exercise of graphic analysis

Jorge Ferreira Paulo*

* Jorge Luís Ferreira Marques Paulo, investigador independente, 1170-105 Lisboa, Portugal. jfpaulo@netcabo.pt

 

RESUMO

Este artigo incide sobre a coexistência de diferentes tipos de escrita no mesmo ambiente gráfico, em finais do ciclo escriturário do cânone gótico, em meados do século XVI. Nesse sentido, através de um estudo de caso, são analisadas as modalidades gráficas utilizadas pelos diversos escrivães que, integrando uma estrutura burocrática municipal, sob a tutela do escrivão da Câmara de Lisboa, intervieram no “Livro 1º de fianças de escravos”, onde eram registados os fiadores dos donos das embarcações que se fizessem acompanhar por escravos. Apesar do conservadorismo gráfico vigente, em que o padrão gótico prevalece, o multigrafismo relativo desorganizado, em diversas variantes cursivas mais ou menos velozes, na linha da manuelina cursiva, e a presença de novas formas gráficas prenunciam a chegada de um novo cânone de escrita.

 

PALAVRAS-CHAVE

Paleografia / Escrita gótica / Ambiente paleográfico / Escrita cursiva / Modalidades gráficas

 

ABSTRACT

This article focuses on the coexistence of different types of writing in the same graphic environment, at the end of the cycle of the gothic canon, in the middle of the 16th century.

In this sense, through a case study, are analyzed the graphical modalities used by the various clerks who, integrating a municipal bureaucratic structure under the tutelage of the Lisbon City council clerk, produced the “Book 1 of bail bonds of slaves”, where were registered the guarantors of the ships owners that were accompanied by slaves. Despite the existing graphic conservatism, in which the Gothic pattern prevails, the disorganized relative multigraphism, in several more or less speedy cursive variants in the cursive Manueline line, as well as the presence of new graphic forms foretell the arrival of a new writing canon.

 

KEYWORDS

Paleography / Gothic writing / Paleographic environment / Cursive writing / Graphic modes

 

 

INTRODUÇÃO

A classificação das letras é um rito sagrado, mas ao qual, atualmente, todos os paleógrafos desejariam poder furtar-se; tendo os portugueses para isso razão especial na total ausência de estudos prévios, isto é, de dados elaborados, e de vocabulário1.

 

Meio século decorreu desde que Eduardo Borges Nunes publicou o seu “Esboço de Classificação”, na introdução daquele que continua a ser um álbum de referência no contexto da Paleografia portuguesa. Porém, apesar de bastas vezes citadas, estas suas palavras continuam a revestir-se de uma certa atualidade. De facto, continua a fazer-se sentir a ausência de recolha de dados e respetiva sistematização nesta área de estudos, sem os quais a tarefa de quem se aventura pelo caminho dos fenómenos gráficos se afigura, no mínimo, espinhosa. Ora, se a falta de dados condiciona a teorização, sem esta, então, tudo fica mais difícil, em particular no que diz respeito à Paleografia moderna. Todavia, apesar da escassez de estudos, há que reconhecer que algum caminho já foi trilhado, desde que o professor Borges Nunes chamou a atenção para o emudecimento da maioria dos compêndios, que nos deixam “desamparados ao atingir os começos do século XVI; exatamente quando, em Portugal, se abre o capítulo mais difícil da nossa Paleografia, tanto prática como teórica”2.

O contexto supra enunciado, mesmo que sucinto, serviu de mote ao presente artigo que, desprovido de pretensões quanto a classificações, pretende tão somente constituir-se como um contributo para futuros estudos paleográficos quinhentistas. Desta maneira, a partir de um estudo de caso, incidindo sobre a produção gráfica de um núcleo de escrivães ligados à burocracia municipal de Lisboa, pretende-se realizar um exercício de análise da sua escrita, extraindo daí algumas reflexões. Para o efeito distinguir-se-ão os executores gráficos e as escritas utilizadas, ilustrando-as através de recortes que constituam amostras representativas das letras da sua lavra, às quais se associarão notas de caráter paleográfico. A identificação das semelhanças gráficas mais relevantes permitirá, por certo, perceber melhor a coexistência e influência gráficas na mesma oficina escriturária. Além de identificar os autores materiais e de caracterizar sucintamente a sua escrita, importa também referenciar os documentos sem identificação do executor paleográfico, procurando, sempre que possível, fixar atribuições ou estabelecer correspondências e aproximações às letras utilizadas naquele ambiente gráfico.

Vinculados pela escrita à instituição municipal, através da ligação ao escrivão da Câmara a quem prestavam serviço, trabalhando ininterruptamente no seu ofício e rotinados mecanicamente na atividade gráfica, estes agentes da escrita estariam, certamente, mais aptos a executar o cânone em que fizeram o seu aprendizado e que os preparou para o desempenho da função. Deste modo, teoricamente, seriam menos propensos a enveredar por tipos gráficos personalizados, até porque, além de trabalhar no mesmo ambiente gráfico, estavam sujeitos à autoridade do escrivão da Câmara, que lhes tutelava a atividade e, eventualmente, lhes imporia diretrizes. Assim, há que questionar até que ponto seria permitido a estes escreventes afastarem-se da uniformização gráfica conservadora, de tradição. A resposta passará sempre pela identificação das particularidades distintivas entre os vários cambiantes gráficos, seja no alfabeto, nos sinais diacríticos, nas abreviaturas ou em quaisquer outros elementos suscetíveis de interesse para a Paleografia.

Como matéria documental, que servirá de objeto à análise gráfica, foram selecionados os documentos que incorporam o “Livro 1º de fianças de escravos”, do Arquivo Municipal de Lisboa, garantindo assim a unidade quanto à tipologia documental, bem como uma uniformidade de conteúdo e de teor diplomático, facilitando a comparação dos elementos gráficos, em particular no que diz respeito ao protocolo e ao escatocolo, de estrutura mais rígida e estereotipada, portanto, menos variável.

 

1. O LIVRO 1º DE FIANÇAS DE ESCRAVOS

O “Livro 1º de fianças de escravos” integra um conjunto documental de caráter jurídico-administrativo, de tipo contratual, delimitado cronologicamente, que reúne 173 registos nos seus 180 fólios, correspondentes a outras tantas fianças de escravos, lavradas entre 26 de novembro de 1549 e 31 de agosto de 1556, ou seja, abrangendo oito anos de produção escrita3. Constituindo um tipo de documento que teria o objetivo de registar uma pessoa que estabeleceria a garantia de um pagamento ao município, estas fianças apresentam no seu protocolo inicial a data crónica (Aos… dias do mês de… de… anos), seguida da data tópica (…nas pousadas de mim escrivão da Câmara desta cidade de Lisboa…4) e da intitulação da autoridade municipal, através da menção ao escrivão da Câmara. O texto identifica o fiador e as garantias apresentadas (todos os seus bens móveis e de raiz), além da própria fiança (cem cruzados). O escatocolo contém o fecho e as formas de autenticação: testemunhas, assinaturas (do fiador e de, pelo menos, uma testemunha, geralmente um ou dois “criados” do escrivão da Câmara, seus escrivães serventuários da escrita) e a subscrição do escrivão da Câmara.

Em Lisboa, a criação destas fianças de escravos foi imposta pela Câmara, que passou a exigir a apresentação de fiador aos donos (mestres ou patrões) de barcas e batéis que trouxessem escravos como companheiros para a eventualidade de espoletarem fugas, levando consigo outros escravos (“machos ou fêmeas”), ou de provocarem algum dano. Esta imposição por parte da edilidade lisboeta, regulamentada por via de postura municipal, denota a preocupação relativamente à questão, evidenciando que as fugas se tinham tornado, então, uma prática comum5. No texto da própria fiança, diversas vezes se encontra expresso esse temor, o “arreceo que se tem dos ditos esprauos fogyrem pera tera de mouros, nas ditas barcas e levarem comsygo outros esprauos como se ja fez”6. Assim sendo, preventivamente, a norma de âmbito municipal impunha que nenhum escravo andasse em barca sem primeiro pagar uma fiança de 100 cruzados, garantindo desta forma um valor que poderia vir a reverter para o município, em caso de ninguém o vir a reclamar, sendo então alocado às obras da cidade.

O livro de fianças faz parte do tipo de documentação municipal que podia ser redigida fora da câmara da vereação, no edifício dos Paços do Concelho, onde tinha lugar a parte mais importante da ação escriturária do escrivão da Câmara. De facto, este estendia o ofício à sua própria casa, que se constituía assim como uma extensão do seu gabinete escriturário, um local alternativo, onde funcionaria a sua oficina gráfica. À exceção de dois documentos, aí foi redigida toda a documentação aqui em análise, como se verifica pela data tópica constante do seu protocolo inicial – “em casas de mim” ou “em pousadas de mim”7.

 

2. OS ESCRIVÃES E A SUA ESCRITA

Os escrivães responsáveis pela escrita destas fianças integravam o gabinete escriturário de Cristóvão de Magalhães, escrivão da Câmara de Lisboa8. Contudo, em muitos casos não se identificam como responsáveis gráficos. De facto, menos de metade das 173 fianças menciona o seu executor material. Mais precisamente, apenas 38% tem identificada a autoria gráfica, perfazendo um total de 69 os documentos em cujo escatocolo o escrivão se identifica, encontrando-se essa responsabilidade gráfica distribuída por cinco escrivães: Simão Luís (SL), João do Sal (JS), António Varela (AV), Bartolomeu Barbosa (BB) e Álvaro de Gouveia (AG). No caso de Cristóvão de Magalhães, o escrivão da Câmara, apesar de não se identificar nos documentos que redige, é possível atribuir-lhe a respetiva autoria paleográfica, pelas características peculiares que a sua escrita apresenta, como se verá.

 

 

Quanto às fianças sem autoria paleográfica, perfazem um total de 104 documentos. Estes documentos desprovidos de identificação do autor material foram redigidos por escrivães ao serviço de Cristóvão de Magalhães. O facto de não se identificarem pode indicar, simplesmente, que se tratariam de serventuários ou meros escrivães ajudantes, cujo estatuto não lhes permitiria apor o seu nome no documento. Não o sabemos.

 

 

É certo que o escrivão da Câmara recrutava os seus ajudantes, garantindo o bom funcionamento da estrutura gráfica que suportava todo o processo de expedição documental municipal. E fazia-o devidamente espaldado em disposições régias, que dotavam o seu cargo com essa prerrogativa reconhecendo a importância desses escrivães para o expediente burocrático municipal – “pera milhor aviamento e despacho das partes”, como se verifica pela licença dada por D. João III a Cristóvão de Magalhães em 1532:

(...) ey por bem e me praz de lhe dar Licença que posa ter os esprivais que lhe que lhe forem neçessarios como seu pay e elle athe ora teue pera escpriver os contrautos cartas de sacas aluaras aRecadações e fazerem todalas outras cousas que ao dito seu oficio tocarem contamto que ele os sobescpreva (...)9.

A maior parte deste conjunto de escrivães, além de redigir, testemunhava, participando na validação do ato. Muitas vezes, nessa condição de testemunha, também assinava. Ora, pela análise das suas assinaturas autógrafas verifica-se que estes escrivães detinham um domínio gráfico superior, inerente às lides da escrita. São dez os “criados” do escrivão da Câmara, como sistematicamente os referencia, todos evidenciando uma destreza gráfica de nível elevado, aptos, portanto, a desempenhar funções no gabinete escriturário municipal, onde receberiam a sua formação gráfica de base10. A eles, no seu conjunto, se poderá atribuir a autoria material das fianças de escravos desprovidas de identificação do escrivão. Contudo, apesar de devidamente identificados, não é possível atribuir a autoria gráfica apenas a partir da assinatura, pois não se lhes conhecem outros registos gráficos, apesar da permanência em funções de vários deles11. Dos dez, apenas três se identificam como autores materiais – Simão Luís, Bartolomeu Barbosa e Álvaro de Gouveia –, testemunhando, assinando e redigindo.

Não podendo aqui analisar todas as grafias presentes no livro, optou-se por fazer uma seleção representativa do conjunto das diferentes modalidades gráficas, em particular no que diz respeito às desprovidas de autor gráfico. Assim sendo, analisam-se quatro das identificadas e cinco das desprovidas de autoria gráfica, sendo uma destas a do próprio escrivão da Câmara.

 

2.1. Escrita de Cristóvão de Magalhães (1550-1555)

 

 

Este tipo de escrita consta em três documentos12, todos sem autoria gráfica. O escrivão não se identifica em nenhum dos documentos que redige. Contudo, é possível atribuir a autoria gráfica a Cristóvão de Magalhães, cuja grafia é inconfundível e se encontra bem documentada, não só no “Livro 1º das fianças dos escravos”, nas 139 subscrições da sua responsabilidade, como em outras fontes documentais, somando algumas dezenas de documentos onde lhe são reconhecidas algumas modalidades de execução gráfica, de traçado mais ou menos veloz13. Se várias delas não correspondem à que consta nos três documentos que lhe são aqui atribuíveis, há uma que é perfeitamente coincidente14.

Na linha das escritas tabeliónicas, das mais resistentes e adversas a mudanças, a escrita que aqui utiliza constitui uma gótica de tradição, de caráter conservador, ainda com elementos quatrocentistas15. É sabido que, durante o seu longo percurso escriturário de cerca de meio século, o escrivão da Câmara manterá as suas características gráficas inalteráveis, não incorporando “novidades”, deixando as tendências gráficas afastadas da sua escrita. Esta apresenta-se com um traçado veloz e um tratamento cursivo, com a angulosidade do cânone gótico bem vincada e a tendência para inclinar-se à direita. Apresenta muitas vezes um espaço interlinear pouco regular à semelhança do que se verifica em relação à separação das palavras. Já as letras dentro das palavras ligam-se entre si, na maior parte dos casos, reflexo das soluções gráficas decorrentes da cursividade veloz que imprime à sua escrita.

Da sua grafia podem destacar-se algumas peculiaridades gráficas: o a muito aberto, de forma a permitir uma maior facilidade na cursividade, através de ligaduras com a letra seguinte e com a anterior. Predomina o i sem utilização do ponto redondo sobreposto; há uma grande ocorrência de y, pelo i. O uso da cedilha é reduzido. Utiliza sinais de pontuação, no caso da vírgula (/). Utiliza sempre o mesmo tipo de g, de tradição, de feitura e de figura góticas. Em relação à letra e realce-se o facto de não ocorrer uma única vez a forma em espiral, de laçada, inversamente à tendência registada nos restantes escrivães que consigo trabalhavam. Ao contrário destes, a forma que predomina na sua escrita é a estilizada, conservadora, de tradição gótica, com o ângulo mais ou menos fechado, por vezes assemelhando-se ao r gótico pequeno, que contribui para o acentuar da perceção da angulosidade da sua escrita: f. 59v, l. 21; a mesma forma é a escolhida para receber o sinal de nasalização do e: f. 59v, l. 1516. De resto, regista-se a utilização da forma cursiva, em nexo, aproveitando o final do traçado do d: f. 61, l. 17. Predomina o s de tipo sigmático, usado em posição intermédia antes de p ou t, numa solução cursiva (“desta”, “postura”, “esprauo”), e em final de palavra, onde não se regista nenhuma outra forma gráfica. Já o s longo, de tradição gótica, pouco utilizado pelos seus escrivães, ocorre com frequência, em posição inicial e intermédia, sendo a única forma utilizada antes de vogal (“se”, “sem”, “seu”, “seja”, “caso”)17. Comparativamente à sua equipa de escrivães, Cristóvão de Magalhães recorre menos às abreviaturas. No caso das associadas à letra p, mantém-nas para “por” = f. 61, l. 14 e para “pera” = f. 85v, l. 25. Já quanto às associadas ao q, verifica--se que utiliza a forma extensa na maior parte dos casos que grafa aquela letra, sendo que a palavra que mais abrevia é o “que”, embora sejam mais frequentes as ocorrências em que surge por extenso18. No que diz respeito aos elementos gráficos inerentes à cursividade que suportam a rapidez de traçado da sua escrita, veja-se, por exemplo, o h com laçada superior e inferior f. 85, l. 5; os traços descendentes reforçados em ligação à letra seguinte, caso do s longo = f. 61, l. 18; o g e o q, gotizantes com o olhal aberto, permitindo a ligadura de união à letra seguinte através de um rasgo espiralado envolvente: f. 61, l. 12.

 

2.2. Escrita de Simão Luís (1550-1556)

 

 

Simão Luís é o escrivão que mais interveio na documentação em análise, sendo responsável por 75% das fianças em que o autor gráfico se encontra identificado. Entre os “criados” do escrivão da Câmara, seus ajudantes no ofício da escrita, é aquele com uma maior produção gráfica19. A sua escrita caracteriza-se por uma forte cursividade, revelando uma execução bastante rápida, que, por vezes, dificulta a sua leitura, chegando a atingir um registo de encadeamento gráfico assinalável, em alguns documentos lavrados pelo seu punho20. Outra característica que se destaca é o diferente tratamento gráfico que confere à escrita, de cujo traçado, de acordo com a sua velocidade, resultam registos com aspeto distinto. Esta versatilidade está bem patente nas 52 fianças da sua responsabilidade21.

 

2.3. Escrita de João do Sal (1550)

 

 

Este escrivão identifica-se enquanto autor gráfico em seis fianças22. Trata-se de um escrivão com uma longa carreira burocrática, boa parte da qual ligada ao serviço do escrivão da Câmara de Lisboa, integrando o seu gabinete escriturário, embora não se integrasse na categoria de seu “criado”. Sabe-se que tinha o estatuto de cavaleiro da Casa d'El Rei, vindo a exercer o ofício de escrivão do tesouro da cidade de Lisboa, pelo menos entre 1558 e 1562, bem como o de escrivão dos Órfãos (…1563-1573…)23.

A sua escrita caracteriza-se por uma cursividade acentuada e de traçado veloz, do que resulta uma grande irregularidade, quer quanto à posição da escrita face ao regramento, quer quanto aos espaços interlineares, registando-se com frequência a invasão da linha inferior, com situações de letras completamente desproporcionadas24. A separação das palavras também apresenta irregularidade. Dentro das palavras a tendência é para a ligação, na sequência da índole cursiva que imprime à sua escrita. A utilização do ponto sobreposto ao i é irregular, embora prevaleça a sua utilização, registando-se muitos casos em que na mesma palavra pode, ou não, ocorrer a sua sinalização, embora não ocorra na maior parte das vezes. Utiliza as cedilhas, embora não de forma sistemática, sendo representada por um ponto ou por um traço, que varia de dimensão e de configuração (reto ou curvo), permitindo, por vezes, a ligação ao grafema seguinte: f. 52, l. 2. Utiliza o s de tipo sigmático, embora pontualmente se encontre o s de dupla curva: f. 57, l. 1. o e de laçada = f. 52v, l. 1, é a forma maioritária, que prevalece sobre as outras, favorecendo a cursivização e o aspeto de arredondamento da forma; a segunda forma com mais ocorrências é a do e de tradição, estilizado em forma de v = f. 52v, l. 6. A ocorrência de consoantes duplas é corrente, como é o caso do ff = f. 52, l. 7; os dois l são pouco frequentes: = allguuas (f. 20v, l. 2). Tem outro registo gráfico, mais pausado e regular, de módulo mais pequeno25, com características a fazer lembrar a cortesã espanhola, caso do A = f. 63v, l. 12, que evolui em Portugal para um tipo híbrido gótico-humanístico. Neste modelo, menos irregular, menos cursivo, ocorrem com frequência, de forma isolada, sem ligaduras, as letras h = f. 52, l. 24; y = f. 52v, l. 1. Entre os vários escrivães é o que recorre mais à figura maiúscula do E: f. 52v, l. 2; f. 52, l. 5; f. 20, l. 17. À semelhança do que se verifica com os outros escrivães, a escrita de João do Sal reflete a aleatoriedade de grafar de forma diferente a mesma. A título de exemplo, veja-se o que se passa quanto ao seu próprio nome, quando se identifica no documento. Tanto redige Sal com dois l, como com um só, de figura maiúscula; tanto usa o s de tipo sigmático, como escreve o s de dupla curva com ligadura à palavra seguinte (f. 53, l. 3).

 

2.4. Escrita de António Varela (1553-1554)

 

 

O escrivão António Varela identifica-se em sete documentos26. A sua escrita varia quanto ao grau de cursividade, apresentando versões gráficas mais pausadas com letras mais regulares e proporcionadas, e outras mais cursivas e velozes27. Apresenta o espaço interlinear relativamente constante, uma separação das palavras nem sempre regular, encontrando-se as letras ligadas entre si, dentro de cada palavra, na maior parte dos casos. Representa as cedilhas de modo sistemático, assinaladas com um traço que varia de dimensão e de configuração, sendo reto: f. 120v, l. 14, ou curvo, maioritariamente: (f. 119, l. 11), permitindo, por vezes, a ligação ao grafema seguinte: (f. 119, l. 5). A utilização do ponto sobreposto ao i é irregular, sem critério, prevalecendo a aleatoriedade, registando-se muitos casos em que na mesma palavra pode, ou não, ocorrer a sua sinalização, embora na maior parte das vezes não recorra à sua sinalização. Utiliza dois tipos de p, sendo a forma (f. 125v, l. 3) a mais frequente; a forma do p com cabeça de martelo, que permite soluções mais cursivas ocorre com pouca frequência, permitindo o seu traçado a partir da letra anterior (f. 125v, l. 5), a ligação à letra seguinte (f. 124, l. 5), embora as duas formas permitam ambas as situações de ligadura: (f. 125v, l. 9) (f. 125v, l. 26). Na versão mais cursiva, recorre com frequência às letras y e h , que permitem boas soluções de cursividade: H f. 126v, l. 22. Quanto ao e, predomina o de laço, em espiral, feito num só movimento, embora com alguma frequência seja representado por um pequeno traço, por vezes um ponto, aproveitando o último traço na horizontal da letra precedente, quase sempre a seguir a um d ou a um t. O c é, por norma, ligado à letra seguinte, através do segundo traço, superior, da esquerda para a direita: ca = f. 124v, l. 23; ce = f. 124v, l. 17; ci = f. 124v, l. 7; co = f. 124v, l. 16. A utilização de m é maioritária, em detrimento do n, sendo, contudo, aleatória: v. g.: perante / peramte) f. 123v, l. 2 e 3. Em relação aos s, há três ocorrências com caráter de exceção, que apenas ocorrem uma vez, e no mesmo documento: f. 120v, l. 4; f. 121, l. 9; f. 119, l. 4 e f. 123v, l. 7. Quanto aos sinais de abreviatura28, saliente-se os ligados à letra p: Por = f. 123v, l. 27, utilizada de forma rara: f. 123v, l. 28; f. 122v, l. 16, f. 119, l. 12; f. 119, l. 17; f. 120v, l. 28; à letra q: f. 125v, l. 22 e 26: , ; f. 126, l. 1 e 2: . Registe-se, igualmente, os sinais especiais de abreviatura para representar a sílaba ver, embora ocorram palavras sem o recurso à abreviatura: ver = f. 119, l. 30 (aver, verdade) e ser = f. 119, l. 9. Na data cronológica, ora apresenta os dias por extenso, ora em numeração romana, o mesmo se passando com a indicação do ano. Contudo, quando regista o ano em romano, fá-lo apenas relativamente à centúria e à década, indicando o número das unidades por extenso.

 

2.5. Escrita de Bartolomeu Barbosa (1555-1556)

 

 

O escrivão Bartolomeu Barbosa identifica-se em três documentos, enquanto autor paleográfico29. Contudo, tudo indica que terá sido o executante de bastantes mais30. A sua escrita constitui um cursivo veloz, apresentando uma separação das palavras irregular, predominando a ligação entre si, através de sucessivas ligaduras, o mesmo se passando com as letras dentro de cada palavra. O espaço interlinear apresenta uma certa irregularidade pela cursividade das letras, com invasão frequente da caixa de regramento inferior por traços de ligação à palavra ou grafema seguinte. A escrita de Bartolomeu Barbosa apresenta uma forte tendência para o arredondamento das formas gráficas e para escrever com muitas ligaduras entre letras e palavras entre si, sem levantar a pena. Trata- -se da chamada letra encadeada, numa versão moderada já reforçada, registando-se várias regras preenchidas por todas as palavras unidas de forma concatenada entre si, sem romper a ligação31. Nas margens, prolonga o último traço de algumas letras na da direita (em traço descendente: a, e, l, r, z; em traço ascendente, o s); na esquerda ocorre com frequência o traçado do d com figura maiúscula, embora de valor minúsculo, no seguimento do traço de arranque que desce e se prolonga antes de recuar em ascendência com um movimento levógiro: (f. 154, l. 14 e 15), assim como o a, o o e o c, em início de linha, de grandes dimensões, invadindo a margem. Relativamente aos sinais diacríticos, de função gráfica, as cedilhas são usadas de modo sistemático, assinaladas com um traço curvo, variando a sua dimensão: (f. 153v, l. 12); (f. 154, l. 27). O ponto sobreposto ao i é utilizado com regularidade, embora, por vezes, sinalizado através de um pequeno traço, a fazer lembrar uma pelica. A única consoante dupla utilizada é o l. O y é utilizado com frequência, muitas das vezes em sequência cursiva, ligando-se à letra seguinte. Utiliza quase sempre o s de tipo sigmático (f. 153, l. 7), no início, no meio e em final de palavra, certamente por permitir melhores soluções cursivas. O s de dupla curva tem uma utilização pouco frequente: casa = (f. 153, l. 8), (f. 153, l. 9), (f. 153, l. 30). No f. 154, l. 13, 17, 19 e 23; no f. 154v, l. 10, 13, 18 e 19. Por vezes, surge o s longo agrupado com o t, nas palavras “stprivam” ou “stpravo(a)”, v. g. (f. 154, l. 6)32. A forma do e mais utilizada é a de laçada, ou espiral, com uma presença largamente testemunhada33. O registo da forma f. 153, l. 25, é pouco mais que residual, aparecendo ligada ao “que”. Já o e = f. 153, l. 25, de carácter anguloso, de tradição gótica, ocorre em 23% das utilizações, ao que acresce a situação em que suporta a nasalação indicada por sinal f. 153, l. 18. O mesmo se passa com o a nasal = f. 154, l. 11, cuja nasalação é feita sistematicamente através do sinal em espiral envolvente. Note-se a utilização, em início de linha, de o, a ou c, v. g. f. 154, l. 13, f. 154, l. 20; do R maiúsculo de tradição gótica: f. 154v, l. 7. Quanto às abreviaturas utilizadas, que não são muitas, incidem nas associadas às letras p e q, acentuando a índole cursiva e veloz da escrita. Assim, associadas à letra p: = par (f. 170, l. 23); = pra (f. 154, l. 11), = per34 (f. 154, l. 28), ou f. 170v, l. 5; = por (f. 154, l. 13); = pre (f. 153, l. 14). Por vezes utiliza a forma extensa de “per,” “por” ou “par”. Regista-se a utilização sistemática da abreviatura para o “pr”, à exceção da palavra “prometeo” (f. 153v, l. 7; f. 154v, l. 6). Associadas à letra q35: qualquer = f. 170, l. 22; quantia f. 153, l. 22; querya = f. 153, l. 25; que = f. 154, l. 8 e f. 170, l. 8. Utiliza sempre a nasalação das vogais com o m, nunca o fazendo com o n, independentemente da posição dentro da palavra, sendo muitos os exemplos de formas extensas. No protocolo inicial, na data cronológica, escreve o mês por extenso, utiliza a numeração romana para os dias (v. g.: xb1j36, xxiij37, b38) e para o ano (v. g.: jbcLta e b anos39, bj anos40), utilizando sistematicamente o b com o valor de v. Nunca usa algarismos. Há vários documentos que pelas suas características é possível atribuir graficamente a Bartolomeu Barbosa, num total de 2741, com o mesmo registo gráfico de pré-encadeada, invadindo com frequência a linha de baixo, subindo como traço de arranque para a letra seguinte: p, y, z; de uma forma geral, a margem direita apresenta os traços ondulados descendentes, de origem tabeliónica. O d e outras letras muito grandes na margem esquerda, mas só no verso da folha (f. 155v); o “E” no meio do texto mudando de assunto como um ponto final: “E que porquanto…”.

 

2.6. Amostragem gráfica - Tipo 1 (1549-1550)

 

 

A escrita dos primeiros quatro documentos do livro não é passível de ser atribuída diretamente a nenhum dos escrivães identificados42. Trata-se de um cursivo bastante irregular, desde logo no alinhamento face à linha de regra, cuja velocidade de traçado aumenta à medida que se avança no documento. Em contrapartida, o esmero gráfico vai diminuindo. Verifica-se que o escrivão separa a maior parte das palavras entre si, mas liga frequentemente os grafemas no interior das palavras. São os únicos documentos do livro em que no registo da data tópica a palavra ‘Lisboa' é redigida de forma pouco comum, com um s antes do x: “desta cidade de llisxboa”. Um elemento gráfico representativo desta escrita diz respeito à letra e, cujo traçado privilegia a versão conservadora e gotizante, traçada de forma anguloza e estilizada, f. 7, l. 5, f. 7, l. 6, estando pouco presente o formato em nexo, com o d ou o t: f. 7, l. 4. Juntamente com a rara presença do e de laço, contribui para acentuar as angulosidades e cortar a redondez do seu aspeto geral, conferida pelas espirais do e copulativo, pelo s sigmático (cuja forma é predominante) e as suas ligaduras, pelas espirais envolventes das abreviaturas associadas às letras p e q, sobretudo, ou à nasalação de algumas vogais (i e a). Além do R em forma de lira, maiúsculo, de tradição gótica: , utiliza o redondo, que se assemelha ao número 2: f. 7, l. 14; o baixo, ou longo, com alguma frequência: f. 7, l. 7. Destaque-se, a representação do d maiúsculo com valor de minúscula, sempre que se encontra em início da regra, traçado com dimensões desproporcionadas, invadindo a margem esquerda.

 

2.7. Amostragem gráfica - Tipo 2 (1550)

 

 

Este tipo de escrita consta em dois documentos43. Trata-se de uma escrita gótico-humanística, de carácter híbrido, com uma cursividade moderada, em que o arredondamento das letras já se sobrepõe à angulosidade da matriz gótica. Apresenta um espaço interlinear praticamente igual, assim como um módulo idêntico nas letras. A separação de palavras é regular, independentemente de situações de ligação pontuais que denotam os tradicionais mecanismos de cursividade. Já dentro das palavras, apesar de predominar a ligação entre as letras, há muitas situações em que tal não acontece. É normal o ponto redondo sobre o i, bem como o uso de pontuação (/). As cedilhas, em forma de til, são bem percetíveis (v. g. f. 38v, l. 5 e 7), aparecendo por vezes bastante afastadas do c. Note-se, ainda, a presença do j com valor vocálico (“mjm”, “djtos”, “prjmeyro”) e a nasalação das vogais, por extenso, feita predominantemente com o m. O e em final de palavra (“cem”, “tem” ou “em”) é nasalado por sinal f. 38v, l. 15, sendo sempre utilizado a forma pequena estilizada e gotizante. Refira-se o contributo do r minúsculo redondo em forma de 2 para o arredondamento das formas, registando-se a sua utilização enquanto forma predominante, f. 34v, l. 23, de pequeno módulo, por vezes representado de forma mais aguda, fruto da ligadura com a letra antecedente: f. 34v, l. 16. O r longo ainda é utilizado, embora esporadicamente (“cruzados”, “terra”). Mantêm-se certos elementos típicos do gótico, como o r maiúsculo em forma de lira f. 34v, l. 25, ou o sinal especial de abreviatura para a sílaba ser: f. 38v, l. 14. Os s adoptam preferencialmente a forma de dupla curva, tão do agrado da escrita humanística, utilizado nas várias posições na palavra: f. 38v, l. 16, por vezes largo: f. 38v, l. 10, ou com laço superior: f. 38v, l. 15, em detrimento da forma sigmática: f. 39, l. 15. Como elemento gráfico peculiar e distintivo é de registar a ocorrência de um empatamento na letra t = f. 34v, l. 10, f. 35, l. 3, 10 e 23. Mantém o tipo de sinais abreviativos de tradição gótica, caso das abreviaturas associadas às letras p e q. O p apresenta a sua cauda cortada para indicar a sílaba er: pera = f. 34v, l. 22, ou com o o sobrescrito: por = f. 38v, l. 13; O q, por norma com cauda envolvente na sílaba que e qua: que = f. 38v, l. 17, ou f. 34v, l. 10; quaL = f. 39, l. 2; quando = f. 39, l. 8; quer = f. 39, l. 4.

 

2.8. Amostragem gráfica – Tipo 3 (1550-1551)

 

 

Esta escrita foi executada em dez documentos44. Trata-se de uma escrita cursiva moderada, direita, de módulo pequeno e com alguma compressão das letras dentro das palavras. Apresenta o espaço interlinear regular e alguma irregularidade na separação das palavras, em cujo interior nem sempre as letras estão unidas. É possível ser a escrita de André Machado, um dos “criados” de Cristóvão de Magalhães, atendendo à sua assinatura, onde o seu A maiúsculo coincide com a inicial da maior parte dos documentos que redige. Utiliza sistematicamente o ponto sobreposto ao i, bem como a cedilha. Apresenta poucos sinais de abreviatura, apenas com a de por = f. 70, l. 10, ligada ao p, sendo pouco frequente a utilização de pera = f. 69, l. 29, e a de que e qual, ligadas ao q = f. 75, l. 9 f. 70, l. 25. A nasalização do a é feita por um sinal em espiral, envolvendo a letra: f. 75, l. 11. Apresenta duas formas para o d: f. 68v, l. 8; f. 68v, l. 2. A forma predominante do s é a de tipo sigmático, embora vá grafando o humanístico de dupla curva ao longo dos documentos f. 68v, l. 28. Utiliza com regularidade o r pequeno, em forma de 2, em posição intermédia, no início e final de palavra, assim como o R maiúsculo de tradição gótica, em forma de v. Utiliza duas formas para o f = f. 77, l. 13; f. 70, l. 20. O e de laçada é pouco utilizado. O arredondamento das formas sobrepõe-se à angulosidade.

 

2.9. Amostragem gráfica – Tipo 4 (1550)

 

 

Este tipo de letra consta apenas em um documento45. Constitui uma escrita gótico-humanística, híbrida, em que as características da escrita humanística já rivalizam em presença relativamente ao cânone de tradição gótico, a refletir o processo de transição que se encontrava então em curso em Portugal46. A tendência para as formas claras e regulares proporciona uma maior legibilidade, contrastando com as formas agudas dos padrões góticos. Apesar de ser uma cursiva, afasta-se do traçado veloz da maior parte dos documentos aqui em análise. O espaço interlinear caracteriza-se pela regularidade, assim como a separação de palavras. As letras dentro de cada palavra ora se ligam ora se mantêm separadas, ressaltando, de uma forma geral, a simplicidade e clareza das letras, quer quanto à sua feitura quer quanto à sua figura. A utilização do ponto redondo sobre o i é irregular, sendo mais as vezes em que não ocorre47. As cedilhas, em forma de um pequeno traço curvo, são utilizadas debaixo do c com parcimónia (“fiança”, “pareçeo”, “ofereçeo”). Verifica-se a ausência do j com valor vocálico, bem como do u com valor consonântico (por v). Assinale-se a forma de algumas letras utilizadas pelas escritas humanísticas: o p = f. 72, l. 31>; o r, passando a ser quase sistemática a utilização do pequeno, direito, registando-se esporadicamente a ocorrência do redondo (“escravo”,”terra”, “cruzados”); o f = f. 72v, l. 11 é maioritariamente o largo, de dupla curva, com inclinação à direita, continuando a ocorrer a sua utilização em duplicado no início de palavra, mas com menos incidências: f. 72, l. 20 (v. g. “ffugirem”); o t = f. 72, l. 16, de pequeno módulo, com um traçado, podendo ligar-se à letra seguinte a partir da haste, que não cruza; o d = com uma forma já não uncial e volteada : f. 72, l. 24, f. 72, l. 22. Por fim, as letras mais características da humanística: o g = f. 72, l. 6, o s de dupla curva e o R maiúsculo = f. 72, l. 16, semelhante ao atual, coexistindo com o gótico. Os sinais abreviativos ocorrem menos vezes, casos das abreviaturas associadas à letra q, apenas para a palavra “que” (50% das vezes) e “qual” = f. 72, l. 10, sempre abreviada, e à letra p, que apenas ocorre para a sílaba er (per), por seis vezes. De resto, tudo se apresenta por extenso. Os restantes sinais de abreviatura são utilizados nos nomes próprios ou em “huu”, “hua”, “nhu”, “testemunho”, “testemunhas”. De registar a ligação humanística do grupo st = f. 72, l. 7.

 

2.10. Amostragens gráficas de outros escrivães

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. CONCLUSÃO

Fica claro que o grupo de escrivães responsável pela redação do “Livro 1º de fianças de escravos”, em atividade no mesmo ambiente paleográfico, utilizava diferentes modalidades gráficas, com semelhanças e diferenças entre si, todos dentro do cânone gótico. Contudo, a influência da humanística já se faz sentir, através do processo de hibridação, embora de forma ainda pouco acentuada48. Os modelos híbridos registados são em número reduzido, constituindo tipos gráficos mistos, síntese da gótica e da humanística, de acordo com a prevalência dos elementos góticos predominantes49.

O período de execução deste livro, entre 1549 e 1556, parece assim corresponder à fase inicial do fenómeno gráfico designado por multigrafismo relativo desorganizado, situação caracterizada pela coexistência de dois sistemas gráficos dentro do mesmo ambiente paleográfico que, progressivamente, se vai adaptando às circunstâncias50. Simultaneamente, coexistem o cânone tradicional e as novas formas gráficas que viriam a afirmar-se mais tarde, com uns escrivães a utilizar a gótica de tipo conservador, outros a sintetizar tipos gráficos intermédios e, ainda, aqueles que redigem em mais de um modelo51.

Apesar de não se poder falar de um tipo de letra uniforme, norteado por diretrizes rígidas, o substrato gráfico gótico está bem presente em todas as versões gráficas utilizadas por estes agentes da escrita ao serviço do escrivão da Câmara. Na verdade, todos os executantes continuam a utilizar o referente gótico, embora com diversas interpretações ou estilos gráficos, com uma maior ou menor prevalência das características mais conservadoras do cânone, sobretudo na sua tipificação cursiva52.

Um aspeto comum às grafias analisadas é a sua índole cursiva que, de acordo com a velocidade de execução, determina, inevitavelmente, um produto gráfico distinto. Possivelmente, a cursividade decorre da tipologia documental ou da função a que se destinava o escrito. Assim, a tendência predominante é a de unir as letras dentro de cada palavra, prevalecendo o seu traçado com uma continuidade de escrito, e, com frequência, no caso de algumas versões mais cursivas, de ligar palavra a palavra, levando à utilização de sucessivas ligaduras. Estas, por seu lado, constituindo soluções gráficas determinadas pela cursividade, contribuem para o arredondamento das formas, embora o traçado rápido e pouco cuidado, devido à degeneração da figura dos grafemas, torne mais irregular o aspeto geral da escrita, condicionando a sua estética. Para esse tratamento arredondado também contribuem algumas letras, através das suas laçadas (e, h, l, s), espirais (e, s sigmático), o uso frequente do r pequeno de figura redonda (semelhante ao 2) ou, ainda, de alguns sinais abreviativos traçados em espiral envolvente. Saliente-se que, apesar do grau de cursividade variar de escrivão para escrivão, há escrivães que utilizam estilos gráficos diferentes, em documentos distintos, utilizando tratamentos gráficos mais velozes ou menos velozes (casos de Simão Luís, João do Sal, António Varela e Bartolomeu Barbosa), não adotando sempre o mesmo estilo de escrita.

Todos os escrivães utilizam várias formas para as mesmas letras, embora, na maior parte dos casos, haja uma forma predominante (d, e, f, h, p, r, s). Se as hastes e as caudas das letras baixas e altas não apresentam grandes prolongamentos (o r e o s longos são residuais, assim como o j, entre os escrivães que ainda os registam), o mesmo não se pode dizer das ligaduras emanadas das cursivas mais velozes, chegando a invadir duas regras inferiores, antes de se unirem ao traço de ataque do grafema seguinte, provocando uma maior dificuldade de legibilidade. Relativamente à mancha gráfica, verificou-se que parece não haver diretrizes definidas, variando a dimensão deixada às margens, possibilitando a execução mais personalizada, sendo comum o prolongamento do último traço de algumas letras em final de linha de regramento, trancando o espaço, em particular quando se trata das letras a, e, l e s. Da mesma maneira, algumas letras em início da regra são traçadas com um aumento considerável das dimensões das suas laçadas, dos traços horizontais ou oblíquos e com figura maiúscula apesar do seu valor de minúscula (casos de a, c, d, f, v). De uma forma geral, pode dizer-se que na maior parte dos casos a diferença entre maiúscula e minúscula não é respeitada, sendo frequentemente uma utilizada pela outra. Alguns escrivães mantêm a utilização do a maiúsculo inspirado na cortesã. A execução da letra inicial (A maiúsculo – “Aos”) de grandes dimensões, comparativamente às restantes, é comum a todos os escrivães, embora não haja qualquer uniformidade na sua figura, que se apresenta, assim, personalizada (Vid. Figura 10, infra)53

 

 

Os sinais diacríticos de função meramente gráficos não são muito utilizados, quer no que diz respeito ao ponto sobreposto ao i, quer no que concerne ao uso da cedilha, apesar de alguns escrivães a usarem com alguma frequência. Os sinais de pontuação são raros. Quanto aos sinais de abreviatura, predominam os ligados às letras p e q, contorneando a letra em espiral traçada pela esquerda em sentido ascendente (por, que), assim como os associados às letras v e s, com o valor de er. As letras sobrescritas ocorrem em número reduzido, quase sempre o a, o i e o o, ou ocorrendo em nomes próprios. Com frequência, a nasalização de vogais, sobretudo do e, é feita com um traço ascendente, e a do a com um rasgo em espiral envolvendo a letra num movimento levógiro, confirmando-se que o m é a forma no final das palavras, predominando, também, em posição intermédia54. Em relação à forma como os numerais são apresentados, exclusivamente na data crónica do documento, constante no protocolo, verifica-se que predomina a utilização de letras do sistema de numeração romana para a indicação dos dias e a utilização de formas mistas para a indicação do ano (extenso mais numeração romana), embora predomine a utilização de forma aleatória (Vid. Tabela 3, infra)55.

 

 

Em jeito de síntese, seguem-se as considerações que nos parecem mais relevantes no que diz respeito à morfologia usual e respetiva estrutura de algumas das letras do alfabeto minúsculo utilizadas por este grupo de escrivães56: a = ocorre sob duas formas, uma arredondada (fechada) e outra aberta em cima, que chega a parecer um u, saindo do segundo traço, mais curto do que o primeiro, a ligadura para a letra posterior, quando se encontra em posição intermédia. b = apresenta uma forma predominante com uma laçada superior fechada, que vem da letra anterior, e outra em baixo, quase fechada sobre si mesma, salvo quando se prolonga em ligadura até à letra posterior. c = de acordo com o grau de cursividade, apresenta duas formas, uma que liga por cima à letra posterior (pelo segundo traço, superior) e outra que estabelece a união por baixo, na solução cursiva mais veloz. d = a forma predominante é a de laçada superior, que desce pela esquerda cruzando a haste à procura da letra seguinte; a de forma de tipo uncial é minoritária. e = a sua forma predominante varia de escrivão para escrivão, embora a de laçada ou espiral leve vantagem, traçada em um só movimento, seguida da forma angulosa estilizada, em forma de v aberto. Muito utilizada é a forma em nexo, representada por um pequeno ponto ou traço que aproveita o último da letra anterior, solução utilizada em final de palavra, depois de t ou d, normalmente na preposição de. f = com uma forma que permite facilmente a união com outras letras, mantém a sua forma de tradição, em dois ou três traços, ocorrendo com alguma frequência a nova forma em dupla curva, que ligada à letra anterior leva à constituição de uma laçada superior. g = mantém-se a forma gótica de tradição, embora redonda e baixa, traçado como um u, ou com um olhal, com cauda que se prolonga curvando e sobe até cobrir o corpo da letra. h = apresenta diversas formas: sem laçadas, com a haste simplificada, com uma ou duas laçadas, dependendo das soluções cursivas com as letras adjacentes. Numa outra forma, a curva inferior não cruza, acabando por girar pela direita ligando à letra seguinte. i e j = o ponto sobre o i é sinalizado de forma aleatória por alguns escrivães. As grafias com influência da humanística tendem a usá-lo sistematicamente. O j é pouco frequente. l = sempre representado com uma laçada na parte superior; quando grafado de forma baixa confunde-se com o e, sobretudo. Com alguma frequência surge em duplicado, em posição intermédia na palavra, ou com a figura maiúscula e valor de minúscula. m e n = a angulosidade dos dois grafemas varia de escrivão para escrivão. Alguns continuam a usar o m em final de palavra com a sua última perna recuada. o = muitas vezes surge aberto, em cima; outras vezes assume a forma de um v. p = a sua forma de base consta de um olhal do lado direito, aberto ou fechado, traçado sobre a regra, e de uma cauda que pode ser reta ou curvada. As suas diferentes formas resultam da cursividade. Por vezes tem também um olhal inferior que promove a união à letra seguinte por ligadura, assemelhando-se a um f. Ao p estão associados vários sinais de abreviatura. q = muito utilizado em união com a letra seguinte, frequentemente através de sinal abreviativo (que, qual, quem, quer). r = apresenta várias formas, sendo a mais usual a pequena, em forma de 2. O r direito ocorre poucas vezes, sendo esporádica a sua utilização, em especial quando se apresenta longo (salvo por Cristóvão de Magalhães). A forma maiúscula conservadora, em forma de v ou de lira, continua a ser utilizada por todos os escrivães em início ou meio de palavra. A forma maiúscula humanística já surge nas grafias híbridas, com influências humanísticas. s = também apresenta diversas formas, sendo a predominante a do tipo sigmático; as restantes, menos frequentes, são as de uma ou duas laçadas; a utilização do s de dupla curva varia nas diferentes grafias, embora com alguma contenção; o s longo ocorre de forma esporádica. t = apresenta duas formas: com laçada inferior, em ligadura com a letra seguinte, ou de haste simplificada, cortada por um segundo traço horizontal no seu ponto médio. u = confunde-se por vezes com as letras n e v, variando a sua angulosidade. v = confunde-se com o o aberto ou com o u. x = por vezes a sua forma confunde-se com a letra p. y = as várias formas resultam dos diferentes traçados da cauda, através da qual se concretiza a união com a letra seguinte. z = a forma maioritária é a semelhante ao algarismo 3.

Uma vez aqui chegados, importa perceber como é que as características sintetizadas acima, a partir da análise do conjunto de grafias selecionadas, se articulam com a evolução das formas góticas utilizadas em Portugal na primeira metade da centúria de Quinhentos. Ora, tal é possível chamando à colação o estudo de Maria Teresa Pereira Coelho acerca da escrita manuelina, que nesta matéria permitiu preencher parte do grande vazio de dados enunciado pelo professor Borges Nunes57. Verifica-se, então, que muitas destas formas gráficas do referente gótico utilizado em Portugal nos inícios do século XVI pelos escrivães da Corte régia, na linha da manuelina comum, se mantêm intactas, perfeitamente apropriadas por estes escrivães ao serviço do gabinete escriturário do escrivão da Câmara de Lisboa58.

As diferenças não estão, então, na feitura das letras, mas no tratamento gráfico que lhes é conferido, decorrente da rapidez do traçado que foi levando à sua crescente cursivização, acabando por descaracterizar em grande medida o aspeto gráfico. Trata-se, assim, de uma continuidade gráfica dentro da linha da manuelina, não da manuelina comum, mas já das cursivas velozes59. A morfologia das letras permanece praticamente inalterada, porém, alguns escrivães aplicam aos vários elementos gráficos um traçado veloz e um tratamento cursivo, adulterando o aspeto final da escrita. Vejam-se os cursivos velozes das grafias de João do Sal e, sobretudo, de Simão Luís. A escrita deste último, em vários documentos, chega ao ponto de refletir o princípio da desagregação da estrutura gráfica, no que diz respeito aos traços constitutivos de várias letras, como testemunham algumas das suas execuções gráficas mais extremadas, já a caminhar para a encadeada, com excesso de ligaduras, uniões e espirais envolventes.

 

 

 

REFLEXÃO FINAL

No “Livro 1º de fianças de escravos”, a intervenção do escrivão da Câmara na conscriptio da documentação está bem patente, diplomática e graficamente, materializada no escatocolo dos documentos60. Era da sua responsabilidade a atividade gráfica dos escrivães vinculados à ação escriturária municipal. Competia-lhe afetar à sua oficina de expedição documental os agentes da escrita que considerasse necessários, delegando-lhes as tarefas inerentes ao serviço burocrático municipal. A maior parte, seus “criados”, certamente, formá-la-ia e prepará-la-ia para o ofício. Escrevia e fazia escrever. Subscrevia e responsabilizava-se pelo processo de elaboração dos documentos.

Verificando-se que todos os autores materiais viram documentos por si redigidos subscritos por Cristóvão de Magalhães, fica claro que todas as “mãos”, naturalmente, passavam pelo crivo gráfico do escrivão da Câmara, na sua diferente execução e tratamento gráfico, desde as mais cursivas às de tipo gótico-humanístico que faziam antever as futuras formas humanísticas.

Mesmo realizada sem um caráter exaustivo, a comparação do alfabeto dos escrivães permite perceber a existência de influências recíprocas, inerentes a um permanente convívio gráfico, e de uma provável formação de base comum, no âmbito do referente gótico, certamente, com origem dentro do próprio gabinete escriturário do escrivão da Câmara. Porém, se o cânone de carácter conservador se mantém, nas suas características essenciais, dentro da linha da manuelina comum, já quanto ao seu aspeto geral registam-se cambiantes gráficos, distinções entre os vários tipos de escrita analisados. Não no que diz respeito ao ductus, pois a feitura não se altera, mas à figura das letras, cuja morfologia se distingue, em alguns casos, de escrivão para escrivão, por vezes pela mão do mesmo escrivão, embora em documentos diferentes.

A explicação será de ordem prática. Radica no tratamento cursivo que cada escrivão imprime às letras que compõem a sua escrita, como fica dito. Na realidade, a cursividade impõe-se, decorrente de uma escrita vinculada à função administrativa, de natureza burocrática e com mero valor de registo, destinada à preservação e à fixação de memória futura, dentro da instituição a que está filiada e sem pretensões a uma exposição externa. Na prática, o avolumar da escrituração da administração municipal moderna conduziu à necessidade de escrever muito e rápido. Lisboa não ficou alheia a este processo incessante, que levou a que as formas gráficas se tornassem mais dinâmicas e expeditas quanto ao seu traçado.

Ora, quem tutelava este universo gráfico era o escrivão da Câmara, responsável pelo gabinete escriturário municipal, cujas funções foram desempenhadas por Cristóvão de Magalhães durante cerca de meio século. Durante o seu longo percurso burocrático manteve inalterável a sua escrita de tradição gótica de caráter conservador, de tipo tabeliónico, blindada a possíveis contágios. Sob a sua autoridade foi garantida a vigência do cânone gótico, prolongando-o ao serviço do concelho, independentemente da presença crescente de elementos gráficos da humanística que aportavam consigo não apenas um diferente tratamento gráfico, como sejam a redução da cursividade e da velocidade de traçado, aumentando a legibilidade, mas todo um novo sistema gráfico.

Pode considerar-se que terá conseguindo conter a proliferação de rasgos distintivos, cingindo as propostas gráficas personalizadas ao traçado e ao desenvolvimento de letras de índole cursiva de matriz gótica, na linha da manuelina cursiva, com progressivas soluções pessoais que acentuam mais, ou menos, os encadeamentos, caracterizadas pelo seu grande dinamismo61.

Esta é a leitura mais consentânea. Mas outra pode ser formulada, tendo em conta um cenário em que parece estar ausente a imposição de uma uniformidade rígida de um tipo gráfico dentro do referente gótico que, eventualmente, poderia adequar-se a uma mesma tipologia documental e a uma mesma função, e perante a diversidade de cambiantes gráficos utilizados por um conjunto de escrivães no seio de um mesmo ambiente paleográfico, permeável ao contágio recíproco, sob a direção tutelar de um só responsável pela ação escriturária. Afinal, o escrivão da Câmara foi enfreando as novas tendências que sopravam de outros contextos gráficos além--fronteiras ou, pelo contrário, sob a sua alçada terá progredido, com a sua “pujança, variedade e complexidade ímpares”, recordando as palavras do professor Borges Nunes, o carácter criador do universo escriturário lusitano?

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

MANUSCRITAS

Arquivo Municipal de Lisboa

Livro 1º de fianças de escravos.

Livro 3º de D. João III.

Livro dos pregos.

Livro primeiro do Tombo das propriedades foreiras a Camara desta mvito nobre, e sempre leal cidade de Lixboa.

Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião.

Livro do Lançamento e Serviço que a Cidade de Lisboa fez a El rei Nosso Senhor no ano de 1565.

 

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Chancelaria de D. João III, liv. 18.

 

ESTUDOS

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Submissão/submission: 01/10/2018

Aceitação/approval: 15/11/2018

 

 

NOTAS

Paulo, Jorge Ferreira – Abordagem paleográfica ao Livro 1º de fianças de escravos (1549-1556): exercício de análise de grafias. Cadernos do Arquivo Municipal. 2.ª Série N.º 10 (julho-dezembro 2018), p. 71 – 95.

1 NUNES, Eduardo Borges – Álbum de Paleografia portuguesa. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1969. p. 18.

2 Idem, ibidem.

3 Pode ler-se no termo de abertura do livro: “Liuro em que se tomam As ffiancas dos escravos cativos que Andam por companheiros nas barquas E bateis que comecou A bj de novembro de jbcRix”. Cf. Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 1º de fianças de escravos, f. 6.

4Em alternativa, mas com um menor número de ocorrências: “em casas de mim”, ou “camara da vereaçam desta cidade”. Sobre a data tópica desta documentação vid. PAULO, Jorge Ferreira – Da escrita gótica à humanística na documentação da Câmara de Lisboa: em torno da escrivaninha municipal quinhentista. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa: AML/CML. 2ª Série Nº 8 (julho-dezembro 2017), p. 131.

5 Sobre as fugas dos escravos, Cf. FONSECA, Jorge – Escravos e Senhores na Lisboa Quinhentista. Lisboa: Colibri, 2010. p. 320-341.

6 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 59v.

7 A primeira forma é utilizada 55 vezes, correspondendo a 32% dos casos, e a segunda, por 102 vezes, correspondendo a 60% das situações (AML, Livro 1º de fianças de escravos). Em variantes esporádicas surgem igualmente as formas “em casa de mim”, (Id., ibid., f. 13-13v e 126v-127) e “casas da morada” (Id., ibid., f. 3-4, 4-5, 5v-6 e 11-11v). Apenas por duas vezes é mencionada a “camara da vereaçam desta cidade” (Id., ibid., f. 81v-82 e 143v-144).

8 Acerca da atividade do escrivão da Câmara Cf. PAULO, Jorge Ferreira – Da escrita gótica à humanística na documentação da Câmara…, p. 119-158. SANTOS, Maria José Azevedo – Escrivães e pregoeiros dos concelhos: (séculos XIV-XVI). Revista de História da Sociedade e da Cultura. Coimbra: CHSC/UC. Nº 14 (2014), p. 119-132.

9 Arquivo Nacional Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, liv. 18, f. 58v, de julho, 10; AML, Livro dos pregos, doc. 515, f. 331.

10 Acerca da destreza gráfica e da análise gráfica a partir das assinaturas autógrafas vid. SANTOS, Maria José Azevedo – Assina quem sabe e lê quem pode. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2004.

11 Por ordem decrescente regista-se o número de vezes que testemunham: Diogo Barbosa (69), Francisco da Costa (67), Álvaro Gouveia (50), André Machado (44), Bartolomeu Barbosa (19), António Varela (11), Luís Dante (5), Salvador Afonso (4), Gregório de Freitas (4) e Simão Luís (2).

12 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 59v-60v, 61-62, 85-86.

13 Sobre estas outras versões gráficas, resultantes de diferentes níveis de esmero de execução, de acordo com a velocidade que imprime à escrita, vid. PAULO, Jorge Ferreira – Da escrita gótica à humanística…, p. 25.

14 Cf. AML, Livro 3º de D. João III, f. 45-46v, entre outros exemplos, correspondente a um assento de vereação datado de 1545.

15 Cf. NUNES, Eduardo Borges – Álbum de Paleografia portuguesa…, p. 26.

16 Utiliza aquela forma estilizada e angulosa do e em cerca de 75% das ocorrências.

17 No ambiente gráfico aqui em análise o s longo, ou caudato, é pouco utilizado por este grupo de escrivães, à exceção de Cristóvão de Magalhães, cuja utilização chega a atingir 30% dos registos daquele grafema, valor que corresponde a 29 ocorrências (f. 85-86).

18 Nos restantes casos, verificou-se a ocorrência de várias palavras sem abreviatura associada ao q: “quando”, “quanto”, “queria”; com abreviatura pontual ligada ao q: “qual”, “quer”, “quinhemtos”.

19 AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 11v-12v, 12v-13v, 14-15, 21-22, 22v-23v, 24-25, 25v-26v, 26v-28, 28-29, 29v-30v, 31-32, 33v-34, 35v-36, 37-38, 39v-40v, 41-41v, 42-43, 43v-44v, 45-46, 46v-47v, 48-49, 49v-50, 50v-51, 53-54, 64v-65, 65v-66, 77v-78, 78v-79, 79v-80, 86v-87, 102v-103, 103v-104, 107-107v, 108-108v, 111v-112, 114v-115, 127v-128, 128-129, 129v-130, 130v-131, 132v-133, 134v-135, 135v-136, 148v-149v, 163-163v, 168-168v, 172-172v, 174-174v, 175-175v, 176-176v, 177-177v, 178-178v.9

20 A escrita pré-encadeada evoluirá em certos meios gráficos, sobretudo no notariado, para a encadeada, formando uma espécie de cadeia ininterrupta. Veja-se NUNES, Eduardo, Op. cit., doc. 114, de 1564.

21 Cf. por exemplo, os documentos dos f. 12v-13v, 77v-78 e 129v-130.

22 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 20-20v, 32v-33, 51v-52, 52-53, 56v-57. Identifica-se: Jo do sall o espriuj (f. 20v, l. 17 e f. 52, l. 11); a ele são atribuíveis outras quatro fianças: f. 16-16v, 17-17v, 18-18v, 19-19v.

23 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 14-15, de dezembro, 31); AML, Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião, f. 19-20; AML, Livro primeiro do Tombo das propriedades foreiras a Camara desta mvito nobre, e sempre leal cidade de Lixboa, f. 321; AML, Livro do Lançamento e Serviço que a Cidade de Lisboa fez a El rei Nosso Senhor no ano de 1565, f. 685.

24 V. gr. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 63v.

25 Cf. PAULO, Jorge Ferreira – Da escrita gótica à humanística na documentação da Câmara… p. 134.

26 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 119-119v, 120v-121, 122v-123, 123v-124, 124v-125, 125v-126, 126v-127. A título de exemplo: amtonio varella que este fez (f. 125, l. 19); amtonio varella salltão que esta fiamça fiz (f. 124, l. 11-12).

27 Compare-se, por exemplo, com a escrita utilizada em outro documento redigido num cursivo de traçado mais veloz, onde se evidencia a maior utilização de ligaduras e a ligação entre as palavras (Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 124v).

28 Sobre o sistema abreviativo e os sinais de abreviatura vid. NUNES, Eduardo Borges – Abreviaturas paleográficas portuguesas. 3ª ed. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1981. CAPPELLI, Adriano – Dizionario di Abbreviature Latine ed Italiane. 6ª ed. Milano: Ulrico Hoepli, 1979.

29 AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 153-153v, 154-154v, 170-170v. Identifica-se “eu bertolomeu barbosa que ho esprevy e asyney” (f. 153v, l. 21-22; f. 154v, l. 18-20) e “eu sobredito bertolomeu barbosa que esto stprevy” (f. 170v, l. 16-17).

30 São 27 os documentos que apresentam uma escrita cujas características permitem atribuir a autoria gráfica a Bartolomeu Barbosa, redigidos entre 12 de novembro de 1554 e 17 de abril de 1556, com um tratamento cursivo de traçado extremamente veloz já a pré-configurar a encadeada (Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 136v-137, 139-139v, 140-140v, 141-141v, 142-142v, 143v-144, 144v-145, 145v-146, 146v-147, 147v-148, 148v-149v, 150-150v, 151-151v, 152-152v, 155-155v, 156-156v, 157-157v, 158-158v, 159-159v, 160-160v, 161-161v, 162-162v, 164-164v, 165-165v, 166-166v, 167-167v, 169-169v, 171-171v).

31 Cf. NUNES, Eduardo Borges – Álbum de Paleografia portuguesa. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1969. p. 26-27. O autor dá exemplos de encadeamento inicial, na linha da letra manuelina, já não pura (nº 111, nº 114 e nº 117) e de encadeamento moderado, em letras da linha manuelina (nº 121 e nº 139). CF. RIESCO TERRERO, Ángel, ed. – Introducción a la Paleografía y la Diplomática general. Madrid: Sintesis, 2000. p. 136.

32 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 154, l. 11, f. 170, l. 6, 9, 19, 21, f. 170v, l. 17.

33 A quantificação estatística, analisando os três documentos em que Bartolomeu Barbosa se identifica, apurou o seu registo em 66%, 59% e 61% das ocorrências, respetivamente.

34 Também utiliza a forma extensa de “per” (f. 153, l. 13).

35 As palavras “barquas” e “porquanto” são registadas por extenso.

36 AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 153.

37 Idem, ibid., f. 154.

38 Idem, ibid., f. 170.

39 Idem, ibid., f. 153 e 154.

40 Idem, ibid., f. 170.

41 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 136v-137, 139-139v, 140-140v, 141-141v, 142-142v, 143v-144, 144v-145, 145v-146, 146v-147, 147v-148, 150-150v, 151-151v, 152-152v, 155-155v, 156-156v, 157-157v, 158-158v, 159-159v, 160-160v, 161-161v, 162-162v, 164-164v, 165-165v, 166-166v, 167-167v, 169-169v, 171-171v, 179-179v, 180-180v.

42 AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 7-8, 8-9, 9-10, 10v-11.

43 AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 34v-35, 38v-39.

44 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 66v-67, 67v-68, 68-68v, 69-69v, 70-70v, 71-71v, 73, 75-75v, 76-76v, 77.

45 AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 72-72v.

46 PAULO, Jorge Ferreira – A escrita humanística na documentação régia de Quinhentos. Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

47 A utilização do ponto sobre o i ocorre em 44% dos casos, colocados de forma aleatória.

48 Designa-se por híbrida quando a escrita apresenta, por exemplo, traços pertencentes a mais do que um sistema gráfico (Cf. RIESCO TERRERO, Ángel – s.v. Híbrida (Escritura). In Vocabulario científico-técnico de Paleografía, Diplomática y ciencias afines. Madrid: Barrero & Azedo, 2003. p. 195). Borges Nunes, além de “escritas híbridas” designa-as por “intermédias” – “contaminadas de gótico e de humanístico em doses muito diversas” (Cf. NUNES, Eduardo Borges – Álbum de Paleografia portuguesa. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1969. p. 22 e 26).

49 A designação de “gótico-humanística” parece a mais pertinente, seguindo a terminologia de Giulio Battelli, que também utiliza as expressões “humanístico-gótica”, “formas mistas” e “intermediárias”, afirmando que, de uma forma geral, o carácter fundamental destas escritas é gótico (Cf. Battelli, Giulio – Nomenclature des écritures humanistiques. In Nomenclature des écritures livresques du IXe au XVIe siècle. Paris: Service des Publications du Centre National de la Recherche Scientifique, 1954. p. 35-44). Já Tomás Marín Martinez opta pela expressão “escrita mista”, para designar a síntese das duas escritas sem uma depuração gráfica clara (Cf. MARÍN MARTINEZ, Tomás; ROIZ ASENCIO, José Manuel , dir. – Paleografia y Diplomatica. 5ª ed. Madrid: UNED, 1991. vol. 2, p. 69).

50 Cf. PETRUCCI, Armando – Funzione della scrittura e terminologia paleografica. In Palaeographica Diplomática et Archivistica. Studi in Onore di Giulio Battelli. Roma: Scuola Speciale Per Archivisti E Bibliotecari Dell'università Di Roma, 1979. I, p. 10. O autor utiliza também os conceitos de multigrafismo absoluto e multigrafismo relativo organizado.

51 Para um enquadramento teórico, e tendo em vista o já mencionado caminho percorrido pela Paleografia portuguesa nas últimas décadas, vid. Santos, Maria José Azevedo – Ler e compreender a escrita na Idade Média. Coimbra: Colibri, 2000. MARQUES, José – Práticas paleográficas em Portugal no século XV. Revista da Faculdade de Letras. Porto. I Série Vol. 1 (2002), p. 73-96.

52 Sobre as escritas cursivas vid. CASAMASSIMA, Emanuele – Tradizione corsiva e tradizione libraria nella scrittura latina del Medioevo. Roma: Vecchiarelli Editore, 1988. p. 163-167. BELÉN SÁNCHEZ, Ana; DOMINGUEZ, Jesús – Las escrituras góticas. In RIESCO TERRERO, Ángel, ed. – Introducción a la Paleografía y la Diplomática general. Madrid: Sintesis, 2000. p. 133-147. POULLE, Emmanuel – Paléographie des Écritures Cursives en France du XVe au XVIIe siècle. Genève: Lib. Droz, 1966.

53 Cf. AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 8, 34v, 57v, 59v, 72, 73, 151, respetivamente.

54 Cf. NUNES, Eduardo Borges – Álbum de Paleografia portuguesa…, p. 11.

55 CM = Cristóvão de Magalhães; SL= Simão Luís; JS = João do Sal; AV = António Varela; BB = Bartolomeu Barbosa; AG = Álvaro de Gouveia (este escrivão identifica a sua autoria gráfica, apesar de apenas ter sido responsável por um documento). Os números com que quatro escrivães são apresentados na tabela correspondem às suas grafias sem identificação do autor gráfico, conforme são apresentadas no texto (Tipo 1, Tipo 2…).

56 Cf. Quadro 1 – Alfabeto minúsculo dos escrivães identificados.

57 Cf. COELHO, Maria Teresa Pereira – Existiu uma escrita manuelina? Estudo paleográfico da produção gráfica de escrivães da corte régia portuguesa (1490-1530). Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

58 Idem, ibid., Anexo 4 – Quadro síntese de alfabeto, numerais e abreviaturas e outros elementos da escrita (1490-1530), p. 1.

59 Cf. NUNES, Eduardo Borges – Álbum de Paleografia portuguesa…, p. 24.

60 A sua subscrição está presente em 80% dos documentos, percentagem correspondente a 139 dos 173 documentos do Livro 1º de fianças dos escravos.

61 Nomeadamente, os casos dos escrivães Simão Luís, João do Sal e Bartolomeu Barbosa.

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