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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.4 Lisboa dez. 2015

 

ARTIGO

Um olhar sobre a Casa de Ceuta

Perspectives on the Casa de Ceuta

Carlos Caetano*

CHAM - Centro de História d'Aquém e d'Além-Mar, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores, Portugal.

 

RESUMO

A Casa de Ceuta foi a primeira instituição criada no âmbito da Expansão Portuguesa, provavelmente logo após a conquista da cidade, embora a sua existência só esteja confirmada em 1434. Por aqui passava o abastecimento, a organização das viagens e a gestão dos assuntos relativos às guarnições militares, armamento e fortificações de Ceuta e das demais posições portuguesas no Norte de África. Foi também, na sua fase de maior esplendor, uma imponente unidade de produção e transformação. Teve uma longevidade extraordinária, sendo apenas extinta em 1769, data do abandono de Mazagão.

A Casa de Ceuta gozava de uma implantação ampla e privilegiada no coração da Ribeira de Lisboa, na proximidade da praia, dos cais e das Tercenas, sendo protegida pela Cerca Fernandina, a que se encostava. Com a criação do Paço da Ribeira, parcialmente erguido sobre os velhos espaços da Casa de Ceuta, expandiu-se para a face fronteira do Terreiro do Paço, onde sobreviveu até ao Terramoto de 1755.

 

PALAVRAS-CHAVE

Ceuta / Expansão Portuguesa / História de Lisboa / Ribeira de Lisboa / Urbanismo

 

ABSTRACT

The Casa de Ceuta was the first institution created in the context of the Portuguese Expansion, probably right after the conquest of that city, although its existence is only certain from 1434 onwards. Its responsibilities included the provision, organization of journeys and the administration of all issues relating the military garrisons, the armament and the fortresses of Ceuta and the other Portuguese conquests in North Africa. Also, in its best phase, it was a significant production and transformation unit. It had an extraordinary longevity, only being extinguished in 1769 when Mazagan was abandoned.

The Casa de Ceuta had a wide and privileged implantation in Lisbon's riverside, close to the beach, the piers and the shipyards, protected by the Cerca Fernandina. The construction of the Paço da Ribeira, partially built above the Casa de Ceuta, extended the front side of the Terreiro do Paço that survived until the earthquake of 1755.

 

KEYWORDS

Ceuta / Portuguese Expansion / History of Lisbon / Lisbon's Riverside / Urbanism

 

 

A Casa de Ceuta é uma das instituições portuguesas mais mal conhecidas, apesar de toda a sua importância histórica enquanto verdadeira agência da Expansão quatrocentista no Norte de África. Dela não se conhecem quaisquer regimentos e a respetiva documentação histórica foi perdida nos escombros do Terramoto de 1755. Por outro lado, e talvez devido a esta circunstância, deve dizer-se que a Casa de Ceuta não tem merecido o interesse dos historiadores, permanecendo por estudar até hoje. As linhas que se seguem são uma simples proposta de abordagem desta instituição.

A conquista da cidade de Ceuta em 1415 inaugurou uma nova página na História de Portugal. Como tal, este acontecimento, de uma importância transcendente, suscita ainda hoje discussões e debates, quer em relação às suas causas, quer ao seu alcance e sentido histórico1. Porém, a intensidade do debate historiográfico parece fazer--se eco dos debates que precederam e que se seguiram à conquista de Ceuta e que conduziram à difícil tomada de decisão de D. João I de conservar a cidade recém-conquistada2. Com efeito, esta decisão teve que levar em conta os pesados encargos inerentes e a consequente criação de estruturas adequadas para a gestão das “coisas de Ceuta”3. Tomada a decisão da manutenção da cidade, ficou como fronteiro – governador e regedor por El-Rei em Ceuta – o Conde D. Pedro de Meneses, que recebeu o cargo em circunstâncias que Zurara conta4, acompanhado e assessorado por uma série de fidalgos e escudeiros, “e com estes ficaram, por toda gente, dous mil e setecentos homens e Mice Itam que ficou hi com duas galés para guardar o estreito. E mandou el-Rei que lhe ficassem muitas bitalhas e armaria, assim armas do corpo como bestas e armazém”5.

Assim se estabelecia quer um modelo de governação, quer a base de uma micro-sociedade de cunho cavaleiresco que sobreviveu à passagem dos séculos e que assentava numa guarnição militar, relativamente pequena mas muito ciosa dos seus pergaminhos de nobreza. Os moradores da cidade, após 1640, repudiando a realeza de D. João IV, sentir-se-ão na necessidade de invocar esses seculares pergaminhos guerreiros e fidalgos junto da Coroa Espanhola, a quem declaram lealdade. Assim, no “Manifiesto Al Reyno de Castilla Junto en Cortes, en que se muestra la justicia com que la Ciudad de Ceuta, desmembrada por leal da la Corona Portuguesa, pretende naturaleza en los Reynos de Castilla”, de 1655, lê-se que os “ceutíes” consideram que

Su Nobleza, que es hoy la de sus habitantes, es de la más calificada de la tierra; pues no sólo la original de su sangre, heredada de Caballeros Insignes y famosos Capitanes, sus primeros Pobladores y Conquistadores… sino también por la adquirida, que es la nobleza más verdadera. En nuestros tiempos, en circulo tan breve de tierra, que abraza apenas a mil vecinos, se hallan dentro de los muros ciento y tantos Caballeros de todas las Ordenes Militares, valerosos defensores de la Fé, peleando cada día en continuos rebatos com los enemigos della. Segunda Malta es Ceuta, y en valor sus moradores no son segundos6.

Face a este fundo guerreiro, socialmente dominante, onde se integravam “criados” e servidores de toda a natureza, devidamente enquadrados pelos agentes burocráticos impostos por modelos de gestão régia muito cedo estabilizados, havia que contar com todos os inúmeros degredados e homiziados que, desde cedo, fizeram parte da paisagem humana da cidade7. Sucessivos contingentes de degredados provenientes do Reino tiveram acolhimento na cidade, protegidos pelas respectivas “Cartas de Perdão”, de que nos chegaram centenas, senão milhares de exemplares8. Estas cartas formalizavam os perdões concedidos a inúmeros condenados por crimes praticados no Reino, com “obrigação de servir em Ceuta”9. Sendo os degredados e homiziados uma componente essencial do corpo social de Ceuta, onde tudo indica que se integravam da forma mais harmoniosa10, sabemos que o degredado mais famoso seria o próprio poeta Luís de Camões11.

Mas a conquista de Ceuta, em 1415, na qual confluíram de algum modo interesses e motivações de todos os grupos sociais, resultou, antes de mais, de um desígnio político do Rei D. João I, da família real e dos círculos cortesãos que gravitavam à sua volta. Por isso, regressado ao Reino, o Rei de Portugal depressa associou aos seus títulos de “Rey de Portugal e do Algarue”, o de “Rey de Portugal e do Algarue e Senhor da cidade de Ceuta12, título patente numa carta de 18 de fevereiro de 1416 e, quatro dias depois, o de “Senhor de Cepta”, como se autointitula numa carta escrita em Estremoz a 22 de fevereiro de 1416, “a mais antiga carta de D. João I, em que usa o título de ‘Senhor de Ceuta'”, como nota Pedro de Azevedo13. Consequentemente, a dignificação da nova cidade do Algarve de Além-Mar suscitou a criação de um bispado, tendo Ceuta sido elevada a cabeça de uma diocese episcopal em 142014. A seu tempo, a cidade seria dotada também dos inerentes atributos e funções concelhias, concentradas no Senado da Câmara, à semelhança do que aconteceria nas demais vilas e cidades portuguesas de Aquém e Além Mar15.

Ceuta torna-se desde muito cedo – desde antes da própria conquista – um verdadeiro assunto de Estado. Por isso, poucos anos passados depois de 1415, o Regimento do Reino aprovado nas Cortes de Torres Novas de 143816, continha uma parte importante dedicada a “o carrego de çepta”17, determinando-se então que “cepta seIa gouernada per o conselho com autoridade da Rejinha, e acordo do Ifante dom pedro”18. Assim, no mesmo Regimento, entre “as cousas que se ham d asijnar per a senhora Raynha e per o Ifante dom pedro” constavam “todollos fectos que pertençem ao rregimento de çepta”19, decisão que atestava a importância e o lugar central de Ceuta quer no quadro dos grandes desígnios do Reino, quer no das complexas e tão conflituosas dinâmicas políticas da corte portuguesa da época.

A conservação da cidade e a boa gestão dos importantes recursos humanos e materiais mobilizados visando a sua difícil e dispendiosa manutenção, exigiram a criação rápida de estruturas de gestão centralizadas e eficientes: “a presença da Coroa portuguesa no Norte de África passava pela administração directa das fortalezas pelos capitães designados, coadjuvados pelos contadores e almoxarifes”20. Assim surgiu o Almoxarifado de Ceuta – que já existia em 142521 – e assim surgiu a Casa de Ceuta, uma instituição de tutela régia, criada provavelmente logo após a conquista da cidade, a ter em conta as deduções de Mendes da Luz: a Casa de Ceuta foi “de fundação possivelmente não muito posterior à conquista e ocupação daquela cidade africana pelos portugueses (1415)”22. Escapando-nos a data exata da sua fundação, apenas podemos dizer que a Casa tem existência comprovada apenas em 1434. Com efeito, sempre segundo Mendes da Luz, “o mais antigo documento até agora conhecido que lhe faz referência [à Casa de Ceuta] data de 19 de Janeiro de 1434”23.

A Casa de Ceuta foi a primeira instituição de cunho estatal criada no âmbito da Expansão Portuguesa, pois precedeu a criação das futuras Casas da Guiné, da Mina e da Índia, a seu tempo fundadas no contexto das vias próprias da Expansão Portuguesa nos séculos XV e XVI. Tal como acontecia com todas estas “Casas”, também a Casa de Ceuta era “não só o edifício, mas o próprio organismo encarregado de todos os negócios referentes, neste caso, à cidade de Ceuta”24 e posteriormente às demais praças portuguesas do Norte de África. Pensamos que o local de origem da criação da Casa de Ceuta não deve oferecer dúvidas: ela foi criada certamente em Lisboa, ao contrário da Casa da Guiné e da Casa da Mina, que seriam criadas em Lagos, sendo só posteriormente transferidas para Lisboa25. Já Vieira da Silva intuíra que “as Casas de Ceuta (…) foram naturalmente construídas depois da conquista de Ceuta por D. João I em 1415. Ficavam do lado Sul da Rua [da Ferraria, na Ribeira de Lisboa], encostadas à muralha nova de D. Fernando (…)”26. Por outro lado, chegaram-nos testemunhos inequívocos da localização em Lisboa de espaços afetos à Casa de Ceuta ou a estruturas administrativas afins, diretamente relacionadas com “as coisas de Ceuta”, que podem ter precedido a criação da Casa com este nome. Com efeito, sabemos que D. João I pedira emprestadas ao concelho e Câmara de Lisboa umas casas na Rua da Ferraria de Lisboa, ‘pera sse em ellas poer o mantijmento proujsom pera cepta (…)”, reclamadas pela Câmara em 143827, como veremos.

A criação da Casa de Ceuta na cidade de Lisboa parece fácil de justificar: ela decorre do caráter régio – e portanto centralista – da gestão dos assuntos inerentes a Ceuta. Este caráter régio contrasta com a tutela senhorial própria das “coisas” da Guiné e Mina, pois só depois da morte do Infante D. Henrique e da intervenção direta do futuro Rei D. João II na respetiva gestão essas “coisas” se tornam assunto de Estado, sendo então as respetivas Casas transferidas para Lisboa. Estas circunstâncias condicionaram certamente as diferentes localizações das primitivas sedes de todas estas “Casas”: se a gestão das “coisas de Ceuta” se estabelece em Lisboa desde a época da sua conquista, a gestão das “coisas” relacionadas com a expansão atlântica, Ilhas e Costa Africana a Sul do Bojador, ficaria naturalmente em Lagos, aos cuidados do Infante D. Henrique.

Para lá da diferente localização primitiva das três primeiras “Casas” criadas no contexto da Expansão, outra importante diferença distingue a Casa de Ceuta das Casas da Guiné e da Mina. Com efeito, ao contrário destas, que terão uma vida relativamente efémera, a Casa de Ceuta mostrará ter uma longevidade excecional. Sabemos que “a Casa de Ceuta continuará a par da Casa da Guiné, independentemente desta, com seu edifício, seus recebedores, tesoureiros e almoxarifes aparte”28. Porém, enquanto que a “Casa da Guiné, e depois da Mina, virá a ser o organismo base da Casa da Índia até nela ser totalmente englobado”, a Casa de Ceuta nunca se fundirá com nenhumia das outras casas criadas no âmbito da Expansão. Esta individualização da Casa de Ceuta face às demais casas, decorrente da sua área específica de intervenção, estará na origem da sua longevidade, pois alcança a segunda metade do século XVIII, como veremos.

Como estrutura régia, aquela que é, por vezes, “também designada por ‘casas do desembargo da cidade de Ceuta'”29, tinha a sua organização e o seu funcionalismo próprios, ao serviço das suas importantes funções. Embora se desconheça qualquer Regimento da Casa, sabemos que por ela passava o abastecimento da cidade em todo o género de produtos; a organização das viagens periódicas Lisboa-Ceuta-Lisboa (marítimas, por definição); a gestão dos assuntos relativos às guarnições militares, armamento e fortificações e ainda as providências relativas ao acolhimento e inserção de uma população crescente de degredados e homiziados, componente essencial da população daquela cidade, como vimos. Tendo esta praça um papel verdadeiramente estratégico no quadro da política portuguesa no Norte de África, a Casa de Ceuta tinha que deter um corpo de funcionários, almoxarifes, vedores, tesoureiros, escrivão, fiel, etc., sediados em Lisboa. Com efeito, esta Casa, cuja criação precede as das demais Casas surgidas no seio da Expansão e dos Descobrimentos, é, de algum modo, a antepassada dos Armazéns do Reino, tal como estes se afirmariam nas últimas décadas do século XV e nos dois ou três séculos seguintes, enquanto estrutura-base de apoio à organização das viagens ultramarinas, por onde passavam a gestão da construção e reparação naval, o apoio técnico e cartográfico, o recrutamento de pilotos, marinheiros e soldados e demais pessoal envolvido nas viagens marítimas, bem como o aprovisionamento de bens e de recursos de toda a natureza, indispensáveis à organização das viagens e à manutenção de guarnições, tripulações e viajantes30.

Enquanto estrutura de apoio à Expansão, a Casa de Ceuta era uma unidade de recolha e conservação, a quem cabia a organização das tarefas tipicamente portuárias de carga e descarga e de armazenamento e acondicionamento de todo o tipo de produtos a expedir para Ceuta e demais “Lugares de Além”. Complementarmente, era também uma imponente unidade de produção e transformação, a quem cabia, pelo menos parcialmente, a gestão da reparação naval e sobretudo a organização de atividades como a salga de carne e a produção e reparação de vasilhame em grande escala.

Estas atividades, muito bem documentadas para os anos centrais do século XV, tinham uma importância estratégica e assumiam uma natureza quase industrial, a ter em conta os enormes valores envolvidos nas várias fases da cadeia produtiva. Destas valências da Casa de Ceuta como unidade de produção chegaram-nos testemunhos impressionantes relativos aos valores envolvidos – número de artesãos, matérias-primas e produtos produzidos – patentes em inúmeras “quitações” passadas ao tesoureiro da Casa de Ceuta e há muito publicadas por Pedro de Azevedo. É o caso dos inúmeros moios de sal, usado “em salgar e resalgar a carne que em este ano [1456], o dito thesoureiro mandou a Cepta”31, atividade que exigia a intervenção de um “mestre da salga”, um lugar importante no funcionalismo da Casa de Ceuta.

A outra grande valência produtiva exercida no âmbito da Casa era a da tanoaria, certamente a mais importante, a ter em conta os imensos valores e verbas envolvidas, de que são exemplo as que constam de uma quitação passada em 1456, de que extraímos alguns dados relativos à tanoaria:

Item deu tres mil e cemto e oytenta reaes a certos tonoeyros que em este ano fezerom os tonees e pipas de madeira nova e velha em a dita casa de Cepta. Item deu setecentos e vinte e cinco reaes aos tornadores que em o dito ano tornarom cento e quaremta e cinquo feixes darcos a rezam de cinquo reaes o feixe. Item deu mil setecentos e cincoenta e sete reaes a certos barçeiros que em este ano rebaterom setenta e dous tonees e dez pipas que se corregerom em a dita casa de Cepta e de sasenta e tres dias que servirom a dita casa de Cepta a rezom de vinte reaes por dia. Item deu seiscentos e sessenta e cinco reaes a çertos bolladores que em o dito tenpo lavarom setecentas e trinta aduellas e novecentas peças de fundagem pela regra ante alegada. Item deu trezentos e cincoenta reaes a AntonEanes veedor dos tonoeiros que avya daveer em preço de dez covados de pano de Castella que avya daveer de seu vistir do dito ano por asi seer mestre dos ditos tonoeyros. Item deu mais seiscentos e oitenta reaes ao dito AntonEanes de trinta e quatro dias que servio em a casa de Cepta per todo o dito ano a rezam de vinte reaes por dia. Item despemdeo em o dito ano hum tonell de vinho e duas mil e seiscentas e lb peças daduellas velhas e novas e mil e trezentas e noventa e tres peças de fundagem e duzentas e quarenta e oito barras e cento e trinta e seis feixes darcos de tonees e pipas e duzentas e quarenta e oito barras e cemto e trinta e seis feixes darcos de tonees e pipas e duzentas e quarenta e sete braças de vymees todo em feitio de oitenta e quatro tonees e trinta e seis pipas que se em o dito ano fezerom em dita casa de Cepta pera despesa de seu oficio32.

Consequentemente, o funcionalismo da Casa de Ceuta contemplava também o “veedor dos tonoeiros” ou “mestre dos ditos tonoeyros”, cargos da maior importância, a atestarem a importância da tanoaria no contexto das atividades de produção da Casa de Ceuta. Os tanoeiros afetos à Casa eram particularmente favorecidos, beneficiando de cartas de privilégio como as concedidas em 1440, que os isentavam de encargos pesadíssimos, nomeadamente a “isenção de servir em Ceuta, ainda que seja bèsteiro, de aposentadoria em suas casas, adegas, etc., e de encargos do concelho, etc.”33. A consciência da importância da atividade dos tanoeiros e a necessidade de os privilegiar já constavam da mais antiga carta de privilégio conhecida, concedida pelo Rei D. Duarte a António Eanes, tanoeiro da Casa de Ceuta, datada de 22 de novembro de 1436:

por quamto huma das primcipaaes cousas que som necesaryas pera prouymento dos que estam em Cepta asy hé louça pera lhes levarem os mantimentos pera que compre tonoeyros hordenamos por boo Regimento de privilegiarmos certos tonoeyros que continoadamente estem e laurem a dita louça na casa de cepta que está em esta cidade34.

Mas a Casa de Ceuta não era apenas uma unidade de produção. Assim, relativamente aos anos charneira de meados do século XV (de 1453-1454), “há pormenorizadas referências a tudo quanto se recebia e despendia por intermédio daquela casa sobressaindo entre todas, as verbas consagradas ao envio de cereais para Ceuta, trigo e centeio principalmente”35. Com efeito, o triunfo da política de conquistas no Norte de África no reinado de D. Afonso V coincide com a época de maior esplendor da Casa de Ceuta. É nessa época que o seu âmbito de atuação se alargou às demais cidades e praças militares conquistadas pelos portugueses na Costa Marroquina, que constituíam as chamadas “Partes” ou “Lugares de Além”. Ao mesmo tempo que se reforçava o seu papel enquanto centro abastecedor dos mais diversos bens e mantimentos, acentuava-se o seu lugar enquanto centro político decisor. Com efeito, por lá passava necessariamente a gestão e sobretudo o recrutamento e abastecimento em munições militares36. Enfim, pela Casa de Ceuta passavam também as decisões relativamente à construção, ampliação ou modernização das fortificações das diversas cidades e praças militares do Norte de África, localizadas num território muito hostil, o que envolvia cargos como os de “mestre das obras de pedraria da Casa de Ceuta” e “mestre das obras de fortificação do Reino, Lugares de Além e Índias”. Os respetivos encargos, muito pesados, corriam pela Casa de Ceuta e os seus titulares foram recrutados durante muitas décadas entre a elite dos arquitetos e mestres de obras do Reino, envolvendo nomes como Diogo, Francisco e Miguel de Arruda, João de Castilho ou Diogo de Torralva, ativos nas primeiras décadas do século XVI. Assim, a título de exemplo, registe-se que, por diploma de 30 de agosto de 1554, eram concedidos a Miguel de Arruda, “caualeyro fidallgo de minha casa, mestre das obras de forteficação de meu reino, luguares dalem e Indias” mais quatro moios de trigo, que “lhe serão pagos na casa de Cepta37.

Organismo de vocação tipicamente ultramarina, a Casa de Ceuta instalou-se desde a sua origem no coração da Ribeira de Lisboa, pois o bom d espacho dos seus assuntos suscitava uma localização adequada das respetivas instalações, necessariamente vizinhas dos cais, pontes e estacadas que pontuavam as linhas de praia das vizinhanças. Realidade tipicamente ribeirinha, são inúmeros os testemunhos da animada vida portuária polarizada na Casa de Ceuta, lugar de cargas e descargas intensivas das mais diversas mercadorias e de que são exemplo os seguintes valores relativos a 1455-56, despendidos com “gaanhadinheiros”, “pulinheiros” e “afundadores” empregados na estiva das coisas de Ceuta:

Item deu quatro mil e doze reaes a çertos gaanhadinheiros que em o dito tenpo acaretarom das barcas aa casa de Cepta e da casa aas barcas que levarom aos navyos setecentos e trinta e quatro moyos e vijmte e dous alqueires de pam e seisçentos e dezaseis cascos de tonees aas barcas e a quem acarretou quatroçentos e vijmte e dous feixes darcos de tonees e pipas que levarom aa casa de Cepta e em aluger dos sacos em que acaretarom o dito pam e em outras despesas necesarias.

Item deu e pagou mil e oytocentos e vinte e oito reaes a çertos pulinheiros e afundadores que afundarom e tiraram das barcas çemto e sasemta e seis tonees e meo de vynhos que vierom de Santarem e dos regengos de Ribamar e os meterom em a casa de Cepta e os tornarom a tirar da dita casa e os levarom aa ribeira pera os levarem aos nauyos que os avyam de levar a Cepta pera mantimento dos que alla estam38.

As instalações da Casa de Ceuta, que tiravam partido da proximidade dos cais das redondezas, beneficiavam, por outro lado, da proteção das muralhas da cidade. Com efeito, a Casa de Ceuta localizava-se no interior da Cerca Fernandina, num segmento central da mesma, adjacente à chamada Porta dos Pregos39. A muralha, a que se encostava, proporcionava-lhe a sua face posterior, ficando a entrada principal da Casa de Ceuta na Rua ou Beco do Saco, prolongamento ocidental da importante Rua da Ferraria, a rua da baixa da cidade localizada entre a Rua Nova dos Mercadores e a Cerca Fernandina, estruturas estas orientadas no sentido leste-oeste. Em 1486, D. João II ordena à Câmara a reparação de “aquelle pedaço de muro de junto co as nossas casas de çepta que estaa deRibado […] por que maes dano se nam faça no outro e asy nas meesmas casas”40.

Esta localização fazia com que a Casa de Ceuta ficasse sobre o cano real que, proveniente das traseiras do Rossio, corria em direção ao rio, conhecendo em 1498 a sua última expansão anterior ao Terramoto de 1755, efetuada no âmbito do aterro do espaço que seria conhecido como Terreiro do Paço41. Por outro lado, o sítio de implantação da Casa de Ceuta era muito próximo senão contíguo às Tercenas medievais, vasto complexo portuário localizado e mesmo comprimido entre a chamada Muralha de D. Dinis e o alinhamento ribeirinho da Cerca Fernandina, que integrava estaleiros de construção e reparação naval e ainda espaços de armazenamento de aprestos marítimos, organizados em naves paralelas entre si mas certamente orientadas perpendicularmente às linhas amuralhadas42. A proximidade das Tercenas medievais depreende-se da “Carta de doação ao Infante D. Henrique das duas casas que estão juntas às casas de Ceuta”, de 1449:

damos lhe que tenha e aja de nós daquy em diante Em quamto nosa merçee for as duas casas das nossas tarçenas da çidade de Lixboa que a em anbas duas naves que estam junto com as Casas de Çepta das quaaes tarçenas se ora o dicto Infante serue com tanto que ell as adube E correga de todo o que lhe mester for a sua custa em quanto as asy tever43.

Anos depois, em 1471, estas casas ou parte delas seriam cedidas por D. Afonso V a Fernão Gomes, a título provisório. Tratava-se de

huma naue das cassas das nossas tareçenas da nossa çidade de lixboa que estaa amtre as dictas tareçenas E o çelleiro da nossa çidade de çepta que ora estaa descuberta com estas comdiçõees que sse ao djante seguem. com comdiçom que elle a cubra de telhado e corregimento que ouuer mester E a tenha emquamto durarem os trautos que de nos tem das partees de gujnee ssem nos della pagar coussa alguma44.

Deve notar-se, a propósito, que estas naves, contíguas à Casa de Ceuta e restauradas ou mesmo refeitas por Fernão Gomes em 1471, estarão na base da futura Casa da Mina lisboeta, a herdeira da Casa da Guiné e da Mina, instituição transferida de Lagos para Lisboa em 1463, três anos após a morte do Infante D. Henrique. Porém, nas origens do complexo construtivo afeto à Casa de Ceuta teremos que entrever uma dose adequada de improvisação e pragmatismo, indispensáveis para a disponibilização dos espaços necessários para o exercício das funções inerentes à Casa. Tudo indica que para a sua instalação tenham sido escolhidas umas casas camarárias, erguidas no sítio que fora Curral dos Bois nos séculos precedentes, localizadas entre o citado Beco do Saco, a Norte, e a Cerca Fernandina, a Sul, contíguas à Porta dos Pregos, rasgada nesta Cerca. As casas escolhidas eram contíguas às Privadas do Concelho e elas próprias estavam parcialmente assentes sobre o cano real, como já sabemos, que resulta do encanamento do rego que provinha das traseiras do Rossio, em data indeterminada. Em 1438, a Câmara de Lisboa reclama a posse dessas casas, outrora emprestadas a D. João I, como vimos. Tratava-se de

humas casas ssuas proprias na Ferraria honde ssoya destar o curral dos bois E el Rey Dom Joham uosso auo nollas pidio enprestadas por huum tempo pera sse em ellas poer o mãtijmento prouisom pera Cepta E depois que as assy teue por lhas muytas uezes Requerermos e a uosso padre tambem E nunca nollas quis mandar entregar. E por quanto Senhor esto hé a nós agrauo E aas ssuas almas grande prejuizo pidimosuos Senhor por merçee que nos mandees dar e desembargar as ditas casas que nossas sam ca sse alguuns mantijmentos e cousas pera Cepta querees teer deposito assaz uos deue abastar as uossas taraçenas que estam uazias E nom uos ffazem seruiço (…).

A este pedido, o Rei dá uma resposta ambígua, adiando qualquer decisão e deixando ficar tudo na mesma: “por quanto os fectos de Cepta sse determynarom este ano vos lleixaae estar esto assy estar45. José de Vasconcellos e Menezes avança a hipótese de estas casas terem sido requisitadas por D. João I logo em 1415, no momento em que se preparava a armada para a expedição a Ceuta46 e considera que “as Casas de Ceuta, que aliás ocupavam mais do que um edifício (pelo menos um a norte e outro a sul da rua do Saco), passaram a ser assim designadas após a conquista de Ceuta e não porque tenham sido construídas propriamente para ‘armazém das cousas de Ceuta'”47. A permanência da Casa de Ceuta neste sítio nos anos e nos séculos seguintes, mostra que a reclamação da Câmara não foi acolhida, passando a posse das casas para o domínio régio nas últimas décadas do século XV, em circunstâncias que nos escapam.

Como vemos, o sítio de implantação do que seria a Casa de Ceuta nada tinha então de nobre, mas tinha tudo em matéria de funcionalidade, tendo em conta a sua localização ribeirinha, a proteção das muralhas, a proximidade de uma porta importante destas (a Porta dos Pregos) e ainda a proximidade das Tercenas. O movimento da casa e as próprias valências da mesma, nomeadamente enquanto unidade de produção em grande escala, fazia, porém, com que os tanoeiros afetos à Casa de Ceuta, desempenhassem as suas tarefas em casas vizinhas, como é o caso, em 1450, de umas casas, em Lisboa, na Rua do Saco48, “onde lauram os tenoeiros (…) as quaes cassas estam em frente das cassas do desembargo da nossa cidade de cepta49.

Para lá da sua localização, tão ribeirinha, praticamente nada sabemos da configuração arquitetónica da Casa de Ceuta. Certamente adaptada desde a sua origem no edifício da Câmara de Lisboa que vimos referenciando, as poucas notícias conhecidas são relativas a obras e ampliações do mesmo. Do pouco que sabemos relativamente à arquitetura da Casa de Ceuta, deveremos, porém, considerar que a sua área de implantação era muito vasta50. Nesse espaço51, devidamente sinalizado por Vieira da Silva, como vimos, erguia-se um amplo edifício de pelo menos dois andares, podendo o piso térreo estar dividido em sobrados sobrepostos, de modo a aumentar a sua capacidade de armazenamento. Pensamos ainda que, à semelhança das vizinhas estruturas de armazenamento das tercenas, divididas em naves longitudinais, também o piso térreo da Casa de Ceuta poderia estar organizado em naves paralelas entre si, eventualmente abobadadas, de grandes dimensões e de composição arquitetónica mais ou menos elaborada, estruturadas em tramos articulados longitudinal e transversalmente entre si, à semelhança das que, nas primeiras décadas do século XVI, encontraríamos por exemplo nas Tercenas manuelinas das Portas da Cruz e porventura também nas naves da Casa da Índia e dos Armazéns do Reino, vastíssimas e opulentas estruturas de armazenamento localizadas nos baixos do futuro Paço da Ribeira de D. Manuel I.

Chegaram-nos notícias de grandes obras realizadas na Casa nos anos de 1455 e 1456, que merecem registo, pois elas ajudam a entender melhor a estrutura da Casa de Ceuta que, dadas as suas funções, tinha que conter espaços para o desempenho da respetiva burocracia, de nomeação estatal, e tinha que conter espaços adequados, maiores ou menores, indispensáveis para a recolha, conservação e armazenamento de víveres, armamento e produtos afins para expedir para as cidades do Norte de África. Dado o movimento da Casa, pensamos que as naves que intuímos no piso térreo da casa podiam comunicar diretamente com a rua fronteira por, pelo menos, um portal de grande envergadura, de modo a facilitar cargas e descargas e até a entrada de carros, certamente usados no transporte das mercadorias entre os cais fronteiros e a Casa e vice-versa. Sabemos ainda que, a fim de abrigar cargas e descargas, bem como o pessoal da Casa, esta dispunha de um alpendre. Com efeito, em 1484, em carta de D. João II à Câmara de Lisboa, refere-se “o alpendre das nossas cassas de cepta pela parte de dentro da cidade”, cujo terreiro fronteiro fora doado pela Câmara contra a vontade de El-Rei, impondo este à Câmara a interdição “de sse fazer em elle algũa cousa”52.

A referência a estes alpendres “pela parte de dentro da cidade” parece sugerir a existência de outros alpendres afetos à Casa de Ceuta, provavelmente localizados da parte de fora do muro da cidade, isto é, dando para o terreiro e a praia fronteira à Cerca Fernandina, décadas antes do aterro (1498) que daria lugar ao futuro Terreiro do Paço. Estes alpendres, não documentados, a terem existido, podem, porém, ter abrigado o acesso ao portal monumental da Casa de Ceuta, que detinha “huum arco e sobrearco de pedra”, portal comprovadamente rasgado em 1455 ou 1456 no “muro […] que saae pera a Ribeira homde soya de seer outro portal velho”53. Com efeito, nestes anos abria-se um portal novo no edifício, de acesso direto à Ribeira, rasgado na própria Cerca Fernandina, para serviço das casas onde morava o tesoureiro de Ceuta, incorporadas na Casa de Ceuta, como veremos. Este portal estará na origem da “porta da casa de Ceuta”, de serventia direta da instituição, cuja sede “ficava por trás da muralha (…) mas que tinha pelo menos uma porta para o Terreiro do Paço”, como faz notar Vieira da Silva54. Chegou-nos a quitação do pagamento deste portal monumental bem como o da porta respetiva:

Item deu cinquo mil reaes a Afomso Vaaz pedreiro denpreitada de fazer hum portal em o muro que vay pera as casas homde mora o dito Gonçallo Pacheco que saae pera a Ribeira homde soya de seer outro portal velho com huum arco e sobrearco de pedra e esto se fez por quamto se fundiu o dito muro e estava em perygo de cair segumdo disserom certos pedreiros que o forom veer.

(…)Item deo e depemdeo mil e seiscentos e seis reaes por conpra de huma viga de carvalho pera couçeiras e por duas meas vigas de carvalho pera batentes e por hum terçado e por outra madeira e por pregadura e por feitio de humas portas que o dito Gonçalo Pacheco mandou fazer pera o dito portal55.

 

Figura 1

 

Os espaços mais importantes da Casa de Ceuta eram os de armazenamento. Dada a natureza do sítio, apresentavam algumas deficiências. Com efeito, as cotas muito baixas do piso térreo eram atreitas à humidade e até a inundações e consequentemente à má conservação dos produtos armazenados na casa. Chegaram-nos notícias, referentes a 1456, dos estragos provocados não só pela humidade mas até pelos ratos:

Item deu e despemdeo vijmte e hum alqueires de triguo e quinze alqueires de cevada e cinquo alqueires de milho que comeram os ratos e que se foy pellos buracos do payoll e outro que apodreçeo segundo deu de sy fe o escripvam56.

Na mesma circunstância, surgem referências importantes a reparações das estruturas de armazenamento da Casa:

Item deu e despendeo mais nove mil e duzemtos e vymte e oyto reaes en conpra de dezasete duzias e nove tauoas de [cas?]stanho a trezemtos reaes a duzia e parte da sisa e por seis agieiros e por tres mil e oytocemtos e cinquoenta preguos de telhado e por çemto e çinquoenta pregos contares e por careto deste tauoado e por dois moyos e meo de call e por tres moyos de area e a quem amassou a dita call e por agua pera ella e cinquo servidores que andarom a servir em a dita obra e a oytenta [sic] carpinteiros que andarom em a dita obra as quaees cousas foram gastadas em fazymento do solhado do payol honde se poee o pam por quamto estava mal corregido e nom lhe foram postas em recepta57.

Nestes testemunhos merece destaque a referência ao paiol onde se põe o pão, isto é, ao depósito de cereais, estrutura que iremos encontrar enquanto unidade de armazenamento e de conservação de cereais, de biscoito e sobretudo de especiarias, presente quer nas naus, quer nas próprias naves da Casa da Índia e dos Armazéns do Reino. A outra nota a fazer é relativa aos sobrados da Casa e em particular ao “solhado do payol”. Os sobrados de madeira eram estruturas indispensáveis na Casa de Ceuta (como em qualquer outro espaço de armazenamento, régio, concelhio ou privado) para a boa conservação de quaisquer mercadorias e em particular dos cereais, mas também de outros produtos alimentares ou mesmo de têxteis. Ora, as lajes de pedra que muito provavelmente cobriam o solo do piso térreo da Casa eram pelo menos parcialmente soalhadas, à semelhança do que se fazia e faz em espaços de armazenamento. Com efeito, aquelas lajes não só eram excelentes condutores de humidade como a cota muito baixa do piso térreo constituía um risco permanente de inundações, testemunhadas na baixa de Lisboa desde o tempo do reinado de D. Fernando. Nos espaços de armazenamento privilegiavam-se os pisos sobradados como o “solhado do payol” de 1456, que vimos referindo, uma vez que os sobrados facilitavam a conservação das mercadorias, pois afastavam a humidade inerente aos sítios fundos e aos empedrados do piso térreo. Por outro lado, a implantação de sobrados de madeira, em níveis sobrepostos nos espaços disponíveis da Casa permitiam a circulação do ar e favoreciam a desumidificação e o arejamento do ambiente ou mesmo a secagem de alguns produtos armazenados, indispensável para a sua boa conservação.

Ainda no âmbito dos espaços de armazenamento da Casa de Ceuta, algumas referências documentais são, porém, pouco claras. É o caso da “casa do paço pera se guardar demtro madeira e vymeens e outras cousas”, afeta à guarda dos materiais de tanoaria:

Item deu mil e seis reaes en compra de tres duzias e mea de varas de castanho grandes a cem reaes a duzia e por três pontoees e por doze aguyeiros e por pregos contares e por çem pregos de telhado e por duzemtos e e trimta pregos de setia todo pera fazer hum repartimento na casa do paço pera se guardar demtro madeira e vymeens e outras cousas a quem fez o dito repartimento58.

De entre as grandes obras realizadas na Casa nos anos de 1455 e 1456, algumas são de reparação e conservação, como as do “corregimento de hum cano que esta na casa de Cepta que era quebrado”, de cujos encargos e materiais despendidos nos chegou notícia:

Item deu quatrocentos e sessenta e quatro reaes por conpra de dezoito alcatruzes e por hum moioo e meo de cal e por area e a quem amassou a dita call e por huma barcadega de pedra e por outras cousas necessarias todo pera corregimento de hum cano que esta na casa de Cepta que era quebrado e fezesse de novo por se nom fazer mayor perda nas ditas Casas de Cepta59.

Aparentemente tratava-se de corrigir e refazer um cano entre as águas dos telhados, a fim de evitar infiltrações no edifício, o que seria prejudicial numa casa com uma tão importante componente de armazenamento. As outras obras documentadas deste período são ampliações e a construção de divisórias na casa, ao serviço do funcionalismo que nela se acolhia, de modo a criar um escritório ou a melhorar a casa do tesoureiro da Casa de Ceuta, que residia no edifício.

Regista-se, assim, a construção de “hua parede no escriptorio”60, espaço raríssimo e reservado de atuação da burocracia da Casa de Ceuta, certamente desmembrado de uma divisão prévia maior, registando-se ainda os pagamentos pela obra dos armários respetivos, rasgados na própria parede:

Item deu çemto e satenta e cinquo reaes a quem fez huns almarios na parede do esciptorio e por duas fechaduras pera elles pera se guardarem em elles alguas cousas quamdo ficam por despemder61.

Igualmente documentadas são as obras nas “casas homde mora o dito thesoureiro”, que tinha alojamento na própria Casa de Ceuta:

Item deu mais mil quatrocentos e setenta e nove reaes por compra de tres moyos de cal e por tres moyos de area e a quem a amasou e acaretou a agoa e por quinhentos tigelhos e por careto delles e por quatro aguyeiros e por huma tauoa pera huma call (sic) e por pregadura e a vijmte e hum carpynteiros e pedreiros que andarom senhos dias a revolver as casas homde mora o dito thesoureiro e a çertos servidores que servirom os ditos meestres62.

Na mesma circunstância surgem as verbas relativas aos materiais e trabalhadores envolvidos no assoalhamento, na abertura de um portal e no telhamento de uma casa desse alojamento:

Item despendeo trezemtos e çinqoenta reaes em compra de duas duzias de tauoado das Ilhas e por çem pregos de telhado e por vijmte e çinquo pregos contares e a coatro carpynteiros que soelharom huma casa em que mora o dito thesoureiro63.

Item deo e despendeo quatorze mil e oytocentos e cinquoenta e quatro reaes em conpra de duas vigas de carvalho e por huma viga terçada e por vymte e hum pontooes e por tres pomtoes de carvalho grandes e por sete meos pontoees e por seis meos aguyeiros e por çem tigellas [sic, por tijolos?] pequenas e por sasemta tigellas gramdes pera hum portal e por cinquo duzias de tavoas grandes e por hum milheiro de telha e por dezasseis duzias de cortiça e por dezanove de call e por area e por pedra e por pregos e a quem amassou a dita call e por careto de todas estas cousas e a çemto e vymte e dous carpynteiros e pedreiros que andarom por nosso mandado a fazer huma casa com seu sobrado na casa de Cepta homde mora o dito thesoureiro as quaees cousas todas foram gastadas na dita casa e portamto lhe nom foram postas em recepta64.

Ainda nos meados do século XV, a Casa de Ceuta abre-se para o exterior da cidade, para a Ribeira, como que precedendo e induzindo idêntica reconfiguração urbana da cidade, que ganhará uma nova fachada ribeirinha com as obras monumentais impostas por D. Manuel I, à volta do que será o futuro Terreiro do Paço. Com efeito, em 1455 ou em 1456, rasgava-se o portal monumental “com hum> arco e sobrearco de pedra” na própria muralha, já atrás referido, que constituiria a origem da Porta de Ceuta localizada no Terreiro que resultaria do aterro (em 1498) da velha praia fronteira à Cerca Fernandina. Em suma, a Porta de Ceuta seria aberta muitos anos antes da criação da Casa da Índia e do Paço da Ribeira (c. 1500), momento em que a Casa de Ceuta ganharia nova expansão e uma nova fachada ribeirinha, sobreposta à velha cerca medieval.

Nada mais sabemos dessas instalações, encostadas às muralhas e a seu tempo integradas nas dependências do Paço da Ribeira de D. Manuel I65. É nestes primeiros anos do século XVI que a Casa de Ceuta se expande ou se transfere, passando do interior da velha Cerca Fernandina para o exterior, ganhando uma localização ainda mais central e mais frontal, pois passa a integrar um segmento importante da fachada ribeirinha do próprio Paço. Esta como que reconfiguração manuelina da Casa de Ceuta, que amplia ou que transfere as respetivas instalações para uma localização tão nobre, pode ter a ver com a política manuelina de intervenção no Norte de África e que tem o seu cume na conquista de Azamor em 1513: “o rei era favorável a essa expansão e projectou, ele próprio, chefiar uma expedição ao Norte de África, que nunca veio a ter lugar”66. Porém, em 1520, o próprio Rei, no contexto de expansões e remodelações efetuadas no Paço, suscitadas pelo seu casamento com a Rainha D. Leonor de Áustria, despromove as “casas de Ceuta” da sua função institucional, para lhe dar, ainda que parcial e provisoriamente, uma componente residencial e palaciana. É então que o Rei D. Manuel manda reparar e “guarnecer e aparelhar” as “casas de Ceuta” do necessário, “pera pousarem nellas meos filhos […] asy as de cima como as de bayxo”67.

Com o declínio da política de expansão no Norte de África e com o consequente abandono de algumas praças, ocorrida a partir do segundo quartel do século XVI, a Casa de Ceuta perde muita da sua importância anterior. Em tempos de austeridade, a racionalização do pessoal era objeto de discussão no início do século XVII quando, em 1604, se propunha a extinção do próprio cargo de tesoureiro da Casa de Ceuta68. Mas esta subsistia, quase no centro do Terreiro do Paço, no piso térreo ou nos pisos inferiores de certas dependências do Paço da Ribeira, ombreando com algumas das grandes instituições do Reino, de tutela concelhia (Açougues e Terreiro do Trigo) e sobretudo de tutela régia (Armazéns do Reino e Casa da Índia; Alfândega e Casa dos Contos), todas elas localizadas em torno do Terreiro do Paço. Aí a capta Damião de Góis, que refere que “no canto ocidental deste terreiro [do paço] (…) fica situado um edifício, a que nós chamamos Casa de Ceuta, onde os comissários régios dão despacho às questões relativas à guerra de África”69.

A Casa de Ceuta ultrapassa a Restauração e sobreviveu à própria perda da cidade, em 164070, mas seria extinta em 1769, após o abandono da praça de Mazagão, que teve lugar nessa data. As suas instalações históricas seriam, porém, destruídas com o Terramoto de 1755, como que prenunciando a extinção daquela que foi a primeira instituição de cunho estatal criada no âmbito da Expansão Portuguesa.

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes manuscritas

 

Arquivo Municipal de Lisboa

Livro 2º de D. João II.

Livro dos pregos.

 

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Corpo Cronológico, parte I, maço 79, documento n.º 43.

Corpo Cronológico, parte I, maço 114, documento n.º 106.

 

Fontes impressas

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submissão/submission: 22/07/2015

aceitação/approval: 21/09/2015

 

NOTAS

* Carlos Manuel Ferreira Caetano (Trancoso, 1953). Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1981). Mestre em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (2001), com a dissertação A Ribeira de Lisboa na Época da Expansão Portuguesa (Séculos XV a XVIII), orientada pelo Professor Doutor Rafael Moreira (Editora Pandora, Lisboa, 2004). Doutor em História da Arte, especialidade História da Arte Moderna – Arquitetura e Urbanismo, na mesma Faculdade (2012), com a dissertação subordinada ao tema As Casas da Câmara dos Concelhos Portugueses e a Monumentalização do Poder Local (Séculos XIV a XVIII), também orientada pelo Professor Doutor Rafael Moreira. Integra o Centro de História d'Aquém e d'Além-Mar (CHAM), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Universidade dos Açores. Correio eletrónico: carloscaet@aeiou.pt

1 Publicada em tempos recentes, deve-se a Luís Filipe Thomaz uma das interpretações mais arrojadas e polémicas sobre a conquista de Ceuta, as suas causas e o seu significado histórico: THOMAZ, Luís Filipe - Expansão portuguesa e expansão europeia: reflexões em torno da génese dos descobrimentos. In De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994. p. 1-41, de que se retêm as seguintes considerações relativamente à respetiva conquista, “tradicionalmente apontada como acto inaugural da expansão”, questionando-se mesmo sobre se “Começará de facto aí uma nova era?”, Ibidem, p. 21. Noutro passo do seu ensaio, o mesmo autor acrescenta: “Parece assim ficar claro que, pelas suas motivações como pelo seu carácter, pela sua continuidade com a Reconquista como pela ideologia que a informa, pelo espaço geográfico em que se desenrola, pela base social, a expansão portuguesa em Marrocos antes de D. João II é muito mais um derradeiro episódio da história medieval que o primeiro episódio da moderna. O seu nexo lógico com a revolução comercial do século XI e com a ascensão da burguesia é mais que ténue. Obviamente, Ceuta não é excepção”, Idem – Ibidem, p. 29.

2 Ver ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da tomada de Ceuta. Lisboa: Publicações Europa-América, 1992. p. 277-282, capítulos XCVII, “Como el-Rei teve seu conselho acerca da guarda da cidade”; XCVIII, “Como alguns daquele conselho responderam a el-Rei”; XCIX, “Como el-Rei determinou, todavia, de manter a cidade e como dava encarrego dela a Martim Afonso de Melo”.

3Para as “quatro razões principais para conservar Ceuta” aduzidas por D. João I, ver Farinha, António Dias – Norte de África. In Bethencourt, Francisco; Chaudhuri, Kirti (dir.) – História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998. vol. 1, p. 122.

4 ZURARA - Ob. cit. capítulos XCIX e C, p. 281-284,

5 Idem – Ibidem. Cap. C, p. 284. Ver ainda o Título “Da Hordenaçom, que El Rey Dom Joham fez ácerca dos que forom na Armada de Cepta, e allá ficarom por seu mandado”, incorporado nas Ordenações Afonsinas, Livro V, Título LXXXIII: Ordenaçoens do senhor rey D. Affonso V. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p. 299-305. Facsímile da ed. de: Coimbra: na Real Imprensa da Universidade, 1792.

6Publicado in Baeza Herrazti, Alberto - El Presidio de Ceuta. Ceuta: Caja de Ahorros y Monte de Piedad, 1985. p. 22. Para uma breve caracterização social da cidade em meados do século XVII ver POSAC MON, Carlos – La última década lusitana de Ceuta. 2.ª ed. Ceuta: Caja de Ahorros y Monte de Piedad, 1983. p. 33-44.

7 Esta vocação social-penal da cidade é sublinhada pelas seguintes palavras: “A Ceuta portuguesa de meados de Quatrocentos aparece-nos, assim, como uma terra de acolhimento de criminosos. A falta de segurança dos seus habitantes funcionava como factor de repulsão, vendo-se a Coroa a abastecê-la de degredados, chegando mesmo ao ponto de perdoar determinados criminosos só pelo facto de eles terem estado a servir no presídio”, BRAGA, Paulo Drumond – Transferências de degredos: de e para Ceuta (Portugal, meados do século XV). In Baeza Herrazti, Alberto (ed.) – Ceuta hispano-portuguesa. Ceuta: Instituto de Estudios Ceitíes, 1993. p. 153.

8 “Ceuta representa um marco importante na definição de penalidades e indultos. Podemos mesmo afirmar que é principalmente como lugar de castigo, mas também de perdão, que Ceuta aflora nas Ordenações. É por isso que o seu nome está particularmente presente no Livro V, que trata de direito criminal. Ceuta é simultaneamente um lugar de exílio e de asilo”, BEIRANTE, Maria Ângela – Ceuta nas Ordenações Afonsinas. In Baeza HERRAZTI, Alberto (ed.) – Ceuta hispano-portuguesa, p. 90.

9 Ver, por exemplo, a “Carta de perdão a Afonso Pires, morador no Cadaval, por servir um ano em Ceuta”, datada de 1-7-1439: Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 19, f. 53v., publicada por AZEVEDO, Pedro de - Documentos das chancelarias reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos. Lisboa: Academia das Ciências, 1915. tomo I (1415-1450), p. 95-97; ou a “Carta de perdão de degredo em Ceuta a João Martins, pintor”, ativo na Sé de Lisboa, datada de 29-5-1441: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 2, f. 118, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 186. Note-se, porém, que o regimento dos desterrados em Ceuta (de 10-4-1434) remonta já a D. Duarte, sendo incorporado nas Ordenações Afonsinas, Livro V, Título LXXXIIII: “Da Hordenança dada [por D. Duarte] ao Capitam de Cepta, que aja de teer com os degradados, e homiziados”, Ordenaçoens …, Livro V…, p. 305-313.

10 Baeza Herrazti nota que “En Ceuta, durante el dominio portugués, no existió un Penal correcional propriamente dicho, con celdas y rejas, sino que fue un lugar de deportación, donde los extrañados cumplían un período de confinamiento, pero viviéndolo en libertad, en muchos casos formando hogar en unión de sus familias, o encuadrados en las Compañías de Lanzas o en otros Cuerpos armados, junto a los demás soldados, com uso de armas y prestación de servicios, y cobrando del Erario publico”, Baeza Herrazti, Alberto - El Presidio…, p. 18. Registe-se que a tradição presidiária da cidade manter-se-ia sob a Coroa Espanhola após 1640 e, segundo Alberto Baeza Herrazti, intensificar-se-ia nos séculos XVIII e sobretudo no XIX, chegando mesmo ao século XX.

11Camões chegou a Ceuta com 25 anos de idade, no outono de 1549, permanecendo dois anos, até ao outono de 1551, BAEZA HERRAZTI, Alberto – El Presidio…, p. 21, nota.

12 “Carta de D. João I com o título insólito de ‘Senhor da cidade de Ceuta' ao Infante D. Henrique de administração das rendas para Ceuta”; Estremoz, 18-2-1416: ANTT, Chancelaria Régia, D. João I, Livro 5, f. 91v., publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 450-451.

13 “Dom Joham pella graça de Deus Rey de Portugal e do Algarue e Senhor de Cepta”, Estremoz, 22-2-1416: ANTT, Chancelaria Régia, D. João I, Livro 3, f. 178v. – “a mais antiga carta de D. João I, em que usa o título de ‘Senhor de Ceuta'”, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 451. Maria Ângela Beirante nota que “Ceuta figura, em primeiro lugar, como uma espécie de ‘jóia da Coroa', na intitulação das cartas régias insertas no corpo da obra. Assim, Dom Joham per graça de Deos Rey de Purtugal e do Algarve e Senhor de Cepta”, BEIRANTE, Maria Ângela - Ceuta nas Ordenações Afonsinas. In Baeza HERRAZTI, Alberto (ed.) – Ceuta hispano-portuguesa, p. 89.

14Baeza HERRAZTI, Alberto – Preâmbulo. In Ceuta hispano-portuguesa…, p. 14. A criação da Sé episcopal em Ceuta foi autorizada pelo Papa Martinho V, sendo o primeiro bispo da cidade Frei Aymaro de Aurillac, nomeado em 1421, que tinha sido confessor da Rainha D. Filipa de Lencastre. Pouco depois o bispo de Ceuta passou a ser o Primaz de África: POSAC MON, Carlos - Ob. cit., p. 87-88. Em 1423, o bispo de Ceuta continuava a ser Dom Aymaro, administrador do Mosteiro de Pombeiro: ver os “Priujllegios do moesteiro de ponbeiro” confirmados por D. João I a 11-2-1423: ANTT, Chancelaria Régia, D. João I, documento publicado in DIAS, João José Alves (org. e rev.) - Chancelarias portuguesas: D. João I. Lisboa: Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2006. vol. IV, tomo 2 (1393-1433), p. 40-42.

15Ver Mascarenhas, Jerónimo de - Historia de la ciudad de Ceuta: sus sucessos militares, y político, memorias de sus santos y prelados, y elogios de sus capitanes generales escrita em 1648... Dir. Afonso de Dornelas. Lisboa: Academia das Sciencias, 1915. p. 16.

16Realizadas após a morte de D. Duarte; Regimento atribuído pelos cronistas ao Infante D. Henrique.

17“Regimento do Reino e documentos ancilares”. In DIAS, João José Alves; PINTO, Pedro (org. e rev.) - Cortes portuguesas: reinado de D. Afonso V: cortes de 1438. Lisboa: Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2014. p. 39.

18 “Regimento do Reino e documentos ancilares”, in Idem - Ibidem, p. 42.

19 “Regimento do Reino…”, in Ibidem, p. 49, 50.

20 BETHENCOURT, Francisco – A administração da Coroa. In BETHENCOURT, Francisco; CHAUDHURI, Kirti (dir.) – História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998. vol. 1, p. 388.

21 Note-se que 1425 é o ano a que remonta a legitimação por D. João I de dois filhos do almoxarife de Ceuta, Gil Afonso: DIAS, João José Alves (org. e rev.) - Chancelarias portuguesas: D. João I. vol. IV, tomo 2 (1393-1433), p. 75.

22 LUZ, Francisco Paulo Mendes da – O Conselho da Índia. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1952. p. 32. Porém, as preocupações e os encargos com as “cousas de Ceuta” datavam de muito antes: veja-se a “Carta de quitação a Vasco Fernandes, em que se mencionam verbas respeitantes ao tesoureiro das cousas de Ceuta em Santarém”, datada de 14-12-1426: ANTT, Chancelaria Régia, D. João I, Livro 5, f. 148, in AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 469-470.

23 LUZ, Francisco Paulo Mendes da – Ob. cit, 1952, p. 33: ver a “Carta de El Rei D. Duarte a Gil Vasques, empregado da Casa de Ceuta, para poder usar armas. De 19 de Janeiro de 1434”, carta confirmada em nome de El-Rei a 10 de março de 1439: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 18, f. 71; doc. publicado por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 52.

24 LUZ, Francisco Paulo Mendes da – Casa de Ceuta. In SERRÃO, Joel (dir.) – Dicionário de História de Portugal. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1971. vol. I, p. 560.

25 Neste ponto contrariamos a opinião de Mendes da Luz, que considera que a Casa de Ceuta foi provavelmente criada em Lagos, como a futura Casa da Guiné, e que escreve que “pelo menos a partir de 1450” a Casa de Ceuta encontrava-se já em Lisboa, “para onde deve ter sido transferida ainda antes da Casa da Guiné” (Idem - Ibidem, p. 560).

26SILVA, Vieira da – As muralhas da ribeira de Lisboa. 3.ª ed. Lisboa: Publicações Culturais da Câmara Municipal, 1987. vol. I, p. 123.

27 “Capítulo apresentado às Côrtes de Lisboa, sobre as casas que lhe pertenciam e onde se depositavam os mantimentos para Ceuta, e resposta de El Rei”, Lisboa, 25-12-1438: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 20, f. 88v., publicado por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 115. Este documento seria igualmente publicado por MARQUES, João Martins da Silva - Descobrimentos portugueses… Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, 1944. Suplemento ao vol. 1 (1057-1460), p. 504: “Capítulo de agravos dos vereadores, procuradores, homens-bons e mesteres da cidade de Lisboa; com as respostas del-Rei. No 7.º capítulo pede a cidade ao Rei lhe restitua umas casas na Rua da Ferraria, que D. João I pedira emprestadas ao concelho ‘pera sse em ellas poer o mantijmento proujsom pera cepta'”.

28 LUZ, Francisco Paulo Mendes da – O Conselho da Índia…, p. 32.

29 Idem – Ibidem, p. 33.

30Para uma melhor caracterização institucional e funcional dos Armazéns ver o cap.º “Os Armazéns do Reino” in CAETANO, Carlos – A ribeira de Lisboa na época da expansão portuguesa: séculos XV-XVIII. Lisboa: Pandora, 2004. p. 112-116; para a sua localização e caracterização arquitectónica ver o cap.º “Os Armazéns” in Idem – Ibidem, p. 169-176.

31“Quitação de Gonçalo Pacheco, thesoureiro de Ceuta”, de 1-5-1456: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 1, f. 78, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Documentos das chancelarias reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos. Lisboa: Academia das Ciências, 1934. tomo II (1450-1456), p. 360.

32Idem – Ibidem, p. 361.

33 Vejam-se por exemplo os “Privilégios concedidos a Rui Vasques, tanoeiro, enquanto trabalhar por seu ofício na Casa de Ceuta (Carta de); ano de 1440: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 20, f. 9, documento referenciado em MARQUES, João Martins da Silva - Ob. cit., p. 514.

34 “Carta de privilégio de El Rei D. Duarte a Antonio Eanes, tanoeiro da casa de Ceuta. De 22 de Novembro de 1436”, transcrita em: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 19, f. 7, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. I, p. 53.

35LUZ, Francisco Paulo Mendes da – O Conselho da Índia…, p. 34; veja-se ainda a “Quitação a Alvaro Anes, recebedor das cousas de Ceuta”, de 8-8-1440, relativa aos anos de 1437-1439: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 20, f. 147v., publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 163-168. De teor idêntico é a “Quitação a Gonçalo Pacheco, tesoureiro mór das cousas de Ceuta” (1439-1440); Doc. de 10-8-1440: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 20, f. 147, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. 1, p. 168-172. Veja-se ainda, entre tantas, a “Quitação a Gonçalo Pacheco, tesoureiro-mor das coisas de Ceuta em Lisboa, de tudo quanto recebeu e despendeu nos anos de 1453 e 1454 (Carta de)”, republicada em MARQUES, João Martins da Silva - Ob. cit., p. 348-356. Nesta “carta de quitação” constam grandes quantidades de cereais (trigo centeio, cevada, milho), leguminosas (grão de bico); peixe salgado (sardinha), pão, vinho, carne, vasilhame, “peças de fundagem” dos tonéis. Nela constam ainda os encargos com “quem calafetou e breou [e corregeu] o telhado” de naus e caravelas que se deslocaram a Ceuta a levar mantimentos, com os consequentes materiais (pedras de estopa, arrobas de pez, sebo, “tomento”, canadas de azeite, feixes de lenha, varas de castanho, esteiras e estibas, pregos e resina). No mesmo documento constam ainda as quantidades de “louça que se fez em o dicto anno [1456] na cassa de cepta”, bem como listas de materiais de carpintaria e os valores envolvidos no pagamento a quatro carpinteiros que intervieram em obras na Casa, adiante referidas, bem como equipamentos da Casa, também adiante referidos. Do mesmo teor, ver ainda a “Quitação a Fernão de Andrade, tesoureiro das Obras de Ceuta”, de 11-3-1456: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 13, f. 154, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 332-336.

36Ver, para o ano de 1550, o “Treslado de huma provisaõ das armas e artª que sua A. manda que aja nesta cidade de cepta”, de 25-6-1550, “que (…) esta registada no lº de Jorge seco a fs. 31”, publicada in ESAGUY, José de - O livro grande de Sampayo ou livro dos vedores de Ceuta (1505-1670). Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1941. Separata de O Instituto, vol. 93, 94, 97, 99 e 101, p. 72-77. De idêntico “Treslado de huma provisaõ porque sua A. manda que se proueja esta cidade das armas declaradas na folha atras que esta Registada no lº de Jorge seco a fs. 34” (provisão de 1558), igualmente dirigida ao “Capitão Contador e oficiais da cidade de cepta”, consta que “Eu tenho mandado que da casa de cepta e de andalusia se enuie a esa cidade a artrª, armas E monicois” constantes de determinada folha; Idem – Ibidem, p. 77-79.

37ANTT, Chancelaria Régia, D. João III, Livro 57, f. 154, publicado por VITERBO, Sousa - Dicionário histórico e documental dos arquitectos, engenheiros e construtores portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988. vol. I, p. 73. Reimpressão da edição de 1899. Ainda no tempo de D. Sebastião pela Casa de Ceuta se fazia o pagamento de serviços prestados por Diogo Teles nas fortificações de Tânger: “Dom Sebastião etc., a quantos esta minha carta virem faço saber que avemdo eu respeito aos seruiços de Diogo Telez, caualeiro fidalgo de mynha casa que ora mãdo a cidade de Tamgere por me aver de seruir na forteficação dela, ey por bem e me praz que ele aja na casa de Ceyta em cada huum ano do primeiro dia do mês de Janeiro que pasou do ano presemte em diamte vimte mill rs em parte dos quoremta mill rs de que lhe elRey meu sennhor e avo, que samta gloria aja, fez merce em Janeiro de bcl e dous ate ser prouido na ordem de nosso snr Jhuu xpõ doutra cousa que hos valha”: ANTT, Chancelaria Régia, D. Sebastião e D. Henrique, Doações, Livro 1, f. 4v, Carta publicada por VITERBO, Sousa - Ob. cit. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988. vol. 3, p. 88-89. Facsímile da ed. de: Lisboa: Imprensa Nacional, 1899-1922.

38“Carta de quitação a Gonçalo Pacheco”, de 2 de março de 1456: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 1, f. 82, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 676.

39Para a localização da Casa de Ceuta e dos segmentos vizinhos da Muralha de D. Dinis e da Cerca Fernandina ver a Estampa 1, “Fragmento da Planta de Lisboa”, in SILVA, Vieira da – Ob. cit., vol. I, extratexto e ainda a Fig.ª 122, “Localização conjectural das Casas de Ceuta, da Mina e da Índia” in Caetano, Ob. cit., p. 205.

40Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 2.º de D. João II, f. 89 e 89v.;

41Na relação “Estes sam os cannos que a nesta cydade de Lixboa”, elaborada “nos fins do terceiro quartel do século XVI”, consta “o canno real que se começa de trras dos estaaos de fora dos muros E vem ao lomgo do Rosyo pella calldeiraria E por a Rua nova d´ell Rey ao topo da Rua nova dos mercadores e pasa por baixo da casa de çeita E todas as casas por omde o dicto canno pasa tem servemtyas pera o dito canno”. AML, Livro dos pregos, f. 333v. Ver uma cópia deste documento in ANTT, Corpo Cronológico, parte I, maço 79, documento n.º 43. Transcrito por OLIVEIRA, Eduardo Freire de – Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Tipografia Universal, 1887. 1.ª parte, t. I, p. 558. A primeira representação da boca deste cano consta na vista de Lisboa no Livro de Horas de D. Manuel I, f. 25: ver Caetano - Ob. cit., p. 45.

42As Tercenas ficavam no limite ocidental do arrabalde da cidade baixa, na base da Colina de S. Francisco, onde sobreviveram até à adaptação ou construção da Casa da Mina em parte do espaço por elas ocupado durante séculos. Sobre a localização e caracterização das Tercenas ver MENEZES, José de Vasconcellos e – Tercenas de Lisboa III. Lisboa: revista municipal. Lisboa: Câmara Municipal. 2.ª Série N.º 19 (1987), p. 3-14.

43“Carta de doação ao Infante D. Henrique das duas casas que estão juntas ás Casas de Ceuta”: 8 de março de 1449: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 20, f. 37v., publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. I, p. 349.

44“Concessão de uma nave das casas das taracenas reais, em Lisboa, a Fernão Gomes, enquanto durar o seu contrato do tráfico da Guiné, e sob certas condições (Carta de)”, ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 21, f. 27v.; doc. publicado por MARQUES, João Martins da Silva – Descobrimentos portugueses. Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, 1971. vol. III (1461-1500), p. 90-91.

45“Capítulo apresentado às Cortes pela cidade de Lisboa, sobre as casas que lhe pertenciam e onde se depositavam os mantimentos para Ceuta, e de resposta de El Rei”, Doc. de 25-12-1438: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 18, f. 55, publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. I, p. 115.

46 MENEZES, José de Vasconcellos e – Ob. cit., p. 3-5.

47Idem – Ibidem, p. 7.

48A Rua do Saco era uma pequena rua ou beco, localizado no prolongamento da Rua da Ferraria. A Casa de Ceuta ficava no espaço entre essa pequena via e a Cerca Fernandina.

49“Emprazamento de umas casas em Lisboa fronteiras às casas do Desembargo de Ceuta”, Lisboa, 31-3-1450: ANTT, Chancelaria Régia, D. Afonso V, Livro 34, f. 50v.; doc. publicado por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. I, p. 593-595. Dada a topografia e as dimensões algo acanhadas do sítio, tudo indica que seria nessas casas, eventualmente reformadas ou mesmo reconstruídas, que se instalaria, a partir da criação da Casa da Índia em 1501, a Casa da Mina. Para essa localização, ver do A. “As Casas de Ceuta e da Mina” in CAETANO, Carlos – Ob cit., p. 205-207.

50Na sobreposição das plantas pombalina e pré-pombalina que Vieira da Silva propõe, o espaço de implantação da Casa de Ceuta coincide com o espaço do quarteirão da praça do Comércio entre a Rua do Ouro e a Rua Augusta da Lisboa Pombalina, que tem que ser considerado muito vasto.

51Para a localização do Curral dos Bois, onde depois se implantou a Casa de Ceuta, ver SILVA, Vieira da – Ob. cit., vol. I, p. 118-121.

52AML, Livro 2º de D. João II, f. 24. Transcrito por OLIVEIRA, Eduardo Freire de – Ob. cit., p. 220, Nota.

53“Quitação de Gonçalo Pacheco, thesoureiro de Ceuta”, de 1-5-1456: Lug. cit.; publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 360. Na mesma quitação consta a verba de “cento e sasenta reaes por hum ferrolho grande com sua fechadura e armellas pera as ditas portas”, Idem – Ibidem, p. 360.

54SILVA, Vieira da – As muralhas…, vol. I, p. 49.

55“Quitação de Gonçalo Pacheco, thesoureiro de Ceuta”, de 1-5-1456: Lug. cit.; publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 360.

56“Carta de quitação a Gonçalo Pacheco”, de 2 de março de 1456: Lug. cit; publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 678. Note-se que no Regimento das Cazas das Indias e Mina (Cap.º 64.º) prescreviam-se as boas condições de remessa das mercadorias a expedir para a Costa da Mina: “Nos mandamos ao nosso Thezoureiro da Caza da Mina, per capitullo de seu regimento, que tenha mui grande cuidado da limpeza das nossas mercadarias da ditta Caza y de as ter bem sacodidas y oulhadas pera que os rattos lhe nam fação damno, nem se possa seguir nenhuma outra couza que as possa damnificar, e que, pera isto melhor se prover y fazer, lhe dê balanço de quatro em quatro mezes ao menos, pera se ver, asoelhar[arejar, pôr ao sol?]y sacodir y dobrar y ter em todo o bom conserto y goarda”, DAMIÃO, Peres (ed. lit.) - Regimento das cazas das Indias e Mina. Coimbra: Instituto de Estudos Históricos Dr. António de Vasconcelos, 1947. p. 54. Sobre este assunto ver ainda o Cap.º 117 “De como o ditto Thezoureiro vigiará sobre as mercadorias da Caza pera estarem em toda boa goarda y limpeza”, do mesmo Regimento, p. 93, 94.

57“Carta de quitação a Gonçalo Pacheco”, de 2 de março de 1456: Lug. cit.; publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 696.

58Idem – Ibidem, p. 678.

59In “Quitação de Gonçalo Pacheco, thesoureiro de Ceuta”, de 1-5-1456: Lug. cit.; publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 360.

60“Item deu quinhentos reaes a hum pedreiro que fez hua parede no escriptorio per aveença e poeer em ella cortiça e madeira e cal”, in Lug. Cit., in Idem - Ibidem, p. 360. Na mesma quitação consta a verba a pagar nomeadamente “por aldrabas pera as janellas do escriptorio”: Idem – Ibidem, p. 360.

61“Carta de quitação a Gonçalo Pacheco”, de 2 de março de 1456: Lug. cit.; publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 678. Do Regimento da Casa da Mina, incorporado no Regimento das Cazas das Índias e Mina, constava a existência de um “escriptorio” “armado”: “Na primeira caza do negocio, que está ante da caza da mercadoria, mandamos, que estem humas balanças grandes, y outras means, juntas, y bem concertadas em huma arca, fichadas na ditta caza com duas chaves[...], em que estaram todollos pezos em abastança, de quintal, arroba, arrateis, y meyos arrateis, y marcos, y onças, y outavas, y meas outavas, y outros pezos miudos, que todo cabe nas pilhas que sam ordemnadas pera todo o Regno; e de frente das dittas balanças, estará armado um escriptorio pera os escrivaens verem o pezo das dittas balanças se se faz justo, y assi como deve”, Regimento das Cazas das Indias e Mina…, cap.º 111, p. 88. O cap.º 123 prescreve que “Na caza do escriptorio onde ham de estar as arcas y almarios que necessarios forem pera goarda dos dittos livros e imentas, cada hum dos dittos escrivaens terá seu livro e imenta, em huma das dittas arcas e almarios, que será fichada de duas fichaduras com duas chaves”, Idem – Ibidem, p. 98.

62“Carta de quitação a Gonçalo Pacheco”, de 2 de março de 1456: Lug. cit.; publicada por AZEVEDO, Pedro de - Ob. cit., T. II, p. 678.

63Idem – Ibidem, p. 678.

64Idem – Ibidem, p. 696.

65Para o Paço da Ribeira ver SENOS, Nuno – O Paço da Ribeira: 1501-1581. Lisboa: Editorial Notícias, 2002.

66FARINHA, António Dias – Ob. cit., p. 128.

67ANTT, Corpo Cronológico, parte I, maço 26, documento 99, de 29-9-1520, cit. in CAETANO, Carlos – Ob. cit., p. 207; publicado in Idem – Ibidem, Ap. Documental: Doc. n.º 46; p. 266.

68“Carta de Fernando da Silva para um amigo sobre o cargo de tesoureiro da Casa de Ceuta, que diz ser escusado havê-lo pelas razões na mesma declaradas”, in ANTT, Corpo Cronológico, parte I, maço 114, documento 106, de 14-7-1604: “Os reis paçados que forão deste Reino ordenarão que ouvesse o carguo de tisoureiro mor que se entetula da Casa de Ceita e escrivão dellle por rezão de serem prouidos os lugares d africa per conta da fazenda desta coroa e a seu carguo estaua a compra dos triguos e mais cousas que se mandauão aqueles lugares e asi pagão as certidões do dinheiro que se deue aos moradores dos dictos lugares. Depois que se entredusiu dar se per contrato o prouimento destes lugares se entendeo ao menos a mim asi me pareçe se pode escusar este cargo [...]”.

69GÓIS, Damião de - Descrição da cidade de Lisboa. Trad. do texto latino, introdução e notas de José da Felicidade Alves. Lisboa: Livros Horizonte, 1988. p. 56.

70Como se sabe, na Restauração o capitão de Ceuta não reconheceu D. João IV como Rei, incorporando-se então Ceuta na Coroa Espanhola.

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