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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-2176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.7 Lisboa jun. 2017

 

ARTIGO

Colégio de S. Francisco Xavier de Lisboa: arquitetura e ornamento1

Lisbon's São Francisco Xavier College: architecture and ornament

 

Inês Maria Melo Gato de Pinho*

CERIS – Civil Engineering Research and Innovation for Sustainability, Instituto Superior Técnico / Universidade de Lisboa, 1049-001 Lisboa, Portugal.

 

RESUMO

Falar de Lisboa e das artes decorativas conduz-nos aos espaços sacros que povoam esta cidade. A Companhia de Jesus, com seis fundações na capital, notabilizou-se por conceber espaços em que arquitetura e artes decorativas compõem um projeto integrado ao serviço da espiritualidade e propaganda cristã. Um desses edifícios é o Colégio de São Francisco Xavier, fundado em 1682 e adaptado a Hospital da Marinha no final do século XVIII 2. Apesar do edifício militar ter sido alvo de vários estudos, a ocupação jesuíta tem sido tratada de forma menos incisiva, bem como o seu acervo decorativo. Por esse motivo, propomo-nos, com esta investigação, analisar fontes primárias de diferentes tipos e proveniências, de forma a coligir os detalhes da fundação e construção do colégio. Propomo--nos também analisar uma igreja com um modelo arquitetónico diferente do que é normalmente atribuído ao templo jesuíta, e que, longe da grandiosidade e fausto de S. Roque e Santo Antão, merece atenção no que se refere à forma como se socorreu do ornamento para dignificar o seu espaço litúrgico.

 

PALAVRAS-CHAVE

Companhia de Jesus / Reforma católica / Arquitetura / Ornamento / Colégio

 

ABSTRACT

Speaking of Lisbon and the decorative arts leads us to the sacred spaces that populate this city. The Society of Jesus, with six foundations in the capital, was notable for designing spaces in which architecture and decorative arts make up an integrated project at the service of spirituality and christian propaganda. One such building is the São Francisco Xavier College, adapted to Hospital da Marinha. Although the military building has been the subject of several studies, the Jesuit occupation has been treated less incisively, as well as its decorative heritage. For this reason, we propose, with this investigation, to analyze primary sources of different types and origins, in order to collect the details of the foundation and construction of the college. We also propose to analyze a church with an architectural model different from that normally attributed to the Jesuit temple, and which, far from the grandeur and pomp of S. Roque and Santo Antão, deserves attention in regard to the way in which the ornament dignify its liturgical space.

 

KEYWORDS

Society of Jesus / Catholic reformation / Architecture / Ornament / College

 

 

NOTA INTRODUTÓRIA

Tal como em qualquer cidade portuguesa, os edifícios religiosos de Lisboa são marcos fundamentais na estrutura urbana. Igrejas paroquiais, ermidas, conventos e mosteiros de diferentes ordens religiosas são, muitas vezes, polos geradores de microurbanidades que compõem a grande urbe e verdadeiros repositórios de arte no que se refere à sua ornamentação interior. Aos primeiros edifícios religiosos construídos no período medieval, juntaram-se, na Idade Moderna, novos complexos decorrentes do crescimento da cidade e alteraram-se formas e organizações espaciais resultantes de transformações ideológicas, políticas e religiosas. À diversidade de formas juntou-se a multiplicidade de acabamentos decorativos, fruto das tendências e recursos materiais de cada época e da imaginação e mestria de diferentes artistas. Às fundações existentes, e acompanhando a cidade em crescimento, foram-se adicionando e multiplicando novas implantações das mesmas ordens, de congregações reformadas e de novas organizações religiosas. Destas, destacamos um novo instituto fundado por Inácio de Loyola – a Companhia de Jesus (CJ) – que só em Lisboa teve seis casas3.

Grande parte das igrejas que mantiveram o culto até à atualidade e que perpetuam a ornamentação do período áureo jesuíta (1540-1759) apresenta uma imensa complexidade decorativa, conjugando azulejaria, talha, embutidos de pedra, escultura, pintura e ourivesaria. Mas desta Lisboa sacra de uma riqueza patrimonial imensa, para além da herança móvel e imóvel, chega-nos também a evocação de um património imaterial: a memória de edifícios outrora sagrados, palco de diferentes manifestações artísticas, que foram transformados em laicos pelas convulsões sociais e políticas que afetaram o país, nomeadamente a extinção das ordens religiosas (1834) e a implantação da república (1910).

Há ainda muito por investigar relativamente à organização espacial e complexidade ornamental de grande parte das igrejas inseridas em complexos colegiais jesuítas (hoje muito adulterados), construídos nos séculos XVII e XVIII, num momento pautado por fundações sistemáticas de colégios de pequena e média dimensão. É neste grupo que se insere a igreja e o Colégio de S. Francisco Xavier de Lisboa, localizado no Campo de Santa Clara [figura 1], que terá sido adaptado pelo arquiteto Francisco Xavier Fabri (1761-1817) a Hospital da Marinha [figura 2 e figura 3] após a expulsão dos jesuítas4. No entanto, é possível ter um entendimento geral do que seria aquele espaço e lançar hipóteses relativas à forma e decoração da sua igreja, através da análise de fontes disseminadas por diferentes arquivos e bibliotecas, e que nos propomos explorar no presente estudo.

 

 

 

 

 

A fundação do colégio de S. Francisco Xavier

Num estudo desta natureza, ainda que direcionado para as artes decorativas, é fundamental contextualizar a génese do edifício. O colégio é uma tipologia arquitetónica específica da Companhia de Jesus. Não sendo o objetivo primeiro deste instituto religioso a construção de estabelecimentos escolares, o sucesso do ratio studorium5 jesuíta suscitou o interesse de diferentes monarcas, que solicitaram a criação de colégios nos seus territórios tornando esta a tipologia arquitetónica inaciana mais difundida pelo mundo.

O ensino ministrado nestes colégios balizava-se entre o que é hoje o ensino primário e a universidade. Muito para além de lecionar as primeiras letras, ensinavam-se ciências sociais (moral, filosofia, latim, retórica, etc.) e ciências exatas (astronomia, fortificação, arte de navegar, etc.). Nos grandes colégios, como Santo Antão, ministravam-se disciplinas num grau que hoje poderia corresponder ao ensino secundário e nos colégios de menor dimensão complementava-se essa formação com o ensino básico, socorrendo populações menos letradas. As aulas eram gratuitas e recebiam todo o tipo de público, incluindo a juventude laica de todos os níveis socioeconómicos.

Terá sido esta conjugação de fatores, que impressionava Lisboa através do êxito do ensino do Colégio de Santo Antão-o-Novo, que terá levado Jorge Fernandes Vila Nova, homem nobre, piedoso, rico e sem herdeiros6, a patrocinar a fundação de um novo colégio na mesma cidade. O autor do manuscrito História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa7, membro da Companhia de Jesus8, dá-nos informações mais precisas sobre o fundador, descrevendo-o como “homem nobre natural e morador desta cidade [de Lisboa], na qual servio a republica com ocupaçam honrada e rendosa que junta com a fazenda herdada de seos pays lhe dava pera viver nam só com sufficiencia mas tambem com larguesa e abundancia”9. Afirma também que Vila Nova sempre admirou a CJ, reconhecendo-lhe a qualidade do ensino. Preocupado com a educação dos jovens, considerava que Lisboa, pela forma desenfreada como crescia e pela sua extensão, precisava de mais dois colégios jesuítas, para além de Santo Antão-o-Novo10. Na sua opinião, os locais ideais para as novas fundações seriam em Alfama e junto do convento das Religiosas da Esperança, “pera os que vivem naquele sitio, e se avisinham à nova porta de Alcantera”11.

Como não teve capacidade financeira para fundar os dois colégios, optou por patrocinar apenas o de Alfama, tornando-o seu herdeiro universal e deixando claras as suas intenções na redação do seu testamento, assinado antes da sua morte que ocorreu a 7 de março de 1677. Pretendia que se fundasse um colégio onde se ensinasse a ler, a escrever e contar às crianças, mas também a doutrina cristã. Queria que o ensino fosse ministrado aos mais pequenos, “mas que também alcançasse os mesmos pays, dos quaes sam muytos homens do mar, e como taes lhe[s] seria muy conveniente poderem tomar huma liçam de Nautica”12, acrescentando ainda que esta deveria ter lugar aos domingos e dias santos, por serem esses os dias em que os homens do mar estavam menos ocupados.

Para além da obrigação do ensino, impôs como condições que o colégio doasse todos os anos uma esmola de sessenta mil réis a favor dos missionários jesuítas da China e outro tanto anual para os cativos. Deixou ainda a obrigação de se rezarem duas missas quotidianas pela sua alma e outras duas pela de seu pai13.

Relativamente à localização do edifício, o fundador deixou escrito que gostaria que se implantasse

no lugar mays commodo que pera isso ouvesse, qual lhe parecia ser o de Nossa Senhora do Paraiso, se os Irmãos, a quem pertence a dita igreja, fossem contentes de conseder a ditta igreja pera que ella o fosse do Collegio que naquelle sitio desejava se fundase, o que entendia seria muyto conveniente pera a igreja se melhorar, sem que a irmandade recebesse detrimento algum antes muyta utilidade, como tinham bem experimentado a Irmandade de Sam Roque, (...), continuando o governo da Irmandade os mesmos que a governavam, e administrando tudo o que pertencia à Irmandade, do mesmo modo que faziam antes da doaçam que da ermida fizeram aos Padres14.

Apesar do apoio régio15, a fundação em Alfama não foi pacífica. Francisco Rodrigues16, historiador da Companhia de Jesus, dá-nos conta de uma carta escrita a 12 de julho de 1678 pelo padre António Vieira (1608-1697) e enviada a Duarte Ribeiro de Macedo (1618-1680), revelando as dificuldades:

Ficamos ao presente em um grande pleito com Manuel Roiz Leitão e a Congregação dos Quentais, a qual se atravessou a querer fundar nova casa no sitio e igreja de N. S.ª do Paraíso, tendo a Companhia licença para fundar naquele bairro, com obrigação de três classes, uma de ler e escrever, outra de latim e a terceira de náutica, dotadas por um defunto. Defende e patrocina a parte dos Quentais o Conde de Vilar Maior, e tem aplicado a isso tôda a sua omnipotência, com meios tão violentos que chegou a proibir os administradores da dita igreja que não fizessem petição a S. A. sôbre a quererem dar antes à Companhia, como quer parte dêles17.

No ano seguinte, em março de 1679, o procurador da Companhia de Jesus, Agostinho Lousado, escreve uma carta aos superiores dando notícia dos negócios relativos à fundação18. Nesta, refere a pressão que tem sido exercida para se transferir a licença de fundação em Alfama para uma quinta a duas léguas fora da cidade, pedida pelo vigário geral do Arcebispado. Apesar disso, a 16 de setembro de 1681 é redigida uma informação pelo Senado da Câmara de Lisboa e endereçada ao rei. Expõe a petição do provincial da Companhia de Jesus que, conjuntamente com Luís Sodré Ferreira, pede a remissão do foro (o fim do contrato de aforamento) de modo a ser utilizado pela CJ para a fundação do colégio.

Por Decreto de 11 de Agosto deste anno he Vossa Alteza servido se veja, e consulte neste senado a petição do Provençial da Companhia de jhesus em que Reprezenta que Vossa Alteza foy seruido Conceder liçenca para se fundar hum Colegio da Companhia no bairro de Alfama, E por que se offereçe hum sitio acomodado, que hé hum assento de cazas, posso, e orta que fica fora das portas da crus de luis sodré Ferreira, E he foreiro a este senado em dous mil E outenta reis cada anno, o qual este supplicante quer rimir19.

Face ao exposto, afirmam que os ministros do Senado devem analisar “o sitio em que os Padres determinão fundar este Colegio, e mandalo em sua prezença medir, e confrontar pelos medidores da Cidade e examinar se prejudica de algum modo esta obra a servidão pública”. A 12 de novembro de 1681, o Senado da Câmara de Lisboa dirige-se ao rei, expondo a sua apreciação positiva sobre a petição do provincial da Companhia de Jesus, acerca da compra da propriedade em Alfama:

Por resolução de Vossa Alteza de 18 de Septembro do presente anno Em consulta, que este senado fez a Vossa Alteza sobre o foro de 2$80 reis imposto em huas cazas, poço, e horta sitas em Alfama / de que o Senado he direyto senhorio / que pertende rimir o Provincial da Companhia de Jesus para a nova edificação do Collegio, que intenta naquelle sitio para a educação da puericia, E ensino da navegação20.

O Senado, dando conta da vistoria e medições que teve que fazer para avaliar a pretensão, refere que “se achou ser de grande utilidade a fundação deste Collegio; pois alem de não perjudicar o terceiro por não tomar couza alguma do publico, que seja de impedimento a serbentia dos moradores nem de pejamento a passagem livre do povo”, ainda aponta como muito conveniente a existência de um colégio que ministre as aulas referidas, viabilizando a remissão do foro pretendido. No entanto, adverte o monarca para a resistência que a Irmandade de Nossa Senhora do Paraíso está a demonstrar face ao negócio:

(...) E no cazo que Vossa Alteza seja servido permittir que se lhe venda na forma referida, deve ser sem que o tal foro ande em pregão; por quanto os jrmãos, E Mordomos da jrmandade de Nossa Senhora do Paraizo fizerão petição a este senado, em que pedião, que a venda do foro fosse á praça, por que querião lançar nelle como senhores de alguas propriedades vizinhas ao sitio: E neste requerimento se entende haver emulação, E dolo contra a pertenção dos Padres da Companhia, de maneira que chegando a hum excessivo lanço, ou os devirtão deste seu intento, ou se lhes remate o foro por muy exorbitante preço21.

Mais uma vez, o manuscrito História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa dá-nos informações importantes relativamente à fixação dos jesuítas na zona de Alfama: segundo o autor, os primeiros padres acomodaram-se em casas alugadas até que, 4 anos passados,

escolheram sitio proximo à igreja do Paraiso, e da mesma parte da igreja comprando humas casas que ainda nam erão largas, nellas acommodaram em dous pequenos corredores alguns aposentos em que assiste de ordinario como superior o Mestre de Latim e o da Eschola, e outro sogeyto mays que tem cuydado das cousas da casa.

O culto e o apoio espiritual à população fazia-se numa “pequenina igreja, em que se colocou o Senhor em Dezembro de 1682, tempo do qual se começa a contar a fundaçãm”. Quanto à igreja definitiva diz-nos que

tendo começado ha vinte sinco annos se tem adiantado tam pouco que se pode dizer que ainda nam começou, porque na igreja que há de ser ainda se nam lançou a primeyra pedra, e da fabrica que se determina fazer nada está feyto por difficuldades que se tem offerecido22.

Note-se que se trata de um testemunho redigido entre os anos de 1704 e 170823, contemporâneo ao período de funcionamento do colégio.

 

A IGREJA DO COLÉGIO: DA IMPLANTAÇÃO AO ORNAMENTO

Em 1712, o colégio já era referido pelo padre António Carvalho da Costa24 um dos edifícios sacros da freguesia de Santa Engrácia. Quanto ao edifício, refere apenas que tinha a porta a norte. Será Francisco Rodrigues quem nos dá conta do início da obra do colégio afirmando que “só em 1727 se pôs mão à obra, lançando-se a primeira pedra no dia 28 de Junho. O edifício era de construção sólida e ostentava certa grandiosidade”25.

Apesar de Rodrigues não referir a proveniência desta informação, podemos atestar que se faziam obras no colégio por esta época. O Arquivo Nacional Torre do Tombo conserva o documento Rol da obra que fiz de vedraças e consertos para o coleio [sic] desde o mes de Janeiro de 172826. A obra é maioritariamente na sacristia e não existem referências a outras zonas do colégio nesta data. No mesmo maço, encontramos outro documento interessante referente a despesas: em 1741, referia-se a conta de 378$325 “pagos em Génova ao Padre Tambini por 200 côvados de amoer ondado roxo, e 200 de ormezim carmezim, incluindo o frete, e descarga”27. Um côvado do sistema craveiro equivale, na escala métrica, a 0,6781 m28; assim, estamos perante uma encomenda de cerca de 135 metros de moer29 roxo e outros tantos de ormezino30 carmesim. Desconhecemos a finalidade da compra de tamanha quantidade de tecido, mas sugerimos que poderia ser para a decoração da zona do templo que, apesar de pequeno, teria que responder às exigências de decoração do espaço litúrgico.

Conseguimos apurar, na transcrição de um outro documento guardado no ANTT e que cremos inédito31, a data aproximada da construção da igreja. Trata-se de uma escritura32 que, a 12 de maio de 1744, oficializa o contrato de obras entre o colégio de S. Francisco Xavier de Alfama e o mestre pedreiro Domingos da Silva Lobo. Referindo--se ao padre Estêvão de Sequeira, superior do colégio, o tabelião refere que o contrato é relativo a “huma igreja nova cuja ja tem principiado” e que o ajuste é feito com o mestre apenas no que se refere ao “seu officio de pedreyro, e canteyro”. Apesar de não ser feita qualquer referência a um arquiteto, a construção foi devidamente estudada e muito provavelmente alvo de apreciação superior por parte do padre geral da Companhia de Jesus33. Uma das obrigações do mestre pedreiro é cumprir de forma rigorosa a planta fornecida pelo padre:

(...)o dito Mestre se obriga e toma por sua conta a fazer o dito edeficio e obra delle comforme a planta dada pello dito Padre Suprior isto somente pello que toca a pedreyro a qual sera a medição e avalliação da manufatura do dito edeficio e tão bem do lavor das pedras que se forem lavrando despois que elle Mestre principiar a fazer a dita obra34 (...) Item que elle Mestre nunca se apartará da metade ou risco que elle Padre Suprior lhe tem dado salvo fará com seu consentimento entendendo que a obra asim ficará mais prefeyta(...)35

Apesar de estar já começada a igreja do colégio, não sabemos se por respeito à vontade do fundador, se por obstinação da própria CJ, a discussão pela cedência da ermida de Nossa Senhora do Paraíso ao Colégio de S. Francisco Xavier continuava acesa. A igreja situava-se na freguesia de Santa Engrácia, na rua do Paraíso [figura 1, letra A da legenda original]. Com uma situação privilegiada, sobranceira ao Tejo, apresentava-se como o local ideal para o culto jesuíta.

Segundo Gonzaga Pereira36, a ermida do Paraíso passou a ser sede de paróquia de Santa Engrácia depois de uma tempestade, ocorrida a 15 de janeiro de 1630, ter inviabilizado o culto na igreja paroquial dessa freguesia. A nave comportava 300 pessoas e tinha apenas 3 capelas: a capela-mor, onde estava colocado o Santíssimo Sacramento, e duas capelas laterais. Na capela do lado do Evangelho estava colocada uma imagem de madeira de Nossa Senhora da Esperança e na capela do lado da Epístola uma imagem de madeira do Santo Cristo. De resto, toda a igreja tinha um grande número de imagens esculpidas neste material. No que se refere a pintura, possuía um quadro de Nossa Senhora das Dores e, no teto, uma pintura com uma alegoria ao Santíssimo Sacramento.

Um outro documento, igualmente à guarda do ANTT, mostra-nos que, a 15 de maio de 1748, ainda se discutia a pretensão jesuíta em ocupar a igreja. O parecer, dirigido ao Conde de Unhão por remetente desconhecido37, conclui que havia vontade dos padres da CJ em manter os privilégios concedidos à irmandade de Nossa Senhora do Paraíso:

Vi com effeito os papeis, e o dos Padres da Companhia só contem a proposta, que fazem á Irmandade de hum ajuste, que com ella pertendem fazer para fundarem huma nova igreja no sitio em que prezentemente existe a de Nossa Senhora do Paraizo, e para persuadirem a Irmandade, dizem que para caza e collocação da Senhora, escolhera a mesma Irmandade na nova igreja a Cappela, que milhor lhe parecer, que ficara perpetuamente da Irmandade, sendo esta administradora, como presentemente he, de todos os bens pertencentes á Senhora, e que os Padres da Companhia, lhe farião sancristia particular e caza de despejo, e que de nenhum modo contrarião em governo, ou administraçam da Irmandade; nem da sua Cappela;38

O redator dá ainda a entender que a irmandade terá rejeitado a pretensão sem justificações válidas e que, se quisesse justificar condignamente a objeção, até teria do seu lado a legislação, que não permitia que alguém fizesse contratos contra a sua vontade. Ainda assim, sugere-se que para a CJ ser bem-sucedida na empresa teria apenas que endereçar um pedido bem fundamentado ao rei, uma vez que, havendo interesses da igreja contra a igreja, ganharia a causa a parte que mais demonstrasse ir ao encontro do interesse público.

Sensivelmente um ano depois, o desembargador do Paço, frei Sebastião Pereira de Castro, envia um ofício ao secretário de estado do reino39 analisando a proposta inaciana e as justificações da irmandade. Na sua análise dá claramente razão à CJ, examinando um por um todos os entraves que a irmandade colocou, considerando-os insuficientes. O processo é, no entanto, inconclusivo e não conseguimos localizar qualquer sentença a favor do colégio de Alfama.

Os tempos que se seguiram a esta discussão não foram fáceis para os jesuítas. Em 1755, o grande terramoto afeta Lisboa. Apesar de nada ser referido relativamente ao colégio nas memórias paroquiais de 175840, o pároco da freguesia relata que os edifícios sacros de Santa Engrácia sofreram sérios danos. E ainda que o colégio não tenha sido afetado, certo é que a cidade e o país se encontravam num profundo alvoroço. Face a isto, a questão da cedência ou não da ermida seria certamente um assunto secundário.

Em 1759, a CJ é expulsa de Portugal e os padres do Colégio de S. Francisco Xavier enviados para a casa professa de S. Roque41. O edifício é provisoriamente administrado pelo Estado, que se responsabiliza pela manutenção do complexo. A documentação à guarda do Arquivo Histórico do Tribunal de Contas ilustra os gastos empregues nessas obras. Em 1760, pagava-se ao mestre pedreiro Jerónimo Francisco “pelas obras que foram precisas no dito colégio”, a Patrício dos Reis “pela madeira, pregos e jornaes que se dispendem na mesma obra” e ao serralheiro Silvestre Pereira por ferragens para o edifício; em 1761, pagava-se a Joaquim da Costa e José Gomes, “os materiaes e jornaes da obra que fizerão nos telhados da livraria”; em 1763 pagava-se a Manuel Joaquim “pella despezas que fez com materiaes e jornaes, na obra que se fez no telhado do dito colegio” e ao mestre Manuel Soares por obras feitas no edifício42.

Os documentos relativos ao sequestro dos bens do colégio43, que nos permitem conhecer os ornamentos, são fundamentais para caraterizar a igreja naquela época. Demonstram que, apesar de o culto se desenrolar numa pequena igreja, a atenção à decoração não era esquecida, até porque as artes decorativas auxiliavam diretamente a eucaristia.

A importância dos têxteis é normalmente subvalorizada e, no entanto, é fundamental para criar o ambiente do rito católico44. As cores são simbólicas e escolhidas de acordo com o calendário litúrgico. A paleta contém os tons branco, amarelo, dourado, encarnado, carmesim, rosa, roxo, verde e azul. Para além disso, a qualidade dos têxteis e o recurso a passamanaria nos remates eram alvo de especial atenção. Da listagem dos tecidos que se destinavam ao adorno da igreja do colégio, salientamos tecidos provenientes da Índia (“duas cortininhas e uma sanefa de damasco encarnado da Índia muito velho”, “duas sanefas pequenas de cetim branco da Índia”, “uma sanefinha de damasco da Índia carmezim”, “quatro pedaços de damasco verde da Índia”) e uma grande diversidade de outros têxteis: damascos, sedas, cetins, cabaia45, chamalote46, tafetá e veludo. A passamanaria variava entre galões de seda, espiguilhas47 (de ouro e de prata), franjas de seda e rendas de ouro e prata. No momento da expulsão dos jesuítas do colégio, a igreja tinha uma paleta de cores predominantemente encarnada, com apontamentos rosa e branco [Figura 4], estando adornada com as seguintes peças:

um docel de damasco encarnado com duas cortinas irmãs, guarnecidas de franja amarela e o docel com franja de ouro falsa

quatro portas de cortinas pequenas de damasco encarnado com algum uso; duas cortininhas com duas sanefas do mesmo

três cortinas de cetim cor de rosa com matizes, duas das quais se acham guarnecendo os nichos de Santo Inácio e S. Francisco Xavier, com duas sanefas irmãs, guarnecidas com renda de prata com bastante uso

[um pavilhão de sacrário] de seda branco com matizes de prata guarnecido de galão branco que actualmente se acha no sacrário.48

 

49

 

Outro tipo de arte de apoio ao culto é a ourivesaria. O rol dos bens sequestrados50 dá conta de imensos objetos, alguns deles guardados noutros espaços do colégio, expostos quando o culto o exigisse. Damos como exemplo “uma alampada de prata com cinco balaustres, lavrada, que actualmente serve na igreja”, “uma custódia de prata dourada com quatro campainhas que sustentam a Capela”, “um purificatorio de prata com sua tampa, liso, que serve na igreja” e “uma cruz de pau com seu crucifixo de marfim com cantoneiras e situlo de prata, suas marchetas da mesma e seu calvário”. No que se refere a relíquias, destacamos uma cruz de ouro com uma relíquia do Santo Lenho, um relicário de prata contendo parte dos intestinos de S. Francisco Xavier e outra relíquia do mesmo santo “metida em uma filigrana de prata do feitio de uma custódia”51.

Relativamente a escultura, são referidas nos autos as imagens de Santo António e de S. Francisco Xavier.

Durante a administração do Estado, e apesar das obras de manutenção da década de sessenta de setecentos, o edifício apresentava, em 1787, um avançado estado de degradação. Podemos tecer esta afirmação pelo relato que fazem as novas residentes do extinto colégio, antigas recolhidas do Castelo. A informação52 dada pelo deputado provedor do recolhimento, Francisco António Marques Geraldes de Andrade, relata-nos como foi feita a passagem para a nova morada: o edifício onde funcionava o recolhimento situava-se “no Castello desta cidade” e “se achava composto (...) e bem reparado”; no entanto, com o terramoto de 1755 ficara totalmente arruinado “em tal maneira que se virão precizadas as recolhidas a viverem grande incómodo em humas pequenas barracas de madeira” até que D. José (1714-1777) “lhe fez a grassa de as mudar para o arruinado collegio do Paraizo que dos extintos jezuitas”53.

As recolhidas, porém, terão passado para uma casa com condições algo precárias. Em 1787 (depois de um primeiro pedido feito três anos antes) solicitam a D. Maria I (1734-1816) ajuda nas obras necessárias à adaptação do edifício à habitação das recolhidas:

(...)tendo reprezentado immediatamente a Vossa Magestade havia mais de tres annos o lastimozo estado em que se achava aquela caza, para que mandasse reparar como sua, athe o prezente não fora deferida; que novamente reprezentava agora que os madeiramentos dos telhados estavão podres não sustentavão a agoa, chovia athe sobre o Altar em que se dizia a Missa estando amiaçando tudo temível ruina(...)54.

O arquiteto das três ordens militares, Manuel Caetano de Sousa (1738-1802), é encarregado de estudar a forma mais económica de resolver a situação, apresentando para isso uma proposta feita em duas plantas [figura 5 e figura 6].

 

 

 

 

Pelo que se pode constatar no projeto, as religiosas viviam no extremo poente do antigo complexo jesuíta e necessitavam de verbas para recuperar a outra zona do edifício. A leitura destes desenhos leva-nos a especular e a tentar reconstruir mentalmente o colégio inaciano. Seriam estas duas alas, dispostas em “L” e organizadas por dois corredores, vestígios ainda das duas casas de aluguer originalmente aforadas para a primeira comunidade? E o espaço de culto? Seria a este pequeno espaço que acorriam as populações em busca de apoio espiritual, quando ainda não se tinha começado a igreja definitiva? A zona ocidental do complexo representa, parcialmente, uma “igreja incompleta”, atestando que os jesuítas nunca terão conseguido finalizar a sua igreja. De resto, o próprio arquiteto responsável pelo projeto para acomodação das recolhidas refere que a sua reconstrução não seria contemplada neste plano “desprezando a obra da Igreja por muito despendioza”55.

Manuel Caetano de Sousa opta por não fazer o registo gráfico da zona da igreja, por considerar que o recolhimento pode prescindir deste espaço. Será uma nova proposta de adequação do espaço, pouco mais tardia, que nos dá uma ideia das intenções formais que os jesuítas tinham para a nova igreja do colégio. Pelo final de setecentos assumia-se a necessidade de encontrar um edifício para acomodar o Hospital da Marinha. Em 1797, a informação redigida por Pina Manique (1733-1805), então intendente geral da polícia, aponta o antigo colégio jesuíta como o local ideal para a nova instalação56. Provavelmente, pela mesma data em que escreve a informação, determina também que se levante graficamente o complexo jesuíta, entretanto ocupado pelas recolhidas. O desenho [figura 7] mostra apenas o interior nascente do antigo colégio, uma vez que a zona poente é agora zona de clausura das recolhidas e, portanto, interdita a laicos. Este desenho é para nós de maior importância pela representação que faz da igreja iniciada pela CJ e porque, pela primeira vez, é feita uma representação rigorosa do edifício57.

Através dele podemos especular que se pretendia criar uma igreja composta por uma nave única, formada por um volume paralelepipédico de cantos chanfrados, com capela-mor destacada. Não há qualquer tipo de referência à existência de um transepto ou alusão a uma composição em cruz latina. Não nos é possível aferir mais informações com base nesta planta. No entanto, se analisarmos outros exemplos de igrejas de Lisboa, podemos aproximar-nos do que seria a solução pretendida para o Colégio de S. Francisco Xavier de Lisboa.

 

A IGREJA DO COLÉGIO: INFLUÊNCIAS ARQUITETÓNICAS

O século XVI representou um momento de profunda transformação para a Igreja católica. Alvo de acérrimas críticas por parte do movimento protestante, que censurava tanto os hábitos dos padres seculares como as condutas dos regulares das diferentes ordens religiosas, a Igreja viu-se obrigada a reagir, iniciando o processo conhecido como Reforma Católica. Entre 1545 e 1563 reuniram-se em Trento os representantes dos diferentes episcopados, naquele que terá sido o 19.º concílio ecuménico do catolicismo e o mais longo da história, cujas diretivas perduraram por mais de 300 anos, até ao concílio seguinte. Das diferentes sessões resultaram normas direcionadas ao mundo católico, reforçando a fé e ritos cristãos e sancionando os costumes ditos heréticos. De uma maneira geral, existiu um esforço para voltar a captar seguidores, sendo o templo o palco principal para a captação de fiéis. A igreja, como edifício, passou a ser muito mais que o local onde se desenvolvem as cerimónias litúrgicas: apresentando-se como um catecismo gigante e atraente, uma forma de propaganda ou até mesmo o teatro onde os atores principais narravam a palavra de Deus, a história de Cristo, da Virgem e dos santos. A ornamentação, como complemento do espaço arquitetónico, compunha um espaço cenográfico que se pretendia apelativo, sendo para isso usados materiais ricos e faustosos, com forte impacte visual. Arquitetura, pintura, escultura e artes decorativas caminharam em paralelo aplicando-se noções precisas de ótica e perspetiva.

Surge assim uma necessidade de conceção diferente do espaço eucarístico, até então compartimentado e quase segregador, procurando-se uma igreja una, onde todos conseguem observar o palco principal – o altar – onde se desenrola todo o rito cristão. Os símbolos são, no entanto, algo a perpetuar, aludindo-se à necessidade de manter o esquema planimétrico da cruz latina, contrariando uma tendência crescente do Renascimento para a utilização da planta centralizada, entendida depois como própria das religiões pagãs.

Coube aos arquitetos da época criar novos modelos que contribuíssem para a unidade da assembleia. Uma das fórmulas mais eficazes e de maior difusão terá sido o modelo de nave única ladeada por duas alas de capelas intercomunicantes. Não só o espaço central se apresentava amplo e liberto de obstáculos visuais, como se fomentava o culto dos santos representados nas capelas laterais que, permeáveis entre si, permitiam também a circulação perimetral do corpo da igreja, sem criar distrações à assembleia. Neste tipo de templo, o espaço do transepto torna-se mais curto, ao ponto de se perder pelo exterior a perceção da existência de uma cruz latina. Pelo interior, o espaço correspondente aos dois braços da cruz toma a forma de capelas e a marcação desse símbolo é, muitas vezes, feita pela diferenciação da altura em relação às restantes, criando capelas mais altas e visualmente destacadas. Os tetos abobadados dão, por vezes, lugar a tetos planos, de construção mais rápida e económica. Ainda assim, e pela sinergia entre arquitetura, pintura e ótica, surgem falsas abóbadas em trompe l'oeil estudadas nos tratados de perspetiva. A cenografia fica completa pelo cuidado visual conferido às diversas capelas ou altares dispostos lateralmente à assembleia. Não se pretende desvirtuar a atenção dada à capela-mor, mas criar ambientes secundários, permitindo uma individualização no tratamento decorativo dos altares dedicados à Virgem e aos santos. Este modelo terá sido muito utilizado na construção das igrejas da CJ na Assistência Portuguesa. Com efeito, tendo sido fundada em 1540, em plena crise religiosa, a nova congregação está liberta dos hábitos e posturas muito criticados pelo protestantismo e pronta a abraçar as novas diretivas tridentinas. Procurando uma solução que respondesse às imposições litúrgicas do concílio, os jesuítas elegeram um tipo de templo que foi simultaneamente ao encontro das exigências que Inácio de Loyola (1491-1556) havia prescrito para as fundações inacianas: solidez, economia na construção e funcionalidade. E ainda que a igreja de uma nova fundação jesuíta seja doada e esteja já totalmente edificada, são inúmeros os casos em que o antigo templo dá lugar a um novo, que responda às necessidades da liturgia pós-Trento.

É sobejamente conhecido o caso da igreja da casa professa de S. Roque, construída no lugar da antiga ermida do mesmo orago. Projetada inicialmente sob o modelo de hallenkirchen58dá lugar, após longa discussão, a uma igreja de nave única com capelas intercomunicantes [figura 8 e figura 15].

 

 

 

 

Figura 11

 

 

 

 

 

No caso da igreja do Colégio de Santo Antão-o-Novo, recorre-se ao sistema de nave única ladeada de capelas intercomunicantes. Ao contrário de São Roque, a marcação da cruz latina é claramente percetível no interior, através da marcação clara do transepto e de uma capela-mor nitidamente destacada [figura 9 e figura 15].

Falámos de duas igrejas jesuítas de grande dimensão, capazes de comportar uma nave central ampla e duas alas de capelas intercomunicantes. Como se resolveria a questão em igrejas de menor dimensão? Como seria a do Colégio de S. Francisco Xavier de Alfama?

O espaço destinado à construção da igreja é estreito, não permitindo a inserção de capelas intercomunicantes. Aparentemente, a escolha recaiu sobre um modelo de nave única de cantos chanfrados, sem transepto e com a capela-mor destacada [figura 15]. A igreja localizar-se-ia no extremo nascente do complexo [figura 10] e o remate do lote, num ângulo inferior a 90o, seria resolvido com outro volume. Se hoje este volume se apresenta alto, nas fotografias à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa [figura 3] é bastante mais baixo, permitindo o destaque do corpo outrora pertencente à igreja.

Supomos que as paredes da nave estivessem destinadas a acolher capelas pouco profundas, à semelhança de outras igrejas lisboetas com a mesma tipologia. Salientamos o caso da desaparecida igreja da Divina Providência [figura 11], desenhada para os teatinos e que se encontrava em construção em 1748, e de igrejas que, apesar de apresentarem uma proporção diferente, exibem a mesma solução de cantos chanfrados e capelas parietais pouco profundas. É o caso da igreja do Menino Deus [figura 12] – construída entre 1711 e 1737 e atribuída ao arquiteto régio João Antunes (1643-1712)59 – e a igreja paroquial de Santo Estêvão [figura 13], reconstruída em 1733 sob o plano do arquiteto Manuel da Costa Negreiros (1701-1750)60. Um outro exemplo, este de planta centralizada, é a igreja do Noviciado jesuíta de Arroios [figura 14 e figura 15] atribuída a João Antunes. Segundo Paulo Varela Gomes, “a igreja tem uma nave quadrada com os cantos cortados que constitui o centro de uma cruz grega definida pelo eixo longitudinal entre a galilé sob o coro e a capela-mor e pelo eixo transversal entre as duas capelas laterais”61. Segundo o autor, a capela-mor, entaipada para arrecadação do extinto Hospital de Arroios, teria a mesma profundidade da galilé, inserindo-se a totalidade da igreja num duplo quadrado. Esta solução mostra a abertura dos jesuítas a novos modelos formais, contrariando a ideia, ainda muito vincada, de que todas as suas igrejas teriam que seguir os modelos de S. Roque, do Espírito Santo de Évora ou de Il Gesú de Roma.

Ainda no que se refere à igreja projetada para o colégio, colocamos a hipótese de se tratar de uma igreja temporária que mais tarde se transformaria numa capela doméstica. Tecemos esta consideração baseados na incessante busca pela cedência da ermida de Nossa Sra. do Paraíso. Se conseguissem esta demanda proposta pelo próprio fundador, ganhariam uma igreja substancialmente mais ampla e desafogada.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O antigo Colégio de S. Francisco Xavier de Alfama, adaptado ao Hospital da Marinha e recentemente vendido pelo Estado a um particular, apesar de praticamente desaparecido, encerra uma história que merece ser valorizada. Pela observação exterior do imóvel, pela recolha de informações em fontes primárias e secundárias, como manuscritos, impressos e registos fotográficos, e pelo relato de quem ultimamente o analisou pelo interior62, sabemos hoje que ainda existem vestígios formais da ocupação jesuíta. Essas fontes, que destacam aspetos importantes para o entendimento da implantação do imóvel e da espacialidade, como se constata na documentação do AML, que prova que se pode recuar cronologicamente a história do colégio, e nas fotografias do mesmo acervo, que nos permitem compreender o local da implantação do colégio, salientam também a importância dos pormenores decorativos que povoavam o interior da igreja. A diversidade de cores provindas dos têxteis e, particularmente, dos tecidos da Índia, a existência de relíquias não menos significativas do que aquelas existentes em outros espaços da CJ e de outras alfaias, como as descritas nos róis de bens sequestrados, dão-nos hoje uma outra dimensão do que foi o colégio de Alfama. Todo este cuidado com o ornamento é empregue a uma igreja provisória e de pequenas dimensões, uma vez que a definitiva nunca foi concluída. Isto demonstra a importância das artes decorativas e como estas podem, mesmo num espaço precário, contribuir para a dignificação do culto católico.

Por fim, não nos esquecendo que o estudo deste edifício se encontra em aberto, insistimos na ideia de que deve continuar a ser alvo de uma investigação aprofundada, pluridisciplinar e cripto-histórica63, de forma a que novas intervenções nesse espaço perpetuem a construção hospitalar, mas também a memória e vestígios formais daquela que foi uma das casas jesuítas da capital.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fontes

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Conselho Ultramarino, Reino, Cx. 22, pasta 6.

Conselho Ultramarino, Reino, Cx. 393.

 

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Arquivo Nacional da Torre do Tombo

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Cartório Jesuítico, Livro 16, f.117 a 122.

3.º Cartório de Lisboa, Livro n.º 564, caixa 128, f. 85 a 86v.

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Ministério do Reino, Mç. 983, Cx. 1101.

 

Archivum Romanum Societatis Iesu

Lus.75

 

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submissão/submission: 27/01/2017

aceitação/approval: 31/03/2017

 

 

NOTAS

* Inês Gato de Pinho é licenciada em Arquitectura (UM 2004), pós-graduada em Reabilitação Urbana e Arquitetónica (ISCTE-IUL/DGEMN 2006), mestre em Arquitetura (ISCTE-IUL 2012) e doutoranda em Arquitetura (IST-UL). É bolseira de doutoramento da FCT desenvolvendo, no Instituto Superior Técnico – Universidade de Lisboa, a tese intitulada Modo Nostro: a especificidade da arquitectura dos colégios da Companhia de Jesus na Província Portuguesa. Os séculos XVII e XVIII. Correio eletrónico: miaarqui@gmail.com

1Este texto insere-se no âmbito do doutoramento, intitulado Modo Nostro: a especificidade da arquitectura dos colégios da Companhia de Jesus na Província Portuguesa. Os séculos XVII e XVIII (SFRH/BD/110211/2015), desenvolvido no CERIS – Civil Engineering Research and Innovation for Sustainability do Instituto Superior Técnico – Universidade de Lisboa, e apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia com financiamento comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do Ministério da Educação e da Ciência.

2Data dos primeiros estudos e projetos.

3Casa professa de S. Roque, Noviciado da Cotovia, Noviciado de Arroios, Colégio de Santo Antão-o-Novo (que vem substituir a fundação inicial de Santo Antão-o-Velho, conhecido como Coleginho), Seminário de S. Patrício e Colégio de S. Francisco Xavier. Sobre este assunto leia-se, entre outros, o artigo de GARCIA, José Manuel – A dinâmica da ocupação do espaço em Lisboa pela Companhia de Jesus. Cescontexto. Debates [Em linha]. Coimbra: Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. N.º 6 (junho 2014), p. 125-138. [Consult. 07.12.2016]. Disponível na Internet: http://www.ces.uc.pt/publicacoes/cescontexto/ficheiros/cescontexto_debates_vi.pdf.

4Sobre esta adaptação e a intervenção de Xavier Fabri, consulte-se: SILVA, Raquel Henriques da – Lisboa romântica: urbanismo e arquitectura, 1777-1874. Lisboa: [s.n.], 1997. Tese de doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; e CALDAS, Maria Adélia – Lisboa de 1731 a 1833: da desordem à ordem no espaço urbano. Lisboa: [s.n.], 2012. Tese de doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

5Designação abreviada de Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu, cuja tradução se deve interpretar como plano e organização de estudos da Companhia de Jesus.

6... Georgius Fernandius Villanova, vir nobilis, pius, dives & sin haerede. FRANCO, António – Synopsis annalium Societatis Iesu. Augustae-Vindelicorum Graecii: sumptibus Philippi, Martini, & Joannis Veith, Haeredum, 1726. p. 362.

7Códice 145 da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), que integrava a livraria do antigo Colégio de S. Francisco Xavier de Alfama, como comprova a informação presente no início do manuscrito: “Do Collegio de São Francisco Xavier da Companhia de JESUS do Bairro de Alfama”; BNP, Reservados, Cód. 145.

8Durval Pires de Lima, autor da “Advertência” (p. IX a XII) que encabeça a obra impressa História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa... que em 1950 dá à estampa o citado manuscrito, lança a hipótese do autor ser o padre Jerónimo de Castilho (1674-1730), morador no Colégio de S. Francisco Xavier de Alfama. Ainda que sem certezas relativamente à sua identidade, Pires de Lima garante que o autor era jesuíta: “Não consegui por ora resolver o problema da autoria do códice, mas, pelo menos, tenho a certeza de que foi escrito por um padre da Companhia de Jesus (...). Não que o desenvolvimento com que trata os dois institutos inacianos de S. Roque e Sto Antão seja motivo para uma certeza, pois eram no século XVIII as duas casas religiosas mais importantes de Lisboa, e tal importância dava-lhes foros de maior circunstância. Há porém um tal ou qual carinho que se não encontra na descrição das restantes (...) e há, o que é categórico, expressões que denunciam o autor como jesuíta.” Destacamos dois dos exemplos dados pelo autor: “nam só na nossa pequena igreja”, referindo-se ao Coleginho; e na referência feita ao Padre Cipriano Soares – “foy lente muytos annos no nosso Collegio das Artes”; cf. LIMA, Durval Pires de – História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa na qual se dá notícia da fundação e fundadores das instituições religiosas, igrejas, capelas e irmandades desta cidade. Lisboa: Imprensa Municipal, 1950-1972. tomo I.

9Idem, tomo II, p. 155.

10Vila Nova argumentava, relativamente à distância do Colégio de Santo Antão: “pera se poderem aproveytar todos os filhos dos moradores de Lisboa dos dittos estudos, fica o Collegio em sitio que nam podem quantos querem acodir às lições manhã e tarde, sem grande incommodidade pella distancia em que vivem do ditto Collegio, a qual pera vencerem, sem serem obrigados a ir a casa jantar e tornar depoys de jantar outra vez ao Collégio, às lições da tarde, sam obrigados os pays a lhe buscar commodo na casa de algum parente ou amigo, e os que nam tem ordem pera isso são forçados, (...) a ficarem sem jantar, que nam he pequena pensam pera a primeyra idade, fazendo os contentar (...) com o almoço que recebem pella manhã em casa, e com alguma cousa que trasem na algibeyra para entreter a falta do jantar”; cf. História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa ..., tomo II, p. 156.

11Idem, p. 156 e 157.

12Idem, p. 158.

13Idem, ibidem.

14 Idem, p.157.

15Veja-se o testemunho do Padre António Cordeiro, S.J.: “Havendo nesta grande Corte de Lisboa quatro Cazas jà da Companhia de Jesvs, primeira a sempre Regia São Roque, segunda, o Real Collegio de Santo Antão, terceyra, a devotissima Caza do Noviciado, chamado da Cotovia, quarta o Seminario de São Patricio, de Irlandezes Catholicos, & Portuguezes muytos Porcionistas; havendo comtudo jà tantas Cazas da Companhia em Lisboa, houve tambem tal devoto, que nesta mesma corte quis fundar de novo quinta Caza da Companhia no dilatado bayrro de Alfama, com titulo de Collegio de São Francisco Xavier, a que o vulgo chama o Collegio do Paraiso, por se fundar junto à freguesia, que chamão Paraiso; & não querendo a Companhia aceytar a fundação sem Real Licença do Serenissimo Rey, chamou este Senhor o seu supremo Conselho d' Estado, & mandou votar em a materia de conceder a licença: succedeu isto ha cousa de trinta annos, & o primeyro que votou, & que ainda vive, foy o Excellentissimo Duque do Cadaval, Marques de Ferreira, Conde de Tentugal, &c. varonil e legitimo descendente da Serenissima Casa de Bragança; votou pois, dizendo que, se Sua Majestade queria ter sua corte em tudo doutrinada, sempre fiel & segura, não só havia ter nella cinco Cazas da Companhia, mas huma em cada rua de Lisboa & então teria corte, a mais sujeyta & sempre obediente a Deos, & a seu Rey em toda a parte. Este foi o voto de tam Excellente Principe, a que ninguem encontrou. Tanta era a estimação, que da Companhia se fazia”. CORDEIRO, António – Loreto lusitano: Virgem Senhora da Lapa, residencia milagrosa do Real Collegio de Coimbra, da Companhia de Jesvs a Provincia da Beyra, bispado de Lamego, verdadeyra, & puramente de novo historiada por seu zeloso devoto o padre Antonio Cordeyro da mesma Companhia de Jesus, lusitano, insulano. Angrense. Lisboa: oficina de Filipe de Sousa Vilela, 1719. p. 161 e 162.

16RODRIGUES, Francisco – História da Companhia de Jesus na assistência de Portugal. Porto: Apostolado da Imprensa, 1944. tomo III, vol. 1.

17Transcrição de Francisco Rodrigues – Op. cit., p. 49.

18Archivum Romanum Societatis Iesu (ARSI), Lus.75, f. 205 a 207.

19AML, Livro 7.º de consultas e decretos de D. Pedro II, f. 85 a 86v. Documento transcrito na íntegra no anexo 2.

20AML, Livro 7.º de consultas e decretos de D. Pedro II, f. 37 a 38v. Documento transcrito na íntegra no anexo 1.

21Idem, ibidem.

22História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa ..., tomo II, p. 159 e 160.

23Desconhece-se a data exata da produção do manuscrito e o seu autor, mas estudos feitos em torno desta obra levam-nos a crer que a produção se baliza entre 1704-1708; cf. História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa..., tomo I, “Advertência”, p. IX.

24COSTA, António Carvalho da – Corografia portugueza, e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal... Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1712. p. 366.

25RODRIGUES, Francisco, Op. cit., p. 50.

26ANTT, Cartório Jesuítico, Mç. 81, n.º 9.

27ANTT, Cartório Jesuítico, Mç. 81, n.º 11.

28CUNHA, Rui Maneira – As medidas na arquitectura, séculos XIII-XVIII: o estudo de Monsaraz. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2003.

29“Moer - (it.) Tecido de seda brilhante ou tecido de lã jaspeada”. COSTA, Manuela Pinto da – Glossário de termos têxteis e afins. Ciências e técnicas do património: revista da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras. I Série Vol. III (2004), p. 151.

30“Ormesino - (it.) Tecido de seda ligeiro e leve, utilizado na confecção de vestidos e indumentária de elevado preço”. COSTA, Manuela Pinto da, Op. cit., p. 153.

31Agradecemos a gentileza da indicação da existência deste documento à Doutora Sílvia Ferreira.

32ANTT, 3.º Cartório de Lisboa, Livro n.º 564, caixa 128, f. 85 a 86v. Documento transcrito na íntegra no anexo 3.

33Relativamente a esta questão, leia-se o artigo da autora: De ratione aedificiorum e a implementação do sistema jesuíta de licenciamento de edifícios jesuítas (séc. XVI-XVIII): o caso do Colégio de Santarém. In CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO LUSO-BRASILEIRA, 2, Porto, 2016 – Livro de actas. Porto: Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2016. vol. II, p. 627-639.

34ANTT, 3.º Cartório de Lisboa, Livro n.º 564, Cx. 128, f. 85v.

35Idem, f. 86.

36PEREIRA, Luís Gonzaga – Descripção dos monumentos sacros de Lisboa, ou collecção de todos os conventos, mosteiros, e parochiaes no recinto da cidade de Lisboa. Lisboa: Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1927. p. 395-398.

37A assinatura é impercetível porque o manuscrito estava muito deteriorado e foi alvo de restauro.

38ANTT, Armário Jesuítico, Livro 16, f. 117 a 122.

39Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Conselho Ultramarino, Reino, Cx. 22, pasta 6.

40Note-se que as informações desta freguesia são fornecidas com grande detalhe, referindo igrejas, ermidas, conventos, e até palácios. Curiosamente, o colégio não é referido em nenhum fólio.

41CAEIRO, José – História da expulsão da Companhia de Jesus da Província de Portugal (séc. XVIII). Lisboa: Editorial Verbo, 1999. vol. 3, p. 57-58.

42Arquivo Histórico do Tribunal de Contas (AHTC), Junta da Inconfidência, N.º 116, Conta do colégio de S. Francisco Xavier do Bairro de Alfama dos annos de 1758/1766. Alguns dos itens aqui citados estão presentes na obra: LINO, Raul; SILVEIRA, Luís – Documentos para a história da arte em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1969. vol. 5: Colégios de Santo Antão, São Roque, São Francisco Xavier e Noviciado de Arroios.

43AHTC, Junta da Inconfidência, Mç. 30, n.º 113, Traslado dos autos de sequestro e inventário e termos de arrematação dos bens do Colégio de S. Francisco Xavier do Bairro de Alfama ao Paraízo... Alguns dos itens aqui citados estão presentes na obra: LINO, Raul; SILVEIRA, Luís – Documentos para a história da arte em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1969. vol. 5: Colégios de Santo Antão, São Roque, São Francisco Xavier e Noviciado de Arroios.

44Sobre este assunto e a importância dos têxteis nas práticas litúrgicas jesuítas, leia-se: FERREIRA, Maria João – O exótico ao serviço de Deus: a presença dos têxteis chineses nas comemorações religiosas inacianas no Portugal de seiscentos (1622). In Portugal, a Europa e o Oriente. Circulação de artistas, modelos e obras. Lisboa: Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, 2015. p. 293-305.

45“Tipo de seda muito leve”. COSTA, Manuela Pinto da, Op. cit., p. 141.

46“Tecido de pêlo ou de lã, de várias cores, geralmente misturado com alguma seda.” Idem, p. 142.

47“Renda ou galão tecido, estreito, rematado com bicos”. Idem, p. 145.

48AHTC, Junta da Inconfidência, Mç. 30, n.º 113, Traslado dos autos de sequestro e inventário e termos de arrematação dos bens do Colégio de S. Francisco Xavier do Bairro de Alfama ao Paraízo...

49Agradecemos a amabilidade e o acompanhamento de Cláudia Lino e Nelson Seixas Freitas, da FRESS.

50AHTC, Junta da Inconfidência, Mç. 30, n.º 113, Traslado dos autos de sequestro e inventário e termos de arrematação dos bens do Colégio de S. Francisco Xavier do Bairro de Alfama ao Paraízo...

51 Através das anotações escritas à margem do manuscrito, sabemos que parte dos trabalhos de ourivesaria foram incorporados nos bens do Estado.

52ANTT, Ministério do Reino, Mç. 983, Cx. 1101, caderno avulso, sem numeração.

53 Idem.

54Idem.

55Idem.

56AHU, Conselho Ultramarino, caixa 393.

57Apesar de considerarmos pouco precisa a legenda que refere que a igreja está “ruinada”, uma vez que consideramos que esta nunca terá sido terminada, conforme está patente nas plantas do projeto de beneficiação do Recolhimento de Nossa Senhora do Amparo.

58Ou igreja salão. Genericamente, este termo designa o tipo de igreja composta por três naves, separadas por colunas ou pilares, mas com tetos à mesma altura. A este respeito leia-se a obra: CHICÓ, Mário – A arquitectura gótica em Portugal. 4.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 2005.

59CARVALHO, Ayres de – D. João V e a arte do seu tempo. Lisboa: Edição do Autor, 1962. vol. 2, p. 184 e BRANCO, Ricardo – Enquadramento histórico-artístico da igreja e convento do Menino Deus. In Igreja do Menino Deus: intervenção de conservação e restauro. Lisboa: Câmara Municipal, 2005. (Reabilitação urbana; 1). p. 85-94.

60 BERGER, Francisco José Gentil – Lisboa e os arquitectos de D. João V: Manuel da Costa Negreiros no estudo sistemático do barroco joanino na região de Lisboa. Lisboa: Cosmos, 1994. (Cosmos Arquitectura; 1). p. 111-126; COUTINHO, Maria João Pereira – Mas antes ficara mais magnífica: renovações espaciais e estéticas em espaços culturais de Alfama (1666-1733). O Ideário Patrimonial. Tomar: Instituto Politécnico de Tomar. N.º 4 (julho 2015), p. 11-29.

61GOMES, Paulo Varela – Arquitectura, religião e política em Portugal no século XVII: a planta centralizada. Porto: Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2001. p. 357.

62Fazemos um agradecimento especial à Dr.ª Rita Mégre, à Arq.ª Hélia Silva e à Arq.ª Ana Gil, pelas informações cedidas, levantadas no âmbito do Projeto LXConventos. Estas informações foram recolhidas antes da venda do edifício.

63A este respeito leia-se: SERRÃO, Vítor – A cripto-história de arte: análise de obras de arte inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001.

64À margem esquerda: “Como pareçe no que toca admitir ce a sobrrogação Lixboa 14 de Novembro de 1681”.

 

 

ANEXOS

 

ANEXO 1

Consulta sobre a aquisição de uma propriedade pela Companhia de Jesus

AML, Livro 7.º de consultas e decretos de D. Pedro II, f. 37 a 38v. Transcrição nossa.

Senhor

64Por resolução de Vossa Alteza de 18 de septembro do presente amno Em consulta que este senado fez a Vossa Alteza sobre o foro de 2$80 reis imposto em huas cazas, poço, e horta sitas em Alfama (de que o senado he direyto senhorio) que pertende rimir o Provincial da Companhia de Jesus para a nova edificação do Collegio, que intenta naquelle sitio para a educação da puericia, E ensino da navegação foy Vossa Alteza seruido, que se fizesse vistoria no mesmo sitio antes de se defirir ao foro.

Em cumprimento do decreto, E resolução de Vossa Alteza fez o senado vistoria na parte da edificação, de que se tratta, com assistencia dos Ministros delle, officiaes E Mestres da Cidade, em cuja presença se fez medição na forma do estylo; E se achou ser de grande utilidade a fundação deste Collegio; pois alem de não perjudicar a terceiro por não couza algua do publico, que seja de impedimento a serventia dos moradores, nem de pejamento a passagem livre do povo, se considera conveniencia ao bem comum em razão de ser o intento, para que se edifica o tal collegio, dirigido ao servico de Deus, como he o de ensinar mininos a ler e escrever instruindo os na doctrina Christã, e a navegação, que para o serviço de Vossa Alteza E bem de seus vassalos, he tão necessaria.

Parece ao senado que Vossa Alteza deve ser servido conceder que se possa rimir o foro pelo seu justo valor, pagando se os laudemios costumados, ou para que estes não faltem á fazenda da Cidade, cujo rendimento fica nesta parte cessando com a fundação do Collegio, querendo o Provincial da Companhia sorrogar outro foro da mesma calidade que se possa admittir a sorrogação delle: E no cazo que Vossa Alteza seja servido permittir que se lhe venda na forma referida, deve ser sem que o tal foro ande em pregão; por quanto os jrmãos, E Mordomos da jrmandade de Nossa senhora do Paraizo fizerão petição a este senado, em que [f. 37v.] pedião, que a venda do foro fosse á praça, por que querião lançar nelle como senhores de alguas propriedades vizinhas ao sitio: E neste requerimento se entende haver emulação, E dolo contra a pertenção dos Padres da Companhia, de maneira que chegando a hum excessivo lanço, ou os devirtão deste seu intento, ou se lhes remate o foro por muy exorbitante preço.

Lixboa 12 de Novembro de 1681.

Dom Marcos de Noronha Barão Conde

Luis da Costa Antonio Pereira de uiueiros Antonio Aguiar Silva

Manuel henriques Manuel de oliueira

sebastião gonsalues Domingos francisco

 

 

ANEXO 2

Consulta sobre uma petição do provincial da Companhia de Jesus

AML, Livro 7.º de consultas e decretos de D. Pedro II, f. 85 a 86v. Transcrição nossa.

[f. 85] Senhor

Por Decreto de 11 de Agosto deste anno he Vossa Alteza servido se veja, e consulte neste senado a petição do Provençial da Companhia de jhesus em que Representa que Vossa Alteza foy seruido Conceder liçenca para se fundar hum Colegio da Companhia no bairro de Alfama, E por que se offereçe hum sitio acomodado, que hé hum assento de cazas, posso, e orta que fica fora das portas da crus de luis sodré Ferreira, E he foreiro a este senado em dous mil E outenta reis cada anno, o qual este supplicante quer rimir. Pede a Vossa Alteza seja seruido ordenar que este senado largue ao supplicante o foro da dita propriedade por seu justo vallor, para com effeito se fundar o colegio que he em seruico de Deus, Educação da pueriçia, E emsigno da arte de navegar.

Sendo vista no senado a petição referida, E Consideradas as razões desta. Pareçe que Vossa Alteza deve ser seruido Conceder que o supplicante possa remir os dous mil E outenta reis que esta propriedade paga de foro a este senado, na Consideração da utilidade que se segue Com a fundação daquelle Colegio.

Ao Barão Conde, D. Antonio de Aguiar da Silva, Procurador da Cidade Antonio Pereira de Viueiros, E a dous mesteres pareçeo [f.85v.] que antes de se tratar do foro que os religiozos da Companhia querem remir para a obra do Colegio de que se trata, deuem os Menistros do senado ver o sitio Em que os Padres determinão fundar este Colegio, e manda lo em sua prezença medir, E confrontrar pelos medidores da Cidade, E Examinar se prejudica de algum modo esta obra â servidão publica, E esta diligençia se deue fazer antes de começárem ábrir os alicerses della, por ser assy despozição do regimento, E depois da uistoria feita, Como ele ordena, se tratará do foro que os padres pretendem, sendo que sem se verem os tittulos da obrigação deste foro, senão podia Consultar a Vossa Alteza nada, E menos quando os supplicantes não tem ainda selebrádo a compra, nem licença para ella, do dereito senhorio que hé ordenado.

Lixboa 16 de setembro de 1681.

Luis da Costa Barão Conde

António Aguiar da Silva

Miguel de Mello Antonio Pereira de uiueiros

Manuel henriques Manuel de oliueira

 

 

ANEXO 3

Contrato de obras entre o padre Estêvão Sequeira, s.j. e o mestre pedreiro Domingos da Silva Lobo para construção da igreja do Colégio de S. Francisco Xavier de Alfama

ANTT, 3.º Cartório de Lisboa, livro n.º 564, caixa 128, f. 85 a 86v. Transcrição nossa.

Em nome de Deos Amen Saybam quantos este instromento de contrato de obras e obrigaçam virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e sete centos e quarenta e quatro em doze dias do mes de Mayo na cidade de Lixboa na rua direita de Nossa Senhora dos Remedios e cazas de morada de mim tabaliam a honde nellas pareceo prezente o Padre Estevão de Siqueira da Companhia de Jezus e Suprior do collegio de Sao Francisco Xavier do bayrro de Alfama desta cidade isto de huma parte e da outra estava Domingos da Silva Lobo Mestre pedreyro e morador aos Barbadinhos junto a Santa Apollonia logo por elles partes foy dito perante mim Tabaliam e testemunhas ao diante [f. 85v.] nomeadas que elle Padre Suprior está edeficando no dito seu collegio de Sao Francisco Xavier deste bayrro de Alfama huma igreja nova cuja ja tem principiado a qual esta ele padre ajustado em que elle Mestre a faça pello que toca só ao seu officio de pedreyro, e canteyro e o seu contrato entre elles partes ajustado he na forma seguinte que o dito Mestre se obriga e toma por sua conta a fazer o dito edeficio e obra delle comforme a planta dada pello dito Padre Suprior isto somente pello que toca a pedreyro a qual sera a medição e avalliação da manufatura do dito edeficio e tão bem do lavor das pedras que se forem lavrando despois que elle Mestre principiar a fazer a dita obra a qual medição e avalliação se fara por dous mestres pedreyros em que os contrahentes se louvarem e quando a alguem delles padres parecer medir o que estiver feyto o poderá fazer sem contradição alguma comtanto que os gastos que então para essa medição se fizerem correrão somente por conta daquella parte que requerer a mesma medição sem que a outra seja obrigada a concorrer couza alguma para essa tal medição mas esta sempre se fará com asistencia ou ciencia da outra parte que a não requerer que aliás de outro modo lhe não prejudicará em couza alguma Item que o Mestre se obriga a satisfazer todos os jornaes áquelles officiaes que elle troucer na dita obra os quaes trará todos aquelles que a dita obra premetir e tãobem da mesma sorte será elle Mestre obrigado como desde logo o fica áquelles materiaes que o dito Padre Suprior despuzer que elle t[r]ouce por sua conta e [manuscrito initeligível] promptos; dos quaes materiays e seus custos. Será elle Mestre obrigado como o fica a fazer rol a parte em cada hum dos mezes que o estiver posto e deste rol ficará tresllado na mão dele Padre Suprior e tanto no rol original como na copia se assinará ele Mestre, e o Padre Suprior; e as custas deste materiais serão pagas fora da avaliação da manufactura da obra e lavor das pedras que pertencer ao dito Mestre e tem que toda a obra que ele Mestre fizer a fara e mandara fazer com toda a fortalleza pocivel e muito bem feyta e prefeyto sem erro nem defeyto e havendo qualquer erro ou defeyto nella ou não estando bem fortificada [f. 86] tudo elle Mestre emmendará e fara de novo á sua custa não o fazendo asim elle Padre Suprior ou quem em seu lugar estiver o podera mandar fazer por quem lhe parecer e o que emportar o tal erro, defeyto, ou fortificação o haverão delle Mestre seos bens e herdeiros que logo o satisfará em hum so pagamento sem a hiso por a menor duvida Item que elle Mestre nunca se apartará da metade ou risco que elle Padre Suprior lhe tem dado salvo fará com seu consentimento entendendo que a obra asim ficará mais prefeyta Item que elle Mestre se obriga a satisfazer todo o damno que sobrevier na tal obra dentro de dous annos depois de acabada Item que elle Padre Suprior e o que lhe suceder se obriga de sempre asistir e comtrebuhir com sincoenta mil reis cada mes a elle Mestre pagos no principio de cada hum delle para comsignação da dita obra e comforme a tal comsignação metera elle Mestre os officiais e no caso que o dito Padre Suprior ou seu Suprior queyra dar mais algum dinheiro para adiantar a obra o podera fazer e nesse caso será obrigado elle Mestre a meter mais gente isto sempre conforme o dinheiro que para a assistencia dela se lhe der e os ditos offeciais que ele Mestre puzer e meter na obra serão sempre dos melhores. Item que despois de finda que seja a obra se fara conta ao que elle Mestre tiuer recebido em dinheiro o que constará por recibos seos os quaes vallerão como parte desta escritura ahinda que sejam somente por elle asinados e o que se lhe restar a dever se lhe pagara ou em hum so pagamento ou na forma da consignação sobredita dos ditos sincoenta mil reis por mes ou como elle Padre Suprior e quem lhe suceder lhe parecer. E nesta forma dicerão elles partes ser o seu ajuste e contrato o qual elles partes se obrigão em todo comprir e guardar e não revogar reclamar ou contradizer por nenhuma via que seja a cujo comprimento com as custas disserão cada hum delles que obrigão a saber elle Padre Suprior os bens e rendas de seu collegio e o melhor parado delles e elle Mestre todos seus bens moveis [f. 86v.] e de raiz e o melhor parado delles e pelo comprimento de tudo responderão nesta cidade de Lixboa perante as testemunhas a que forem requeridos pera e que renuncião juizes de seu foro domicillio e todos seos previllegios presentes e futuros ferias geraes especiaes e o mais que a seu favor alegar poção e de nada usarão contra o comprimento desta escritura E em testemunho de verdade asim o outorgarão sendo testemunhas prezentes Francisco Ferreira meu tio e Joachim Joze de Campos que me [es]creveu e todos conhecemos a eles partes são os proprios aqui contheudos e todo asinaram nesta Nota Pedro Arculiano da Fonseca Tabeliam o escrevi

Estevão de Sequeira

Suprior

Domingos da Silua Lobo

Joachim Joze de Campos

Francisco Ferreira

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