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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.9 Lisboa jun. 2018

 

ARTIGO

A Mouraria da Velha Rua da Palma. Quatro séculos no ciclo de vida de um arruamento (1554-1959)1

Rua Nova da Palma. Four centuries in the lifespan of a street (1554-1959)

Tiago Borges Lourenço*

* IHA – Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal. tborgeslourenco@gmail.com

À memória do meu avô António (1925-2018). Por todas as histórias de outros tempos...

 

RESUMO

Aberta em 1554/5, a Rua Nova da Palma desde cedo se tornaria numa das principais vias de saída da cidade pela forma como permitia um mais direto acesso da zona do Rossio a norte, em direção à Estrada de Sacavém. A atestar a sua importância, entre o século XVIII e o final do século XX multiplicaram-se os projetos de alargamento, prolongamento e substituição deste arruamento de modo a responder ao crescente movimento de pessoas que por ele transitavam. Ironicamente o seu crescimento e consequente aproveitamento como ponto de partida do eixo formado pela Avenida Almirante Reis tornam- -na hoje quase invisível no imaginário das gerações mais novas de lisboetas. Assim, pretende-se abordar a forma como o rasgamento e desenvolvimento de projetos para a Rua da Palma condicionaram e alteraram radicalmente o seu entendimento e a sua história.

 

PALAVRAS-CHAVE

Rua da Palma / Lisboa / Urbanismo / Mouraria

 

ABSTRACT

Built in 1554/5, from the start Rua Nova da Palma became one of the main exit routes of Lisbon, allowing a direct access from the Rossio area to the north, towards Estrada de Sacavém. Confirming its paramount importance, between the 18th century and the end of the 20th century were multiplied plans for widening, extension and replacement of the street to answer to the increasing circulation of people. Ironically, due to its development and subsequent use as starting point of the axis formed by Avenida Almirante Reis, the street became almost invisible in the imagination of the younger generations of lisboetas. Therefore, I intend to address how the beginning and development of plans for Rua da Palma shaped and changed radically its meaning and history.

 

KEYWORDS

Rua Nova da Palma / Lisbon / Urbanism / Mouraria

 

Lisboa reforma-se e rejuvenesce-se, e há que sacrificar os velhos arruamentos incapazes de servir à vida de hoje que pede espaço a gritos, faixas rolantes para o
delírio da pressa de a viver, e passeios largos para o mover de uma população excitada e febril.

(Matos Sequeira, 1949)

 

 

NOTAS INTRODUTÓRIAS

O presente artigo pretende abordar a forma como o rasgamento, desenvolvimento e multiplicação de projetos para a velha Rua [Nova] da Palma condicionaram e alteraram radical e traumaticamente o entendimento e a história do chamado vale da Mouraria. E, em última análise, a forma como (a necessidade d)o desenvolvimento deste arruamento levou ao desaparecimento parcial da sua envolvente, num processo orgânico muitas vezes nada estranho ao urbanismo e que se assemelha ao ciclo de vida de um ser biológico.

No contexto do número dos Cadernos do Arquivo Municipal alusivo à Lisboa Ausente: Da Memória do Património Desaparecido aos Projetos Utópicos para a Cidade, procura-se neste texto simultaneamente evoca[r] uma cidade material já desaparecida [e] uma cidade imaginada, sem no entanto entrar no conceito de utopia. Na verdade, e talvez devido a uma crónica dificuldade de concretização (burocrática, economicista e mental), em Portugal tem sido relativamente comum o uso dessa palavra para designar um projeto mais ambicioso, mesmo que potencialmente exequível do ponto de vista técnico, financeiro e perfeitamente adequado à realidade para a qual é projetado. Assim, é com alguma naturalidade que constatamos que alguns dos projetos que poderiam facilmente entrar nesse conceito de utopia foram efetivamente cumpridos, como os mais de dois quilómetros e meio do túnel ferroviário do Rossio (inaugurado em 1887) ou, antes ainda, a Lisboa Pombalina, “utopia realizada [...] [que] por o ter sido, é o contrário de uma utopia, ou só parte dela: a “eutopia” que na designação moriana se funde com o outro prefixo, de “não lugar”2. Nesse sentido, a Lisboa Ausente será aqui composta pela vida de um arruamento, pelo desaparecimento parcial de um bairro e seus equipamentos e por um conjunto de projetos e visões que, nunca tendo chegado a ganhar existência própria, ajudaram a pensar a cidade e a dar-lhe soluções para um problema provocado pelas normais dores de crescimento de quem atravessa uma fase absolutamente decisiva da sua existência.

 

O VALE DA MOURARIA E A ABERTURA DA RUA NOVA DA PALMA (1554/5)

Apesar de se ter vulgarizado a inclusão dos terrenos do vale que fica entre as encostas do Castelo e de Santana (vulgo vale da Mouraria) dentro do conceito geográfico do Bairro da Mouraria, este dado é historicamente incorreto na medida em que, numa fase inicial, este último era limitado a sul pela Rua Direita da Mouraria: “Ficava a Mouraria entre as portas de Santo André e de S. Vicente sem as alcançar, pois que lhes interpunham terrenos em que posteriormente se foram construindo habitações de christãos”3.

Ao longo da época medieval seria reduzido ou inexistente o número de edificações existentes neste vale, espaço que no início do século XIV era “marcado por explorações agrícolas de pequena dimensão, ou seja, por propriedade alodial muçulmana e por almuinhas”4. Justificava-o sobretudo o caráter alagadiço desta área, resultante da passagem da Ribeira de Arroios que descia pelo vale do Areeiro em direção a sul:

A abundancia de agua permittia o grande aproveitamento de todo este terreno da parte oriental de Lisboa na cultura intensiva das hortas: as almoinhas da Mouraria, do Rocio (Praças de D. Pedro e da Figueira) e de Xabregas, humedecidas com a agua extrahida por innumeraveis noras, poços e chafarizes, eram antigamente as fornecedoras das hortaliças consumidas pela cidade de Lisboa5.

Rasgando e dividindo o vale, a construção da muralha fernandina em 1373-5 acabaria por ter profundas implicações na zona, desde logo no próprio curso de água: “emquanto D. Fernando não mandou construir a muralha, as aguas torrenciaes precipitavam-se no estuario do Tejo livremente, mas outra cousa succedeu depois que ella cercou Lisboa”6 e passou a servir de involuntária represa, provocando fortes inundações, como a que Fernão Lopes descreve logo em 1383. Terá sido por esta altura que começou a haver uma preocupação clara com a regularização do curso de água que, do lado de dentro do pano já em princípios do século XV corria pelos canos da porta de sam bicente7, onde mais tarde se desenvolveria a Rua dos Canos. Da mesma forma, e como adiante se tratará, a muralha acabaria por ser fundamental para o desenvolvimento a duas velocidades do processo de urbanização destes espaços, iniciado no decorrer do século XVI com o rasgamento da Rua Nova da Palma.

Em artigo publicado em 1949 na Revista Municipal8, Gustavo Matos Sequeira traça um exaustivo retrato da abertura deste arruamento, iniciando-o pela desmistificação da ideia então comummente aceite da associação toponímica do arruamento ao cavaleiro Henrique, o Cavaleiro de Bona9 que ainda na atualidade se mantém erradamente no imaginário popular e historiográfico. Na verdade, a realidade é bastante mais terrena, limitando-se a toponímia a perpetuar o apelido do responsável pela abertura do arruamento10.

Em princípios de Quinhentos, uma significativa área do vale da Mouraria pertencia aos cónegos regrantes de Santo Agostinho do Mosteiro de São Vicente de Fora. As suas propriedades principiariam a sul, no caminho fronteiro à fachada lateral da Igreja do Convento de São Domingos e estender-se-iam para norte, para além da muralha fernandina que separaria fisicamente e em nomenclatura as hortas de dentro e de fora. Matos Sequeira não aborda a área a nascente do vale, mas de acordo com diversos livros de foro do cartório do Mosteiro é possível encontrar propriedades aforadas11 ao Convento ao longo da Rua da Mouraria, na qual um outro conjunto de casas recém-incorporadas ao Hospital Real de Todos-os-Santos foi igualmente emprazado a partir de 1500.

Este tipo de operações de aforamento por parte dos conventos da cidade foi uma constante até à extinção das ordens religiosas em 1834. Desde muito cedo, a iniciativa e ação das comunidades religiosas revelou-se decisiva para o desenvolvimento de novas urbanizações intra-muros e seu respetivo povoamento. Já pelo menos desde o século XIV e XV as religiosas comendadeiras do Convento de Santos-o-Velho e os religiosos trinitários do Convento da Santíssima Trindade levaram a cabo um conjunto de operações deste género que resultaria mormente no desenvolvimento urbanístico e construtivo da zona da Pedreira12. No entanto, seria na transição para o século XVI que a utilização das propriedades religiosas para estes fins ficaria mais vincada, na sequência da “carta perque he determinado que todollos olliuaaes dos muros adentro se cortem”13, de 26 de dezembro de 1500. Não é naturalmente de excluir que, em si própria ou como impulsionadora da empresa urbanizadora ocorrida nos primeiros anos de Quinhentos na cidade, esta carta possa ter tido particular responsabilidade nas ações que os padres vicentinos levaram a cabo ao longo das décadas seguintes no local em estudo14.

Se a sul e nascente do vale da Mouraria a existência de chãos aforados pressupunha uma área minimamente consolidada do ponto de vista construtivo e habitacional, toda a área a poente corresponderia a terrenos de cultivo de grandes dimensões situados em ambos os lados da muralha e por esta separados. No interior, a quase totalidade das terras é emprazada a Catarina Pires e ao seu marido Fernão Dias que, em 1515, negoceiam com os religiosos de São Vicente de Fora a divisão de parte deste seu terreno e o respetivo aforamento. Estes aforamentos constituem a génese do processo de consolidação do antigo caminho que passava à ilharga da Igreja de São Domingos, até então já uma via de elevada importância, desde logo na forma como se constituía como parte do perímetro de um grande quarteirão (provavelmente o maior da área intramuros da cidade) composto pelo referido convento e pelo recém-construído Hospital Real de Todos-os-Santos15. Esta operação seria o prelúdio para outra de maiores dimensões ocorrida no início da segunda metade do século e que resultaria na consolidação definitiva do vale da Mouraria por via da abertura de dois novos arruamentos no sentido sul-norte, a Rua Nova da Palma e a Rua dos Canos16. Por essa altura, e falecidos os aforadores originais, o referido foro de Fernão Dias ia já na segunda vida, para a qual havia sido nomeada a sua neta, Francisca Coelho, casada com João da Palma, tomando este último para si o ónus da operação, vendo por isso o seu apelido imortalizado no nome da rua17:

[Em 1552] vendo os frades e os novos foreiros, que dera bom resultado o aforamento da faixa sul da horta […] intensificaram o trabalho de estudo da abertura de uma outra rua que atravessasse a horta no sentido norte-sul. Mediu-se o terreno, fizeram-se cálculos, e chegou-se à conclusão de que se poderiam fazer mais de trinta casas, com chão para quintal, e que, além disto, o assentamento de casas da horta ficaria com poço de nora e tanque. […] Levantou--se uma planta, mediram-se os chãos, e a nova rua foi traçada a cordel para seguir a direito, mais ou menos paralela à dos Canos da Moiraria, «da maneira e pela ordenança que já está feita no debuxo mostrado pelo dito João da Palma»18.

Como habitual em documentos do género, nestes contratos encontravam-se discriminadas as condições do aforamento19, nomeadamente a proibição de alienar o foro sem expressa liçença e consentimento do Mosteiro (que sobre ele teria direito de preferência), bem como a obrigatoriedade da colocação “sobre a entrada e porta principall das ditas casas [de] hua pedra que tenha esculpida a figura de hum corvo pintado de preto com letra […] que diga do mosteiro de São vicente”20.

Não obstante em 1552 já se encontrar prevista a abertura da Rua Nova da Palma21, Matos Sequeira refere que o contrato entre João da Palma e o Mosteiro só terá sido assinado a 10 de outubro de 1554, comprometendo-se o primeiro a arranjar os foreiros e a abrir a rua até final do ano seguinte22. O aforamento de mais de sessenta chãos em duas operações contíguas realizadas no espaço de quarenta anos contribuiria definitivamente para a consolidação urbanística da zona.

A partir de um desenho (Figura 1) existente num livro de foros do cartório do Mosteiro de São Vicente de Fora é possível perceber a exata extensão desta operação de aforamento, que contava com um total de 45 foros, na sua maioria implantados nas duas frentes da Rua Nova da Palma e na frente norte da Rua do Canos. As características destes aforamentos eram semelhantes às de outras operações do género, denotando a preocupação com o estabelecimento de um regular traçado e com a definição de lotes de igual dimensão; no entanto, o (também habitual) ajuste direto de área extra com alguns dos enfiteutas23 contrariou os pressupostos anteriores e constituiu-se como uma das principais justificações para a irregularidade de alguns dos lotes.

 

 

A abertura da Rua Nova da Palma permitiu consolidar urbanisticamente o vale da Mouraria a sul das muralhas e melhorar o escoamento do tráfego de saída para norte, visto o facto de ter sido rasgada no interior de uma horta ter-lhe-á permitido uma maior largura e desafogo (15 palmos de largura, cerca de 3,30 metros). Até então a circulação fazia-se pela Rua Direita da Mouraria, que encaminhava o fluxo vindo da zona ribeirinha para a Porta de São Vicente da Mouraria e daí pela Rua do Boy Fermoso (atual Rua do Benformoso) e pela Rua Direita de Arroios. Com um acesso mais direto por São Domingos, desde cedo a nova via foi encarada como uma válida alternativa, conforme comprova a abertura quase imediata de um postigo na muralha no seu enfiamento (daí em diante conhecido como o Postigo da Rua da Palma24) e o teor do decreto de 2 de dezembro de 1562 assinado pela regente D. Catarina:

Informado que ante a porta de São vycente da mouraria e o postigo que se abrio ao jogo da pella da parte de fora he muito necessareo fazer hua ponte de pedra pera onde a gente se possa servir e passar pera cima da agoa que por ahi corre onde se fazem grandes atoleyros e por se abrir a Rua nova da palma da parte de dentro, e se abrir o dito postigo, cresceo a povoação de hua parte e doutra, e he muy necessarea a dita ponte assim aos vezinhos como a todo o povo25.

Para além de permitir uma passagem sobre o curso de água que por aí corria, esta ponte acabaria por ser fundamental do ponto de vista viário por ser o elo de ligação entre o postigo da Palma e a parte extramuros da Rua Direita da Mouraria. Com a sua construção era finalmente possível transitar do centro da cidade (nomeadamente do Rossio) em direção a Arroios sem ter de cruzar a Porta de São Vicente da Mouraria. Um mapa que consta do primeiro volume de A Cerca Fernandina de Lisboa de Augusto Vieira da Silva (Figura 2) permite perceber a estreita ligação entre a Rua Nova da Palma, o recém-aberto postigo e esta ponte, parecendo os três o resultado de uma (primeira) tentativa de regularização urbanística na zona.

 

 

Por essa altura, o edificado da Rua Nova da Palma estava já construído e habitado, sendo justamente sobre os habitantes da rua (bem como aos “que uiuem fora da dita porta de São uicemte e fora do dito postigo”) que recaiu metade da despesa, cabendo o restante às “remdas da cidade”26.

 

A INSUFICIÊNCIA DE UMA VIA. O ALARGAMENTO E PROLONGAMENTO DA RUA NOVA DA PALMA (1776-1860)

A crescente importância e o aumento do fluxo do seu tráfego tornou limitada a configuração da Rua Nova da Palma. Cerca de um século depois da sua abertura era assumidamente considerada

huã das principais serventias desta Cidade, assi pella grande parte dos moradores della, como pera os do Termo, e maiormente em dias de Feira, nos quais o concurso he tão numerozo, e repetido, que não sem grande embarasso, e molestia dos pobres saloyos, costuma passar coche, sege, ou carro por ella neste dia, e sempre pera os coches he a passagem dificultoza em se encontrando nella huñs com os outros27,

pelo que em 1673 foi ordenada a abertura de uma serventia direta entre as ruas dos Canos e Direita da Mouraria, de modo a ser escoado o tráfego que por ela passava.

Na prática, as tentativas de regularização da Rua Nova da Palma e área adjacente ocorrem apenas em sequência do terramoto de 1 de novembro de 1755, que afeta profundamente todo o vale da Mouraria e concorre para o futuro desaparecimento do troço da muralha que o dividia28. As diferentes propostas elaboradas em 1756 para a reconstrução da parte baixa da cidade29 olharam para esta zona de forma diferente: se na maioria das plantas se assinala a não alteração (ou pontual regularização) dos arruamentos da área, a planta formada ainda com mais liberdade… de Pedro Gualter da Fonseca30 propunha o prolongamento do projeto da nova malha urbana ortogonal da baixa até ao vale da Mouraria, naquele que se constitui como o primeiro grande plano de total arrasamento do edificado da zona. O próprio projeto que haveria de ser escolhido, da autoria de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, pressupunha uma importante alteração da zona por via da abertura de uma nova rua à ilharga do Convento de São Domingos, que deveria desembocar sensivelmente a meio da Rua Nova da Palma. Esta ideia seria confirmada e engrandecida pelas Instruções sobre as dúvidas, que se devem evacuar, para se dar princípio à Praça do Rossio, de 19 de junho de 1759, na qual se previa que esta nova rua desembocasse num “Largo oitavado, que fica[ria] no centro da Rua Nova da Palma”31.

No entanto, enquanto a sul do convento se concretizava aos poucos uma nova Lisboa, dita Pombalina, a norte deste abandonar-se-iam definitivamente os projetos das novas rua e praça, limitando-se a intervenção ao previsto em fevereiro de 1756 na Segunda parte da Dissertação… de Manuel da Maia, na qual a Rua Nova da Palma se incluía num lote de antigos arruamentos que deveriam ser alargados “por uma parte, ficando a outra conservando-se no estado em que se acha”. Para esse efeito, a 9 de maio de 1776 D. José ordena o seu alargamento pelo lado poente:

Sendo me presente a grande necessidade, que ha de se alargar a Rua Nova da Palma, para o bem commum que rezulta de se desembaraçar a communicação da Parte Setentrional, para a outra parte Meridional da Cidade de Lisboa athe agora impedida pela estreiteza da sobredita Rua, que não dando lugar mais do que ao transito de huma só carruagem cauzava encontros de perniciosas consequencias e ferquentes impedimentos ao Serviço Publico32.

O Senado da Câmara é então autorizado a comprar um conjunto de propriedades no lado poente da rua “pagando se com dinheiro à vista as importancias dos cortes que não excederem a quatrocentos mil reis”33. Apenso ao decreto, existe uma relação de todas as propriedades a adquirir, assinada por José Monteiro de Carvalho, Reinaldo dos Santos, José António Monteiro e Manuel da Silva Gaião, que já haviam ido “no dia quatro de Janeiro de mil setecentos setenta e seis á Rua nova da palma para o fim de avaliarmos todas as propriedades compriendidas no corte”34. Neste documento é possível compreender a dinâmica construtiva, os proprietários e a implantação do edificado até então existente na rua: de um total de 16 propriedades expropriadas e avaliadas em 13:910$000 (treze contos e novecentos e dez mil réis), sete estavam reduzidas a pardieiro e uma em construção, em ambos os casos ainda em resultado dos efeitos do terramoto. No que concerne à dimensão dos lotes, percebe-se ainda uma reminiscência não rigorosa dos aforamentos quinhentistas na forma como a maioria tinha entre 29 a 31 palmos de frente (entre 6,38 a 6,82 metros), em plena conformidade com os estreitos chãos de génese medieval.

Ainda em 1776, inicia-se a arrematação pública de um conjunto de chãos35 na Rua Nova da Palma “das cazas, que foram encendiadas no incendio que se seguio ao terramoto […], e dos pardieiros de cazas arruinadas, e demolidas aonde não chegou o incendio, que estão por reedificar” e de chãos que correspondiam ao “resto das propriedades que se tinhaão cortado para se alargar a dita rua”36. À semelhança do que ocorreu noutras ruas abertas no pós- -terramoto (na área mais central da cidade mas não só), os proprietários viram-se obrigados a cumprir instruções superiormente definidas no que concerne aos alçados, devendo seguir os desenhos do Cartulário pombalino37 e assim encerrar os seus edifícios na “«caixa» pragmática da arquitectura pombalina”38. Para a Rua Nova da Palma conhece-se um desenho (nº 62 – Figura 3) que acabaria por ser parcialmente aplicado apenas nos dois edifícios do início do arruamento – desconhece-se o que terá ocorrido nas demais construções da rua, uma vez que as fotografias do início do século XX mostram já um conjunto de prédios de rendimento oitocentistas.

 

 

Na área envolvente, e em data próxima, procedeu-se ao alargamento da Rua dos Cavaleiros e do troço inicial da Rua de São Lázaro, embora apenas para a primeira se conheça um desenho do Cartulário pombalino (nº 67), que acabaria por não ser cumprido. No entanto, a grande maioria dos edifícios da sua frente sul datará da segunda metade de Setecentos, alguns dos quais cumprindo (ainda que parcialmente) outros desenhos do Cartulário, no que parece prefigurar uma intenção de uniformização da arquitetura em cumprimento das novas regras construtivas coevas.

Ainda que naturalmente seja excessivo afirmar que as operações de abertura e alargamento da Rua Nova da Palma estejam na génese da futura Avenida Almirante Reis, é por outro lado inegável que são o ponto de partida para a tentativa de regularização viária do vale da Mouraria, de modo a melhorar o escoamento de pessoas e veículos. Ainda assim, estas iniciativas foram-se mostrando limitadas na sua aplicabilidade e rapidamente se concluiu que não acompanhavam o natural incremento do tráfego de uma das principais vias de saída da cidade.

É nesse contexto que no final da década de 1850 começou a ser alinhavada a abertura de uma moderna via de acesso a norte, ainda que sem a ambição de se constituir como uma grande avenida (pelo menos no que concerne à nomenclatura)39. Os objetivos eram simples e facilmente justificáveis: pretendia-se o prolongamento da Rua Nova da Palma até ao Largo do Intendente para uma vez mais servir de alternativa a uma antiga via (neste caso à muito saturada Rua do Benformoso) e simultaneamente concorrer para resolver o problema de saúde pública resultante da pouca salubridade do Bairro da Mouraria:

A conveniencia e utilidade deste melhoramento são tão obvias, que basta um golpe de vista por aquella localidade para as reconhecer. Ruas estreitissimas e tortuosas são as que fornecem actualmente o transito a innumeraveis pessoas, vendo-se além disto obrigados os conductores dos trens, carroagens, carros, e mais vehiculos que a todo o momento por ali se accumulão, embaraçados sem poderem seguir seu destino, dando isto causa a algumas desgraças como é bem notorio. Alem desta especial circumstancia, ha outra ainda mais importante que é a da salubridade publica; por quanto sendo aquelles sitios immundos, tem dado motivo a serem os mais atacados nas ultimas epidemias causando a devastação dos seus moradores: accrescendo por ultimo que as expropriações a fazer presentemente são muito menores do que o serião de futuro, por isso que de alguns predios velhos e arruinados hoje existentes, pretendem os seus possuidores construir predios regulares o que elevaria o seu valor a quantias que difficultosamente poderião ser satisfeitas pela Camara, se taes obras fossem levadas a effeito40.

Deteta-se neste projeto uma elevada preocupação com os princípios higienistas, num movimento que se constituiria como uma das principais linhas de força na forma de pensar e fazer cidade ao longo das últimas décadas de Oitocentos por toda a Europa ocidental. Na verdade, esta questão era particularmente pertinente no presente contexto geográfico-cronológico uma vez que, pouco antes, Lisboa havia sido afetada por duas grandes epidemias de cólera (1855/6) e febre amarela (1856/7).

Com aproximadamente um quilómetro de extensão, traçado tendencialmente reto e passando a nascente e ao redor da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e do Palácio dos Condes da Folgosa, este prolongamento obrigou a um novo conjunto de expropriações e demolições. Concretizado entre 1859 e 1860, constituía-se no mais importante projeto urbanístico do início da segunda metade de Oitocentos a par do Plano da Zona da Boavista, de desenvolvimento simultâneo41. No entanto, não encerrava qualquer ideal de prolongamento para zonas não urbanizadas ou sequer a ambição urbana das grandes avenidas que haveriam de ser projetadas por Ressano Garcia a partir de finais da década de 1870 (Figura 4). Ainda assim, é já possível olhar para este projeto como o momento inicial do futuro plano da Avenida dos Anjos (depois Avenida Dona Amélia e atual Avenida Almirante Reis), que dele aproveita o alinhamento e a lógica expansionista a norte como alternativa ao velho caminho de saída pela Rua Direita dos Anjos/Arroios.

 

 

Desconhece-se o paradeiro da documentação relativa a este alargamento, parecendo admissível que possa fazer parte de um vasto rol de documentos desaparecido no incêndio dos Paços do Concelho de 19 de novembro de 1863, cuja perda trunca o entendimento de muitas das obras da década de 1850 sob a direção de Pierre-Joseph Pezerat. Assim, é sobretudo através das discussões plasmadas nas Atas das Sessões de Câmara entre 1858 e 1861 que é possível traçar a forma como se desenvolveu esta operação, estranhamente célere levando em consideração a habitual burocracia que cronicamente atrasava (e inviabilizava) iniciativas deste género.

O ano de 1858 serviu para a elaboração dos estudos prévios (de entre os quais o levantamento de um conjunto de plantas topográficas da área onde se iria implantar a nova rua, encomendadas a Carlos Pezerat e aos irmãos Goulard) e de um projeto com peças escritas e desenhadas, mapas de expropriações e orçamentação das diversas etapas da obra. Previa-se que o valor necessário para executar as expropriações ascendesse a 18:992$20042, quantia que a autarquia manifestou interesse em retirar da sua fatia de 800:000$000 do empréstimo que o Governo foi autorizado a contrair pela portaria de 14 de agosto de 185843.

Aprovada em sessão camarária de 30 de outubro de 1858, o novo traçado implementava-se em duas áreas de características distintas, iniciando-se a sul numa zona parcialmente consolidada do ponto de vista urbanístico (entre a Rua da Guia e a Carreirinha do Socorro44) que conforme segue para norte vai rasgando um conjunto de hortas e quintais em direção ao Largo do Intendente45. Sem surpresa, é justamente no primeiro troço que os serviços camarários enfrentam maiores dificuldades nas expropriações, em terrenos originalmente correspondentes à horta de fora de São Vicente de Fora: aí tinha Manuel Joaquim da Silva uma propriedade de médias dimensões foreira ao Marquês de Nisa46; nas orlas deste e no enfiamento da Rua Nova da Palma implantava-se a Ermida de Nossa Senhora da Guia47, construção de modestas dimensões e uma das muitas capelas erguidas por toda a cidade nos anos imediatamente seguintes ao terramoto de 1755. Ao invés da vizinha Ermida de São Sebastião da Mouraria/Nossa Senhora da Saúde, seria provavelmente um edifício de fraca importância religiosa, arquitetónica e artística, como parece atestar o facto de não se encontrar grande eco de lamentação na sua destruição. Será também esse o motivo pelo qual o processo de expropriação encetado pela Câmara Municipal de Lisboa com a Irmandade da Guia terá sido relativamente pacífico e célere, não obstante um impasse inicial provocado pela não aceitação dos valores originalmente propostos pela autarquia (o acordo seria alcançado em maio de 1859 por 800.000 réis).

A abertura da nova rua em continuação à da Palma48 seria aprovada pelo Governo pela portaria de 12 de abril de 185949. No final desse mês, a autarquia não tinha ainda

lev[ado] a effeito amigavelmente expropriação alguma [, tendo apenas chegado a um acordo verbal com dois dos proprietários] […] em relação aos seus predios e terrenos, esperando que estes accôrdos surtam o effeito desejado; não obstante porém o que fica dito, [decidiu] a Camara pedir a expropriação por utilidade pública de todos os terrenos necessarios para a abertura da citada rua, para evitar quaesquer dúvidas futuras que possam suscitar-se, no caso de não haver accôrdo entre a Camara e os proprietários50.

Ainda assim, e provavelmente aproveitando o impulso provocado pela aprovação governamental, o processo parece desbloquear-se e logo no mês seguinte foram lavradas algumas das escrituras51. Apesar das expropriações se estenderem por mais dois anos, as primeiras obras de abertura do novo troço são encetadas no decorrer de 1859, estando em discussão em meados do ano seguinte a necessidade da realização a breve trecho de obras de iluminação, canalização e calcetamento da via52, no que parece indicar que o processo de rasgamento do novo troço estaria já numa fase terminal.

Para além da realização material de uma obra importante de melhoramento viário da cidade, este prolongamento acabaria por dar à autarquia uma franca possibilidade de minorar os seus gastos através da venda dos terrenos marginais ao novo troço e assim permitir uma rápida consolidação construtiva de toda a área até ao Largo do Intendente. Este último ganharia um acrescentado destaque no urbanismo da zona, então sofrendo a sua primeira grande reformulação com a demolição de um conjunto de edifícios do lado nascente (junto ao chafariz), em cujos terrenos foi construída a Fábrica Viúva Lamego e um conjunto de edifícios que se manteriam por menos de meio século.

 

UM PROLONGAMENTO LÓGICO – A AVENIDA DOS ANJOS E O ALARGAMENTO DA RUA NOVA DA PALMA (1877-1928)

Grande parte das visões e expansões da Lisboa da segunda metade de Oitocentos deve-se à estreita colaboração (ainda que na prática pouco proveitosa) entre o Ministério das Obras Públicas e a Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa53. Se a década de 1850 é marcada pelo rasgamento da Estrada da Circunvalação (simultaneamente via de circulação e fronteira fiscal e administrativa da cidade), a seguinte representa um momento de viragem na forma como, pela primeira vez desde a Lisboa Pombalina, à cidade foram dados mecanismos de planeamento global que contrariavam a tendência há muito verificada da simples regularização de traçados e resolução de impasses urbanos. No entanto, apenas na década de 1870 surgiriam e proliferariam os primeiros grandes planos de melhoramentos que, replicados até ao início do século seguinte e limitados na sua concretização, foram importantes por se constituírem na génese de um pensamento que concorreria para a concretização do desenvolvimento urbanístico da Lisboa de entre séculos. Ainda que o trabalho das sucessivas comissões criadas a este respeito nunca tivesse tido uma (plena) materialização, dos seus relatórios e planos surgiram algumas das ideias futuramente efetivadas, de entre as quais o prolongamento da Rua Nova da Palma até à Estrada da Circunvalação, inicialmente delineada sob a forma de um anteprojeto traçado pela comissão de 1876 e consubstanciado com base nos projetos finais de 1892 e 1896.

Aprovado a 9 de março de 1877, o Anteprojecto da Avenida dos Anjos e Ruas Adjacentes denunciava uma lógica de plano integrado no qual, a propósito da abertura de uma nova avenida, se rasgava também um pequeno conjunto de novos arruamentos com o intuito de fazer crescer o parque habitacional. Assim, pressupunha a construção de

três ruas longitudinais, separadas entre si d'eixo a eixo por 80.50m, tendo a central 25,0m de largura, e as laterais 16.00m, e oito ruas transversais de 16.00m de largo que se ligam pelo lado oriental com a calçada do Forno do Tijolo e Monte da Penha de França, e pelo lado ocidental com a rua direita dos Anjos, Largo de Santa Bárbara, rua direita de Arroios e estrada de Sacavém54.

Aproveitando grande parte das considerações anteriormente enunciadas, o projeto da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes é apresentado em 1892 e parcialmente refeito em 1896. No decorrer das quase duas décadas que os separam do ante-projeto, novos bairros surgiram nas áreas limítrofes da Rua Direita de Arroios (Estefânia) e da Estrada da Circunvalação (Alto do Pina), incrementando a necessidade de uma nova via que eficazmente conseguisse escoar o tráfego cada vez mais estrangulado pelas seculares vias de ligação a sul. À semelhança do que à época se assistia noutros empreendimentos do género em Lisboa, por questões essencialmente economicistas este projeto demonstrava um quase integral respeito pelas pré-existências, destacando-se como principais exceções a abertura de uma nova praça em substituição do Largo do Intendente (nunca concretizada) e a demolição e reconstrução da Igreja dos Anjos num novo talhão integralmente a si dedicada e voltado à nova avenida. Envolvida por um largo adro e um pequeno jardim, a Igreja ganhou um destaque e solenidade no contexto da Avenida dos Anjos que nunca a antiga havia tido na estreita e saturada Rua Direita dos Anjos55.

No decorrer dos diversos passos do processo, a forma como a Rua Nova da Palma foi entendida e enquadrada foi sendo progressivamente alterada: apesar de ser inequivocamente a génese desta nova avenida, a descrição do comprimento das três ruas previstas pelo ante-projeto de 1877 (Central 1:226,48m, Oriental 1:227.00m, Ocidental 955,50m) permite perceber que o mesmo não pressupunha a ligação direta entre a Rua Nova da Palma e a Avenida dos Anjos, devendo a última iniciar-se no local da antiga Igreja dos Anjos, 300 metros a norte da primeira. Assim, a ligação entre ambas seria feita pelo interior do Largo do Intendente (via Rua dos Anjos), numa opção que causa particular estranheza na forma como provocaria um estrangulamento viário que o projeto tentava a todo o custo evitar.

Por seu turno, a versão de 1892 já entendia a nova avenida com uma sequência lógica do eixo iniciado pelo arranque do primitivo troço quinhentista. Nela, não só a Avenida dos Anjos tinha identidade e existência própria e distinta da agora designada Rua da Palma56 (pela forma como se assumia a diferenciação toponímica e pela própria escala urbana, plasmada na intencional distinção entre os conceitos de rua e avenida), como inclusivamente se apontava o início da nova via na Carreirinha do Socorro (entretanto já rebatizada Rua Fernandes Ferreira), que assim incorporava parte do troço aberto em 1858. Para o efeito propunha o alargamento da parcela superior da Rua da Palma de modo a uniformizá-la com a nova avenida, obra que só uma mera questão orçamental haveria de impedir, uma vez que tornava “mais caro o orçamento attendendo ao ellevado preço porque se podem obter actualmente os edificios e terrenos do lado ocidental para onde se tem de fazer o alargamento que não dará uma despeza inferior a 180.000$000”57. Denota-se por isso uma natural sub-hierarquização da antiga via relativamente à nova avenida.

A Avenida dos Anjos seria inaugurada em 1903, ainda que só cerca de uma década depois fosse possível concluir o processo de expropriação e efetivamente rasgá-la em todo o seu comprimento. O eixo iniciado na Rua Nova da Palma tinha então mais de dois quilómetros, terminando à Estrada da Circunvalação, no muro da cerca do antigo Convento de Nossa Senhora da Luz a Arroios (então já com função hospitalar). No entanto, estava longe de ser um projeto fechado ou bem resolvido, na forma como este eixo tinha três larguras distintas, o que naturalmente resultaria num estrangulamento viário conforme se ia aproximando do troço inicial.

Este problema viria a ser parcialmente resolvido com a alargamento do troço norte da Rua da Palma no final da década de 1920. Devido ao seu alinhamento a nascente com a Avenida Almirante Reis, esta intervenção implicou o sacrifício do edificado do lado oposto, levando ao desaparecimento do Coliseu de Lisboa e do Paraíso de Lisboa, antigos espaços recreativos implantados em terrenos do Palácio dos Condes de Folgosa onde desde 1919 se encontravam a funcionar os Serviços de Encomendas Postais dos CTT. Assim se justifica a diferente linguagem arquitetónica das duas faces da atual Rua da Palma, defrontando-se um conjunto de habitações e armazéns oitocentistas com um edificado (quase todos prédios de rendimento) construído maioritariamente em linguagem art déco, de entre os quais se destaca a Garage Lys projetada em 1933 pelo arquiteto Hermínio Barros para o gaveto com a Travessa do Desterro.

 

A NECESSIDADE DE RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DA RUA DA PALMA. PROJETOS, VISÕES (UTOPIAS?) E SOLUÇÕES (1859-1938)

Por entre propriedades rústicas e hortas, o prolongamento a norte do eixo iniciado na Rua Nova da Palma tenderia a evoluir de forma competentemente fluida. Pelo menos desde o plano de melhoramentos da cidade elaborado em 1903 que se apontava com alguma naturalidade à concretização deste novo eixo como uma eficaz duplicação do traçado da Estrada de Sacavém até um pouco além da Portela de Sacavém, localidade na qual estava prevista a construção de uma rotunda que receberia e distribuiria o tráfego vindo de várias zonas a norte da cidade, de entre as quais a Avenida do Parque (atual Avenida do Brasil), então em projeto. No essencial, este plano estaria realizado e consolidado no final da década de 1940.

A sul, a ligação com a Baixa continuava por resolver. Talvez pelo facto de a lógica de desenvolvimento da Rua Nova da Palma sempre ter apontado na direção oposta, sem grande preocupação com a ligação à zona ribeirinha da cidade. No entanto, essa área de Lisboa tinha-se modificado profundamente, passando de um burgo de características medievais para uma cidade de arreigados princípios iluministas, de ruas largas reguladas por um traçado ortogonal. Assim, e principalmente com a demolição do antigo Hospital Real de Todos-os-Santos e subsequente delineamento da Rua do Amparo e da Praça da Figueira, a Rua Nova da Palma marcava-se como o início de um afunilamento que ficaria conhecido como o problema da Rua da Palma.

Logo em 1859, e por ocasião do primeiro projeto de prolongamento a norte, a Câmara Municipal de Lisboa manifestou preocupação com esta questão, resolvendo expropriar dois edifícios no primeiro troço do arruamento

para facilitar o transito entre a dita rua e a rua Nova da Princeza, vulgo dos Fanqueiros [...] [sob pena de] parte d'esta grande despesa [com o prolongamento da rua ser] inutilisada se a não tornar-mos de facil acesso pela outra que lhe fornece o maior transito de toda a qualidade de trens e vehiculos, alem da muita concorrencia de pessoas a pé58.

Este processo seria resolvido em pouco mais de um mês, sendo as escrituras de compra assinadas a 29 de dezembro de 1859 e de 20 de agosto de 186059. As demolições terão ocorrido nesse mesmo ano, sendo proposto em sessão de Câmara de 30 de maio de 1862 a venda do remanescente do lote não utilizado na obra de alargamento da via, de modo a regularizar o arranque do arruamento60. No entanto, as construções aí levantadas não conseguiriam apagar na totalidade a estranha configuração em V deixada pelas demolições, que assim se manteria ao longo do século seguinte.

Se até ao final do século XIX se deteta uma certa linearidade na forma como foram sendo efetivamente concretizados os projetos de prolongamento e alargamento da Rua Nova da Palma, os crescentes problemas provocados pela sua crónica (parca) dimensão e largura levariam à multiplicação de projetos e soluções não concretizados, sendo no entanto difícil inserir algum na categoria de utopia.

Na década de 1870, a comissão encarregada dos estudos para o projeto geral de melhoramentos da cidade propõe uma primeira grande alteração no lado poente do vale da Mouraria que apontava à regularização do eixo formado pela Rua do Marquês do Alegrete e Rua da Mouraria61, bem como à abertura de um novo arruamento ligando o Largo Silva Albuquerque (junto do local onde partia o troço de 1858 da Rua Nova da Palma) ao Poço do Borratém. Tratava-se de um projeto ambicioso na forma como alteraria profundamente o entendimento e vivência de toda a área à custa do sacrifício parcial ou integral de algumas das antigas vias (ruas dos Álamos e do Vinagre e becos dos Alamos e Póvoa) e respetivas edificações. Também o quarteirão onde outrora se havia implantado o Palácio do Marquês de Cascais62 sofreria importantes alterações que, a serem concretizadas, culminariam no desaparecimento (ou transladação) do Poço do Borratém.

Aproveitando este estudo, e num processo iniciado meia década antes63, em 1887 a Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa propõe-lhe uma alteração que, não obstante ter sido descrita como uma mera “obra de alargamento da parte sul da Rua Nova da Palma”, tornava-o bastante mais intrusivo na estrutura urbana da área que pretendia intervencionar (Figura 5). Uma vez mais, mantendo a crónica distinção entre os dois troços da rua, propunha-se intervencionar apenas a parte a sul da Carreirinha do Socorro, possivelmente pelo facto de o alargamento do troço superior estar a ser estudado no contexto da abertura da nova Avenida dos Anjos. Assim, a norte da posição do antigo pano da muralha propunha-se o alargamento da via do lado poente, o que implicava a demolição de um conjunto de edifícios com menos de trinta anos de existência e da Igreja do Socorro, numa tendência replicada na maioria dos projetos coevos e futuros. A sul, o troço da Rua Nova da Palma mantinha--se praticamente inalterado na ligação a São Domingos, bifurcando por uma nova via que deveria desembocar num dos vértices do quadrilátero formado pela Praça da Figueira.

 

 

Embora o estudo que se conhece pareça ser um esboço e não um projeto consolidado (principalmente pela forma como lhe faltam alguns elementos processuais importantes), permite compreender a forma como os serviços camarários se distanciavam da comissão de 1876 ao pretenderem uma ligação mais direta à zona do Rossio64. Tal facto, parece dever-se à lógica de inserção desta proposta num plano mais alargado de modificações da cidade, também visível na intenção de uniformizar a largura da Rua Nova da Palma com a da Avenida dos Anjos (25 metros), contemporaneamente em projeto. Em suma, tratava-se de uma tentativa de criação de um eixo viário uniforme de ligação do centro da cidade ao seu limite administrativo que, como anteriormente abordado, acabaria por se tornar realidade.

Nas duas décadas seguintes, os serviços camarários foram maturando, aperfeiçoando e insistindo na concretização desta ideia. As diretrizes de uma versão mais completa seriam aprovadas em sessão camarária de 28 de abril de 1904 e em seguida mais profundamente estudadas. A memória descritiva do projeto final, assinada pelo engenheiro civil Fernando Homem da Cunha Corte-Real e datada de 22 de julho de 1907, reproduz quase textualmente as crónicas motivações para uma intervenção urbanística na zona (“melhorar as condições de viação […] bem como fazer desapparecer um fóco de infecção de vicio que, prejudicando a hygiene e a moral, influem, muito perniciosamente nas condições de vida d'aquelle ponto da cidade”65), embora abandone a intenção da uniformização com a recém-aberta Avenida dos Anjos por considerar suficiente a largura de 14 metros do troço de 1858 da Rua da Palma (9 para a faixa de rolagem e 5 para passeios, construidos com pedra calcarea miúda), no que parece prefigurar uma opção financeiramente racional mas pouco ambiciosa do ponto de vista das necessidades viárias. Mais completa e fundamentada do que a de 1887, esta versão era composta por uma relação e orçamento das expropriações necessárias (estudad[a] escrupulosamente a maneira de conseguir a maior economia):

subtrahindo da importancia total das obras a executar, aquella em que foram avaliados os terrenos e materiaes que sobejam dos predios expropriados e a parte dos predios que não é demolida, o que tudo é destinado para venda em hasta publica, será o orçamento reduzido a 220:750$000 réis66 o qual corresponde a 82$120 réis por metro quadrado, tomando por base do calculo o comprimento effectivo de 192,0m67.

Propunha-se a expropriação de um total de 27 propriedades de 23 donos num total de 328.413$000, correspondendo a valores entre os 30$00 e os 50$00 por metro quadrado.

Com este projeto parecia definitivamente abandonada a abertura do novo arruamento de ligação ao Poço do Borratém, bem como a hipótese de alargamento de qualquer troço pré-existente da Rua da Palma, assim salvaguardando-se a manutenção da Igreja do Socorro. Este projeto parecia resolver (parcialmente) o problema viário no interior do vale da Mouraria, mas (no contexto de uma Praça da Figueira onde existia ainda o edifício do mercado a ocupar toda a placa central) parece ser ineficaz a médio/longo prazo na resolução do problema do escoamento do tráfego a sul. Ainda assim, e atendendo às prioridades e preocupações coevas, aponta-se a sua efetividade na questão da resolução dos problemas de salubridade da zona, ao conseguir fazer desaparecer alguns dos estreitos arruamentos que cronicamente eram apontados como focos de doenças.

Os anos, os projetos e as soluções para o problema da Rua da Palma sucediam-se sem que houvesse qualquer aplicabilidade prática. A justificação parece residir na impossibilidade de os (há muito depauperados) cofres da autarquia conseguirem fazer face à enorme maquia necessária para concretizar o processo de expropriação de uma operação urbanística do género – o que, em última análise, justifica a forma como a Lisboa entre séculos se foi desenvolvendo no terreno, denotando um quase devoto respeito perante as pré-existências viárias e arquitetónicas.

A abertura da Avenida dos Anjos e o desenvolvimento de novos bairros nas suas orlas a partir do final de Oitocentos (Andrade e Castelinhos) trouxeram a esta área da cidade milhares de novos habitantes que utilizavam a Rua da Palma como ligação preferencial ao centro da cidade. Este crescente caráter de urgência na resolução da ligação a sul esteve na base da proliferação de novos estudos urbanísticos ao longo das primeiras décadas do século XX. Porém, e porque a maioria se limitou a atualizar as propostas anteriormente abordadas, até à década de 1930 apenas dois se parecem distinguir e merecer menção pelo seu caráter diferenciador em relação aos demais:

Em sessão de Câmara de 2 de março de 1914 é discutido e enviado para as repartições competentes a proposta de um estudo visando o alargamento de toda a extensão da Rua da Palma e a sua direta ligação à Praça D. Pedro IV (Rossio) por via da regularização e alargamento da Rua Barros Queiroz e da Travessa Nova de São Domingos68. Esta proposta não só mudaria radicalmente a fácies da Mouraria, como do próprio Rossio, uma vez que implicaria a demolição de edificado para permitir esta ligação – talvez por esse facto, terá sido o único projeto a prever esta opção.

A questão da resolução deste problema viário seria levantada de forma mais premente a partir de 1926, ano da elaboração de um projeto da responsabilidade do engenheiro camarário António Emídio Abrantes que, uma vez mais, procurava encarar “esta dificuldade no seu verdadeiro aspecto: […] dar um rapido e facil descongestionamento ao transito da Rua da Palma; a segunda é o de dar uma saída á Avenida Almirante Reis compativel com a sua importancia”69 (Figura 6).

 

 

Este plano condensa propostas dos anteriores ao propor o alargamento da Rua da Palma (apenas no troço a norte da Carreirinha do Socorro) e o retomar da intenção de a ligar ao Poço do Borratém e a São Domingos. No entanto, apresentava também um conjunto de novas opções, nomeadamente a forma como a ligação a São Domingos é feita através de uma nova via a meia encosta que, duplicando a Rua Nova da Palma, arrasaria a Rua das Atafonas e a Rua e Largo do Socorro; previa igualmente a construção de uma praça triangular junto da Rua dos Alamos (na qual se implantaria um mercado de flores), bem como a reconstrução da Igreja do Socorro no local do Palácio do Marquês de Alegrete, assim contrariando a ausência de preocupações patrimonialistas manifestada nos anteriores projetos:

O traçado cortará a actual egreja paroquial do Socorro, que será demolida e reconstruida no local onde existe agora o palacio do Conde de Tarouca, ligando-se ao Arco do Marquez de Alegrête, o qual ficará até com mais caracter. Nesta reconstrução, poder-se-hão aproveitar os tres lindos portões seiscentistas daquele palacio e que depois se enquadrarão com o resto da egreja. Desta maneira não se ofenderão as ideias religiosas dos crentes, pois que a nova egreja ficará muito melhor localisada, rodeada por quatro ruas com o seu adro e frente principal voltada ao poente, como mandam os canones e disfructando a perspectiva de uma placa arborisada entre a Rua da Palma e o novo troço da Avenida Almirante Reis. A ideia da mudança de uma egreja não é nova entre nós pois sucedeu caso identico com a antiga egreja dos Anjos, a qual ganhou incontestavelmente com a troca de lugar70.

Parece inequívoco que o despertar para a noção do valor artístico e arquitetónico e a procura efetiva de uma solução para evitar o total desaparecimento destes antigos edifícios religiosos se terá iniciado com o projeto da nova Igreja dos Anjos executado em 1897, no qual o seu mentor José Luís Monteiro previu a integral transladação do interior da antiga.

Não obstante ser o mais completo e ambicioso projeto até então realizado (no que concerne a soluções, grau de profundidade dos estudos viários e ao facto de pela primeira vez se ter efetivamente iniciado o processo de expropriação, posteriormente abortado), ficaria uma vez mais por cumprir, limitando-se a sua ação prática ao alargamento da Rua da Palma no troço a norte da Carreirinha do Socorro, abordado no capítulo anterior.

Até ao plano de João Faria da Costa de finais da década de 1940, merecem breve referência o de 1934 (que despia a crescente complexidade das propostas anteriores e retomava a primitiva ideia de prolongar a Rua Nova da Palma até à Praça da Figueira71) e o de 1938, para o qual a autarquia assina um contrato com a Sociedade Metropolitana e Colonial de Construções, Lda. (SOMEC) para a elaboração de um estudo de ligação em túnel entre os largos do Socorro e de São Domingos72. Embora totalmente distintos das demais, esta solução não constituía qualquer caso excecional na resolução dos problemas viários na cidade atendendo à generalização de propostas deste género para outras zonas da cidade que haviam sido enunciadas desde as últimas décadas do século XIX. No entanto, torna-se icónica por ser a primeira a apontar uma solução viária subterrânea para esta zona, numa tendência que se manteria nos futuros projetos de De Gröer e de Faria da Costa, o único que acabaria por se concretizar (ainda que não em pleno).

 

POR FIM, UMA SOLUÇÃO – OS PROJETOS DE DE GRÖER E DE FARIA DA COSTA E O DESAPARECIMENTO (E NOVA VIDA) DE UMA VELHA PARTE DE LISBOA (1938-1959)

Por uma questão de economia de espaço num texto que cruza quatro séculos de história, não cabe aqui abordar com o merecido aprofundamento o estudo do Plano de Remodelação da Baixa que João Faria da Costa elabora em 1948/9. No entanto, é fundamental compreender a forma disruptiva como este projeto rasga qualquer pressuposto anteriormente abordado.

Em 1945, Luiz Pastor de Macedo refere que em estudo recente se calculava que sob o Arco do Marquês de Alegrete passassem por dia cerca de 150.000 pessoas:

antes de começar a guerra actual, passavam em cada hora, sob o arco, 100 carros eléctricos e mais de 200 automóveis, além de um razoável número de caminhões, caminhetas e carroças; e que neste Fevereiro de 1945, passam por ali, e também por hora, nada menos de 6.000 e tantos peões!!73,

aos quais se deveria acrescentar o número dos que cruzavam as ruas vizinhas, particularmente a da Palma74. Era cada vez mais difícil ignorar um problema que obrigava os lisboetas a “gastar tanto tempo em ir de «carro eléctrico» da Rua Augusta ao Teatro Apolo, como do Cais do Sodré aos Estoris”75. Assim, a 27 de fevereiro de 1948 a autarquia e o arquiteto João Faria da Costa assinam um contrato para o estudo de uma solução para o vale da Mouraria76, apresentado no ano seguinte.

Porém, importa recuar a 1938, data em que Duarte Pacheco se torna presidente da Câmara. Pouco depois encomenda ao francês Étienne de Gröer um plano de conjunto para a cidade que, apresentado no final da década seguinte, tinha como objetivo primordial melhorar o escoamento do trânsito e a aproximação dos bairros da periferia ao centro de Lisboa.

O cruzamento das informações plasmadas nos diversos Anais do Município e nas Atas das Sessões de Câmara da década de 1940 com fontes diversas permite perceber que estava a ser preparado o terreno para uma profunda reformulação de toda a área e para o consequente realojamento dos seus habitantes.

Para assegurar a possibilidade de dar mais fàcilmente execução integral ao Plano de Urbanização em estudo, e para tornar possível a imediata realização de importantes projectos, já elaborados de harmonia com êsse Plano, continuou--se com a organização de elevado número de processos de expropriação. Como a orientação seguida pela Câmara tornou, de certo modo, interdependentes os problemas das expropriações e do estudo do Plano de Urbanização, procurou-se, em paralelo com o estudo gradual dêste, assegurar prèviamente a posse de propriedades indispensáveis aos novos melhoramentos delineados, bem como fazer progredir ou completar as expropriações dos grupos de propriedades atingidas ou necessárias à realização de obras anteriormente previstas ou já em curso77.

A mero título de exemplo, pode-se destacar o facto de “a demolição do palácio [do Marquês do Alegrete] ser decretada pelo Supremo Tribunal de Justiça em dezembro de 1932”78 (derribar-se-ia em 1946), a menção de Norberto de Araújo à presença de um dístico na fachada do Teatro Apolo anunciado a sua demolição alguns anos antes de 193879 ou o facto de a autarquia ter iniciado de forma sequencial a partir de outubro de 1946 “a aquisição de um importante grupo de prédios urbanos atingidos pela Remodelação da Baixa, muito embora para este fim as negociações preliminares tivessem já começado em 1945”80.

Paralelamente, conhecem-se desenhos de Faria da Costa de um plano para a Rua da Palma e zona da Mouraria elaborado em 194481, que pressupunha já a criação de um pequena praça no fundo da Rua da Palma onde se localizariam edifícios públicos. Comparativamente ao que apresentaria cinco anos depois, era um projeto menos ambicioso na área de implantação, nas cérceas e na linguagem arquitetónica dos edifícios, embora manifestasse já a opção pelo desenho de uma praça e o consequente arrasamento integral do vale da Mouraria.

Tais dados permitem chegar a uma conclusão à primeira vista intrigante: na prática este processo inicia-se alguns anos antes da aprovação ou sequer apresentação pública dos projetos de De Gröer (encomendado em 1938, apresentado em 1948) e de Faria da Costa (encomendado em 1948, apresentado em 1949), o que questiona diretamente a responsabilidade de ambos no desaparecimento do antigo burgo. Fica portanto a ideia de que a absoluta urgência para a resolução do problema viário da zona aliada à multiplicidade de estudos realizados e em curso para a área terá concorrido para que a autarquia avançasse para expropriações (e demolições) do edificado mesmo sem ter ainda um plano concreto para a área82.

É neste ponto, e num contexto de crescente estrangulamento viário em resultado da configuração das ruas da Baixa, que é encomendada a Faria da Costa a elaboração do Plano de Remodelação da Baixa, que deveria incluir um

estudo analítico dos diversos planos que têm sido elaborados tendentes à resolução do problema: (– prolongamento da Rua da Palma – deslocação da Praça da Figueira) […] [e um] relatório sôbre a conclusão desse estudo e analise das novas premissas do problema criado pela Circular dos Tuneis e o partido a adoptar em função das necessidades de transito83.

Assim, percebe-se a intenção da Câmara de que este plano tivesse em consideração os estudos anteriores bem como de, mais do que resolver o crónico problema da Rua da Palma, conseguir regular o trânsito em toda a Baixa Lisboeta, em parte provocado pelo facto de

a rede das grandes artérias [ser] composta de radiais e circulares incompletas [...] numa cidade onde o estabelecimento de uma rede geral de grandes artérias é problema difícil e caro, porque à topografia nìtidamente acidentada da cidade [...] se alia uma densa zona de construção em grande profundidade84.

Assim e como principal linha de força, este plano de grande envergadura integrava a ideia da constituição de uma artéria circular subterrânea, mais próxima do núcleo central conforme já enunciada no plano de De Gröer. Desenvolvendo-se maioritariamente por intermédio de três túneis (Corpo Santo – Restauradores, Restauradores – Martim Moniz85 e Martim Moniz – Campo das Cebolas), tinha o seu centro nevrálgico na nova Praça D. João I, que deveria ocupar todo o vale da Mouraria e, assim, servir também de um (mais) tácito (do que observável) contraponto com a Praça do Areeiro, projetada em 1938 por Luís Cristino da Silva. A Almirante Reis passaria assim a ser uma avenida entre praças. (Figura 7)

 

 

À superfície, a área de intervenção deste plano era justamente limitada pela totalidade da extensão da Rua da Palma. Uma vez mais, nele percebe-se uma crónica e pouco subtil distinção do arruamento em duas partes separadas pela antiga Carreirinha do Socorro. A norte deste ponto o arruamento manteria a sua configuração, sendo no entanto alargado a nascente onde todo o edificado oitocentista seria substituído por “1 bloco de 8 pisos [prevendo-se um] troço reentrante [onde a rua seria] cortada por 5 blocos de 14 pisos, formando pequenas pracetas”86. Previa também o integral arrasamento construtivo e urbanístico do vale da Mouraria, reformulado sob a forma de uma grande praça encimada por um novo teatro, em substituição do Teatro Apolo. Nas frentes nascente e poente deveriam desembocar os mencionados túneis. Assim, esta praça serviria simultaneamente de regularização urbanística e de tabuleiro de distribuição e escoamento de grande parte do tráfego da cidade.

Apesar de aprovado, “este estudo mereceu crítica severa da Comissão de Revisão da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, sobretudo por ser um trabalho parcial, descosido possivelmente da estruturação geral da cidade de Lisboa, desconhecida e não apresentada”87. Ainda assim, e porque a opção por uma praça merecera aprovação, a 28 de junho de 1954 a autarquia decide proceder à revisão do plano de Faria da Costa. Dois anos depois, e com base nas diversas diretrizes e considerações feitas por diversos organismos (nomeadamente a Câmara Municipal de Lisboa e o Ministério das Obras Públicas), o arquiteto reformula o seu projeto, o que, de entre outras novas propostas, resultaria no aumento do tamanho da praça.

Uma vez mais, um projeto de regularização do vale da Mouraria ficaria por cumprir. Faltando as ligações viárias subterrâneas e todo o projeto arquitetónico, o projeto de Faria da Costa acabaria por ser apenas parcialmente cumprido, naquela que parecia ser a sua vertente de mais difícil concretização – a que previa o (quase) total arrasamento de uma área histórica a uma escala que durante cerca de dois séculos Lisboa não havia assistido, numa operação que previu afetar mais de 5000 pessoas, 239 prédios e 500 estabelecimentos comerciais88 e elevar o valor das expropriações a cerca de 200 mil contos89. Manter-se-iam incólumes alguns dos edifícios da frente nascente da Rua da Mouraria, a Ermida de Nossa Senhora da Saúde (“ao que se diz por devoção presidencial”90) e dois edifícios91 no troço inicial da Rua da Palma92, junto a São Domingos (Figura 8 e Figura 9).

 

 

 

 

Do mapa da cidade desapareceu perto de uma dezena de ruas e becos e o respetivo edificado, comércio, história e vidas. Pelas fotografias de época, percebe-se que na Rua da Palma e nos restantes arruamentos a norte do Largo Silva e Albuquerque a maioria dos edifícios seria prédios de rendimento em aparente bom estado, com pelo menos três andares, construídos ou profundamente alterados no decorrer do século XIX. A sul, por entre as ruas estreitas e as vielas ainda existentes, o edificado encontrava-se em piores condições, marcando-se por prédios de rendimento implantados em lotes predominantemente estreitos. De entre este conjunto arquitetónico desaparecido merecem destaque individual o Palácio do Marquês de Alegrete93, a Igreja do Perpétuo Socorro e o Teatro Apolo, os últimos dois na Rua da Palma. Se, como já visto, o Palácio foi o primeiro edifício demolido (logo em 1946), a Igreja ficaria definitivamente condenada com a celebração da escritura de 2 de agosto de 1949 entre a autarquia e a Irmandade do Socorro. Estava já totalmente demolida em fevereiro do ano seguinte94, sendo o único terreno vazio da Rua da Palma até ao início do desmantelamento do restante edificado no início da segunda metade da década. Por essa altura, já tinha sido abandonada a intenção manifestada num projeto da década de 1930 de reconstruir o templo no topo nascente da Alameda D. Afonso Henriques95, então já coroada pela Fonte Luminosa. Tão pouco o projeto de Faria da Costa o previa para a Praça D. João I, pelo que a solução foi a transferência da sede paroquial para a Igreja do antigo Colégio de Santo Antão-o-Velho (Coleginho), onde se mantém até à atualidade.

Por seu turno, a 26 de outubro de 1955 é assinada a rescisão do contrato de exploração do edifício Teatro Apolo, a troco de uma indemnização de 2 mil contos e com efeito a partir de 30 de junho de 1956. Manter-se-ia por algum tempo mais, ocorrendo a derradeira representação teatral (a peça “A…Respeitosa”, de Jean-Paul Sartre) em junho de 1957. Em agosto seguinte, o seu recheio seria leiloado, iniciando-se a demolição pouco depois, deixando o Cinema Rex como o único representante da vertente cultural da velha Rua da Palma (Figura 10).

 

 

Contemporaneamente e em sentido contrário, uma nova Rua da Palma começou a nascer. Em 1952, Pardal Monteiro assina um projeto para o edifício da Companhia de Seguros “A Mundial” para o gaveto com a Rua D. Duarte que, começado a edificar-se em 1956, constituir-se-ia como o único edifício que verdadeiramente obedece ao plano de Faria da Costa96.

Com as demolições terminadas no final da década de 1950 e sem soluções urbanísticas para um local que rapidamente se constituiu como uma marcada ferida em pleno coração da cidade, ao longo das décadas seguintes foi-se desenvolvendo um conjunto de estudos e planos que não cabem já na cronologia deste artigo e tornaram o espaço num

palimpsesto, elaborado ao longo de mais de meio século, com sucessivas “escritas” urbano-arquitetónicas sobrepostas […] fragmentos soltos e não relacionados entre si, que contam uma história lisboeta recorrente: a da sua construção por peças soltas, sem nexo – de algum modo perdidas no tempo e no espaço da cidade97.

 

NOTAS FINAIS

A crónica dificuldade da inscrição dos limites físicos do Bairro da Mouraria na cidade possibilita a destrinça entre dois espaços contíguos porém distintos, a encosta da Mouraria e o seu vale, este último imortalizado por Amália Rodrigues como a Mouraria da velha Rua da Palma. Era originalmente um espaço de hortas e atoleiros, entalado e dividido por uma muralha, inóspito e afunilado pelas suas ruas estreitas, com um pé na cidade e o olhar no horizonte para lá desta.

O seu desenvolvimento enquanto espaço consolidado inicia-se no século XVI com o rasgamento de um pequeno arruamento que durante dois séculos foi sendo continuamente desenvolvido em prol do crescente aumento do fluxo de tráfego ainda que ficando sempre aquém das necessidades. Se a saída a norte se resolveu (bem) com uma nova avenida rasgada por entre hortas, para a ligação com a Baixa foram-se somando estudos e projetos frustrados que previam operar numa zona consolidada. Aqui se inaugurou uma má prática autárquica transversal ao restante século XX: mesmo sem qualquer plano aprovado, a forte intenção de resolver graves problemas viários e de salubridade impeliram a autarquia a avançar para um massivo processo de expropriação que culminaria no (quase) total desaparecimento das memórias e identidades do vale da Mouraria, naquele que se constituiu como o mais profundo projeto de renovação urbano no centro da cidade desde o terramoto de 1755. Sem rumo definido, durante cerca de meio século toda a área seria um grande vazio urbano, parcialmente solucionado a partir da década de 1990 mas só muito a custo aceite pelos lisboetas.

No terreno e na prática, a Rua da Palma mantém ainda a mesma dimensão que tinha em 1860, iniciando- -se junto a São Domingos e terminando ao Largo do Intendente. No seu primitivo troço, de forma invisível aos olhos de todos os que por ela passam e plenamente integrada na Praça do Martim Moniz, subsiste agarrada a uma toponímia que a legitima como a via poente deste grande largo98; no troço norte é cada vez mais entendida como uma mera parte da Avenida Almirante Reis, numa crescente ameaça à sua própria identidade. Assim, será em Lisboa o único exemplo de um arruamento que, contando com mais de quatro séculos de existência, um quilómetro de comprimento e uma importância fulcral na malha urbana, se encontra (quase totalmente) ausente do imaginário dos lisboetas. No final de todo este riquíssimo e longo processo, a velha Rua da Palma é hoje uma rua que metade não se vê e a outra metade não se sente.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

Arquivo Municipal de Lisboa

Actas das Sessões de Câmara de 1858-1861, 1882, 1888 e 1940-1960. Lisboa: Câmara Municipal, [1858-1960].

Estudos e projetos urbanísticos, [Anteprojeto de prolongamento da Avenida Almirante Reis entre o Socorro e Largo de S. Domingos].

Estudos e projetos urbanísticos, [Anteprojeto do prolongamento da Rua da Palma entre o Socorro e a Praça da Figueira].

Estudos e projetos urbanísticos, [Estudos e projeto do túnel do Socorro].

Estudos e projetos urbanísticos, [Plano de remodelação da Baixa (1949-1950)].

Estudos e projetos urbanísticos, [Plano de remodelação da Baixa (1956-1958)].

Estudos e projetos urbanísticos, [Projeto de prolongamento da Alameda D. Afonso Henriques].

Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião I, f. 28 a 28v., [A rainha D. Catarina ordena que o pagamento para a construção de uma ponte junto da Rua Nova da Palma deve ser feito pelos moradores da zona].

Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião I, f. 32 a 33v., [O Cardeal D. Henrique determina sobre a forma de pagamento da construção de uma ponte].

Livro 2º de consultas e decretos de D. Pedro II, f. 188 a 189v., [Consulta sobre a nova serventia da Rua dos Canos].

Livro 18º de consultas, decretos e avisos de D. José I, f. 228 a 231v., [Decreto de alargamento da Rua Nova da Palma].

Livro de notas nº 90A, f. 23 a 27, [Escritura de execução].

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António Serôdio, Planos de urbanização da zona da Mouraria, Rua da Palma, Restauradores e Campo das Cebolas.

Judah Benoliel, Local onde existiu a Igreja do Socorro, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/004068.

 

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

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LEGISLAÇÃO

Diário do Governo. Nº 193 (18-08-1858)

Diário do Governo. Nº 87 (13-04-1859)

 

Submissão/submission: 13/02/2018

Aceitação/approval: 05/04/2018

 

 

NOTAS

LOURENÇO, Tiago Borges – A Mouraria da Velha Rua da Palma. Quatro séculos no ciclo de vida de um arruamento (1554-1959). Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª Série Nº 9 (janeiro-junho 2018), p. 15-41.

1O presente artigo foi escrito no âmbito do projeto de doutoramento intitulado “Entre Circular e Habitar. Do Projeto da Avenida dos Anjos e Ruas Adjacentes à Abertura da Avenida Almirante Reis”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ref. SFRH/BD/110343/2015).

2FRANÇA, José-Augusto – Nota breve sobre a utopia urbana em Lisboa. Povos e Cultura. Lisboa: Universidade Católica. Nº 2 (1987), p. 706. Separata.

3AZEVEDO, Pedro A. – Do Areeiro à Mouraria. O Archeologo Português. Vol. V Nº 9-10, p. 270.

4SILVA, Manuel Fialho – Mutação urbana na Lisboa medieval: das taifas a D. Dinis. Lisboa: [s.n.], 2017. Tese de doutoramento em História, especialidade de História Medieval apresenta à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. p. 489. O mesmo autor refere que estas almuinhas “pertenciam a diferentes instituições eclesiásticas, identificadas por Luís Gonçalves: a Ordem do Hospital, o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça e o Mosteiro de São Vicente de Fora. Estas instituições possivelmente tomaram posse destas propriedades ainda no século XII, visto que já surgem identificadas na inquirição de Afonso II, em 1220” (SILVA, Manuel Fialho, Idem).

5AZEVEDO, Pedro A., Idem, p. 215.

6 AZEVEDO, Pedro A., Idem, p. 216.

7Primitivamente, em seu lugar passavam as águas pluviais vindas de Arroios, “primeiro em rego ou vala descoberta, e mais tarde, provàvelmente depois da construção da cerca fernandina, em canos subterrâneos” (SILVA, A. Vieira da – A cerca fernandina de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal, 1948. vol. I, p. 52-53 – nesta obra surge uma descrição pormenorizada das ruas adjacentes).

8SEQUEIRA, Gustavo Matos de – A Rua da Palma. Revista Municipal. Lisboa: Câmara Municipal. Nº 43 (1949), p. 33-42.

9Cavaleiro alemão morto aquando do cerco da Lisboa Moura em 1147. Sobre o seu sepulcro terá supostamente nascido uma palmeira, da qual Afonso Henriques terá tirado uma palma posteriormente depositada no Mosteiro de São Vicente de Fora.

10O topónimo Rua Nova da Palma não reporta para a existência de uma antiga Rua da Palma.

11Aforamentos e emprazamentos são contratos de cedência do domínio útil de terras para edificação em troca de pagamento de foro anual em dinheiro ou géneros (perpétuos no primeiro caso, com uma validade genérica de três vidas no segundo).

12Entre as atuais ruas do Carmo, Garrett e Nova do Almada.

13Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Leitura Nova, liv. 17, Livro 1 da Estremadura, f. 160.

14 “A par das acções que visavam o reordenamento do centro de Lisboa, em 26 de Dezembro de 1500, é assinado um alvará real que promovia a disponibilização de terrenos para urbanização no interior da cidade, aí se ordenando «...que se cortem e que se deribem todollos os ollivvaez de muros ademtro...». No texto do documento, a vontade do rei e os interesses da cidade eram colocados acima de qualquer instituição, assinalando explicitamente o alvará; fossem os terrenos de «...Ygreja, moesteiro morgado ou quaaes quer outras senhorias e callidades que fore...»” (CARITA, Hélder – Lisboa manuelina e a formação da Provedoria das Obras Reais. Rossio: Estudos de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal. Nº 5 (2015), p. 21).

15Em traços gerais corresponderia a um quarteirão voltado e encerrado pela Praça do Rossio, Rua Barros Queiroz, Rua do Poço do Borratém e Rua do Amparo.

16A documentação coeva não é clara se a Rua dos Canos é formada neste contexto, parecendo-o no entanto provável.

17Desconhece-se o motivo pelo qual o arruamento nunca foi designado como Rua Nova do Palma, como pareceria mais lógico.

18SEQUEIRA, Gustavo Matos de, Idem, p. 38.

19Embora no âmbito da presente investigação não se tenha encontrado qualquer contrato da operação de aforamento da Rua Nova da Palma, utiliza-se como referência o contrato de aforamento feito por João da Palma a Tomás Cerveira a 17 de junho de 1552 de um terreno próximo aos da operação de 1515. É de crer que as condições sejam iguais a este contrato.

20ANTT, Cónegos Regulares de Santo Agostinho, Mosteiro de São Vicente de Fora de Lisboa, liv. 37, Livro duodécimo dos prazos (…), f. 006, uma dessas placas foreiras pode ainda ser encontrada no número 24 da Rua das Farinhas.

21No dito contrato de 17 de junho de 1552 descreve-se mais do que uma vez a Rua Nova da Palma como a rua que ha de se abrir.

22Matos Sequeira pressupõe que tal não tenha acontecido visto os contratos de aforamento se terem assinado em data posterior.

23Contratos de aforamento que incluem parte da área de outros chãos ou chãos que foram divididos a meio e repartidos por dois enfiteutas.

24“Devia ser uma simples abertura na muralha, em que se puseram portas de madeira, e tinha por cima, em 1712, e em 1750, uma aceada capella da invocação de N. Sª do Rosário. […] Por se julgar inconveniente, na eventualidade de um ataque à cidade que se previa na primeira metade do século XVII, foi proposto o seu entaipamento” (SILVA, A. Vieira da, Idem, p. 58).

25Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião I, f. 28 a 28v., [A rainha D. Catarina ordena que o pagamento para a construção de uma ponte junto da Rua Nova da Palma deve ser feito pelos moradores da zona].

26Originalmente orçamentado em 40.000 reais, a obra acabaria por custar 85.600 reais (AML, Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião I, f. 33 a 33v., [O cardeal D. Henrique determina sobre a forma de pagamento da construção de uma ponte].

27AML, Livro 2º de consultas e decretos de D. Pedro II, f. 188 a 189v., [Consulta sobre a nova serventia da Rua dos Canos].

28Já em 1694, a Porta de São Vicente da Mouraria havia sido substituída por um arco (Arco do Marquês do Alegrete, demolido em 1961).

29Na terceira parte da dissertação sobre a Renovação da Cidade de Lisboa (de 19 de abril de 1756), Manuel da Maia apresenta cinco propostas, cujas plantas são elaboradas por oficiais engenheiros e praticantes da Academia Militar para esse efeito por si encarregados visto “não po[der] executar [plantas e desenhos] como costumava fazer, sendo-[lhe] preciso valer-[se] de outras pessoas” (transcrito em SANTOS, Maria Helena Ribeiro dos – El Proyecto de Manuel da Maia y la reconstrucción de la Baixa de Lisboa en el siglo XVIII. Barcelona: [s.n.], 2012. Tese de doutoramento apresentada ao Departament d'Urbanisme i Ordennació del Territori, Universitat Politècnica de Catalunya. vol. II, p. 80-89). Assim, os planos nº 1 e nº 4 são assinados por Pedro Gualter da Fonseca, os planos nº 2 e nº 6 por Elias Sebastião Poppe e os planos nº 3 e nº 5 por Eugénio dos Santos.

30Planta nº 4, Formada ainda com mais liberdade sem attender a conservar as Igrejas nos seus proprios sitios, nem outro algum edificio, como bem se descobre na delineaçaõ do antigo muyto mais fina, Pedro Gualter da Fonseca.

31SANTOS, Maria Helena Ribeiro dos, op. cit., vol. II, p. 102.

32AML, Livro 18º de consultas, decretos e avisos de D. José I, f. 228 a 231v., [Decreto de alargamento da Rua Nova da Palma].

33AML, Idem.

34AML, Idem.

35Com base no decreto de 07/12/1772 que, “estende[ndo] a aplicação das providências do Decreto 6.3.1769 e do Alvará 23.3.1771, manda vender casas arruinadas e pardieiros não incendiados a quem se obrigar a edificá-las de acordo com os prospectos estabelecidos para as respectivas ruas ou praças” (MONTEIRO, Cláudio – Escrever direito por linhas rectas: legislação e planeamento urbanístico na Baixa de Lisboa (1755-1833). Lisboa: AAFDL, 2010. p. 303).

36De que pode servir de exemplo o caso de José da Costa Ferreira de Azevedo que a 5 de novembro de 1756 arremata “vinte palmos de chão de frente no Lado do Poente da rua Nova da Palma como fundo até o muro dos quintaes vizinhos das cazas da rua das Parreiras, cujo chão era resto das propriedades que se tinhaão cortado para se alargar a dita rua”, à razão de 3000 reis/palmo, num valor total de 60.000 reis. (ANTT, Feitos Findos, Inspeção de Bairros, Bairro da Mouraria, mç. 7, nº 9, [Autos de petição de José da Costa Ferreira de Azevedo]).

37“Trata-se […] de um conjunto de 70 alçados para a reconstrução da cidade de Lisboa, segundo as directivas programáticas do Marquês de Pombal […] [encontrando-se todas as peças] numerad[a]s sequencialmente” (LISBOA. Câmara Municipal - Cartulário pombalino: colecção de 70 prospectos (1758-1846). Lisboa: Câmara Municipal, 2005. p. 18).

38SILVA, Raquel Henriques da – Lisboa reconstruída e ampliada (1758-1903). In Lisboa 1758: o plano da Baixa hoje. Lisboa: Câmara Municipal, 2008. p. 132.

39A par com o grande plano do bairro da Boavista (apenas parcialmente realizado), este foi o maior projeto urbanístico de finais da década de 1850. Embora apenas nas Actas da Sessão da Câmara de 1858 surjam referências específicas a este empreendimento, logo em 1856 são debatidas expropriações e permutas de terreno na área compreendida entre a Rua da Palma e o Largo do Intendente para se “levarem a effeito diversos melhoramentos na viação publica” (Actas da Sessão de Câmara do Anno de 1856. Lisboa: Câmara Municipal, [1856?]. p. 73-74).

40Actas das Sessões de Câmara do Anno de 1859. Lisboa: Câmara Municipal, [1859?]. p. 292.

41Quase literal, ao ponto de as diversas discussões sobre urbanismo dos dois projetos ocorrerem nas mesmas sessões de Câmara e inclusivamente terem sido aprovados no mesmo dia. Parecem surgir como duas “obras de regime” no urbanismo de finais da década de 1850.

42Reconhecer-se-ia no início de 1860 uma derrapagem no orçamento, que por esta altura ascendia a 23:200$00. (Acta da Sessão de Câmara do Anno de 1860. Lisboa: Câmara Municipal, [1860?]. p. 37).

43Embora nada nesse decreto especificasse que a verba pudesse ser utilizada neste prolongamento em particular, o facto de mencionar a possibilidade do seu uso em “demolições em bairros infectos […] e mais obras indispensaveis para melhoramento das condições de salubridades de Lisboa” parece enquadrar esta obra como elegível Diário do Governo. Nº 193 (18-08-1858).

44Entre o término da primitiva Rua Nova da Palma e o atual extremo norte da Praça do Martim Moniz.

45Estas diferentes características estariam no cerne da principal dificuldade burocrática que a Câmara Municipal de Lisboa enfrentou no decorrer do processo, uma vez que havia inicialmente requerido o estatuto de expropriação pública apenas para o segundo troço e se viu obrigada a anular o pedido e substitui-lo por outro que contemplasse a totalidade do espaço a expropriar.

46A área entre o antigo troço da muralha e a Carreirinha do Socorro era composta por um quarteirão único com quatro frentes de rua consolidadas, cujo interior era integralmente composto por terrenos de horta e árvores de fruto.

47A demolição de igrejas em Lisboa foi uma prática relativamente comum ao longo dos séculos XIX e XX, algumas por motivos de regularização de antigos traçados e/ou concretização de novos planos urbanos. Três desses templos desaparecidos implantavam-se justamente no eixo formado pela Rua Nova da Palma e Avenida Almirante Reis e sua envolvente: para além da Ermida de Nossa Senhora da Guia, a Igreja dos Anjos é demolida em 1908 (por se implantar exatamente num local onde estava previsto o rasgamento da Avenida Almirante Reis) e a Igreja do Perpétuo Socorro em 1949/50 (adiante abordada).

48Em 1859, este novo troço foi batizado de Rua da Imprensa, termo abandonado ao fim de poucos meses.

49Diário do Governo. Nº 87 (13-04-1859)

50Actas das Sessões da Câmara no anno de 1859. Lisboa: Câmara Municipal, [1859?]. p. 285.

51Nomeadamente o prazo do marquês de Nisa (por 100.000$00), a propriedade de Manuel Joaquim da Silva (por 2:310.000$00) e a Ermida de Nossa Senhora da Guia (por 800.000$00) – Sessão Camarária de 9 de maio de 1859. (Actas das Sessões de Câmara do Anno de 1859. Lisboa: Câmara Municipal, [1859?]. p. 297).

52Actas das Sessões de Câmara do Anno de 1859. Lisboa: Câmara Municipal, [1859?]. p. 473.

53Dada a sua importância neste processo, importa destacar os seus dois grandes obreiros, o francês Pierre-Joseph Pezerat (1801-1872) [contando com o indispensável contributo do arquiteto Domingos Parente da Silva (1836-1901)] e Frederico Ressano Garcia (1847-1911).

54AML, Plantas de alinhamento e construção de ruas, [Projeto da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes], f. 76-77.

55LOURENÇO, Tiago; SILVA, Hélia – «...Em substituição da que se demoliu»: a nova igreja dos Anjos de Lisboa. In Feição especialíssima: a Igreja dos Anjos(no prelo).

56Passou a ser designada por Rua da Palma pelo edital de 8 de junho de 1889.

57AML, Plantas de alinhamento e construção de ruas, [Projeto da Avenida dos Anjos e ruas adjacentes], f. 79.

58Actas das Sessões de Câmara do Anno de 1859. Lisboa: Câmara Municipal, [1859?]. p. 473.

59Actas das Sessões de Câmara do Anno de 1862. Lisboa: Câmara Municipal, [1862?]. p. 1010.

60“Depois de feitos os competentes córtes para dar a largura conveniente áquella parte da rua nova da Palma, e tendo sido para esse fim demolidos os referidos prédios, ficou um terreno [...] no qual se póde e deve edificar quanto antes um novo predio, afim de tornar regular aquella parte da citada rua ora em ruina”. (Actas das Sessões de Câmara do Anno de 1862. Lisboa: Câmara Municipal, [1862?]. p. 1010).

61Que acabaria por acontecer parcialmente seguindo o alinhamento aprovado em sessão da comissão municipal de 30 de julho de 1894. A face mais visível acabaria por ser o desaparecimento do Passo da Mouraria, junto do qual António Caetano Macieira rasgou uma escadaria de ligação à Mouraria (projeto de 1899) e João António Coimbra construiu um edifício, no qual em 1908 foi colocada uma lápide comemorativa da construção da antiga cerca fernandina. Em local próximo (e fronteiro a onde outrora se havia implantado a porta de São Vicente da Mouraria e existia ainda o Arco do Marquês do Alegrete) construir-se-ia em 1915 o Salão Lisboa (remodelado em 1928 e 1932), um dos raros edifícios da área que acabaria por escapar à demolição.

62Corresponde ao quarteirão hoje formado pelas ruas do Poço do Borratém, Condes de Monsanto, João das Regras e pela Praça da Figueira.

63A génese deste projeto parece ser bastante anterior, posto que em sessão camarária de 9 de fevereiro de 1882 o vereador M. Andrade propõe que a Repartição Técnica da CML “proceda aos estudos necessarios para a ligação da rua e largo dos Canos com as ruas de S. Vicente á Guia e Nova da Palma, afim de diminuir o transito de vehiculos pela referida rua Nova da Palma” (Actas das Sessões de Câmara do Anno de 1882. Lisboa: Câmara Municipal, [1882?]. p. 162).

64Sessão camarária de 16 de maio de 1888 (Actas das Sessões de Câmara no Anno de 1888. Lisboa: Câmara Municipal, [1888?]. p. 67-69).

65AML, [Anteprojeto do prolongamento da Avenida Almirante Reis entre o Socorro e o Largo de São Domingos].

66A diferença entre o passivo de 339.120$000 (dos quais a grande fatia respeitava às expropriações) e o ativo de 118.370$00 (dos quais 112.367$000 referentes à venda de terrenos e prédios).

67AML, Projeto e orçamento da variante da rua da Palma… f. 5-6.

68AML, Projeto e orçamento da variante da rua da Palma… f. 50-54.

69AML, Estudos e projetos urbanísticos, [Anteprojeto de prolongamento da Avenida Almirante Reis entre o Socorro e Largo de S. Domingos]. Apud;CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago; COELHO, Teresa Campos – O palácio dos marqueses de Alegrete à Mouraria: do palácio ausente à memória do sítio.Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa: Arquivo Municipal. Nº 5 (2016), p. 105-108.

70AML, Estudos e projetos urbanísticos, [Anteprojeto de prolongamento da Avenida Almirante Reis entre o Socorro e o Largo de S. Domingos], f. 22-23. Apud. CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago; COELHO, Teresa Campos – O palácio dos marqueses de Alegrete à Mouraria: do palácio ausente à memória do sítio. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa: Arquivo Municipal. Nº 5 (2016), p. 105-108.

71AML, Estudos e projetos urbanísticos, [Anteprojeto do prolongamento da Rua da Palma entre o Socorro e a Praça da Figueira].

72AML, Estudos e projetos urbanísticos, [Estudos e projeto do túnel do Socorro].

73MACEDO, Luiz Pastor de – A Mouraria, o arco e a paciencia dos lisboetas. Olisipo. Nº 30 (abril 1945), p. 74.

74No início do século XX, tanto a Rua do Arco do Marquês do Alegrete como a Rua da Palma eram ruas de sentido único. Relativamente à última, escreve António Emídio Abrantes que, não obstante o seu trânsito ser “feito unicamente em direcção norte-sul, o movimento de carroças é enorme, principalmente de manhã, para o abastecimento da Praça da Figueira […] [tendo-se] em tempo [tentado] resolve[r] em parte […] [ao] desvia[r] tôda a viação animal para a Rua de Silva e Albuquerque” (ABRANTES, António Emídio – Elementos para o estudo do Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa. Lisboa: Direcção dos Serviços de Urbanização e Obras, 1938. p. 71).

75MACEDO, Luiz Pastor de, Idem.

76AML, Livro de notas nº 90A, f. 23 a 27, [Escritura de execução].

77Relatório da Gerência Municipal [de 1941]. Actas da Sessão de Câmara de 1942. Lisboa: Câmara Municipal, [194-]. p. 16-17.

78CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago; COELHO, Teresa Campos – O palácio dos marqueses de Alegrete à Mouraria: do palácio ausente à memória do sítio. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa: Arquivo Municipal. Nº 5 (2016), p. 108.

79ARAÚJO, Norberto de – Peregrinações por Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal, 1938. vol. III, p. 72.

80Relatório da Gerência Municipal [de 1946]. Actas da Sessão de Câmara de 1947. Lisboa: Câmara Municipal, [194-]. p. 121.

81AML, António Serôdio, Planos de urbanização da zona da Mouraria, rua da Palma, Restauradores e Campo das Cebolas.

82Ainda que o projeto de De Gröer contemplando a circular de túneis estivesse em desenvolvimento desde o final da década de 1930 – apesar de não ser publicamente apresentado, era conhecido dos serviços camarários e serviria de diretriz no planeamento daquela área da cidade.

83AML, Estudos e projetos urbanísticos, [Plano de remodelação da Baixa (1949-1950)].

84MESQUITA, Jorge Carvalho de – Plano de remodelação da Baixa: Praça da Figueira, Rossio, R. da Palma e S. Lázaro: comunicação. [s.l.: s.n.], 1950. p. 4, 6.

85Apesar de mais curto era considerado o mais importante não só por ligar dois dos principais eixos da cidade (avenidas Almirante Reis e da Liberdade), mas também por permitir o tráfego pedestre e se projetar a construção de estabelecimentos comerciais.

86MESQUITA, Jorge Carvalho de, Idem, p. 12.

87AML, Estudos e projetos urbanísticos [Plano de Remodelação da Baixa (1956-1958)], f. 30. O relatório da comissão está transcrito nos fólios 31 a 33.

88Em substituição, dever-se-iam construir cerca de uma centena nas galerias dos novos edifícios e outros tantos nos túneis.

89MESQUITA, Jorge Carvalho de, Idem, p. 14. Embora existam pontuais contratos de expropriação ao longo da década seguinte, 1959 parece ter sido o último ano em que estes se celebraram de forma concertada – e por isso toma-se este como o limite cronológico superior do presente artigo.

90FERNANDES, José Manuel – Martim Moniz: Breves reflexões sobre os sucessivos projetos de remodelação ou renovação urbana. In MIRANDA, António; SILVA, Raquel Henriques da - A Lisboa que teria sido. Lisboa: Câmara Municipal, 2017. p. 82.

91Embora, ao nível do edificado, se constituam como os únicos vestígios do alargamento da Rua Nova da Palma de 1776, a sua manutenção parece dever-se exclusivamente à sua implantação no desenho da Rua e não a qualquer questão patrimonialista.

92Com o arrasamento de grande parte do edificado da rua da Palma, desapareceram também as suas muitas ourivesarias, o seu principal ramo comercial e uma das suas imagens de marca desde o século XIX.

93Cuja história já foi aprofundada In CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago; COELHO, Teresa Campos – O palácio dos marqueses de Alegrete à Mouraria: do palácio ausente à memória do sítio. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa: Arquivo Municipal. Nº 5 (2016), p. 82-126.

94Em fotografia de Judah Benoliel existente no Arquivo Municipal de Lisboa (Local onde existiu a Igreja do Socorro, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/004068) é possível ver trabalhadores partindo as derradeiras pedras do edifício, enquanto que do outro lado da rua um cartaz anuncia a peça “Chão de Meninos” no Teatro Apolo, em cena justamente nesta data.

95AML, Estudos e projetos urbanísticos, [Projeto de prolongamento da Alameda D. Afonso Henriques].

96Conforme assumido pela memória descritiva: “Chamado o arquitecto signatário desta Memória ao Gabinete de Estudos dirigido pelo Exmo Senhor Arquitecto João Faria da Costa, autor do plano de Remodelação, foi-lhe dado conhecimento do novo traçado do local previsto para a edificação” (AML, Obra nº 26735, Processo 43562/DAG/PG/1952, tomo 1, p. 5).

97FERNANDES, Idem, p. 81, 87.

98Do ponto de vista toponímico, a Praça do Martim Moniz corresponde apenas ao centro e topo sul da praça, sendo enquadrada pelas ruas da Palma, Fernandes Fonseca, Nossa Senhora do Resgate e do Arco do Marquês do Alegrete.

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