SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 número8As casas régias construídas sobre a quinta do conde de Barcelos no arrabalde de Santa Maria do Alcamim, à Achada, atual Bairro de São Cristóvão: Dinâmicas sociais e urbanas nos séculos XIV a XVILisboa medieval: um tema de investigação no Instituto de Estudos Medievais índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.8 Lisboa dez. 2017

 

ARTIGO

 

Da escrita gótica à humanística na documentação da Câmara de Lisboa: Em torno da escrivaninha municipal quinhentista

From gothic to humanistic writing in the documentation of the Lisbon City Council: Around the sixteenth-century municipal desk

Jorge Ferreira Paulo*

*Investigador independente, Lisboa, Portugal.

 

RESUMO

A escrita gótica constituiu um dos últimos traços de medievalidade em Portugal, permanecendo em utilização ainda durante grande parte do século XVI, sob diferentes tipos e modalidades gráficas, até à entrada do cânone humanístico. Este estudo incide sobre o período final dessa escrita de raiz medieval, no âmbito da atividade burocrática da Câmara de Lisboa, em que se destaca o ofício, a ação e a produção escrita do escrivão da câmara. Para tal, caracteriza-se o seu gabinete escriturário e analisa-se a prática gráfica ao serviço da escrivaninha municipal.

 

PALAVRAS-CHAVE

Paleografia / Escrita gótica / Escrita humanística / Escrivão da câmara / Escrivaninha municipal

 

ABSTRACT

The Gothic writing was one of the last traces of medievality in Portugal, remaining in use during much of the sixteenth century, under different types and graphic styles, until the entrance of the humanistic rule, the basis of current writing. This paper focuses on the final period of that medieval writing, within the ambit of the bureaucratic activity of the city council of Lisbon, which highlights the craftsmanship, activity and written production of the council clerk. In that sense, this article characterizes its clerk's office and analyzes the graphical practice within the service of the municipal desk.

 

KEYWORDS

Paleography / Humanistic writing / Gothic writing / City council clerk / Municipal desk

 

 

INTRODUÇÃO

Tratando-se de um arquivo com um vasto acervo documental, enriquecido ao longo dos séculos, a importância do Arquivo da Câmara de Lisboa para os estudos paleográficos e para a história da cultura da escrita, tantas vezes esquecidos, é incontornável. Sendo o documento um produto da ação gráfica, resultante da necessidade de ordenar e organizar a administração e o governo concelhios, a sua conservação é o garante da memória da instituição. Assim, a valorização da escrita não é menos importante. Sem ela, que encerra em si própria tanta história e é em si mesma fonte de conhecimento, dificilmente se teria construído essa memória secular.

Posto isto, este trabalho propõe uma abordagem ao estudo da escrita utilizada na prática gráfica concelhia, focando a atenção no período final da vigência do cânone gótico e na transição para o uso da escrita humanística. Na realidade, a escrita gótica constituiu um dos últimos vestígios de medievalidade na sociedade portuguesa, mantendo-se em uso ainda durante o século XVI, embora sob uma pluralidade de estilos e modalidades, até à chegada dos padrões humanísticos, base da escrita atual.

Para concretizar essa análise é necessário perceber a relevância do escrivão da câmara, cargo de reconhecido prestígio e poder, caracterizar a sua ação e produção escrita, enquadrando o seu papel na orgânica burocrática do concelho, através da produção escrita do seu gabinete escriturário. Nesse sentido, importa caracterizar essa estrutura de apoio à escrivaninha municipal, suporte da sua atividade, e definir os percursos dos seus protagonistas associando-os à sua escrita e ao ambiente escriturário em que se inserem.

Uma vez que o Senado da Câmara sempre se constituiu como produtor e reprodutor de documentação, neste caso como instituição reguladora de carácter municipal, há que perceber até quando é que a sua estrutura escriturária conservadora manteve os tipos gráficos tradicionais e identificar os primeiros contactos com os novos modelos humanísticos, caracterizando de forma sucinta as mãos que os redigem, isto é, dar a conhecer os autores paleográficos e a sua escrita.

 

1. O ESCRIVÃO DA CÂMARA

Durante muito tempo, o escrivão da câmara desempenhou um papel central na orgânica burocrática do concelho de Lisboa. Esta importância dada à escrivaninha municipal foi reconhecida desde cedo, levando mesmo o rei D. João I a tornar o cargo vitalício, atendendo aos

grandes dapnos aa dicta çidade porquanto nom podiam auer tam boa Recadaçom de suas escripturas e outras coussas que sse trautam per o dicto ofiçio seendo mudado em cada huum anno, como auendo o, Continuadamente huum demais que nom era honrra da dicta çidade mudar sse assi em cada huum anno, nem outrosi proueyto porque he huum ofiçio em que conpre homem que o sabha bem fazer. E que aJa dell notiçia o que nom podem auer saluo husando o per tempo1.

À semelhança dos juízes, dos vereadores, do procurador da câmara e os dos mesteres, o escrivão da câmara gozava de certas liberdades e privilégios2. Igualmente, tinha assento frequente em reuniões de convocatória régia, juntamente com os principais oficiais da câmara3. Estava presente nas reuniões da vereação, secretariando-as, registando os despachos, sentando-se no mesmo banco do tesoureiro da cidade, do vereador das obras e do contador4. Esta disposição dos lugares só muito mais tarde viria a ser alterada, no reinado de D. José (1773), já no novo edifício do Senado da Câmara, tendo em vista a uniformização com os seus tribunais5.

No início do século XVI, e em resultado da dinâmica urbana de Lisboa, a intervenção régia na administração da cidade levou à elaboração do regimento de 30 de agosto de 1502, reconhecendo D. Manuel que era “muy neçesario algumas cousas serem emendadas E corrigidas”, uma vez que a “multiplicaçom de seu pobuo E Rendas vãao em grande crecimento”6. Da definição deste novo regimento, a regulamentar a atividade dos vereadores e oficiais da câmara, deveria “sair todo boom emxenpro pera todallas çidades e villas dos ditos nossos Regnos e Senhorios”.

De acordo com o capítulo correspondente ao regimento do “spriuam da camara”, este deveria servir o ofício com boa diligência, obediência e acatamento ao mandado dos vereadores, competindo-lhe, fundamentalmente, o registo rigoroso das rendas, direitos e foros da edilidade – “a primçipall cousa de que deue ter boom cujdado assy he das Remdas E direitos ffooros E Remdas E eramças propiedades da dita çidade de tall guisa que todas venham a boa E verdadeira Reçepta E asy da despesa dellas”7. Para tal, o escrivão estava incumbido de fazer, anualmente, um conjunto de livros, à semelhança do que se praticava nos almoxarifados: uns, para as rendas, outros para os lanços e ainda outros para os aforamentos, além de cadernos de arrematações e de assentamentos. O acesso à arca que guardava esses livros – “das vereaçoens acordos e das outras couzas da Camera posturas e regimentos da gouernança della” –, a partir de 1499, passou a estar reservado ao escrivão e ao porteiro da câmara, cada um com a sua chave, considerando o monarca que assim ficariam em “muy boa guarda”8.

Lembra ainda o regimento que o escrivão da câmara deveria ter “mjlhor conheçimento por contino oficçial que os Vereadores e precurador E outros offiçiaes que cada huum anno sam”. Este princípio de “contino officçial” mantém o reconhecimento da importância da permanência em funções de quem ocupava o cargo, independentemente da mudança periódica e obrigatória dos vereadores e dos restantes oficiais, a quem ele, escrivão, lia anualmente o referido regimento.

De facto, esta estabilidade proporcionada pelo carácter vitalício e tendencialmente hereditário do ofício de escrivão da câmara, bem como o quadro jurídico estável relativo às funções que lhe estavam subjacentes, estabelecido desde cedo e continuamente reforçado pelos diferentes conjuntos normativos, naturalmente, acabariam por conferir ao cargo um poder considerável, proporcional à responsabilidade de, pela escrita, garantir a preservação da memória necessária à vida coletiva do concelho. Da mesma forma, a sua participação nas assembleias concelhias e a relação estreita com os sucessivos governos responsáveis pela administração do concelho e pelos destinos da cidade, assim como a proximidade com o funcionalismo régio e com diferentes figuras da corte, garantiam-lhe um estatuto de prestígio proeminente no seio do concelho. Portanto, em termos da escrita, é a peça chave no meio burocrático municipal, com acesso privilegiado à informação e corporizando quer o serviço ao concelho, quer a confiança régia, com cujas escrivaninhas mantinha contactos permanentes9. Ou não fosse a escrita um instrumento de centralização administrativo.

 

2. UM OFÍCIO DE FAMÍLIA

Tal como outros ofícios, o de escrivão da câmara transitava muitas vezes de pais para filhos. Em Lisboa, a venalidade deste cargo torna-se notória a partir de finais do século XV, ainda no reinado de D. João II, quando a família Moreira/Magalhães nele inicia funções, tornando-se naquela que teve uma ligação mais prolongada à escrivaninha do concelho, através de várias gerações no exercício do cargo, cuja propriedade manteve até finais do século XVII. Estes dois séculos no desempenho daquelas funções terão proporcionado a aquisição de um conhecimento profundo dos meandros da atividade municipal e da organização concelhia. No caso de Lisboa, na centúria de Quinhentos, não há como evitar a figura de Cristóvão de Magalhães, com uma longevidade assinalável no exercício do cargo de escrivão da câmara, ao longo de cerca de meio século de atividade. Tendo sucedido ao pai no ofício, destaca-se quer pela duração da carreira burocrática, quer por ter garantido a continuidade do cargo na sua descendência, o que pressupõe, desde logo, um aprendizado no que diz respeito à escrita, numa perspetiva de tirocínio de caráter familiar, sem descurar a respetiva transmissão para a geração seguinte.

Contudo, se em termos burocráticos o destaque vai para Cristóvão de Magalhães, já em termos históricos há que destacar Nuno Fernandes Moreira, que ocupou a escrivaninha da câmara por nomeação do rei, sendo escolhido pelo monarca para um lugar de grande prestígio, tornando-se o primeiro de uma linhagem de escrivães da Câmara de Lisboa que constituíram um bom exemplo da prática de patrimonialização do ofício, através do seu carácter hereditário, embora consentido e supervisionado pelo poder régio. O apreço de D. Manuel ficou patente na possibilidade que lhe foi conferida para continuar em funções enquanto assim o entendesse, isto apesar de ter renunciado ao cargo nas generosas mãos d'el Rei. Efetivamente manteve-se no ativo, possivelmente enquanto decorria a preparação do filho para o desempenho do serviço escriturário, como adiante se verá.

A primeira transmissão do ofício na família fez-se de Nuno Fernandes para o filho Cristóvão de Magalhães, que se casou com Ana de Torres, filha de Afonso de Torres e Elvira Castilho, de quem teve Nuno de Magalhães e Afonso de Torres de Magalhães. Destes, o primeiro exerceu o cargo por pouco tempo, pois morreu em Alcácer Quibir, sucedendo-lhe o filho Cristóvão de Magalhães, que por ser ainda muito jovem foi substituído pelo tio, Afonso de Torres de Magalhães, que viria a desempenhar as funções durante vários anos10. Em vésperas da Restauração, foi a este Cristóvão de Magalhães que coube a responsabilidade de dar posse ao novo presidente da câmara, o conde de Cantanhede11. Apesar de não ter deixado geração legítima acabou por ter um filho bastardo de uma manceba, “que dizem recebera a hora da morte”, assim ficando recordado12. Igualmente, do uso que deu às mãos não se esqueceu a História, embora por motivos alheios à escrita, como se depreende do epíteto com que foi alcunhado – “o Carrasco” –, por enforcar um criado com as próprias mãos. De resto, o elo multissecular da família ao ofício prolongar-se-ia ainda até 1684, quando, por fim, um descendente, Cristóvão Francisco de Magalhães, renunciou ao cargo de escrivão da câmara, em António Rebelo, dando início a um outro ciclo, numa nova parentela13.

 

2.1. Percursos burocráticos ao serviço da escrivaninha municipal

Nuno Fernandes Moreira era filho do senhor de Gestaço e alcaide-mor de Castelo Branco, Diogo Fernandes Moreira e de Violante de Magalhães.

Criado do Rey D. Affonso 5 muito bom cavalleiro, que se achou com seu Pay na tomada de Arzila, e na batalha do Touro e foi muito bem aceito do Rey D. João 2º que o mandou duas vezes por embaixador a Fez, e da ultima lhe deo o officio de escrivão da Camera de Lisboa hum dos mais honrados e rendozos14.

A sua atividade está bem documentada no Arquivo Municipal, pelo menos desde 149415. Meramente a título ilustrativo, das suas funções e responsabilidades, registem-se as convocatórias régias ao oficialato municipal, onde se incluía o escrivão da câmara – “pera comvosco fallarmos algumas cousas”16; o seu papel no caso de extravio de provisão ou mandado, estipulando o rei que contaria com aquilo que o escrivão depusesse, relembrando que, para tal, seria necessário tomar-lhe o depoimento jurado, “serrado e aseelado” (1510)17; ou, ainda, as regulares e frequentes instruções do monarca para fazer os assentos ou treslados de cartas ou de provisões régias18.

Sobre Nuno Fernandes, dois aspetos são de realçar: por um lado, a referência ao “fiel escrivão”, que repete em vários documentos – “E eu sobredito Nuno fernandez que esta carta d'el Rej nosso Senhor a meu fiell spriuam fiz spreuer e sospreuy E assyney de meu Synall pubrico que tal [sinal de tabelião] he”19. Referir-se-ia a um escrivão em particular, ou simplesmente ao cargo, àquele que por ele foi encarregado de redigir o acto? Por outro lado, a utilização do sinal público, que o escrivão da câmara de Lisboa deveria apor sempre nas escrituras feitas por si, por determinação régia de 1502 (julho, 13), sempre enunciada na documentação – “em presemça de mjm Nuno fernamdez stpriuam da dita camara E pubrico per autoridade Reall das stprituras que a ella pertençem e se em ella ham de fazer”20(V. Fig. 1).

 

 

Ao fim de pouco mais de três décadas de carreira como responsável pela escrivaninha municipal, em 1521, Nuno Fernandes renunciou ao ofício. Contudo, manter-se-ia ao serviço, em simultâneo com o filho. Assim se verifica pela sua intervenção em várias escrituras de aforamento, já com o filho em funções, onde se lê – “em presença de mym Nuno Fernandez stpriuam da ditta camara e publico per autoridade Reall das stprituras que a ela pertençe e se em ela ham de fazer”21; ou numa carta régia de 1523, em que ainda é mencionado no cargo; bem como em dois aforamentos por si subscritos – “sobscrita em publico, assinada por Nuno Fernandez, escrivão da Câmara” –, respetivamente em 1524 e 152622.

Ao escrivão Nuno Fernandes Moreira sucedeu Cristóvão de Magalhães, que recebeu o ofício de escrivão da Câmara de Lisboa, “em sua vida”, no dia 1 de outubro de 1521, por carta de D. Manuel, que depositou confiança na sua “bomdade saber e descriçam”23. Dois meses e meio antes de morrer, agradecia assim o Venturoso aos serviços prestados por Nuno Fernandes, seu pai, cavaleiro da Casa Real que tão fiel e diligentemente o servira a si e a D. João II naquelas funções. Com a morte de D. Manuel, Cristóvão de Magalhães solicitou a confirmação do cargo a D. João III, que lhe concedeu mercê por carta de 20 de setembro de 152424. Não foi a primeira mercê régia que recebeu. Anteriormente, em 18 de agosto de 1514, na condição de fidalgo da Casa Real, recebera 7.000 reis de D. Manuel25. Igualmente recebeu um padrão de 70.000 reis de tença e uma outra de 20.000 reis26.

 

 

Em termos burocráticos, dois dos primeiros registos da sua responsabilidade datam de 1525 e 1526, ainda com o pai em exercício de funções27. Em 18 de junho de 1527, como “scripvão da Câmara”28, e na qualidade de subscritor, redige –“o fiz traladar”. De resto, são muitos os documentos que durante cinco décadas testemunham, de alguma forma, a sua intervenção quer como autor gráfico, quer, sobretudo, como subscritor, delegando tarefas em escrivães ajudantes ou serventuários, tornando-o responsável por grande parte da burocracia municipal, isto é, por os escrever, ou por os fazer escrever, ou, ainda, por os fazer tresladar. Nesse sentido, aqui ficam referenciados alguns exemplos dos níveis de intervenção mais comuns enunciados na documentação, pela sua transcrição. No que diz respeito a treslados (cartas régias e alvarás, sobretudo): “Eu Chrisptovam de Magalhães escripvão da Camara[...] fiz traladar[...]” (1528, alvará); “Eu Chrisptovam de Magalhães o fiz traladar da propria que esta no cartoryo da dita cidade” (1533, carta régia); “Eu Cristovam de Magalhaes o fiz traladar[...] e asiney[...]” (1539, alvará); “Eu Chrisptovam de Magalhães o fez treladar do proprio” (1540, alvará); “Eu Chrisptovam de Magalhães o fiz treladar da propya carta, que esta no maco deste ano e por my concertey e soespreuy e asyney” (1547)29.

 

 

Em relação a exemplos de documentos que fez escrever: “o fiz esprever” (1560); “eu Cristovão de Magalhães a fiz escrever” (1567)30. Por último, quanto a documentos escritos por si, assinalem-se três assentos, redigidos em câmara de vereação: “E eu chrisptovam de magalhaes espriuão da dita camara o espreuy por asy pasar na verdade (1543)31; “Eu chrisptovam de magalhaes espriuão da dita camara o espreuy” (1545)32; “eu chrisptouam de magalhaes o espreuy (no dito dia mes e ano) e eles o asynarão” (1554)33.

Entretanto, o ano de 1569 parece anunciar a retirada de Cristóvão de Magalhães. A sua última intervenção identificada data de 7 de janeiro, subscrevendo em público e assinando uma escritura de aforamento34. Desconhecemos a data da sua morte. Porém, uma década antes, em reconhecimento dos seus serviços, obtivera, por alvará régio de 9 de março de 1560, a garantia de que por seu falecimento o cargo ficaria para o filho mais velho, Nuno Fernandes de Magalhães, fidalgo da Casa Real. Assim, a este foi passada carta do ofício, em virtude do alvará, em 3 de junho de 157435. E aí, o rei foi claro ao reconhecer a sua aptidão para o desempenho exigido pela escrivaninha municipal, afirmando que já fora examinado “pera seruir ho dito oficio pelos meus desembarguadores do paço”. Ora, uma vez considerado apto para aquele exercício, uma das suas primeiras intervenções nessa qualidade ocorreu em 21 de abril de 1569 – “feita em Camara per Nuno Fernandes de Magalhaes escrivão della”36. Contudo, o início de funções como escrivão da câmara não foi muito regular. De facto, dois meses depois surge a “mão” de um outro escrivão como responsável pela documentação municipal.

Trata-se de António Nunes, que pelo menos em 16 de junho está em exercício de funções, ao subscrever uma escritura de aforamento37. Valeram-lhe os serviços prestados como procurador da cidade, sendo nomeado dois meses depois para o lugar de escrivão da câmara, por tempo de dois anos, por alvará régio de 1 de setembro de 1570 – “vos mando que o metais em pose da serventia do dito oficio e lho leixeis servir e delle vzar pelo dito tempo”. A posse e juramento, como habitualmente, realizaram-se na câmara da vereação, mediante a apresentação da provisão régia – “a quall vista por elles mandarão que se comprise e foi loguo metido de pose e dado na dita camera juramento dos avamjelhos” –, seguindo-se o assento assinado por todos no verso do alvará, depois por ele devidamente guardado, por inerência do ofício38. E ainda seria da sua responsabilidade o respetivo treslado para o livro de registo, sob a alçada de um dos procuradores da cidade – “foi conçertado este trellado asima com ho propio per mim alluaro de morais procurador da cidade (...)”. Findos os dois anos, o rei prolongou-lhe o serviço por mais um, contanto que pagasse 60.000 reais de pensão ao detentor do cargo39. A condição transitória com que desempenhou as funções está enunciada numa nota de margem num aforamento, onde se lê – “por Antonio Nunez que servio de escrivão da Camara aos 10 dias do mes de Fevereiro de 1572 anos”40. Pode afirmar-se, que a sua atividade ao serviço da escrita concelhia está bem documentada. Subscreve, redige, assina, testemunha, assenta e faz tresladar a documentação municipal pela qual foi responsável durante o mencionado período41.

Desconhecemos as causas que levaram Nuno Fernandes de Magalhães a não exercer logo o cargo, permitindo o serviço de António Nunes. Ao certo, sabe-se que a 19 de abril de 1572, o filho mais velho de Cristóvão de Magalhães já exercia as funções, tresladando uma carta régia sobre a procissão da Saúde – “o fiz escrever e comcertei com a propria que fica no almario junto da mesa e asinej”42. Em 31 de dezembro de 1574, subscreve o assento da vereação que confere a mercê de um ofício da câmara para Álvaro de Morais, que, entretanto, volta a subscrever e assina, depois de o concertar com o próprio43. Em 3 de março de 1575, tinha de estar em plenas funções, quando recebe a mercê para poder ter os escrivães que lhe fossem necessários, tal como o pai e o avô tinham recebido:

pera milhor aviamento e despacho das partes que tem negocio na camara da çidade de lixboa ej por bem e me praz de dar Licença a nuno fernandez de magalhães fidallgo de mjnha casa escriuam da camera da dita çidade que elle possa ter os escryuais que lhe forem necessaryos asy e da maneira que cristouam de magualhais seu pay e elle atee ora os tiueram pera escreuer os Comtratos cartas de saquas aluaras aRecadaçois e fazerem todas as outras cousas que ao dito ofiçio tocarem Comtanto que elle as sobscreua os quais escriuais apresentara na Camara ao presidente e vereadores dela e serão pessoas de boa vjda e custumes e que tenhão calljdade e suficiencia pera nisso poderem serujr e achando que são tais lhes será dado juramento dos santos evangelhos pelo dito presidente e vereadores que bem e verdadeiramente escreuão e ffação as ditas cousas do que se fara asemto no lyuro da camera e sendo as ditas cousas feytas pellos ditos escryuais e sobscrytas pelo dito nuno fernandez na maneira que dito he ey por bem que tenha tanta força e vigor como se por elle fosem ffeytas e porem aquellas cousas que forem de segredo e pareser ao dito presidemte e vereadores que deuem ser escrytas pello dito nuno fernandez elle as escreuera por sua mão44.

Trata-se de uma mercê idêntica à que o pai recebera. Porém, o texto é mais completo e detalhado. O fundamento é o mesmo, justificando com a garantia de melhor “aviamento e despacho das partes que tem negocio na câmara da cidade de lixboa”. Outro aspeto interessante prende-se com as condições de recrutamento, o perfil e as características dos escrivães que o escrivão, por sua vez, deveria ter em conta ao recrutar para o seu serviço: ser pessoa de boa vida e costumes; ter qualidade e suficiência; “que bem e verdadeiramente escrevam”; e, finalmente, os escritos que fossem da sua responsabilidade, ele, escrivão, escrevê-los-ia “por sua mão”.

 

 

Infortunadamente, Nuno Fernandes teve poucos anos no ativo, uma vez que acompanhou o rei D. Sebastião a Alcácer Quibir, de onde não consta que tenha regressado. Em 12 de maio, antes de embarcar para África, ainda subscreve uma escritura45. Na sua ausência, para o substituir, D. Sebastião deixou nomeado Álvaro de Morais, que fora procurador da cidade, por alvará de 25 de junho de 1578:

avendo Respeyto a Nuno fernandes de magalhaes fidalguo de minha casa e escriuam da camara da dita cidade me yr hora seruir nesta jornada d'africa ei por bem e me praz que aluaro de morais Caualeiro fidalguo de minha casa procurador da cidade sirua ho dito officio de escriuão da camara della em luguar do dito nuno fernandez de magalhaes e jsto enquanto durar sua absencia46.

Ora, prolongando-se a ausência mais do que previsto, Álvaro de Morais viria a desempenhar o cargo durante cerca de cinco meses, até à nomeação do irmão do malogrado Nuno, Afonso de Torres de Magalhães, que recebeu carta de escrivão da câmara de Lisboa em 12 de dezembro do fatídico ano de 157847. Desconhecia-se, então, a verdadeira dimensão da realidade, como se depreende do texto da dita carta – “ey por bem que elle sjrua o officio d'escriuão da camara da dita cidade enquanto durar a absencia de nuno fernandez de magalhaes seu jrmão que ora se diz estar catjuo e eu o ouuer por bem48.

Enquanto aguardava pelo retorno do irmão, Afonso de Torres de Magalhães desempenhou o cargo, mantendo-se nele durante muitos anos, desta feita à espera que o sobrinho, Cristóvão de Magalhães, filho de Nuno Fernandes de Magalhães, atingisse a “idade conveniente”49. Com o estatuto de fidalgo da Casa Real, como o pai e o avô, Afonso de Torres de Magalhães era detentor de várias mercês régias: dois padrões de juro, um de 50.000 reis e outro de 125.000 reis, e de uma tença de 70.000 reis50. Em 1591, ainda estava à frente da escrivaninha municipal51.

 

2.2. Interrupções no desempenho do ofício

Parece interessante referenciar uma situação que, com alguma frequência, ocorria nos meios burocrático- -profissionais, das escrivaninhas régias ao universo tabeliónico, à qual o gabinete escriturário municipal não foi exceção. Referimo-nos à substituição temporária de quem detinha o ofício, substituído em caso de ausência por motivos de impedimento.

Relativamente a Cristóvão de Magalhães, identificaram-se algumas situações em que foi substituído temporariamente por um outro escrivão, que subscreve o documento e justifica a que título nele intervém, desconhecendo-se as razões de tais substituições. Assim, além do ano de 1531, em que surge o nome de Vasco Serrão a assinar “em lugar de” Cristóvão de Magalhães, outras situações semelhantes ocorreram52. Nomeadamente em 1548, sendo então substituído por Afonso de Torres, como se verifica por dois registos que este subscreve na condição de substituto: em 27 de outubro – “afonso de torres que ora syruo de stprivam da camara o suspriuy” –, e em 3 de novembro – “afonso de torres que ora syruo de stprivam da camara em ausemça de christouam de magalhaes o suspriuy”53. A situação repete-se alguns anos depois, em 1559, no treslado de uma provisão régia: “Eu afonso de torres que ora siruo de stprivam da camara em ausemça de cristovam de magalhaes o ffyz stprever e comcertey com o propio aluara de sua alteza que fica no cartorio e o asyney em lixboa xxb dias do mes doutubro de 1559”54. Por último, em 1560 – “Registado no livro da camara [...] por mim Affonso de Torres que ora siruo de scripvão da camera em auzencia de Cristouam de Magalhães”55. Nestes dois últimos registos repete-se o termo “ora sirvo”, indicando a situação de transitoriedade, e, noutro sentido, a expressão “na ausência de”, aludindo à substituição.

Quanto à identidade deste Afonso de Torres, duas hipóteses se colocam. Ou se trata do segundo filho de Cristóvão de Magalhães, então ainda jovem, que viria a ser nomeado escrivão da câmara em 1578, ou, então, tratar-se-ia do seu sogro, pai de Ana de Torres, homem abastado e oriundo de terras de Espanha, que parece a hipótese menos verosímil56. Qualquer deles, filho e sogro, da mais estrita confiança de Cristóvão de Magalhães, como se exigiria para o exercício daquele ofício.

 

3. O GABINETE ESCRITURÁRIO

A parte mais visível da atividade do escrivão da cidade tinha lugar na câmara da vereação, isto é, nas casas da câmara propriamente ditas, ou Paços do Concelho, que em Lisboa, no século XVI, estavam situadas junto a Santo António da Sé, independentemente de haver referências pontuais a outras localizações, casos do Vale de Santo Antão ou Nossa Senhora do Paraíso, a caminho de Santa Apolónia, locais alternativos justificados por impedimentos em se “fazer câmara” na cidade, geralmente por motivos de peste57.

Contudo, se existiam determinações régias específicas para a documentação concelhia de maior importância, obrigando a que fosse produzida no edifício da Câmara, de onde não poderia sair, nem toda a atividade concernente à escrita era ali concretizada. Assim se verifica, por exemplo, pela análise do Livro 1º de fianças dos escravos, que agrega registos redigidos durante um período de oito anos, entre 1549 e 1556, permitindo obter diversos tipos de informação acerca da organização da atividade do escrivão da câmara58, nomeadamente quanto ao seu local de atividade e aos seus serventuários. Com efeito, a análise protocolar destes cerca de 170 registos revela a existência de um local de redação alternativo aos Paços do Concelho, mencionado de duas formas diferentes: “em casas de mim” ou “em pousadas de mim”. Apenas por duas vezes é mencionada a “camara da vereaçam desta cidade”, como data tópica59. Se habitualmente o local onde é escrito o documento se reveste de menor importância diplomática e mesmo histórica, se comparado com a data “crónica”, neste caso é indiscutível a sua relevância, uma vez que demonstra que o escrivão também exercia o ofício em sua própria casa. Assim sendo, desta ambiguidade do termo “casas de mim”, no sentido de residência e de local de trabalho destinado ao exercício do ofício, é de conceber que nos seus aposentos ou habitação funcionaria igualmente o scriptorium que dirigia, uma espécie de extensão do seu gabinete que funcionava na sede concelhia.

Concretamente sobre as suas casas de residência, apurou-se que Cristóvão de Magalhães viveu vários anos ao arco do Rossio, pelo menos entre 1548 e 1565, período em que ali é referenciado – “ao arco do Rossio nas casas da morada do senhor Cristovão de magalhães fidalgo da casa del Rey nosso senhor e escripvam da camara da dita cidade” (1548), ou no – “Arco do Rocio e Rua de Pero de Mendonça”, onde, em suas casas, tinha um “atafaneiro”, um surrador e um braçal (1565)60. Para as bandas do Cabeço de Alperche (Penha de França) era proprietário de um olival61.

No que diz respeito ao corpo de ajudantes que tinha ao seu serviço, eram vários os agentes de escrita que a ele estavam ligados, tal como acontecia com outros profissionais da escrita. Estes serventuários não só redigiam como frequentemente assinavam e testemunhavam. O reconhecimento da sua importância ficou demonstrado na licença régia dada a Cristóvão de Magalhães, no ano de 1532, para que pudesse ter os escrivães que lhe fossem necessários – “pera milhor aviamento e despacho das partes” –, como seu pai tivera e ele, igualmente, na prática, já dispunha dessa ajuda:

[...] por folgar de fazer merçe a chrisptouão de magalhaes esprivam da camara desta çidade de lixboa e pera milhor aviamento e despacho das partes ey por bem e me praz de lhe dar Licença que posa ter os esprivais que lhe que lhe forem neçessarios como seu pay e elle athe ora teue pera escpriver os contrautos cartas de sacas aluaras aRecadações e fazerem todalas outras cousas que ao dito seu oficio tocarem contamto que ele os sobescpreva pera o quall apresentara os ditos escpriuães na dita camara aos vereadores dela onde lhe sera dado Juramento dos santos avamgelhos que bem e verdadeiramente o facam e sendo fectas pelos taes escprivães e sobescpritas pelo dito cristovam de Magalhães como dito he ey por bem que tenham tanto credito, força e vigor como se per elle fosem fectas [...]62.

Ao escrivão da câmara competia escrever e fazer escrever, subscrever o documento e responsabilizar-se pela redação dos ajudantes que, para entrarem ao serviço, deveriam ser apresentados na câmara da vereação, onde seriam devidamente ajuramentados. Ou seja, tratava-se de uma estrutura reconhecida e formalizada pelos poderes concelhios, uma espécie de gabinete destinado a ajudar no expediente burocrático, através de uma equipa de serventuários ou escrivães ajudantes que lhe garantiam a boa prossecução do seu ofício, recrutando- -os de acordo com as suas necessidades, sem limitações. Contudo, de acordo com o entendimento dos vereadores, as “cousas que forem de segredo” deveriam ser feitas pelo escrivão da câmara, salvaguardando-se assim o sigilo inerente a questões mais melindrosas. Se, por um lado, esta mercê régia parece de alguma redundância, ao reconhecer que o escrivão da Câmara de Lisboa já beneficiava dessa prerrogativa, por outro, parece evidenciar a necessidade de o dotar com os meios necessários para fazer face à crescente burocratização do reino originada nas escrivaninhas régias63, a que o concelho de Lisboa não foi alheio, como se constata, por exemplo, pela evolução crescente do número de escrituras de aforamento com intervenção do escrivão da câmara, a partir de meados da década de 1530.

 

 

Outro aspeto que parece de realçar é o facto de, frequentemente, Cristóvão de Magalhães referir-se aos escrivães ajudantes como “meus criados”, expressão que parece mais plausível se interpretada com o sentido de terem sido criados por si, na sua casa. Ora, estando aqui em causa o universo da escrita, e sem pretender generalizar o termo, parece de considerar a hipótese de terem sido instruídos na arte e nas técnicas da pena, como aprendizes, desde jovens, nas casas do escrivão da câmara, à semelhança do início de percurso em outros ofícios. As Leis Extravagantes não deixam de os referenciar, no título sobre os escrivães e tabeliães, embora os deixem de fora das suas disposições – “E isto se entenderá, naquellas pessoas que não forem criados dos ditos escrivães, a que elles dem o necessario”64. Ou seja, reconhecem um estatuto distinto para eles, individualizando-os, numa forte dependência relativamente àquele que detém o cargo, mas numa lógica meramente social, descurando a componente profissional.

Foi possível identificar vários dos “criados” da casa de Cristóvão de Magalhães65. Uns constam na documentação na qualidade de testemunhas, participando no ato jurídico-administrativo, contribuindo para a sua validação. Outros testemunham e escrevem. No entanto, embora todos surjam mencionados como testemunhas, muitas vezes assinando o documento nessa qualidade, nem todos identificam a sua autoria gráfica. De facto, há várias “mãos” diferentes daquelas que estão identificadas, pelo que só a análise rigorosa e sistematizada das grafias não identificadas, ainda em curso, poderá permitir apurar a respetiva autoria gráfica. Para já, verifica-se que todos os que assinam revelam um pleno domínio da escrita, são detentores de uma cultura de ordem prática e administrativa, tendo em conta as assinaturas de um nível gráfico superior66. Esta destreza gráfica evidenciada por estes criados do escrivão da câmara decorreria, por certo, de uma instrução ou formação que visava a prática administrativa corrente. Seriam, assim, preparados para um certo tipo gráfico, possivelmente em casas do escrivão da câmara. Em geral, conhecem-se as qualidades exigidas aos auxiliares que servissem pelos escrivães, ajudando-os a escrever no seu ofício, impondo como condições ser-se pessoa “maior de quatorze anos, e apta e pertencente pera nisso seruir”67. Desconhece-se, contudo, o grau de liberdade que poderiam ter para executarem em estilo gráfico próprio.

Quanto àqueles que não se integravam dentro da categoria de “criados”, o destaque vai para João do Sal, um dos escrivães que acompanha grande parte da atividade de Cristóvão de Magalhães ao serviço da escrivaninha do concelho, de cujo percurso burocrático se dá aqui uma nota. A sua longa atividade está documentada pelo menos desde o início da década de 1530. Conhecem-se duas notificações suas do conteúdo de duas cartas régias68. Num contrato em que compra umas casas na Cordoaria Velha, em 1558, é referenciado como cavaleiro da Casa d'el Rei, exercendo o ofício de escrivão do tesouro da cidade de Lisboa69, cargo que ainda mantinha em 1562 (setembro, 23), quando o rei o impede de anular o contrato de venda daquela mesma propriedade70. Poucos anos depois, em 1565, residia na freguesia de Santa Justa, na zona do Curral, perto de São Lázaro71. Exercia o ofício de escrivão dos órfãos, quando elaborou um inventário com a avaliação da respetiva fazenda72, destinado ao “Lançamento do Serviço desta çidade de Lixboa [...] anno de 1563 [...]”73. Ainda estava ao serviço no ano de 1573, quando é chamado a redigir um assento de vereação74.

 

 

Dos restantes agentes da escrita ao serviço de Cristóvão de Magalhães, os tais “criados”, destaca-se Simão Luís, o escrivão com maior atividade gráfica ao serviço de Cristóvão de Magalhães, identificando devidamente a sua autoria75. Exemplo da sua atividade intensa são os registos do Livro 1º de fianças de escravos, escritos durante oito anos, entre 1549 e 1556, tendo redigido, pelo menos, 25% daqueles registos. Em setembro de 1570, é ele que redige o treslado da provisão do cargo a António Nunes e dá posse para o livro de registo da Câmara76. Foi ele o escrivão do Tombo da Cidade, “hum livro do tombo bem enquadernado”77. De acordo com o alvará de 7 de junho de 1576, D. Sebastião determinara que o autor gráfico do livro seria o escrivão que acompanhou o juiz encarregado por D. João III de proceder às diligências necessárias “pera o tombo dos beens propriedades e cousas que pertencen à dita cidade e Camara della”78. O seu percurso estende-se ainda pela década de 1570, sobrevivendo a Cristóvão de Magalhães.

A partir de então muitos dos registos da vereação são da lavra de Álvaro de Gouveia e do escrivão Domingos da Cunha. No ano de 1577, por exemplo, são responsáveis pela redação da maior parte da documentação, alternando a autoria gráfica entre si, embora vários registos não se encontrem identificados diretamente, o que não invalida a identificação de caráter gráfico, pela análise paleográfica da sua “mão”79.

 

 

 

4. A ESCRITA DA ESCRIVANINHA MUNICIPAL

Durante a primeira metade do século XVI, a escrita do escrivão da câmara e do seu gabinete escriturário denotou um comportamento gráfico de tipo conservador, refletindo, segundo tudo indica, as modalidades gráficas emanadas das escrivaninhas régias. A partir da chancelaria régia e da câmara do rei, oficinas escriturárias superiores que funcionavam como referencial para toda a sociedade, difundiam-se os modelos gráficos. Pode supor-se, então, que o gabinete do escrivão da câmara poderia atuar, em certa medida, como um mediador gráfico para a restante comunidade escrevente do concelho. É uma questão em aberto. De facto, os dois escrivães da câmara, pai e filho, Nuno Fernandes e Cristóvão de Magalhães, durante três quartos de século (1494-1569) replicam os modelos escriturários vigentes, de matriz gótica, de acordo com o que lhes chegava daqueles organismos. Contudo, com algumas diferenças entre si.

 

4.1. A escrita para o exterior: a imagem gráfica do concelho

É importante distinguir duas funções relativas à escrita produzida pelo concelho. Uma, de carácter administrativo, jurídico-normativo, destinada à própria instituição municipal, que corresponde a uma escrita de registo interno, para memória futura, resultante do expediente diário do escrivão da câmara e do seu gabinete escriturário. Como tal, supostamente, não é tão exigente quanto à clareza e ao esmero gráfico, o que dá origem à irregularidade e a uma menor legibilidade. Os documentos que a utilizam são abundantes. Constituem o espólio do concelho e do seu arquivo, a sua memória. Desta escrita tratar-se-á adiante. Já a segunda função dada à escrita pelo Senado da Câmara está relacionada com a comunicação para o exterior, assumindo um carácter institucional. Neste sentido, interessa aqui verificar se os autores gráficos alteram a sua escrita habitual, sobretudo quando se impõe a dignidade acrescida do destinatário, caso do monarca, por exemplo. Estando em causa uma comunicação de carácter institucional será expectável uma escrita mais formal, supostamente mais cuidada e regular no estilo e no aspeto. Para o efeito, a partir da documentação existente no Corpo Cronológico, foi feita uma seleção de documentos produzidos pelo concelho e destinados ao rei.

Assim, para o primeiro quartel do século XVI, cronologia correspondente à atividade da escrivaninha de Nuno Fernandes, foram localizadas três cartas, duas dirigidas a D. Manuel e uma a D. João III. Analisando as três verifica-se que têm uma autoria gráfica diferente, correspondendo a outras tantas mãos, embora todas respeitem o cânone gráfico vigente, o gótico (V. Figuras 7, 8 e 9). Quanto ao período em que Cristóvão de Magalhães exerceu a atividade de escrivão da câmara, verifica-se que do seu próprio punho saíram várias cartas destinadas a D. João III, em nome da Câmara de Lisboa80, nunca deixando de identificar a sua autoria – “Christovam de magalhaes o espreuy”. Não só as redige como utiliza a sua grafia usual, que o acompanha ao longo do exercício do ofício (V. Figuras 10 e 12). O mesmo se verifica com os documentos escritos pelo seu escrivão ajudante, João do Sal (V. Figuras 11 e 14). Desta forma, e atendendo aos dados obtidos, tudo leva a crer que não havia a obrigação, nem tão pouco a preocupação, em alterar a grafia em função do destinatário, mesmo tratando-se do rei. Ou seja, esta função da escrita não era tão valorizada como se poderia supor, a ponto de não haver necessidade de recorrer, por sistema, ao responsável pela escrivaninha municipal para a redação das cartas dirigidas ao mais solene dos destinatários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estas cartas para o exterior dão ainda um outro contributo para a análise do ambiente gráfico vivenciado no concelho, em termos de contactos, influência e relacionamentos entre todos os executores gráficos, não apenas os agentes da escrita ditos oficiais. Repare-se nas assinaturas dos vereadores e do procurador da cidade, que acompanham estas cartas dirigidas ao rei. Veja-se como neste caso constituem um bom testemunho do ambiente gráfico concelhio totalmente impregnado dos modelos góticos81. Contudo, ressalve-se um dos vereadores, o doutor Fernão Martins, cuja assinatura revela o contacto com o cânone humanístico, pelo emprego de alguns elementos do novo padrão gráfico. Mais, a comparação da sua assinatura, redigida em dois momentos relativamente próximos no tempo, 1541 e 1544, mostra-se interessante, permitindo conjeturar sobre uma possível transição gráfica, ou simplesmente, tratar-se de experimentação através da introdução de elementos de hibridação (em particular, as letras d, r e e). Na verdade, trata-se de uma das primeiras mãos humanísticas no ambiente gráfico concelhio lisboeta, o que constitui um dado a ter em atenção em estudos futuros.

 

4.2. A permanência dos tipos góticos: Nuno Fernandes e Cristóvão de Magalhães

Nuno Fernandes apresenta duas variantes gráficas, uma mais cursivada e veloz e outra de índole mais caligráfica, apresentando-se esta última como uma escrita mais pesada no contraste de finos e cheios com bastantes traços de significação geral (V. Figs. 11 e 15), denunciando a sua formação na gótica joanina, condizente com o seu aprendizado tardo-quatrocentista. Contudo, um documento de 1511 mostra que a sua escrita também foi contaminada pelas características gráficas da escrita manuelina. Aliás, por inerência de funções, Nuno Fernandes terá lidado de perto com a escrita dos dois escrivães que deram corpo a esta modalidade gráfica de sabor português, Afonso Mexia e António Carneiro82. Mais, a sua escrita mais regular assemelha-se à deste último (no período de 1490 a 1509), o conhecido secretário régio, embora ainda deixe transparecer o substrato gráfico joanino, com o tratamento da letra mais anguloso. No entanto, para todos os efeitos, pode afirmar-se queNuno Fernandes acompanha o movimento iniciado pelos escrivães da corte, de afastamento à letra joanina, integrando o grupo de utilizadores da “letra nova” que iniciam um processo caracterizado pela redução da agudeza das hastes, pelo alívio da compressão horizontal da escrita, pela acentuação da inclinação e o arredondamento do traçado das letras e sinais83. Como exemplos de algumas características gráficas refira-se o uso dos f e dos r caudatos, o i sem o ponto, o z em forma de três concluído, em movimento dextrógiro de recuo, as diferentes formas de s, longos, ou de dupla curva no meio da palavra e o de tipo sigmático em várias posições.

A Nuno Fernandes “sucede-lhe“ o filho, Cristóvão de Magalhães, no ofício concelhio. Com a escrita, contudo, não sucede o mesmo. Apesar de assumir uma gótica de tradição, que manterá inalterável durante o seu percurso escriturário, a sua escrita é já o reflexo de uma evolução da manuelina, que foi seguindo o seu curso, incorporando elementos da cortesã e degenerando num modelo gráfico a que a Paleografia espanhola designou por processal (processual ou processada, em português), declaradamente cursiva e com um menor apuro gráfico. Na realidade, o seu esmero de execução gráfica vai variar entre o cursivo veloz e o muito veloz, de acordo com a velocidade que imprime à sua escrita de basea 84. Apresenta muitas vezes um espaço interlinear desigual e uma separação irregular das palavras, no interior das quais liga a maior parte dos grafemas entre si. Mais do que o pai, utiliza habitualmente uma versão gráfica em que, apesar de reduzir as fraturas das curvas, denotando uma intenção de dar um aspeto menos anguloso aos seus grafemas, mantém o referencial da escrita de matriz gótica (V. Figuras 13, 15, 16, 17, 18 e 19). Da sua escrita destacam-se alguns elementos gráficos: o a muito aberto; o e anguloso com diversas feituras e figuras; o g de figura e feitura gótica; rara utilização do ponto sobre o i; o predomínio do s sigmático, sistematicamente usado em final de palavra, embora também utilize o s longo; o z de forma grega (como um 3), ziguezagueante. Entre os elementos de cursividade que permitiam imprimir uma maior velocidade à sua escrita, veja-se, por exemplo, os traços descendentes reforçados em ligação à letra seguinte, caso do s longo: ; a abertura do a, permitindo uma mais rápida ligação entre grafemas; o h com laçada superior e inferior; o g e o q, gotizantes na sua cabeça, mais ou menos aberta, permitindo frequentemente a ligação à letra seguinte pelo movimento em espiral envolvente: ; o nexo de ligação entre o grupo st:,; a estilização angulosa de alguns e: , letra que utiliza em diferentes formatos nas suas formas minúscula e maiúscula:, , , , .

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4.3. A oficina escriturária

Todos os escrivães que trabalhavam com Cristóvão de Magalhães utilizavam o padrão de escrita gótico. Dos onze nomes associados à sua “casa”, de apenas cinco se conseguiu recolher testemunhos gráficos identificados diretamente, ou seja, do autor paleográfico devidamente identificado: de Simão Luís, João do Sal, António Varela, Bartolomeu Barbosa e Álvaro de Gouveia85. Dos restantes, até à análise sistemática das escritas de autoria não identificada, existem as assinaturas, que permitem enquadrar o ambiente gráfico sob a responsabilidade de Cristóvão de Magalhães (V. Fig.20). São os já mencionados “criados” de sua casa, seus serventuários ou escrivães ajudantes, que suportavam a ação escriturária da escrivaninha municipal. É interessante reparar que todos eles utilizam modalidades gráficas com semelhanças entre si, cursivas e velozes, não deixando dúvidas sobre a existência de uma natural contaminação gráfica recíproca (V. Figuras 21, 22, 23, 24, 25). Ou seja, parece haver uma formação de base comum, uma preparação para o exercício gráfico naquele gabinete, certamente supervisionado através de diretrizes de execução gráfica. Sobre isto, porém, não há dados concretos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De forma sucinta, essa base pode ser descrita como um tipo de letra que denota a utilização das formas redondas em detrimento das angulosas. Em versão mais veloz, vários grafemas assumem um aspeto degenerado pelos enlaces de união à letra seguinte, sobretudo através de um movimento em espiral que envolve a letra e ajuda os remates, as ligaduras e todo o tipo de ligação entre as letras e as palavras. De facto, esse traçado envolvente é aproveitado pelas hastes ou pelas caudas de algumas letras que, ao alargarem-se de forma exagerada até atingir o ponto de ataque da letra seguinte, casos das letras g, q, s, y, acabam por distorcer o seu aspeto. Daí resulta a dificuldade no reconhecimento dos traços básicos das letras e na legibilidade da escrita. Contudo, há que ter em conta que os diferentes graus de cursividade que os escrivães imprimem à escrita não alteram o seu ductus. Na verdade, embora os caracteres externos das letras se possam modificar, ou seja, o seu aspeto, tornando a leitura mais difícil, a estrutura da escrita não se altera. Logo, o nível de cursividade não é suficiente para categorizar um determinado tipo gráfico, pelo que há que ter alguma cautela na análise paleográfica.

Entre todos os escrivães que integram a equipa escriturária de Cristóvão de Magalhães, Simão Luís é aquele que mostra uma maior versatilidade no seu desempenho gráfico, com uma letra habitualmente pouco cuidada à qual imprime uma grande cursividade através de um traçado veloz, fruto de uma grande rapidez de execução, com muitos encadeamentos, chegando a atingir registos de escrita pré-encadeada86. No entanto, tem registos gráficos mais pausados.

 

5. A TRANSIÇÃO PARA A ESCRITA HUMANÍSTICA

A progressiva utilização das formas humanísticas, inevitavelmente, acabaria por afetar o substrato gráfico vigente, originando o aparecimento de uma escrita híbrida, gótica de base, mas humanística no tratamento, através de uma maior regularidade e legibilidade e por um aspeto geral de arredondamento das formas. Este fenómeno resultou da coexistência de dois tipos gráficos diferentes, o gótico e o humanístico, num mesmo ambiente escriturário, não sendo outorgada a nenhum deles uma posição dominante. É o tipo de situação gráfica que foi denominado por Armando Petrucci de multigrafismo relativo desorganizado87.

De uma forma geral, a difusão dos modelos gráficos humanísticos fez-se lenta e progressivamente. Debateu--se com resistências, tanto mais fortes quanto maior fosse o conservadorismo do ambiente gráfico. As vias de propagação foram diversificadas. Recorde-se o papel dos manuais de caligrafia, da imprensa, dos breves apostólicos, dos modelos emanados da corte e da chancelaria régia. As interações entre profissionais da escrita terão tido alguma importância nos primeiros contactos com os novos padrões gráficos. Em Lisboa, por exemplo, são identificados mais de sete dezenas de tipos diferentes de escrivães em 1565, de acordo com a especificidade do seu ofício88. Ora, sabendo que ao longo da sua carreira ao serviço da atividade gráfica muitos deles desempenhavam diversos cargos, naturalmente, os diferentes tipos gráficos que iam importando para a sua escrita também circulavam, sendo adotados ou, pelo menos, tornando-se conhecidos enquanto novo referencial. Com a escrita humanística não terá sido diferente.

 

5.1. A introdução de elementos de hibridação

Como seria de esperar, não são muitos os documentos concelhios que acusam a receção precoce da escrita humanística. Os que existem têm uma particularidade em comum: não têm a identificação do autor paleográfico. O testemunho mais antigo data de 1535, em duas escrituras da responsabilidade de um escrivão ao serviço de Cristóvão de Magalhães. À semelhança da maioria das escrituras de aforamento não se identifica a autoria do executor gráfico. Não se trata de qualquer alteração ao tipo de escrita, em tudo idêntico ao utilizado na prática gráfica dos escrivães do seu gabinete escriturário, mas sim da introdução pontual de alguns elementos gráficos próprios da escrita humanística que testemunham a receção do novo cânone (V. Fig.26). São algumas letras introduzidas no interior da escrita, através do fenómeno de hibridação, das quais a mais relevante é o g humanístico, pelo rompimento total com os modelos góticos, quer no que diz respeito à figura, quer à feituraa 89: , , , ; de resto, maioritariamente, mantém a forma gótica mais utilizada daquele grafema, com o traço descendente, em movimento envolvente ascendente dextrógiro fazendo a ligação à letra seguinte: , .

 

 

Relacionando este testemunho do contacto com os modelos humanísticos por parte da estrutura gráfica concelhia com o que se passava nas escrivaninhas régias em igual período, verifica-se a existência de um total paralelismo, pois é entre 1538 e 1540 que surgem as primeiras utilizações do g em forma de ponto de interrogação invertido, letra tipicamente humanística, na escrita documental produzida pelos escrivães do rei90. Esta consonância também é válida para a manutenção da fidelidade aos tipos góticos, independentemente da utilização pontual de elementos gráficos inovadores.

Além do g humanístico, o referido escrivão utiliza o s de dupla curva e o e de laço, elementos característicos da escrita humanística, aqui utilizados esporadicamente, no meio de uma escrita em que predominam o e anguloso; o f longo, de traço descendente direito, isolado ou duplo; o h com laço superior e inferior; as diferentes formas do s, além do de dupla curva, quase sempre em final de palavra, mas também no meio: , o longo com o traço descendente direito: e o de tipo sigmático. Trata-se de uma escrita marcada pela utilização frequente de traços envolventes de ligação, a partir de certas letras, casos do s, do q, do t e do A de origem cortesã; bem como denota um tratamento gráfico de arredondamento, diminuindo parte do carácter anguloso de vários grafemas.

Um outro testemunho da ocorrência do fenómeno de hibridação, ainda relativamente cedo, data de 1550, redigido numa escrita de boa legibilidade, com a maior parte das palavras separadas entre si e recorrendo menos a abreviaturas (V. Fig. 27). Trata-se já de uma escrita híbrida gótico-humanística, um bom exemplo de hibridação entre os dois sistemas gráficos, em que ambos contribuem com elementos específicos do seu cânone de escrita. As persistências do gótico estão ainda visíveis, a exemplo do d uncial, com diferentes graus de cursividade, de acordo com a ligadura que estipula a união com a letra seguinte; o f duplo: , que alterna com o f longo de dupla curva: ; os traços descendentes de algumas letras (g, s, p) que interferem com a linha de escrita inferior. A convivência dos dois sistemas verifica-se na utilização aleatória de certas letras dos dois modelos gráficos, como o r minúsculo: (direito na maior parte dos casos, mas também o longo e o redondo) e o maiúsculo; o s (de dupla curva, em final de palavra, alternando com o s longo e o de tipo sigmático) e o e, nas duas formas: , sem qualquer critério; o i, com e sem ponto; já a utilização de uma única forma de g: , o humanístico, e do t traçado apenas à direita: , denunciam uma fase avançada no processo de adesão à humanística.

 

 

A partir da década de 1560, começam a proliferar as híbridas humanístico-góticas, em múltiplas variantes, em que o substrato gráfico já é o humanístico (V. Fig. 28).

 

 

 

5.2. A difusão dos modelos humanísticos: vias de contágio

Não há notícia de qualquer diretriz por parte do poder central relativamente ao tipo gráfico a utilizar na redação das provisões régias. Assim, as próprias escrivaninhas régias não se pautavam por uma uniformidade gráfica, nelas vigorando um ambiente de multigrafia91, cujos tipos gráficos circulavam aparentemente sem condicionalismos. Desse ambiente gráfico continuavam a chegar ao concelho, regular e frequentemente, provisões redigidas por mãos forjadas na tradição mais conservadora do cânone gótico, em modalidades mais ou menos cursivas, porém cada vez mais contrastantes com as novas formas, que lentamente se introduziam nos diferentes meios escriturários. Dos 35 escrivães régios identificados que redigem provisões destinadas ao concelho (“…vereadores, procurador e procuradores dos mesteres…”), entre a década de 1520 e 1570, há seis que redigiram pelo menos 14 documentos92. Destes, há dois que escrevem numa escrita híbrida, de tipo gótico-humanístico. Finalmente, João da Costa, já na década de 1570, usa os modelos humanísticos puros (V. Fig. 32).

 

 

 

 

 

 

 

 

Para ilustrar esta disparidade gráfica vigente no mesmo ambiente escriturário, visto como gerador de modelos gráficos, registam-se dois exemplos, ambos escrivães do rei, contemporâneos, responsáveis e executores gráficos de várias provisões régias destinadas à Câmara de Lisboa: Sebastião da Costa e António Ferraz.

O primeiro, Sebastião da Costa, um dos escrivães régios graficamente mais conservadores do reinado de D. João III, manteve em uso uma escrita muito angulosa de tradição, um modelo gráfico com características semelhantes à de Cristóvão de Magalhães93. Repare-se no traçado veloz, com soluções de cursividade típicas do gótico, de tipo processual, através de ligaduras envolventes que unem superiormente com o grafema seguinte, casos do p e do q; do s em espiral antes do t, ou, em final de palavra; os traços ascendentes de algumas letras que se sobrepõem aos descendentes permitindo a ligação à letra seguinte, caso do f, ou do y; o d, de tipo uncial (V. Fig. 29).

O segundo, António Ferraz, revela um elevado nível de esmero gráfico, redigindo com uma boa legibilidade já no novo cânone de escrita, embora também utilize modelos hibrídos, conhecendo-se-lhe vários exemplos de um modelo gótico-humanístico bastante regular e até da sua grafia de base, gótica cursiva e veloz94. Como escrivão, incorpora a transição entre os dois modelos escriturários, formado num cânone, mas aculturado em outro (V. Figs.30 e 31). Pela sua mão foram traçadas muitas das novas formas gráficas humanísticas que, logo na década de 1540, se introduziram no ambiente gráfico municipal. Tudo indica que terá sido o primeiro a fazê-lo, a partir das escrivaninhas régias. Daí a sua relevância. Quanto às características da sua escrita humanística mais pura, note-se a existência de uma marcada inclinação para a direita das hastes de alguns grafemas, em especial do b, d, l e h; a supressão dos ângulos e a redução do contraste transmitindo uma maior leveza à mancha gráfica; mantém alguma cursividade, o que é observável em algumas ligaduras entre grafemas e lexemas e, em especial, no ductus do sinal da conjunção e, de origem taquigráfica, através de um movimento em espiral que permite escrever reduzindo pausas e remates.

Progressivamente, a humanística disseminava-se. Aos poucos, vários escrivães régios foram abandonando as formas gráficas conservadoras apesar de se manter um “núcleo gótico” na corte sob a alçada do escrivão Manuel da Costa. A década de 1560 consolidou a prática das novas formas gráficas, generalizando os modelos humanísticos entre os escrivães da corte, caso de João da Costa, que redige vários documentos destinados ao município95 (V. Fig. 32). Aquando do desaparecimento do escrivão da câmara Nuno Fernandes de Magalhães, em Alcácer Quibir, o universo gráfico em torno do rei, já estava convertido à humanística. Veja-se, por exemplo, as cinco cartas missivas enviadas pelo cardeal-rei à cidade, a propósito das cortes de Almeirim, entre 13 de novembro de 1579 e 09 de janeiro de 1580, todas no mesmo tipo de humanística (V. Fig. 33). Para todos os efeitos, a humanística já imperava na documentação régia, em modalidades diversificadas96.

 

 

 

5.3. A substituição da gótica pela humanística: pela mão do escrivão da câmara

Com o afastamento de Cristóvão de Magalhães, por morte ou por doença, abre-se uma nova etapa no universo da escrita concelhia, com a nomeação do seu filho mais velho, Nuno Fernandes de Magalhães, para o ofício de escrivão da câmara. Este, porém, ainda esteve quase três anos sem exercer as funções. Nesse período, em que foi substituído no cargo por António Nunes, o referencial gráfico concelhio manteve-se inalterado, seguindo o padrão gráfico de tradição gótica (V. Fig. 34). O mesmo se passaria alguns anos depois, ao ser substituído por Álvaro de Morais (V. Fig. 35). Estes dois escrivães, que substituíram temporariamente Nuno Fernandes de Magalhães, não só tinham em comum a fidelidade ao velho cânone, grafando num estilo irregular, como ambos tinham sido procuradores do concelho, informação que contribui para a caracterização da evolução do ambiente gráfico municipal.

O assumir de funções por parte de Nuno Fernandes de Magalhães traz uma novidade associada ao cargo de escrivão da câmara. Pela primeira vez, o responsável pela escrivaninha municipal grafa em escrita humanística. Numa primeira fase, ainda utiliza um modelo híbrido, evoluindo depois para um tipo gráfico já puro (V. Figs. 4, 36 e 37). Contudo, como atrás fica dito, o infortúnio deixou-o por terras africanas, pelo que não deixou uma herança gráfica representativaNotas no texto97.

 

 

 

 

 

 

 

 

Caberá ao segundo filho de Cristóvão de Magalhães, Afonso de Torres de Magalhães, o corte definitivo com o filão gótico de tradição medieval, adoptando a escrita humanística sem qualquer ambiguidade gráfica ou hibridação. Assume, basicamente, duas modalidades, uma de tipo itálico, pautada pela regularidade e legibilidade, com forte inclinação para a direita (V. Fig. 40). Nitidamente, trata-se de uma escrita “controlada”, enquanto a que utiliza na maior parte dos documentos em que intervém, na qualidade de subscritor responsável, quase todos redigidos numa humanística cursiva de pequeno módulo pelo seu escrivão Domingos da Cunha, é marcada pela irregularidade e pela velocidade do cursivo, certamente a sua escrita de base, em que foi formado (V. Figs. 38, 39 e 40). Daí poder-se classificá-la como espontânea, embora tal implique certas reservas quanto ao uso do termo, no que diz respeito à prática gráfica, uma vez que dificilmente se poderá associar a espontaneidade ao gesto da escrita. Estas serão as modalidades da humanística a marcar a escrita do escrivão da Câmara nas últimas duas décadas do século XVI.

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

O cargo de escrivão da câmara revestia-se da maior importância no espaço burocrático do concelho de Lisboa pela sua incumbência de documentar os atos da cidade, suportando a sua administração. Por direito próprio, participava na atividade e na organização concelhia, sempre próximo do governo municipal e em relação estreita com o funcionalismo régio. Era, por isso, um cargo de poder e prestígio.

Em Lisboa, desde finais do século XV e durante todo o século XVI, o ofício manteve-se na posse da mesma família, prática que constituiu o melhor exemplo da patrimonialização daquele cargo, no âmbito do município de Lisboa. Nesse sentido, se Nuno Fernandes foi importante, por ser o primeiro a ser investido naquelas funções, aquele que se destacou ao comando da escrivaninha municipal foi Cristóvão de Magalhães, sobretudo pela longevidade com que deixou marcado o seu percurso burocrático ao serviço do concelho.

Cristóvão de Magalhães tinha ao seu serviço vários agentes da escrita que, no seu conjunto, formavam uma espécie de gabinete escriturário responsável pela produção e reprodução da documentação do município, estrutura reconhecida formalmente pelos poderes concelhios. O seu tempo escriturário coincide com o período final de vigência das escritas góticas, de tradição medieval, mantendo-se sempre fiel ao velho cânone, adverso a mudanças, isto apesar do contacto com as novas formas gráficas humanísticas que, timidamente, se iam mostrando, a partir de finais da década de 1530, muito particularmente por via da receção da documentação régia.

Também a sua oficina escriturária refletiu e manteve esse conservadorismo gráfico, assim atuando até abandonar as funções ao serviço da escrita municipal, após meio século a documentar as ações do concelho. Na verdade, esse núcleo dirigido pelo escrivão da câmara integrava um ambiente gráfico alicerçado nos antigos modelos, que a todos formara e integrara, inviabilizando a alteração do cânone do seu aprendizado de base, independentemente da existência de modalidades mais personalizadas e das tímidas utilizações de pontuais formas inovadoras. Assim, ao que parece, a mudança dificilmente constituía uma opção, só vindo a concretizar-se com a atuação de novos protagonistas gráficos.

Reforçando a ideia do contributo destes agentes da escrita para a construção da memória concelhia, atente- -se a dois documentos marcados pela intervenção de Cristóvão de Magalhães, onde se cruzam os dois cânones gráficos, o gótico e o humanístico, nas suas formas mais contrastantes, prenunciando o início de um novo capítulo no longo processo da história da escrita.

O primeiro documento, um assento de vereação redigido pelo seu punho, a pedido dos vereadores, em que elogia a escrita de certo moço de Viana de Caminha, que com dez anos e nascido sem braços, além de usar uma tesoura ou pentear-se, conseguia escrever com os pés uma letra “muyto boa e muyto limpa”. Custa a crer em tal qualidade, mas o encómio foi feito por um profissional da escrita com mão dotada e adestrada para a pena. Aceita-se. Mais dificilmente aceitaria Cristóvão de Magalhães de bom grado, ele que, tantos anos, trabalhou para a manutenção da memória da escrita do município, que lhe tivessem aposto na cabeceira do seu assento uma letra cancelleresca, tão desprovida das virtudes dos tipos gráficos medievais, tão contrastante com a cursividade da sua gótica (V. Fig. 41). Será exagerado pensar que para classificar esse tipo de letra poderia aproveitar o título da anotação – “Cousa monstruosa”, narrando um outro caso, de um advogado do Porto que escrevia apesar de ter nascido sem os braços e sem uma perna, apenas com “um pé direito”.

 

 

Isto da escrita e da “mão” escrevente também apela à congeminação. É o que terá feito Cristóvão de Magalhães ao subscrever o assento que os vereadores e procuradores concelhios, “zelosos do beem comum”, mandaram fazer no livro do regimento da Câmara, que viriam depois a assinar, “tomando-o por justo e bom”. Seguramente, o eventual desconforto sentido não decorreria do conteúdo do assento, sobre a reserva da 2ª feira à tarde para as reuniões da vereação, até porque, sentado no banco, terá assistido à deliberação. Já a escrita do assento não lhe terá sido indiferente. De facto, aquela letra anunciava novos tempos para a escrita. O próprio ambiente gráfico da câmara da vereação já estava contaminado pela humanística, basta olhar para algumas das assinaturas de vereadores e procuradores. Com efeito, o contraste não poderia ser maior para o conservador escrivão da câmara. Mais do que uma modalidade gráfica humanística, que já se enunciava nas escrivaninhas régias, mais ou menos híbrida, itálica ou cancelleresca, tratava-se de uma inusual redonda quatrocentista, de tipo poggiana, que viria a ser adotada pela imprensa passando a circular, sobretudo, através dos caracteres tipográficos (V. Fig. 42).

 

 

Posto isto, aquando da subscrição, a mão do escrivão treme. Não sabemos se de doença ou de velhice. Vacila no dígrafo lh e oscila no g, um dos grafemas que mais se demarcou do modelo gotizante. Coincidentemente treme no “Magalhães”, o nome da família que garantiu a permanência do cânone gráfico medieval na documentação do município, levando a escrita gótica até à segunda metade de Quinhentos. Mas o seu tempo estava a finar-se. Era chegado o tempo da escrita moderna, sob a forma da humanística, que os seus dois filhos, Nuno Fernandes de Magalhães e Afonso de Torres de Magalhães, acabariam por adotar, em prol da memória concelhia de Lisboa.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

Manuscritas

Arquivo Municipal de Lisboa

Livro 2º de D. Duarte e D. Afonso V

Livro 1º de D. Manuel..

Livro 3º de D. Manuel..

Livro 2º de D. João III

Livro 3º de D. João III

Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião

Livro 2º do provimento do pão.

Livro 1º de contratos

Livro 1º de cortes

Livro 8º de escrituras de aforamentos

Livro 9º de escrituras de aforamentos

Livro 10º de escrituras de aforamentos

Livro 11º de escrituras de aforamentos

Livro dos regimentos dos vereadores e oficiais da Câmara [Livro Carmesim]

Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás dos reis D. João III, D. Sebastião, D. Filipe I..

Livro 3º da vereação

Livro 1º de assentos do Senado

Livro 1º de registo de posturas e regimentos

Livro do lançamento e serviço que a cidade de Lisboa fez a el rei nosso senhor no ano de 1565

Livro primeiro do tombo das propriedades foreiras a Camara desta mvito nobre, e sempre leal cidade de Lixboa

Livro da escritura da instituição do morgado de Afonso de Torres

Livro 1º do Hospital de S. Lázaro

Livro 1º de fianças de escravos

Livro dos Pregos

 

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Chancelarias régias

D. Manuel, liv. 18..

D. João III, livs. 18, 37, 49

D. Sebastião, livs. 42, 43

D. Filipe I, livs. 11, 13

 

Corpo Cronológico

Parte I – mç. 6, nº 11; mç. 19, nº 67; mç. 29, nº 32; mç. 69, nº 32; mç. 74, nº 78; mç. 76, nº 34; mç. 76, nº 63; mç. 76, nº 73 e nº 95; mç. 77, nº 87; mç. 78, nº 8; mç. 82, nº 14; mç. 112, nº 91

Parte II – mç. 50, nº 168

 

ESTUDOS

COELHO, Maria Teresa Pereira – Existiu uma escrita manuelina? Estudo paleográfico da produção gráfica de escrivães da corte régia portuguesa (1490-1530). Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.         [ Links ]

FERNANDES, Valentim, ed. – Ordenações Manuelinas. Lisboa: CEHUN, 2002. liv. I. ed. fac. simil., 1512-13.         [ Links ]

GAIO, Manuel José da Costa Felgueiras – Nobiliário de famílias de Portugal. Braga: Agostinho de Azevedo Meirelles, 1938.         [ Links ]

LALANDA, Margarida Sá Nogueira – Práticas notariais e o acervo histórico da Câmara Municipal de Lisboa. In COLÓQUIO UM ACERVO PARA A HISTÓRIA, 2, Lisboa, 2015 - Atas. Lisboa: AML, 2015.         [ Links ]

LEÃO, Duarte Nunes – Leis Extravagantes e repertório das Ordenações. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. fac. simile, 1569.         [ Links ]

LISBOA. Câmara Municipal – A evolução municipal de Lisboa: pelouros e vereações. Lisboa: Câmara Municipal, 1996.         [ Links ]

LISBOA. Arquivo Municipal - Livro dos Pregos. Lisboa: AML, 2016.         [ Links ]

LOUREIRO, Sara de Menezes – Afonso Mexia, escrivão da câmara e da fazenda de D. Manuel e de D. João III. Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.         [ Links ]

MACEDO, Luís Pastor de; ARAÚJO, Norberto de – Casas da Câmara de Lisboa. Lisboa: CML, 1951.         [ Links ]

NUNES, Eduardo Borges – Álbum de paleografia portuguesa. Lisboa, 1969.         [ Links ]

PAULO, Jorge Ferreira – A escrita humanística na documentação régia de Quinhentos. Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.         [ Links ]

PETRUCCI, Armando – Funzione della Scrittura e terminologia paleográfica. In Palaeographica Diplomática et Archivistica. Roma: Édizioni di Storia e Letteratura, 1979.         [ Links ]

ROLDÃO, Ana Filipa Firmino Sequeira Pinto – A memória da cidade: administração urbana e práticas de escrita em Évora (1415-1536). Lisboa, [s.n.], 2011. Tese de doutoramento em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.         [ Links ]

Santos, Maria José Azevedo – Ler e compreender a escrita na Idade Média. Coimbra: Colibri, 2000.         [ Links ]

SANTOS, Maria José Azevedo – Assina quem sabe e lê quem pode. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2004.         [ Links ]

 

submissão/submission: 24/08/2017

aceitação/approval: 17/11/2017

 

 

NOTAS

* Jorge Luís Ferreira Marques Paulo é licenciado em História e mestre em Paleografia e Diplomática, com a tese “A escrita humanística na documentação régia portuguesa de Quinhentos”. Prossegue estudos na área da Paleografia. Como atividades profissionais, divide o tempo pelo ensino da História e pela Olisipografia, área a que se dedica através de estudos de caráter histórico e patrimonial, para entidades públicas e privadas, por toda a cidade de Lisboa, tendo já publicado alguns artigos nos Cadernos do Arquivo Municipal. A sua publicação mais recente data de 2016, em coautoria, História do Palácio Portugal da Gama. In Palácio Portugal da Gama / S. Roque. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia. Correio eletrónico:jfpaulo@netcabo.pt

1Cf. LISBOA. Arquivo Municipal – Livro dos Pregos. Lisboa: AML, 2016. p. 314.

2Por alvará de 1461/02/25, podia “andar em bestas muares” (Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 2º de D. Duarte e D. Afonso V, f. 43). Por carta régia de 1476/12/02, foi isento da prestação de serviço militar (Cf. LISBOA. Arquivo Municipal – Livro dos Pregos. Lisboa: AML, 2016. p. 577).

3 Veja-se, por exemplo, a convocatória de 1506, março, 03, de D. Manuel – “pera vos fallarmos” (Cf. AML, Livro 1º de D. Manuel, f. 121). Sobre a proximidade peculiar entre a coroa e a Câmara de Lisboa, veja-se LALANDA, Margarida Sá Nogueira – Práticas notariais e o acervo histórico da Câmara Municipal de Lisboa. In COLÓQUIO UM ACERVO PARA A HISTÓRIA, 2, Lisboa, 2015 - Atas. Lisboa: AML, 2015. p. 179-180.

4Conforme o alvará de 1539/03/12, que definia o assento do tesoureiro da cidade sempre que fosse à câmara – “no bamquo onde se hasemta o esprivam da camara, e o veador das obras e o comtador” (Cf. AML, Livro dos regimentos dos vereadores e oficiais da câmara [Livro Carmesim], f. 29). Em 1540, o rei reforçaria o estatuto daquele banco (Cf. AML, Livro Carmesim, f. 39).

5Considerava o monarca que o estado dos assentos “preverte, e deturpa a boa armonia, gravidade, e ordem que deve haver no mesmo Senado”, isto em resultado da “variedade, que pelas Revoluçoens, e vicissitudes dos tempos cauzaram diversos interesses particulares na ordem dos Assentos”. Doravante, uma única mesa, com o presidente à cabeceira, ladeado pelos vereadores, escrivão da câmara, à direita, e procurador da cidade, à esquerda, todos em bancos estofados e de espaldar (Cf. AML, Livro Carmesim, f. 227-227v.).

6AML, Livro Carmesim, f. 8v.-28v.

7 AML, Livro Carmesim, f. 22-24.

8Tudo porque recebera informação que aqueles livros “não andão naquella goarda que devem” (Cf. AML, Livro 1º de D. Manuel, f. 42-43). Alguns anos depois, em 1512, sobre a arca do concelho, um outro conjunto normativo – as Ordenações Manuelinas – estipula, no Título XI, sobre o “escriuam da camara e cousas que a seu officio pertençem”, que o escrivão “no consentira que cousa alguma das sobreditas que na dita arca esteuerem se tirem fora della pera nenhuma parte, saluo quando alguma escritura for necessaria se tirara na casa da camara onde tal arca esteuer” (Cf. FERNANDES, Valentim, ed. – Ordenações Manuelinas. Lisboa: CEHUN, 2002. Liv. I, f. lxxxi -lxxxii. ed. fac. simil., 1512-13).

9Sobre o papel do escrivão da câmara na administração concelhia e como foi responsável pela produção, reprodução e conservação do património escrito daquele concelho, construindo memória, veja-se ROLDÃO, Ana Filipa Firmino Sequeira Pinto – A memória da cidade: administração urbana e práticas de escrita em Évora (1415-1536). Lisboa: [s.n.], 2011. p. 157-173. Tese de Doutoramento em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

10Cristóvão de Magalhães recebeu mercê do ofício de escrivão da câmara por alvará régio de 1579, maio, 18. Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), Chancelaria de D. Sebastião, liv. 42, f. 263v.

11AML, Livro Carmesim, f. 114. (carta régia datada de 1639, abril, 13)

12Cf. GAIO, Manuel José da Costa Felgueiras – Nobiliário de famílias de Portugal. Braga: Agostinho de Azevedo Meirelles, 1938. t. XIX, p. 228.

13AML, Livro Carmesim, f. 159-160v. (carta régia datada de 1685, maio, 05).

14GAIO, Manuel José da Costa Felgueiras – op. cit., p. 228-229.

15AML, Livro primeiro do tombo das propiedades foreiras a Camara desta mvito nobre, e sempre leal cidade de Lixboa, f. 204.

16AML, Livro 1º de D. Manuel, f. 121.

17AML, Livro 3º de D. Manuel, f. 87 e 88, de 1510.

18Em 1510 (maio, 07), por exemplo, recebe instruções para fazer o assento do treslado de uma carta régia, a fim de passar a haver quatro dias de câmara, em vez de três (Cf. AML, Livro 3º de D. Manuel, f. 73-73v.).

19AML, Livro dos Pregos, doc. 494, f. 316v.

20AML, Livro dos Pregos, doc. 494, f. 316v. – “E pera daquy em deante nos praz que o spriuam que o propio spriuam da camara per ssy lleixar tenha autoridade de fazer pubrico nas sprituras que fezer”.

21Em várias escrituras de aforamentos, entre 1520 e 1522, há referências à sua atividade (AML, Livro 8º de escrituras de aforamentos).

22AML, Livro 2º de D. João III, f. 8; AML, Livro primeiro do tombo..., f. 507 (dezembro, 31); Idem, ibidem, f. 119 (agosto, 23).

23ANTT, Chancelaria de D. Manuel, liv. 18, f. 124.

24ANTT, Chancelaria de D. João III, liv. 37, f. 141v.

25ANTT, CC, Parte II, mç. 50, nº 168; no recibo inserto nesta provisão de D. Manuel encontra-se a assinatura autógrafa de Cristóvão de Magalhães (V. Fig. 2).

26ANTT, Chancelaria de D. João III, liv. 49, f. 145, e liv. 37, f. 63v.

27AML, Livro primeiro do tombo…, f. 261v., de agosto, 25, e f. 128v., de novembro, 22.

28 AML, Livro Carmesim, f. 40.

29 AML, Livro Carmesim, f. 35v., de novembro, 17; f. 36v.-37v.; f. 29, de março, 12; f. 39, de agosto, 18; f. 44v.

30AML, Livro Carmesim, f. 48 e f. 49, respetivamente.

31AML, Livro Carmesim, f. 46, de março, 30.

32AML, Livro 3º de D. João III, f. 45-46v., de fevereiro, 02.

33AML, Livro Carmesim, f. 28v., de junho, 13, em que escreve o auto de assento de confrade do príncipe D. Sebastião, na Confraria de Santo António (1554, junho, 13).

34AML, Livro primeiro do tombo…, f. 258.

35AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 62.

36AML, Livro primeiro do tombo…, f. 328v.

37AML, Livro primeiro do tombo…, f. 12.

38A posse ocorreu oito dias depois do alvará, a 9 de setembro (Cf. AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 35v.).

39AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 36, por alvará de 1572, outubro, 15.

40AML, Livro primeiro do tombo..., f. 142-142v.

41Como exemplo: uma subscrição de um documento (AML, Livro Carmesim, f. 50v., de 1572, abril, 10); redige e assina um recibo (AML, Livro Carmesim, f. 51, de 1573, janeiro, 10); em maio, 20, permanecia em funções, testemunhando num contrato entre a Câmara e a Coroa, na qualidade de escrivão da câmara (AML, Livro Carmesim, f. 60v.- 65); pouco depois, no dia 26, é responsável por um assento (AML, Livro Carmesim, f. 42v.-44).

42AML, Livro Carmesim, f. 51.

43AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 57v.

44AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 100.

45AML, Livro primeiro do tombo…, f. 156.

46 AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 126 e f. 126v. Em 1570, na qualidade de procurador do concelho, fora responsável pelo treslado do alvará que nomeia António Nunes. Em 1574, dezembro, 31, a cidade recompensa Álvaro de Morais pelos serviços prestados, como procurador e como alcaide, fazendo-lhe mercê “de hum oficio da dita cidade que nelle caiba o primeiro que vagar não prejudiquãodo aos prouidos” (AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 57v.).

47AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 132v.

48ANTT, Chancelaria de D. Sebastião, liv. 43, f. 109v. A posse foi-lhe dada em 1579 (janeiro, 03), cujo assento e o juramento foram feitos nas costas do alvará (Cf. AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 135).

49AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., doc. 165, f. 135, 137-138.

50ANTT, CC, Parte I, mç. 112, nº 91; ANTT, Chancelaria de D. Sebastião, liv. 44, f. 339; ANTT, Chancelaria de D. Filipe I, liv. 13, f. 75 e liv. 11, f. 91v.

51Há muita documentação com intervenção do escrivão Afonso Torres de Magalhães. Exemplificando, através do Livro Carmesim: f. 52v. e 54, de 1575, dezembro, 17, assina uma carta de confirmação; f. 54v.-55, de 1575, dezembro, 13; f. 55v.-57v., de 1579, julho, 12 – “o fez escrever”; f. 58-58v., de 1579, outubro, 9, registado por ordem do escrivão; f. 67v.-70v., 1585, maio, 23 - “o fez escrever”; treslado de vários documentos sobre os privilégios dos cidadãos de Lisboa – “o fiz treladar e asiney em publico”; f. 71, de 1585, junho, 22, assina o treslado do alvará que concedia à Câmara o provimento de nomeação dos seus ofícios; f. 71v., 1586, janeiro, 02 - “o fiz escreuer”, subscreve um doc. escrito por Domingos da Cunha; f. 72, 1514, subscreve e assina; f. 74v.-75, 1591, dezembro, 26, – “o qual asento se fez e asinou em Câmara [...] e o asinarão perante mim [...] escrivão da ditta Câmara que ho escrivi”; f. 77 a 85, 1591, julho, 30, registou o novo regimento, que definia que o escrivão da câmara estará presente às vereações e registará os despachos; f. 76v., 1591.

52AML, Livro primeiro do tombo…, f. 394, de junho, 20.

53AML, Livro 1º de assentos do Senado, f. 88 e 89-89v.; AML, Livro primeiro do tombo…, f. 359.

54AML, Livro 1º de registo de posturas e regimentos, f. 97.

55AML, Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião, f. 7v.

56AML, Livro da escritura da instituição do morgado de Afonso de Torres, f. 27v.

57Cf. MACEDO, Luís Pastor de; ARAÚJO, Norberto de – Casas da Câmara de Lisboa. Lisboa: CML, 1951. p. 41-55.

58AML, Livro 1º de fianças de escravos [Livro em que se tomam As fianças dos escrauos cativos que Andam por companheiros nas barquas E bateis que começam a bj de nouembro de jvcRix].

59A primeira forma é utilizada por 55 vezes, correspondendo a 32% dos casos, e a segunda por 102 vezes, correspondendo a 60% das situações (AML, Livro 1º de fianças de escravos). Em variantes esporádicas surgem igualmente as formas “em casa de mim” (Idem, ibidem, f. 13-13v. e f. 126v.-127) e “casas da morada” (Idem, ibidem, f. 3-4, f. 4-5, f. 5v.-6 e f. 11-11v.). Apenas por duas vezes é mencionada a “camara da vereaçam desta cidade” (Idem, ibidem, f. 81v.-82 e f. 143v.-144).

60AML, Livro da escritura da instituição do morgado de Afonso de Torres, f. 27v.; AML, Livro do lançamento e serviço..., f. 480.

61AML, Livro 1º de contratos, doc. 10, f. 26, de 1555.

62ANTT, Chancelaria de D. João III, liv. 18, f. 58v., de julho, 10; AML, Livro dos Pregos, doc. 515, f. 331 (redigida pelo escrivão régio Pero Henriques, um dos primeiros a introduzir elementos de hibridação humanísticos na sua escrita, ainda na década de 1530, cujo tipo gráfico se assemelha ao de João do Sal).

63Cf. PAULO, Jorge Ferreira – A escrita humanística na documentação régia portuguesa de Quinhentos. Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de Mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. p. 71-79.

64Cf. LEÃO, Duarte Nunes – Leis extravagantes e repertório das Ordenações. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. p. 54v., na Parte I, Lei XI, Título XXII. fac. simile, 1569.

65AML, Livro 1º de fianças de escravos – são exemplos: “diogo barbosa e symão luís meus criados” (f. 65v.; 1550); “diogo barbosa e dioguo barbosa meus criados [sic]” (f. 83v.; 1551); “amdre machado e amtonio varella que esta fez meus criados” (f. 114v.; 1553); “bertollameu barbosa e ffrancisco da costa meus criados” (f. 144v.; 1555); “Francisco da Costa e allvaro de gouvea meus cryados” (f. 148v.; 1555); “luis dante criado do sobredito Cristovão” (f. 168v.; 1556).

66Sobre a importância das assinaturas e a sua relação com o processo da escrita veja-se SANTOS, Maria José Azevedo – Assina quem sabe e lê quem pode. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2004.

67Cf. LEÃO, Duarte Nunes, op. cit., p. 53 (Primeira parte, Título XXII, Lei IIII – “que qualidades teerão os que por elles seruirem”).

68AML, Livro 2º de D. João III, f. 159; AML, Livro 2º de D. João III, doc. 67B, f. 96, uma em 1535, fevereiro, 16, e outra em 1542, julho, 29. No ano de 1548, redige um assento de compra de um sino para Lisboa (outubro, 22).

69As casas que comprou eram foreiras à Câmara (Cf. AML, Livro 10º de escrituras e aforamentos, f. 14-15, de dezembro, 31); Confrontavam com casas suas (Cf. AML, Livro do tombo…, f. 444-444v.).

70AML, Livro 1º de consultas e decretos de D. Sebastião, f. 19-20; AML, Livro do tombo..., f. 321.

71AML, Livro do lançamento e serviço..., f. 520.

72“Dos orfãos que João do Sal escrivão delles mandou a esta Cassa do Lançamento per sua certidão” (AML, Livro do lançamento e serviço..., f. 685).

73AML, Livro do lançamento e serviço..., f. 2.

74AML, Livro Carmesim, f. 42v.-44, de maio, 26.

75AML, Livro Carmesim, f. 47-47v., 1557, “Simão Luis o fez”; Idem, ibidem, f. 51, 1573, “Simão Luis o scpreuy”. AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 35v. e 36.

76Respetivamente, nos dias 1 e 9 (AML, Livro 3º de registo de ofícios, regimentos e alvarás..., f. 35v.).

77Cf. AML, Livro primeiro do tombo..., f. 3v. – “numerado e assinado em todas as folhas pelo juiz do Tombo, o licenciado Luís Lourenço”.

78AML, Livro primeiro do tombo..., f. 2-3.

79AML, Livro 3º da vereação (vários registos).

801541: um pedido para um despacho a requerimento do procurador da cidade (ANTT, CC, Parte I, mç. 69, nº 32); 1544: um pedido de compensação pela quantia exigida à cidade pelos oficiais régios (ANTT, CC, Parte I, mç. 74, nº 78); 1545: uma exposição acerca de umas galés chegadas ao porto de Lisboa (ANTT, CC, Parte I, mç. 76, nº 63); 1545: uma exposição sobre a prisão de um moedeiro (Cf. ANTT, CC, Parte I, mç. 76, nº 95).

81Dos vereadores D. Garcia de Sá (1535-1542), D. Pedro de Moura (1535-1542), D. António de Sousa (1544-1545), Lopo de Brito (1543-1549), Cristóvão Mendes de Carvalho (1543-1549) e do procurador da cidade Brás de Pina (1544-1549).

82Sobre a escrita e a atividade gráfica destes escrivães veja-se COELHO, Maria Teresa Pereira – Existiu uma escrita manuelina? Estudo paleográfico da produção gráfica de escrivães da corte régia portuguesa (1490-1530). Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática da Faculdade de Letras de Lisboa da Universidade de Lisboa. Sintetiza a autora, como características daquela escrita, que se afirma a partir de 1500: a diminuição da extensão das hastes e prolongamentos; o arredondamento dos traços das letras com compressão horizontal da escrita; o aparecimento de novas formas de algumas letras; a libertação de espaço entre palavras e linhas, conferindo um aspecto mais leve à mancha de texto. Já sobre o escrivão Afonso Mexia, em particular, veja-se LOUREIRO, Sara de Menezes – Afonso Mexia, escrivão da câmara e da fazenda de D. Manuel e de D. João III. Reconstituição e análise da sua atividade como redator e escrivão de diplomas régios. Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

83Cf. NUNES, Eduardo Borges, op. cit., p. 20-24; COELHO, Maria Teresa Pereira, op. cit.

84Acerca dos conceitos-base a ter em conta na análise das escritas veja-se NUNES, Eduardo Borges, op. cit. (introdução); Santos, Maria José Azevedo – Ler e compreender a escrita na Idade Média. Coimbra: Colibri, 2000.

85Dos escrivães Bartolomeu Barbosa e Álvaro de Gouveia identificaram-se poucos testemunhos gráficos: “eu bertolameo barbosa que ho esprevy”, 1555 (AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 148-148v. e 149-149v.); “eu alluaro de gouuea que este escriuy”, 1556 (AML, Livro 1º de fianças de escravos, f. 168-168v.).

86 A escrita pré-encadeada evoluirá em certos meios gráficos, sobretudo no notariado, para a encadeada, formando uma espécie de cadeia ininterrupta (Veja-se NUNES, Eduardo, op. cit., doc. 114, de 1564).

87PETRUCCI, Armando – Funzione della Scrittura e terminologia paleográfica. In Palaeographica Diplomática et Archivistica. Roma: Édizioni di Storia e Letteratura, 1979. p. 10.

88AML, Livro do lançamento e serviço

89AML, Livro 9º de escrituras de aforamentos, f.11, l. 19; f. 11, l. 35; f. 11v., l. 19; e f. 17, l. 18.

90Os primeiros escrivães régios a utilizar o g humanístico, nas provisões de sua autoria gráfica, foram Pêro Álvares de Landim (uma vez), Álvaro do Avelar (duas vezes) e Pêro Henriques (14 vezes, sendo a primeira em 1530), geralmente na primeira linha do texto. Acerca dos primeiros elementos de hibridação humanística utilizados na escrita documental das escrivaninhas régias veja-se PAULO, Jorge Ferreira, op. cit., p. 97-105.

91Cf. PAULO, Jorge Ferreira, op. cit., p. 96-136.

92Manuel da Costa (1523-1558), 23; João de Seixas (1538-1579), 14; Gaspar Pimentel (1544-1547), 19; Jorge da Costa (1549-1576), 19; Gaspar de Seixas (1567-1579), 17; João da Costa (1572-1578), 14.

93Sebastião da Costa esteve ativo entre 1522 e 1545, redigindo pelo menos 13 documentos endereçados à Câmara de Lisboa, sempre com o mesmo padrão gráfico (Cf. PAULO, Jorge Ferreira, op cit., anexos, p. 69).

94António Ferraz esteve ativo entre 1542 e 1551, tendo redigido 11 provisões destinadas ao Senado da Câmara de Lisboa (Cf. PAULO, Jorge Ferreira, op. cit., p. 126-129).

95Entre os anos de 1542 e 1578, estão identificados 17 escrivães régios a grafar em escrita humanística pura.

961579, novembro, 13: excluindo os oficiais régios da eleição para procurador fidalgo (AML, Livro 1º de cortes, doc. 40); 1579, novembro, 22: relembrando que aguardava informação da eleição dos procuradores que representariam o concelho nas cortes de Almeirim (AML, Livro 1º de cortes, doc. 41); 1579, dezembro, 13: estranhando o atraso dos procuradores da cidade, (AML, Livro 1º de cortes, doc. 38); 1580, janeiro, 01: solicita o envio de novas procurações para os procuradores (AML, Livro 1º de cortes, doc. 44); 1580, janeiro, 09: pede celeridade na resposta dos assuntos comunicados em cortes para que as cortes possam ser dadas por terminadas (AML, Livro 1º de cortes, doc. 45).

97Contudo, na década de 1570 são muitos os testemunhos documentais redigidos em escrita humanística, como se verifica, por exemplo, pelo Livro de registos de ofícios, regimentos e alvarás…, em que se verifica a diferença entre a produção escrita até 1570 e depois dessa data, em que, sobretudo, se afirmam duas modalidades de humanística, uma mais cursiva (f. 29, 37v.-38, 38-38v., 39, 39v.-41), anterior, e outra mais regular, a caminho da cancelleresca (f. 147-150v., 154-156v., 163v.-167), mais tardia.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons