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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.8 Lisboa dez. 2017

 

DOCUMENTA

Documentos medievais nos processos de reconhecimento de foros modernos no Arquivo Municipal de Lisboa

Pedro Pinto*

 

Entre o vasto e rico acervo arquivístico à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa, há ainda muita documentação com potencial para surpreender os investigadores medievais e modernos. Publicam-se agora dois documentos de um conjunto de unidades de instalação denominada de “Foros”, os quais representam uma amostra da tipologia e temática documental aí existente.

Quando em 1950, a Câmara publicou o Livro primeiro de tombo das propriedades foreiras à Câmara desta muy insigne cidade de Lisboa : documentos para a história da cidade de Lisboa, divulgou uma fonte preciosa para a história da urbe lisboeta, o resultado do labor camarário no tombamento das propriedades foreiras à Câmara segundo o estipulado em alvará régio de 1573, na sequência de uma primeira iniciativa da Coroa após 1543. Coligiram-se quatro códices, hoje encadernados em três tomos, mas apenas o primeiro foi publicado, respeitante às freguesias da Sé, Madalena, São Julião, Mártires, São Nicolau, Santos, Loreto e Trindade. A informação contida nos tombos abrange todo o século XVI, até ao período filipino. Além da descrição dos imóveis, indica quem paga o foro e desde quando, e, muitas vezes, quem o antecedeu e como é que essa mudança ocorreu.

As unidades de instalação em apreço estão relacionadas com estes tombos. Estão organizadas por freguesias e dentro de cada unidade constam processos organizados cronologicamente. São processos de reconhecimento de foreiros à Câmara, muitos dos quais iniciados no ano de 1557, os quais incluem, regra geral, a descrição do prédio, a apresentação pelo foreiro da escritura que titula o seu direito sobre o prédio, bem como uma ou mais escrituras relativas aos foreiros que o antecedem, entre despachos, petições, certidões de processos de partilhas, testamentos, etc. Diferentemente dos tombos, a documentação aparece em pública-forma, em cópia integral, e em alguns casos remonta ao reinado de D. Afonso V. Se é verdade que ainda existem alguns livros de aforamentos da câmara para alguns anos do reinado de D. Manuel I e D. João III, muita da documentação contida nestes processos é inédita. É ainda frequente que a estes processos iniciados em meados do século XVI sejam cosidos os processos subsequentes de reconhecimento de foreiros, até ao século XVIII e mais além, permitindo destarte a reconstituição da exploração de prédios ao longo de vários séculos, bem como alterações à sua estrutura resultantes de obras, etc.

A lista de freguesias com estas unidades de instalação é a que consta do inventário do Arquivo, de 2015, embora apenas tenhamos consultado as freguesias do centro da cidade e zona ribeirinha, onde encontrámos consistentemente a tipologia documental acima referida para o século XV e XVI. Ainda assim, é provável que na maioria das demais freguesias se encontre também documentação medieval e quinhentista de relevo: Almargem; Anjos; Azambuja, Cascais e Oeiras; Barcarena; Belas; Benfica; Bucelas; Calhandriz; Camarate; Campo Grande; Carnaxide; Fanhões; Loures; Lousã; Lumiar; Madalena; Mártires; Mercês; Milharado; Olivais; Nossa Senhora da Ajuda; Odivelas; Pena; Sacavém, São João da Talha, Vialonga e Frielas; Sacramento; Santa Catarina; Santa Cruz do Castelo, São Tiago, São Martinho, São Tomé e São Miguel de Alfama; Santa Engrácia; Santa Isabel; Santa Justa; Santo André e Santa Marinha; Santo André do Tojal; Santo Antão do Tojal; Santo Estêvão de Alfama; Santo Estêvão das Galés; Santos; São Bartolomeu do Beato; São Cristóvão e São Lourenço; São João da Praça; São João dos Montes; São Jorge; São José e Coração de Jesus; São Julião e Conceição Nova; São Julião do Tojal; São Miguel de Alfama; São Nicolau; São Paulo; São Pedro de Alcântara; Santo Quintino; São Sebastião da Pedreira; São Tiago dos Velhos; São Vicente; Sapataria; Sé; Socorro; e termo de Lisboa.

 

Documento 1

1485, Lisboa, fevereiro, 26 - Testamento de Lourenço Gonçalves, mercador (traslado de 1557)

AML, Foros da freguesia da Madalena: processos de aforamentos e reconhecimento de prazos (1606-1672). Capilha sem nº relativa a um reconhecimento de foreiro em 1660, f. 598-599.

Em nome de deus Amen saybam quamtos este estromemto de testamemto vyrem que no Ano do naçimemto de noso senhor Jesuu christo de myl e quatroçemtos e oytemta e cimquo anos vymte e seys dias do mes de ffyuyrejro na çidade de llixboa nas casas honde vyue Louremço gomçaluez mercador morador na dyta Çidade na fferarya Jumto com o aver do peso Jazemdo hy ho dyto Louremço gomçaluez doemte em cama de ymfermydade que lhe deus deu em todo seu syso e emtemdymemto Comprydo logo por ele foy dyto que tememdo ele ho senhor deus A cujo poder ha de hyr e ho dya e hora de seu fynamemto que nam sabe quamdo ha de ser ffazya e hordenava seu testamemto e sua postomeyra vomtade em esta gysa que se sege prymeyramemte emcomemda a sua alma a deus que ha ffez e cryou de nenhuma cousa que ele por sua merçee e piedade se queyra dela hamerçear quamdo deste mumdo partyr e Roga a virgem marya sua madre que por ele queyra ser Rogador e mamda emterar ho seu corpo honde lyanor affomso sua molher quyser / [f. 598v.] E porque ele nam tem fylhos nem ffylhas pay nem may nem houtros herdeyros lydymos que seus beems per direito AJam de herdar deixa por sua herdeyra ha dyta sua molher E todos seus bees de Rayz e moveis por honde quer que forem Achados que por sua morte ficarem que ela hos herdem e aJa per sy e faça deles ho que lhe Aprouuer como de sua cousa suua propia e ho ffaça emterar Como he homde quyser e por bem teuer e mamda que pague ao almoxarife de bellas sogro do Carasquo quatroçemtos reaes em que lhe he obryguado e manda que page Ao mouro fermosynho oleyro myl e çem reaes que lhe deve e ho dyto mouro lhe tem A penhor delles huum copo de prata que pesa cimquo omsas pouco majs hou menos que he da gramdura e feyção doutro que ele tem e dyz que lhe deue fernam Rodrjguez oleyro morador no aRebalde da mourarya tres fornos de Louça e mays huum forno pequeno e elle dyto Louremço gomçaluez lhe deve da dyta Louça çemto he coremta reaes e mamda que ha dyta suua molher lhos pague e Reçeba ha dyta Louça e dyse que haRedava dos dytos seus bees todos seus dyujdos e paremtes em qualquer grao que seyão A todos com huum preto soo e se majs quyserem manda que nam ayão Cousa alguma e per este seu testamemto Revogou e houue per Revogados todos houtros testamemtos / [f. 599] Cedolas e comdeçilhos que hamtes deste aJa feytos e todos mamda que quebrem e nam valham Cousa alguma saluo este que mamda que valha e tenha e seya ffyrme e valyoso pera sempre e se cunpra Asy e pola guysa que hem elle he Comteudo porquamto esto haa por seu verdadeiro testamemto e sua prostumeira vomtade e em caso que nam valha como testamemto mamdo que valha como comdeçilho e postomeyra vomtade e per outro qualquer modo que mylhor por direito valer posa e em testemunho dello lhe mamdou Asy ser feito este estromemto e quamtos neçesayros fforem testemunhas dyogo vaasquez e dyogo anes borzygueyros e fernam gomçaluez e fernamd eannes e Rodrigo annes houtrosy borzygyeyros moradores na dyta Rua da fferarya e eu aluaro affomso pubryco taballyão geral d ell Rey Noso senhor em todos seus Reynos he senhoryos que este estromemto per outorgamemto do dyto Louremço gomçaluez stprevy e em ele meu pubrico synal ffyz que tal he

 

Documento 2

1485, Lisboa, novembro, 29 - Instrumento de emprazamento realizado pela Câmara de Lisboa com João de Albuquerque, do Conselho do Rei, de um pedaço de cano diante das suas casas junto aos Estaus Novos do Rossio, após uma contenda entre as partes sobre a cobertura do dito cano e a possibilidade de edificar casas sobre a cobertura. Segue-se uma certidão de 1498 da realização da cobertura do dito cano por João de Albuquerque (traslado de 1576).

AML, Foros da freguesia de Santa Justa: processos de aforamentos e reconhecimento de prazos (1485-1749), Processo sem nº relativa a um reconhecimento de foreiro em 1737, f. 104-108

Contrato do canno que nam paga foro allguum

Seyão çertos os que este estromento d enprazamento emffatiota virem que no anno de nosso senhor Jesu Christo de mill e quatrocentos e oytemta e çymquo vynte e nove dias do mes de novenbro da dita hera na Camara da vereaçam da muy nobre e senpre leall çidade de llixboa estando hy João alluarez porto Carreyro e Ruy mendez de bryto e affonso Rodrjguez vereadores e João barroso procurador e vycente affonso allfayate e Joam vicente tenoejro e affonso vaasquez barbejro e pero vaasquez borzegujejro procuradores dos mesteres em presença de mym Ruy vaasquez scprivão da dita Camara e publliquo per autorydade Real das scprituras que a ella pertemcem e se em ella hão de ffazer perante elles pareçeo João d allboquerque do Conçelho d ell Rey nosso senhor /
[f. 104v.] e dise aos sobreditos que elle hera em Contenda Com o Juiz e oficiais d aposentadorya da dita çidade sobre huum pedaço de canno que estaa antee humas suas casas e sarrado que elle Joam d allboquerque tem a par dos estaos novos do Rosyo da dita çidade o quall canno lhe hera dado per alluara do dito senhor pera ho ter Cuberto em praça E por elle nom poder cubrir ho dito Canno atee hora por allguuns negoçios Como pello trabalho que na çidade amda por bem da qual Cousa os offiçiais da dita aposemtadorya queryão lancar mam do dito canno pera ho averem de Cobrir de bobada e fazer em elle e sobre elle casas pera Rendimento dos ditos estaos no que elle Reçebera gramde noyo porque lhe tolheryão o lume e serujmtya das ditas suas casas e sarrado e esso mesmo o dito senhor per seu alluara manda que no dito Canno se nom ffaça casas / [f. 105] e ffique a elle Joam d allboquerque que porem lhes pedia que lhe conprise o dito alluara e lhe desem ho dito Canno pera ho elle cobrir e fiquar Raso em Resyo porquanto os ditos offiçiais da dita aposemtadorya apraziam de lhe ser alexado e visto pellos ditos vereadores e procurador e procuradores dos mesteres o dizer do dito João d allboquerque que mandarão presemte sy vir pedr eanes fferrador Juiz da dita aposemtadorya e offiçiais della e lhe ffoy Relatado todo o que dito hera pello dito Joam d allboquerque e elles Respomderão que assy lhes aprazia e hera dello comtentes Comtanto que lhe fosse asynado tempo Comvynhauel a que Cobrise ho dito Canno e nam ho Cobryndo atee o tenpo que lhe limitado seya que emtão ho dito Canno ffique com a dita aposemtadorya pera ser Cuberto A Custa do dito / [f. 105v.] João d allboquerque sem fazer Casas e vendo elles offiçiais da dita aposemtadorya que dello som Contemtes e ho Requerymento e pedindo dito Joam d allboquerque e vendo elles Como he bem e proueyto e nobreza dos ditos estaos de se no dito Cano não fazerem Casas por ser muyto chegado dos ditos estaos e ffiqua milhor em praça pera serujmtya Cumũa Acordarão por bem do que dito he de dar como loguo derom emffatiota pera sempre ao dito Joam d allboquerque o dito pedaço de canno que assy estaa amte as ditas suas casas e çarrado Como parte com parede dos ditos estaos e de fundo entesta Com outro pedaço de Canno que a dita çidade afforado tem ao dito Joam d allboquerque por certo foro que delle ha de pagar A çidade / [f. 106] segundo tem per outro Comtrato O qual pedaço de Canno pellas ditas Comfromtaçois Como comfronta Com Resyo derom ao dito Joam d allboquerque emffatyota Como dito hee pera elle e seus herdeyros e sobÇesores que depos elle vierem e as ditas suas casas e Çarrado ouuerem Com Condiçom que elle e os ditos seus herdejros tenhão sempre e pera sempre ho dito Canno Corregido e cuberto d aboboda asy como vay Cuberto per toda a Rua abaixo e com Comdição que ho dito Joam d allboquerque Cubra loguo o dito Cano d aboboda a sua proprya custa e despesa e ho de de todo cuberto atee per todo ho mes de agosto que vem da hera de oytenta e seis ao quall tenpo elle dito Joam d allboquerque dee ho dito Canno cuberto Como dito hee e nam ho dando que elle fique aos ditos estaos pera ho averem de cobrir sem fazerem em elle casas e pella despesa / [f. 106v.] que asy ho dito João d allboquerque ha de fazer no Cubrymento do dito Canno pera aver de fazer em serujntya Cumũa e asy elle e seus herdeyros e sobçessores ho averem de ter Cuberto e lympo e corrente d oje pera sempre ouuerão como chão por lyure elle dito Joam d allboquerque e seus herdeyros e sobçesores de em nenhuum tenpo pera sempre nam pagarem nenhuum fforo nem pensão do dito Canno que lhe hora novamente damos e Com Condiçam que elle e seus herdeyros e sobçesores não fação nem posão fazer em nenhuum tenpo sobre ho dito canno nenhumas Casas nem outro nenhuum alleuamtamento de paredes nem doutra Cousa salluo Como for Cuberto d aboboda fique e este Raso pera serujmtya Cumua do Comçelho pera se per çyma serujrem Com todas as Cousas que hao dito /
[f. 107]
Comçelho aprouer sem elle dito Joam d allboquerque nem seus herdeyros pagarem fforo delle como dito hee e o dito Joam d allboquerque que presemte estaua Recebeo em sy ho dito Cano pella maneira suso dita Com as ditas Condiçois as quaes fficou de conprir e manter em todo Como em ellas e em cada huma dellas he conteudo sob obrigaçom de todos seus bens moveis e de Rajz avidos e por aver que pera ello obrigou e os ditos offiçiais e mesteres obrygarão os bens e Remdas da dita çidade a lhe conprir este aforamento e o manter em posse do dito Canno pella manejra suso dita sem por elle ho dito Joam d allboquerque nem seus herdeiros pagarem nenhum fforo a qual Cousa asy outorgarão e asynarão e mandarão fazer dello dous estromentos anbos de huum theor testemunhas / [f. 107v.] dioguo gil garda da dita camara e Joam deujo e fernand eanes e martym Rodrjguez homees della e outros e eu sobredito Ruy vaasquez que este estromento d enprazamento a meu ffieell scprivão mandey scprever e per mym sobescreuy e de meu synall pubbliquo asyney que tall he ,, Confirmaçam lopo d abreu ffidallguo da Casa d ell Rey nosso Senhor e o Licenciado fernam Rodrjguez Cavallejro da casa do dito senhor e de seu desembarguo ambos Juizes das propryedades desta çidade de llixboa per espiçiall mandado de sua allteza o quall estaa asemtado na Camara desta çidade fazemos saber a quantos este nosso alluara de Comfirmaçam virem que vimos este Contrato desta outra parte esprito e Jsso vimos Como ho dito Joam d allboquerque nom paga coussa allguma pellas Comdiçois do dito Comtrato e como fomos enfformados e he notoryo / [f. 108] ho dito Joam d allboquerque ter feyto e comprido ho que ho dito contrato lhe manda e Como de todo foy dada vista ao bacharell affonso figueira sindiquo della e como nom disse Cousa allguma Comtra ho dito Contrato o Jullgamos por bom e avemos por tall e o confirmamos ao dito Joam d allboquerque e mandamos que se cumpra e garde como se em elle comtem feyto em a dita çidade aos vynte e tres dias do mes de Janeyro Sebastyão alluarez o ffez anno de nosso senhor Jesu christo de mill e quatrocentos e noventa e oyto ., lopo d abreu , fernanduz .,-

*CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal e Universidade dos Açores, 9500-321 Ponta Delgada, Açores e CEH – Centro de Estudos Históricos, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal.

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