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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.3 Lisboa jun. 2015

 

ARTIGO

Freiras longe da pátria. O “Convento das Inglesinhas”, dinâmicas de uma (antiga) casa religiosa estrangeira em Lisboa

Nuns far from home. “Convento das Inglesinhas”, dynamics of a (former) religious foreign house in Lisbon

Hélia Cristina Tirano Tomás Silva*, Tiago Borges Lourenço**

* DPC – Departamento de Património Cultural, Direção Municipal de Cultura / Câmara Municipal de Lisboa, Portugal. IHA - Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

** IHA - Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

 

RESUMO

Marca indelével na Lisboa cristã, de entre as ordens religiosas nela implantadas, conta-se um significativo número de conventos estrangeiros, que contribuem decisivamente para a “encruzilhada de povos e culturas” na cidade que se pretende estudar no presente número dos Cadernos do Arquivo Municipal. Partindo e assentando nas principais marcas da presença religiosa estrangeira na cidade (quem eram, porque vieram e como se implantaram), procura-se no presente artigo traçar a história e as diversas dinâmicas arquitetónicas e ocupacionais do convento de Santa Brígida (das Inglesinhas) no ano em que se cumprem 600 anos sobre a fundação da sua casa mãe em Inglaterra. Resistindo e reinventando-se continuamente, de Santa Brígida (das Inglesinhas) constitui-se como o convento estrangeiro que, depois de o deixar de ser, apresenta a mais rica multiplicidade de ocupações e transformações arquitetónicas, tornando-se num discreto mas efetivo polo em alguns dos principais acontecimentos políticos e sociais do Portugal contemporâneo.

 

PALAVRAS-CHAVE

Conventos / Estrangeiros / Inglesinhas / Jesuítas / Doroteias

 

ABSTRACT

One of most indelible traces in the old Christian Lisbon is the significant number of foreign religious orders that contributed decisively to the “crossroad of peoples and cultures” in the city that is under study in this edition of the Cadernos do Arquivo Municipal. After a careful analysis of the foreign religious orders in the city (who they were, why they came and how the settlement process occurred), this article aims to trace the history and the diverse architectonical and occupational dynamics of Saint Bridget’s convent (also known as “Inglesinhas”) precisely 600 years after the foundation of its motherhouse in England. An example of continuous resistance and reinvention, the convent of Saint Bridget is the foreign convent that presents the most diverse range of uses and architectonical transformations once its original function ceased, becoming a discrete but yet effective center for some of the most relevant political and social events of the contemporary Portugal.

 

KEYWORDS

Convents / Foreigners / Inglesinhas / Jesuits / Dorotheas

 

A PRESENÇA RELIGIOSA ESTRANGEIRA EM LISBOA1

As you can easily know the exact number of monks and nuns, I will say, that if only a third part of them were married, they might, in two ages, people a country as large as Portugal and her colonies2.

A partir de 15823 e até ao princípio de Setecentos, são várias as ordens religiosas estrangeiras que se implantam em Lisboa, em diferentes áreas da cidade, com distintos propósitos e diversas realidades. Tendencialmente é possível percecionar três motivações que concorreram para a sua vinda para Portugal: fuga de perseguições religiosas movidas nos países de origem, encontrando no país um refúgio seguro; mera fundação de novas casas religiosas, maioritariamente hospícios que serviriam de casas de acolhimento temporário e passagem para as missões ultramarinas; e acompanhamento de rainhas estrangeiras que casam com monarcas portugueses e fundam cenóbios de patrocínio e proteção régia.

A maioria das ordens estrangeiras chega a Lisboa no decorrer de perseguições religiosas nos seus países, nomeadamente nos séculos XVI e XVII. Neste contexto destacam-se os religiosos de origem inglesa, irlandesa e flamenga, territórios fortemente fustigados por perseguições a católicos na sequência da reforma protestante iniciada na primeira metade de Quinhentos.

Querendo El-Rey Henrique VIII de Inglaterra, & depois delle sua filha a Rainha Isabella, extirpar a Fè Catholica no Reyno de Irlanda, tomàrão por assumpto principal destruir de todo as Sagradas Religio?s, não deyxando Convento algum, que naõ botassem por terra, confiscando todos os seus bens, & applicando-os logo aos hereges, matando & desterrando a todos os Religiosos […]. Destruida cõ as mais Religio?s a sagrada Religião dos Prègadores, os poucos q. ficàraõ escõdidos, tomárão algus sugeytos de grandes esperanças, & depois de professos os mandavaõ ás Provincias de Espanha, Italia, & França, aonde pela bõdade de Deos florescesse cõ grande expl?dor a Religiaõ Catholica […]; & discorrendo os Padres [...] aonde seria bom pòr os olhos […], com grande acerto os puzeraõ no Reyno de Portugal, por ser notorio que a naçaõ Portugueza he a mais pia, & zelosa da exaltação da nossa Santa Fè Catholica4.

A primeira casa religiosa estrangeira a implantar-se em Lisboa por via da fuga às perseguições religiosas é a das clarissas flamengas, que chegam em 1582. Depois de alguns dias recolhidas no convento da Madre de Deus, ficam durante quatro anos provisoriamente instaladas na ermida de Nossa Senhora da Glória, daí transitando para o seu convento da Quietação, ao Calvário. Pouco mais de uma década depois, em 1594, desembarcam em Lisboa as religiosas inglesas da ordem de Santa Brígida, após mais de meio século de contínuas perseguições no seu país natal e em diversos territórios centro-europeus.

A 24 de junho de 1629, vindos de Madrid, chegam ao convento de São Domingos de Lisboa três religiosos irlandeses, de entre os quais frei Domingos do Rosário que havia estado intimamente ligado à fundação do seminário dominicano de Lovaina, na Flandres. Conseguindo as necessárias licenças para a fundação de um hospício na cidade, durante as três décadas seguintes instalam-se em sucessivos aposentos até, finalmente, conseguirem fundar um novo colégio e convento ao Corpo Santo, em 1659. O edifício, destruído no terramoto de 1755, é até ao final de Setecentos de novo edificado próximo das ruínas do antigo edifício.

Originalmente doado por D. Iria de Brito, condessa da Atalaia, para a criação de um cenóbio jerónimo (o que não ocorreu por falta de autorização régia), o convento do Bom Sucesso transitou para as religiosas dominicanas irlandesas por interseção do padre irlandês Domingos do Rosário, confessor da rainha D. Luísa de Gusmão e bispo de Coimbra. Apesar de, em 1626, terem entrado “nelle alguas pessoas nobres, com particular devoção de nelle professarem”5, apenas em 1639 foi concedida a necessária licença régia para a constituição do cenóbio, tendo-se nesse ano fechado clausura.

Segundo a definição do padre Raphael Bluteau na sua obra Vocabulário Portuguez e Latino (1713), hospício é uma “éspécie de convento pequeno de alguma família Religiosa, em que se agasalhão os hospedes da mesma Religião, quando passão por algum lugar, em que não tem convento em forma”6. Era, portanto, uma casa de passagem, onde os membros de uma determinada congregação religiosa que não possuísse conventos nessa cidade se poderiam albergar (geralmente por um período de semanas ou meses) antes de partirem para outras paragens7. No caso de Lisboa, todas as ordens estrangeiras, que fundam hospícios na cidade no decorrer de Seiscentos e Setecentos, têm em comum o facto de já se encontrarem instaladas nos territórios ultramarinos portugueses (territórios africanos e Brasil).

Os frades capuchinhos franceses e italianos chegaram à cidade no decorrer do século XVII. Instalados no Brasil desde 1612, os franceses obtiveram em 1647 autorização régia para fundar um hospício para acolher religiosos da sua ordem, em trânsito de e para as suas missões além-mar8. Após a morte de rainha D. Isabel de Sabóia, em 1683, (e temendo que pudessem favorecer as pretensões francesas em tomar o Brasil), os missionários franceses foram proibidos de enviar mais religiosos para o Brasil, o que levou a casa-mãe bretã a mandar regressar os 9 religiosos existentes em Lisboa, quebrando assim os seus laços com Portugal.

A história da casa italiana em Lisboa revelou-se mais favorável, a ponto de ter tomado o lugar dos franceses nas missões ultramarinas após a sua interdição. Comparativamente, iniciam as missões ultramarinas mais tarde (em 1641) e chegam a Lisboa já depois dos franceses, em cujo cenóbio se acolheram até à obtenção da autorização para a fundação do seu próprio hospício, em 1686. Seis anos depois, mudam-se para a ermida de Nossa Senhora do Paraíso (vazia desde a passagem dos religiosos da ordem militar de Santos para o convento de Santos-o- -Novo), onde ficaram durante exatamente meio século, fundando em 1742 um convento nas imediações.

Também uma ordem religiosa espanhola, no caso a de Nossa Senhora das Mercês (Mercedários) teve uma importante passagem por Lisboa. Dividida em dois momentos: numa primeira fase, em 1284, após receberem ordem para a constituição de casas religiosas em Portugal, fundam um convento em Lisboa que fecha portas em 1504. De novo na cidade no decorrer do primeiro terço de Seiscentos, recebem em 1634 ordem de expulsão do hospício entretanto fundado9. Em 1682 recebem autorização régia para a fundação de um novo hospício na cidade, recebendo-a de novo de D. João V, a 22 de novembro de 1746. No ano seguinte começam a construir o seu hospício na rua do Passadiço, que pouca ruína sofre com o terramoto de 1755, mas do qual parece não existir qualquer notícia posterior a 1758.

Mais raros são os casos de casas religiosas fundadas em Lisboa por rainhas estrangeiras que casam com monarcas portugueses e, em cujo séquito, as acompanham os primeiros ocupantes desses cenóbios. Neste contexto, destacam-se as capuchinhas francesas e os carmelitas descalços alemães. No primeiro caso, são quatro as religiosas que em 1666 fazem parte da comitiva de D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, de entre as quais a madre Maria de Santo Aleixo, professa no parisiense convento da Paixão, próxima da rainha e primeira abadessa do cenóbio lisboeta10. Antes de se instalarem no convento de Santo Crucifixo (cuja construção se inicia pouco depois da sua chegada), são temporariamente acolhidas no convento de Nossa Senhora da Piedade da Esperança, passando ainda uma temporada numa construção provisória localizada na cerca do futuro convento. Transitam para o edifício definitivo em 1674, coincidindo com a passagem do Santíssimo Sacramento para a nova igreja, ainda por concluir em 1690.

Em 1708, acompanhando D. Maria Ana da Áustria, chegam a Lisboa três religiosos alemães da ordem dos carmelitas descalços. Considerando a rainha fundamental a sua presença na cidade de modo a providenciar auxílio espiritual à comunidade alemã residente, nos primeiros anos estes religiosos instalam-se sucessivamente em ermidas no Corpo Santo e à Calçada do Combro. Em 1723 passam para umas casas sitas no monte de Santa Catarina, nas quais, e por ordem da rainha, é fundado um hospício cuja igreja, dedicada a São João Nepomuceno e Santa Ana, é benzida a 19 de março desse mesmo ano.

Esta ideia de assistência religiosa à comunidade alemã por parte dos carmelitas descalços (que parece não ser verificável no caso francês do Santo Crucifixo) é perpassada através dos séculos e reinados e vincada em 1826 quando, “a pedido D. João VI, foram introduzidos alguns missionários [de origem austríaca da Congregação do Santíssimo Redentor] para duplo desempenho: atender à comunidade católica alemã e pregar missões populares”11, instalando-se no hospício de São João Nepomuceno por via da cedência do espaço pelos carmelitas descalços, então em escasso número.

No entanto, este auxílio à comunidade dos países de origem existente em Lisboa é apenas um lado da questão. Com a fundação destes cenóbios, as rainhas pretendiam essencialmente deixar a sua marca no panorama religioso lisboeta e simultaneamente contar com a presença de religiosos que lhes fossem próximos e falassem a sua língua, de modo a sentirem-se especialmente apoiadas num país estrangeiro. Por devoção ou orgulho, ambas as rainhas fizeram questão de ser sepultadas nas igrejas das respetivas casas conventuais12, transformando estes espaços em panteões individuais.

Apesar das diferentes motivações, implantações e características evidenciadas, estas ordens religiosas estrangeiras apresentam em comum o facto de se instalarem no decorrer de um curto espaço de tempo (entre 1582 e 1708, a maioria dos quais a partir da década de 1620 – o que, conforme atrás mencionado, corresponde ao período de maior implantação de novas casas religiosas em Lisboa), bem como a persistência e as dificuldades tidas à chegada, nomeadamente no caso das ordens masculinas que durante as primeiras décadas na cidade tendem a mudar constantemente de instalações13 (muitas vezes com poucas ou nenhumas condições para a sua comunidade) até conseguirem obter apoios para a construção de cenóbios de raiz. As ordens femininas tendiam a instalar-se em casas religiosas existentes na cidade14 até os seus cenóbios terem condições mínimas de habitabilidade.

Transversal a todas parece ter sido o facto de, independentemente da época e do regime (a maioria chega no decorrer da dinastia Áustria e mantém-se incólume com a restauração da independência e consequente ascensão de D. João IV), terem sido bem recebidas, conseguindo granjear grande apoio da coroa15 e da nobreza de Lisboa. Situação que muito contribuiu para a consubstanciação das suas obras, através da cedência/compra de terrenos para a instalação dos novos cenóbios16 e de avultadas esmolas para as obras de construção dos edifícios e para o financiamento da restante vida religiosa.

A sua importante função assistencial e educacional, aliada ao elevado número de religiosos estrangeiros que se tornam figuras de destaque na sociedade de Corte (caso dos confessores das rainhas), reflete a forma como estas comunidades religiosas estrangeiras se tornaram relevantes esteios da realidade religiosa da Lisboa coeva.

Destaca-se ainda o facto de, em virtude de serem estrangeiras, algumas destas casas religiosas se constituírem como exceção ao decreto de 1834, que previa a sua extinção. No entanto, trata-se de um processo não linear na medida em que alguns dos conventos foram efetivamente extintos enquanto outros (os ingleses e irlandeses) se mantiveram em funcionamento e em posse das suas religiosas, sendo paradigmático o caso do convento do Bom Sucesso cujas freiras, após reclamação, viram o seu cartório devolvido pelo decreto da rainha D. Maria I em outubro de 1834, ainda hoje lhes pertencendo.

 

 

 

THEY WENT TO PORTUGAL17. O CONVENTO DAS INGLESINHAS DE SANTA BRÍGIDA (c.1600-1861)

A 22 de fevereiro de 141518, em Isleworth (arredores de Londres), Henrique V funda dois conventos, um dos quais professando a regra de Santa Brígida19 que, fundada na Suécia cerca de meio século antes, já possuía religiosos no reino de Inglaterra20. Tendo como oragos São Salvador, a Virgem Maria e Santa Brígida, o cenóbio brigitino21 de Syon (à semelhança dos demais da ordem) era misto22, sendo governado por um confessor geral e por uma abadessa, numa comunidade que contava com 60 religiosas e 25 religiosos23, de entre os quais quatro professas, três noviças e dois padres vindos do mosteiro sueco de Vadstena, casa-mãe da ordem.

Em virtude das perseguições religiosas a católicos empreendidas por Henrique VIII a cobro da reforma protestante, em 1539 a comunidade vê-se obrigada a abandonar Inglaterra, partindo inicialmente em direção a Dendemonde, na Flandres, onde a ordem tinha um convento. No entanto, não encontra aí a paz que desejava, sendo continuamente perseguida durante mais de meio século por territórios flamengos e franceses, agruras sucintamente descritas por Rose Macaulay:

Estabeleceram-se, ora em um lugar, ora em outro, achando todos os lugares pouco satisfatórios: a Zelândia por ser insalubre e exposta aos piratas, Mishagen por estar exposta aos calvinistas e luteranos, Mechlin às guerras religiosas, Antuérpia às represálias protestantes das atrocidades espanholas, Ruão a Henrique de Navarra24.

A vinda para Portugal terá ocorrido como último recurso perante a escalada de contínuas perseguições25. Partindo de França a 8 de abril de 1594 (Sexta-feira Santa), após uma viagem não isenta de percalços, a 20 de maio desembarcaram em Lisboa 22 freiras, sete padres, dois irmãos leigos e uma criada francesa, “cansados, doentes, apreensivos quanto ao seu futuro e ignorantes da língua portuguesa mas dando graças por ter chegado”26. À chegada são (bem) recebidos pelo arcebispo da cidade que se prontificou para suportar o seu sustento até o rei começar a pagar a pensão devida (dois mil réis diários). No entanto, pouco depois o arcebispado procura deixar de os ter sob sua alçada, altura em que passam diretamente para a responsabilidade do Vaticano.

Recolhem imediatamente ao convento franciscano de Nossa Senhora da Piedade da Esperança, aí ficando durante cerca de meia década. Em 1596, por breve de Clemente VIII, é autorizada a criação do novo convento sob jurisdição do núncio apostólico, o que só ocorre, de facto, no início do século seguinte. Em 1599/1600, Isabel de Azevedo, uma nobre portuguesa, ofereceu-lhes alojamento em parte da sua própria habitação, cujo edifício lhes deixa em testamento. Apenas quatro anos depois, em março de 1603, o papa Clemente VIII permite às religiosas o funcionamento do seu cenóbio na parte da casa que lhes havia sido oferecida, ainda que seja de admitir que a comunidade já aí residisse desde pouco depois da cedência, conforme parece indicar o texto sobre a entrada no convento da madre Brígida de Santo António, onde perpassa a ideia de que as religiosas já não estariam na Esperança:

Attentaram o dia; & succedeo ser o da gloriosa Virgem Santa Thecla em 23 de Setembro do anno de 1601. Sahirao de casa pellas duas horas da tarde; & chegando à Igreja do Convento de Santa Brizida, que acharao aberta, fez D. Leonor [de Mendanha] oraçam27.

Seguindo relatos da fundação de outros cenóbios da época a partir de pré-existências, percebe-se que houve uma rápida adaptação das áreas disponíveis em local de clausura com espaço de oração, dormitório e de refeitório. No entanto, o relato do sepultamento da primeira abadessa do convento (Isabel Hart, falecida a 25 de junho de 1609) “na Capella mòr da Igreja Velha”28, parece indiciar a existência de um espaço de orações consolidado29.

No caso de cenóbios de ordens com várias casas era usual que a planta do edifício seguisse preceitos arquitetónicos próprios, o que justifica a proximidade de desenho entre os diferentes conventos dentro de uma mesma ordem. No caso das Brígidas, por se desconhecer o projeto original do mosteiro de São Salvador de Syon, torna-se impossível traçar qualquer paralelo com a casa lisboeta e com a forma como esta evoluiu de casa de habitação particular para um edifício mais completo, acrescentado de acordo com as necessidades de uma comunidade que desde cedo cresce em número e tinha a particularidade de necessitar de espaços separados para os dois géneros30. É possível que a sua construção tenha sido o mais orgânica possível, tendo em conta as pré-existências arquitetónicas e principalmente as difíceis características de implantação no terreno, a meia encosta. Parece portanto de admitir que a sua implantação original fosse sensivelmente a atual, com a entrada principal voltada para a rua do Quelhas, posto que parece nunca ter existido qualquer construção na cota mais baixa do terreno, junto do Caminho Novo (que surge já marcado na planta da Biblioteca Nacional do Brasil, de cerca de 159831).

Apesar da comunidade pretender afirmar-se orgulhosa e exclusivamente inglesa, desde a sua fundação permitiu a entrada pontual a religiosas de outras nacionalidades, existindo menção a duas holandesas e três portuguesas no relato que faz Thomas Robinson em 162232. Uma destas, Leonor de Mendanha, é uma das primeiras noviças da casa lisboeta (em 1601), professando no ano seguinte, escolhendo para si o nome de Brígida de Santo António. No decorrer da segunda metade da década de 1640, torna-se na única portuguesa eleita abadessa em toda a história do cenóbio inglês, cargo que ocupa durante pouco menos de uma década, até à sua morte, ocorrida a 29 de junho de 1655.

A excecionalidade do caso de Brígida de Santo António é tanto mais significativa se for levado em conta que, no decorrer dos dois séculos e meio em que a comunidade esteve em Lisboa, sempre procurou um regime de quase exclusividade em relação à nacionalidade inglesa das suas religiosas33.

The number of the nuns [...] is the chief anxiety of this little community to keep the number full, that the Government may not, in case of too many vacancies, take upon itself to fill them with the Portuguese maidens, which the English women apprehend would create separate interests, and cause such feuds and parties amongst them34.

Nesse sentido, logo a partir do início de Seiscentos e assim que instalada num espaço próprio, a comunidade encetou contínuos contactos com o país natal de modo a convencer os seus conterrâneos a enveredarem pela vida religiosa em Lisboa35. Esta captação à distância feita pelas religiosas é especialmente interessante se lida como uma espécie de contrapoder a uma Inglaterra que se mantinha profundamente anticatólica, ao se constituírem como uma verdadeira alternativa religiosa para os compatriotas, fora do raio de ação da coroa inglesa.

Logo a partir da primeira década do século estas iniciativas apresentaram resultados muito positivos, revelados através da multiplicação de relatos do desembarque de inglesas, algumas bastante jovens, que mal pisavam terra firme eram imediatamente levadas para o convento inglês onde davam entrada. No entanto, a iniciativa não teve sucesso junto do universo masculino, mantendo-se particularmente baixo o número de religiosos, e desde cedo percebendo-se que a manutenção do cenóbio masculino poderia estar em risco ao fim de poucas décadas.

Consolidada em Lisboa, a comunidade feminina prosperava.

As freiras eram hábeis e engenhosas em arranjar dinheiro; costumavam mandar as caixas das esmolas com a imagem de Santa Brígida para os navios que destinavam à Índia e ao Brasil; quando sobrevinham tempestades, os marinheiros e os mercadores contribuíam com liberalidade. Tinham a pensão de Sua Majestade Católica, que as mantinha sem luxos; recebiam benfeitorias dos amigos e ganhavam alguma coisa em fazer doces36.

No entanto, a 17 de agosto de 1651 sofre um forte revés, com a completa destruição do seu edifício por um grande incêndio que nele deflagra. Tendo conseguido salvar os principais tesouros, a comunidade viu-se na contingência de se refugiar de novo no convento da Esperança.

Deu-lhe[s] a Madre Abbadeça [da Esperança] a sua casa, para que servisse de refeitorio às Madres Inglezas; & mandou que se despejasse a enfermaria, que ficava lá para a parte do Convento, que se havia queimado, para nella se accommodarem, por ser a melhor officina daquelle Mosteiro. E a Sacristia interior (por ficar mais perto do Coro) & locutorio, derao à Madre Brizida [de Santo António, Abadessa de Santa Brígida], em que assistia com a Madre Sor Ignes de dia e de noite37.

Mantiveram-se no cenóbio vizinho durante sete meses, altura em que transitaram para umas casas próximas, sua habitação até ao regresso ao seu convento, que ocorre a 6 de outubro de 1655, quatro anos e quatro dias depois do início da colocação da primeira pedra do edifício. As descrições apontam para que se tenha tratado de uma construção completamente nova, não sendo no entanto percetível se houve lugar ao aproveitamento de elementos construtivos do antigo edifício. Aquando do reingresso da comunidade, as obras da construção da igreja ainda não se haviam iniciado, tendo a casa do capítulo provisoriamente utilizada como tal, aí sendo sepultada a madre Brígida de Santo António, falecida pouco antes da entrada no novo edifício. O novo templo constrói-se por via da doação de dez mil cruzados e vinte mil réis anuais por Rui Correa Lucas e sua mulher, Milícia da Silveira. Estruturalmente pronto em 1672, estaria, no entanto, despido de qualquer ornato, tendo-se utilizado o dinheiro dos dotes das religiosas para adquirir os retábulos e restante decoração. O espaço da igreja seria muito próximo do que chega aos nossos dias, com quatro capelas, duas de cada lado. Possuiria um teto de abóbada de ladrilho, capela-mor com um teto pintado de “brutesco ao moderno” e dois coros (o superior com três aberturas, a central de maiores dimensões)38.

Em 169639, com a morte do último religioso do convento, extinguiu-se a comunidade masculina, passando a cenóbio exclusivamente feminino, assim se mantendo até à extinção da casa religiosa. Nos anos imediatamente seguintes, as freiras viram-se na contingência de recorrer a dois padres irlandeses para sua assistência religiosa.

Devido ao seu baixo número (e possível pouca relevância na vida conventual) são raras as menções na época aos religiosos de Santa Brígida. Ao invés, ao longo dos séculos abundam os relatos, maioritariamente de ingleses que as visitam, que descrevem as religiosas como boas conversadoras e muito amáveis para os visitantes.

Whoever can speak English, no matter whether Catholic or Protestant, has a kind of right to visit them at any time of the day; and all their visitor are used by them with such an endearing kindness, that their parlatory is in a manner never empty from morning till night. The poor things are liberal to every body of chocolate, cakes, and sweet-meats, and will take much pains with their needles or otherwise to enlarge the number of those visitors, and allure them to frequent calls.

Nuns in all countries are soft and obliging speakers; but there are certainly the softest and most obliging that ever fell in my way40.

De entre os seus principais visitantes, destacavam-se os marinheiros ingleses, que sabiam ter no convento quem falasse a sua língua, uma raridade em Lisboa. A sua devoção à comunidade é de tal modo forte que um grupo de marinheiros protestantes custeou a execução de uma grande custódia para o convento depois de perceber que a original era de dimensões muito inferiores às da maioria dos demais cenóbios lisboetas41. Com o decorrer do tempo o número de visitantes tornou-se de tal modo abundante que em 1735, aquando de um longo período em que a marinha inglesa esteve fundeada ao largo de Lisboa, a abadessa restringiu o número de visitas à comunidade.

 

 

Com o terramoto de 1 de novembro de 1755 o edifício sofre graves danos, ainda que provavelmente menos ruinosos que os provocados pelo incêndio de 1651. O abalo provocou a destruição total ou parcial dos principais aposentos, embora não tenha havido mortes a registar em virtude de as freiras se terem conseguido abrigar na cerca.

Estávamos em diferentes pontos do convento, umas no refeitório, outras nas celas, umas aqui, outras acolá. […] Começou como um rolar de carruagens e os objectos que estavam à minha frente principiaram a dançar em cima da mesa. Olhei à minha volta e vi as paredes a abanaram e a caírem. Levantei-me e desatei a fugir […] e corri para o coro, pensando estar ali em segurança. Não se podia, porém, lá entrar: tudo caia à nossa volta, e a cal e o pó eram tão densos que não se via nada. Encontrei algumas das boas irmãs que gritavam e fugiam para o jardim. Perguntei onde estavam as outras e disseram-me que estavam lá. […] Ficámos debaixo de uma pereira, cobertas com um tapete, durante oito dias.[…] depois os bons dos padres arranjaram-nos outro pequeno pouso com varas e coberto com colchões […] Mandámos fazer uma casa de madeira no jardim, onde os dois bons padres e quase metade de nós vivem e estão. […]

Das trinta e cinco celas que temos não há uma só em que possamos ficar sem a consertarem. A porta da igreja nuca mais se abriu desde aí, nem lá se disse missa. Toda a igreja está cheia de destroços, assim como o coro e o refeitório; a cozinha foi destruída por completo. Temos, por isso, de nos arranjar como pudermos até que Deus Todo Poderoso nos mande auxílio, pois ouvi dizer que nós não podemos contar com nenhum42.

 

 

Rapidamente a notícia do terramoto se espalhou pela Europa, provocando um profundo choque43 que, aliado aos diversos apelos desesperados das freiras, se refletiu num elevado número de dádivas inglesas que permitiram a rápida reconstrução do edifício, cujas obras se encontravam praticamente prontas em 176044, permitindo às religiosas a possibilidade de habitarem num edifício com melhores condições.

A partida inicial de Inglaterra foi feita com a premissa de um rápido regresso. Desde então, as freiras inglesas foram continuamente acalentando o desejo de regressar à sua pátria, nunca o tendo feito devido à enorme estima que a maioria da população lisboeta tinha por elas e principalmente por motivos financeiros, visto se ter mantido ao longo dos anos a pensão régia instituída pouco depois de terem chegado à cidade. No entanto, com a passagem dos anos (e, em consonância com a realidade portuguesa, particularmente a partir do início da segunda metade de Setecentos), o número de religiosas era cada vez mais diminuto: 32 freiras e três padres (e um leigo) em 1622; 33 freiras (e sete conversas) e quatro padres (e um leigo) em 165145; 28 freiras e três padres em 1672/3; em 1705 não chegavam a 30; em 1760 eram menos de 20; e em 1797 Robert Southey não aponta o número exato mas refere que já se haviam passado vários anos desde a chegada da última noviça46.

A comunidade não padeceu com as duas primeiras invasões francesas de 1807 e 1808, mas, devido ao temor provocado pela péssima reputação dos invasores franceses (provavelmente sustentada em relatos vindos de outros conventos portugueses...), no decorrer da terceira (em 1809) a abadessa decidiu partir para Inglaterra, mandando embarcar as demais religiosas, o arquivo, as relíquias e os tesouros do convento. Já prestes a embarcar, algumas das irmãs (quatro irmãs do coro e duas leigas), mostrando-se contrárias à partida, tomam a decisão de ficar em Lisboa. A abadessa e nove irmãs seguem para Inglaterra, “onde por muito tempo lutaram com a pobreza e com dividas durante uns 30 anos, até morrer a última freira em 1837. Por esta ocasião já haviam vendido as suas valiosas relíquias e tesouros, e os registos tinham-se dispersado”47.

As que ficaram viram-se obrigadas a refugiar-se no convento de Nossa Senhora do Bom Sucesso até 1812, em virtude de o exército inglês ter requisitado o seu edifício para os soldados doentes e feridos. Com um diminuto número de religiosas, as décadas seguintes terão sido penosas, ainda que se tenham mantido incólumes no decorrer das guerras e principalmente do processo de extinção das ordens religiosas, tendo conservado a posse do seu edifício em virtude de serem estrangeiras.

Aproveitando o clima favorável às ordens religiosas que se vivia na Inglaterra contemporânea, a 27 de agosto de 1861 as derradeiras freiras cumprem finalmente o seu muito adiado desejo e regressam à pátria, embarcando “rodeadas e abraçadas por uma multidão comovida que quase as não deixava passar, sendo transportadas até ao navio nos escaleres reais, como prova especial de honra”48.

Tendo sido os principais tesouros do convento levados em 1809, pouco tiveram que transportar. Terminava assim um período de quase 300 anos de presença religiosa inglesa em Portugal.

 

 

UM ENORME CASARÃO AO QUELHAS49. COMPANHIA DE JESUS E COLÉGIO “JESUS MARIA JOSɔ DAS IRMÃS DOROTEIAS (1865-1910)

Pertencendo o convento de Santa Brígida a uma ordem estrangeira, constituiu-se como exceção à lei da extinção das ordens religiosas, não tendo transitado a sua posse para o Estado Português. Ainda assim, em 1861 as religiosas decidiram regressar à Inglaterra natal receando o clima profundamente anticlerical do Portugal coevo.

No final do segundo terço de Oitocentos, tinha a Companhia de Jesus a sua sede provisoriamente instalada no convento do Santíssimo Sacramento de Alcântara, ministrando aulas no colégio de Maria Santíssima Imaculada, fundado em 1858 pelo padre Carlos Rademaker, na quinta da Torre, em Campolide50. Sentindo necessidade de possuir um espaço mais central que tivesse uma igreja onde pudessem celebrar missa, recaiu a escolha no edifício do antigo convento de Santa Brígida.

Deparou-se-lhe como bastante adequado ao fim que se propunha, o convento das Inglesinhas, nome por que era conhecido em Lisboa, o antigo convento das Agostinhas de Santa Brígida […]. O enorme casarão, meio arruinado, tinha anexa uma igreja pública, dedicada a Santa Brígida e fechada desde a partida das proprietárias, e por todo o conjunto pedia o Procurador das monjas, o Padre Dr. Pedro Baines, presidente do Colégio de S. Pedro e S. Paulo dos Missionários Ingleses, a quantia de 12.000.000 rs51.

Para o efeito foi fundamental a ação de D. Maria da Assunção de Saldanha e Castro, filha dos condes de Penamacor, que disponibilizou a verba para a aquisição. De partida para um convento em França, pediu ao padre Francisco Xavier Fulconis, seu confessor, que lhe indicasse uma obra religiosa a quem deixar grande parte dos seus bens. Devido à então menoridade da benfeitora, foi aceite um contrato verbal e colocado à disposição do padre Fulconis o antigo edifício pelo procurador das monjas, o padre Pedro Baines52. O contrato só foi celebrado a 3 de março de 1869, e contemplou a venda, por dois mil e oitocentos réis da

casa numero seis sita na Rua do Quelhas freguesia da Lapa com o quintal e uma casa que fica ao norte, [...] outro quintal [...], a casa por baixo do refeitorio as casas da roda e visitas, e parlatorio, [...], a casa e corredor que dava entrada para o convento, a Igreja com as suas quatro casas que serviam(?) de sachristia e commungatorio e com os coros(?) debaixo e de sima, a parte do convento que fica superior à casa [...] e a entrada geral que é pelo portão que tem o numero seis, com o seu pátio que dá entrada para a Igreja53.

Uma vez em sua posse, os jesuítas procederam a algumas obras, visando a reparação e separação do edifício em duas partes autónomas, tomando para si a área correspondente ao somatório do espaço da igreja do convento54 das casas que constituiriam originalmente a portaria do templo55. No decorrer de Oitocentos, a Companhia de Jesus procedeu a profundas alterações no espaço a si destinado, concretizando-se sobretudo na ampliação de um piso do edifício da igreja (no qual foi construído um enorme salão) e na construção de uma grande torre adossada à cabeceira do templo (ver Figura 8), a qual marcou a paisagem urbana da zona até ter sido demolida no início do século XXI56.

 

 

 

 

 

 

 

Cerca de 1864/5, ainda antes de tomarem posse do espaço conventual, o padre Francisco Xavier Fulconis, que presidia à Missão Portuguesa da Companhia de Jesus, solicitou à madre geral das Irmãs de Santa Doroteia o envio de religiosas para Lisboa de forma a abrir um colégio feminino católico, prontificando-se a encontrar instalações adequadas. Após a sua instalação ao Quelhas, os jesuítas contactaram as Irmãs Doroteias dando-lhes conhecimento de possuírem um espaço ideal para a sua instalação, tendo em vista a cedência do restante edifício e respetiva cerca.

Chegadas a Lisboa a 16 de junho de 1866, as primeiras Irmãs Doroteias, vindas de Génova – madre Giuseppina Bozano, madre Luisa Guefi e soror Maria Puliti -, ficaram provisoriamente instaladas em casa do marquês do Lavradio e do marquês de Abrantes, devido à falta de condições de habitabilidade que o seu edifício, ainda em obras, então apresentava. A 7 de julho seguinte, as religiosas entraram no edifício, fundando o “Colégio Jesus Maria José”57 (também conhecido como o “Colégio do Quelhas”58), que numa primeira fase pouco adesão teve, contando com apenas uma dezena de alunas no decorrer dos primeiros quatro anos. Os primeiros anos foram particularmente duros para as Irmãs Doroteias e para o projeto de consubstanciação da criação de um colégio. A falta de alunas internas agravou as parcas condições financeiras das irmãs59, o que, aliado às perseguições de que eram alvo, que as obrigou a ocultar a sua identidade religiosa e provocou naturais constrangimentos ao desenvolvimento da casa educacional.

Não havendo capela em casa, pela falta de recursos que obstava a que se contratasse um capelão, as Irmãs assistiam à missa e outros actos de culto, do coro da igreja de Santa Brígida e, para comungarem desciam a rua, o que provocava comentários da vizinhança que, na ignorância da verdadeira identidade das estranhas moradoras do convento das Inglesinhas, as incluía em categorias que oscilavam entre senhoras arruinadas e Jesuítas disfarçados, passando pelo vexame de suspeitas que retardavam o progresso do incipiente colégio. Os rapazes da rua insultavam-nas, e à sua passagem para a igreja contavam-nas em voz alta, notando logo o aparecimento de alguma que tivesse vindo aumentar a comunidade. Na perseguição de que foram vítimas, não houve apenas palavras; os recreios foram perturbados com as pedras lançadas da rua para amedrontar as alunas, e um dia, uma bala penetrando no coro da igreja, caiu aos pés da Superiora; uma outra foi disparada […], na noite de 30 para 31 de Dezembro de 1874 contra o dormitório das alunas, onde também, providencialmente não originou estragos. A Superior viu-se obrigada a reclamar perante as autoridades60.

A 6 de maio seguinte, a escola gratuita para crianças do sexo feminino de baixos recursos é aberta, contando com meia centena de alunas em setembro de 1868. Apesar do maior número de alunas externas, ao longo dos anos seguintes o colégio foi começando a granjear alguma fama na cidade, o que se concretizou num aumento de educandas e consequente necessidade de efetivação de obras de alteração e ampliação no edifício, que o transformaram profundamente: construção de um dormitório para educandas internas (1870), instalação do noviciado numa zona independente e alteração dos vãos do edifício para vãos de peito e sacada (1871), grande campanha de obras (1874)61, construção de capela (1875)62, solicitação de reparação do segundo pavimento e de autorização para a construção de mais um andar na ala norte do claustro para dormitório (1878), obras no noviciado (1883), pedido de autorização à Câmara Municipal de Lisboa para a construção de mais um piso, no seguimento da ampliação de 1878 (1883), construção de um novo edifício de dois pisos com entrada pelo nº 8 da rua do Quelhas, para nele se instalarem a nova portaria e salão de festas (1886)63, pedido de autorização à Câmara Municipal de Lisboa para a construção de um dormitório (1889), grande campanha de obras, com fecho das galerias do claustro (com aproveitamento do espaço para instalação do refeitório no piso térreo e de aulas no 2º piso) e obras na capela64, tendo-se subido o pé direito para dar mais espaço (1890), encerramento das 2 portas que permitiam o acesso das irmãs ao coro da igreja das Brígidas (1892), pedido para construção “na cerca do […] collegio com entrada pelo muro que limita a mesma cerca pela Rua nº 1 do Bairro Brandão [de] uma caza”65 para nela se instalar a enfermaria66 (1900), obras da nova capela67 e construção de dormitório sobre o que ficava junto do salão68 (1904), construção de um novo bloco, por via a instalar “uma copa, um refeitório, uma marquise, [bem como] uma escada para comunicar o edifício antigo com o dito refeitório”69 (1906).

Através da análise da diferente documentação resultante do volume de obra do edifício, percebe-se que um dos mais interessantes aspetos destas campanhas de obras reside na preocupação pelas questões relacionadas com a salubridade do edifício, não só no respeitante às áreas e ventilação dos dormitórios, mas essencialmente na construção, no extremo da cerca, de um edifício independente para a enfermaria, de modo a que as alunas ou irmãs com doenças contagiosas ficassem fisicamente separadas do colégio.

Após as diversas campanhas de obras, o edifício encontrava-se dividido em aula externa (totalmente separada da zona das educandas), noviciado, salas de aulas para as educandas, dormitórios, refeitório, cozinha e capela.

As perseguições religiosas encetadas em 1901 atingiram profundamente os jesuítas e as Doroteias, através de constantes sindicâncias, inflamados artigos em jornais e ataques às suas instalações70. No entanto, e ao contrário de outros estabelecimentos da ordem, o colégio Jesus Maria José passou incólume a ataques, facto maioritariamente devido ao forte apoio e reconhecimento que granjeava junto da sociedade lisboeta71, aliado à proteção providenciada pelos seus altos muros e pela presença de um posto de polícia nas imediações. Ainda assim, nele se viveu um clima de forte instabilidade durante o epicentro dos protestos, nos meses de março e abril desse ano.

Não obstante este período de turbulência social, a instituição conhece na primeira década de Novecentos o seu período áureo, concretizado no aumento do número de alunas, tanto no colégio (45 alunas em 1893; 80 em 1905) como na escola gratuita (74 alunas em 1899; 170 em 1906), o que se traduziu numa notória melhoria das suas condições económicas72. Esta forte adesão parece maioritariamente justificada pela adoção de um “conjunto de sábias medidas […] pela Madre Provincial […]: 1- na escolha e acurada formação profissional do professorado73; 2- na organização dos estudos; 3- no melhor aproveitamento do edifício, com obras atinentes e instalações mais adequadas e com a introdução de alguns «modernismos»”74.

No entanto, os acontecimentos de outubro de 1910 precipitam o seu encerramento. Assinado a 3 desse mês e publicado no Diário do Governo nº 221 do dia seguinte, um decreto dissolve a comunidade jesuíta instalada no edifício do Quelhas75. No dia 5, aquando da Implantação da República, o Quelhas tornou-se num dos principais focos de conflito, com milícias armadas disparando continuamente contra o edifício jesuíta.

O Quelhas, um grande conjunto de edifícios agrupados à volta de uma igreja e cercados por um alto muro, apresentava um espectáculo extraordinário quando finalmente lá chegámos. Havia soldados de cavalaria e infantaria por todo o lado; havia metralhadoras; havia mesmo peças de artilharia. E toda esta força militar estava desencadeada, num tiroteio desenfreado, contra o colégio que, a julgar pelo silêncio reinante do outro lado do muro, estava completamente abandonado. Mas isso não importava. As bombas fustigavam a torre, as metralhadoras disparavam sem parar, balas das espingardas silvavam entre as árvores. cheguei ao colégio quando estava a nascer o dia. O portão estava aberto e a multidão movia-se para todos os lados. O saque estava em curso, com grande frenesi.[…]

O Quelhas era uma comunidade importante e inteiramente autónoma, com as suas oficinas e tipografias, e mesmo a sua adega, e daqui saiam grandes cargas. Encontrei famílias inteiras, homens, mulheres e crianças, saindo com todo o género de artigos que se possa imaginar – caixas de ferramentas, utensílios de cozinha, quadros, e até móveis. As primeiras tropas entradas tinham, notoriamente, encontrado bebidas alcoólicas: muitos dos soldados e guardas nacionais estavam bêbedos.

Na igreja testemunhei cenas que faziam lembrar episódios da Revolução Francesa. Soldados bêbedos, envergando vestes litúrgicas, estavam no altar, parodiando a celebração da missa. Na sacristia estavam homens e mulheres que rasgavam belos paramentos. Quando me viram gritaram: «Tudo isto pertence ao povo! Escolha o que quiser!»76.

As Irmãs Doroteias mantiveram-se no seu edifício até à noite do dia 7 para 8, altura em que dele foram retiradas e levadas para o Arsenal da Marinha para interrogatório, onde são obrigadas a substituir a indumentária religiosa por uma secular (o que tomaram como um forte vexame). Terminados os interrogatório, nos dias seguintes as religiosas estrangeiras são obrigadas a regressar aos países de origem77, encerrando-se assim o colégio Jesus Maria José, ao Quelhas, que no decorrer dos seus 44 anos de funcionamento recebeu um total de cerca de 800 alunas internas, às quais se somam as cerca de dois milhares que frequentaram a escola gratuita78.

 

DECLARADO PERTENÇA DO ESTADO79. UM ESPAÇO SECULAR: MUSEUS E INSTITUIÇÕES DE ENSINO (1910-2015)

Com a publicação do decreto de 8 de outubro de 1910 e a consequente expulsão dos jesuítas e das Irmãs Doroteias, os (até então) seus edifícios do Quelhas ficaram desocupados. Mas por pouco tempo. Logo a 29 de dezembro foi inaugurado o Museu da Revolução, “numa das dependências do suprimido Colegio do Quelhas, em um annexo há pouco construído e que consta de pavimento térreo e primeiro andar, com entrada pela rua Miguel Lupi”80 (a antiga enfermaria). Organizado pela associação Vintém Preventivo, constava de um pequeno espaço museológico com um espólio composto por objetos dispersos alusivos à causa republicana portuguesa, dividido em cinco áreas expositivas (sala da marinha, sala do exército, sala dos documentos, sala do povo e sala do Buiça e Costa). Entre as principais atrações, contavam-se jornais do dia da revolução e seguintes, a bandeira do Regimento de Infantaria 16 hasteada na praça Marquês de Pombal e o gabão e a carabina Winchester modelo 1907 que Manuel Buiça utilizou para assassinar o rei D. Carlos e o príncipe-herdeiro D. Luís Filipe, a 1 de fevereiro de 190881.

Menos de três anos depois, a 21 de outubro de 1913, o museu é destruído no contexto da tentativa de golpe monárquico encabeçada por João de Azevedo Coutinho, conhecida como a “Primeira Outubrada”.

Após ser decretada a impossibilidade da manutenção da função religiosa das antigas posses jesuítas pela lei de separação do Estado das igrejas (de 20 de abril de 1911)82, os espaços até então por estes ocupados no Quelhas foram transformados num improvisado depósito de diversas coleções de documentos e objetos provenientes das várias casas das congregações religiosas existentes no país à data da proclamação da República. Esta iniciativa ter-se-á devido a Manuel Borges Grainha (vogal da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas) que, apercebendo-se do manancial de informação que constituía a documentação jesuíta existente no Quelhas, começa a gizar com Afonso Costa a ideia de reunir diversos elementos provenientes das recém-extintas congregações religiosas83. Ponto de partida, o edifício do antigo convento das Inglesinhas foi o local escolhido para acolher aquele que se constituiria, a partir de 1917, como espólio do Arquivo das Congregações.

A 10 de janeiro de 191184, uma parte não especificada do edifício foi concedida à instituição Vintém Preventivo, numa cedência que seria anulada por via de um decreto datado de 29 de novembro de 191285. Ainda que o diploma não apresente outra justificação para o sucedido que não o mero facto de se basear “numa proposta do Ministério da Justiça, tendo em atenção o parecer da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas”86, tal decisão prendeu-se com o facto de no mesmo dia se ter procedido ao arrendamento do espaço em questão para a instalação do curso secundário e superior do comércio87.

Do ponto de vista urbano, no início de Novecentos a envolvente do edifício havia sofrido algumas alterações, nomeadamente com o alargamento do Caminho Novo (então rua Dom João das Regras, atual rua das Francesinhas) e principalmente com a abertura, a norte, da rua Miguel Lupi88. Assim, circundado por essas duas ruas e pela do Quelhas, situava-se um enorme quarteirão onde, para além do antigo convento das Inglesinhas, se encontravam instalados o Posto de Desinfeção Marítima, um pequeno Posto da Polícia e o convento do Santo Crucifixo (das Francesinhas)89. Extinto em 1890, este último, “bem como os terrenos adjacentes onde […] est[ava] instalado o Posto de Desinfecção […] [, foi cedido ao Instituto Superior Técnico (IST), sendo a respetiva área] destinada para as [suas] novas instalações”. Apesar da demolição do antigo convento ter sido iniciada em 1911, o IST nunca ocupou o espaço, transitando diretamente do antigo edifício do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa (IICL), à Boavista (onde se instala em 1911), para as novas instalações da Alameda em 1936.

A par do IST, da Escola Médica Veterinária e do Instituto Superior de Agronomia, o Instituto Superior de Comércio (ISC) é uma das escolas técnicas superiores a ser criada pela reforma da instrução pública implementada pelos governos republicanos por via do decreto de 23 de maio de 1911. Tributário da Aula do Comércio criada em 175990 e do IICL, inicia o seu funcionamento apenas no ano letivo 1913-1914, sendo “então uma escola com um pouco mais de uma centena de estudantes e cerca de duas dezenas de docentes”91. Ocupadas as instalações do organismo antecessor do ISC, a necessidade de encontrar uma localização alternativa fica acautelada em novembro de 1912 com o arrendamento do espaço anteriormente ocupado pelo colégio Jesus Maria José, conforme atrás referido92.

 

 

Chegado ao quarto ano de funcionamento e de modo a melhorar e aumentar as suas instalações, foram cedidas ao ISC, a título precário, o antigo espaço jesuíta (decreto 3444-A, de 8 de outubro de 1917). Apesar de se constituir como a solução lógica e menos onerosa para a dotação de melhores condições, tal decisão causa alguma estranheza tendo em conta que poucos dias antes, a 28 de setembro, havia sido criado o Arquivo das Congregações93 que, segundo o artigo 4º do decreto nº 3410, deveria ficar “instalado na casa congregacionista no Quelhas, até que seja possível destinar edifício mais vasto para a sua instalação”94. A sua posição ficou, no entanto, salvaguardada pela ressalva de que a cedência do edifício ao ISC era feita “sem prejuízo da instalação do Arquivo das Congregações religiosas existentes naquele prédio”95, ou seja, o estabelecimento de ensino não poderia tomar dele posse efetiva sem que fossem encontradas novas instalações para o Arquivo/Museu nem proceder a quaisquer obras de alteração no edifício. Paralelamente, esta cedência ficou dependente do desfecho do processo movido pelo governo inglês no Tribunal Arbitral de Haia (exigia a posse do edifício), resolvido a favor do governo português apenas em setembro de 192096.

 

 

Em 1921, o Arquivo das Congregações mantinha-se instalado ao Quelhas, conforme dá conta disso o seu diretor, Manuel Borges Grainha, numa carta publicada pelo Mundo, a 9 de agosto de 1921, na qual refere que, resolvida a questão de Haia97, procurava tomar as diligências necessárias para abrir ao público, assim que possível, o Museu das Congregações98. Inaugurado a 4 de outubro de 192499, teve no entanto uma duração efémera, para isso tendo decisivamente contribuído a morte do seu diretor, ocorrida exatamente sete meses depois.

A 19 de fevereiro de 1927 é estabelecido o pagamento “à Comissão Jurisdicional dos Bens Culturais [d]a importância de 33.000$, em que foram avaliados os terrenos pela mesma ultimamente cedidos ao Instituto Superior do Comércio de Lisboa para construção dos laboratórios do mesmo estabelecimento de ensino”100. Uma vez em posse da totalidade do antigo convento, em 1932 foram iniciadas as obras de construção de um novo edifício, na antiga cerca pequena (dos jesuítas) para instalação do Museu Comercial101. Concluído três anos depois, o edifício nunca serviu o seu propósito inicial, nele se tendo instalado a Emissora Nacional de Radiodifusão (EN), aí permanecendo durante mais de sessenta anos. Na madrugada de 25 de abril de 1974, o edifício do Quelhas da EN (sob o nome de código Tóquio) é ocupado pelo Movimento das Forças Armadas, tendo sido um dos pontos estratégicos da revolução.

Vazio desde 1911, o terreno do extinto convento do Santo Crucifixo foi ocupado pela “Lisboa Antiga”, a reconstituição de um antigo bairro lisboeta idealizada por Gustavo Matos Sequeira e inaugurada a 4 de junho de 1935 no contexto das Festas da Cidade. Uma vez demolida essa efémera construção, o espaço manteve-se desocupado até ser inserido no plano de embelezamento da zona de proteção do Palácio da Assembleia Nacional que, no decorrer da década de 1940, se traduziu no arranjo da envolvente do edifício, por via da construção da monumental escadaria, e da execução de um jardim no terreno das Francesinhas, no qual o seu arquiteto, Luís Cristino da Silva, previu reedificar o arco de São Bento, demolido em 1938102.

 

 

 

 

Por se encontrar no eixo formado pelos dois referidos elementos, o arranjo do antigo convento das Inglesinhas estava também contemplado no plano. Justificava-o não só o aspeto estético, mas principalmente os graves problemas de conservação que o edifício apresentava após mais de três décadas de contínuo funcionamento como escola superior, sem ter sofrido qualquer campanha de obras103. Nesse contexto, em 1946, a Direcção- -Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais encomenda ao arquiteto Luís Cristino da Silva um projeto para a remodelação do edifício, resultando na apresentação de um ambicioso e monumental programa.

Esta transformação permitiria dar ao local o necessário equilibrio, rematando-o com um grande edifício de arquitectura monumental, atingindo o desenvolvimento de 110 metros de extensão.

[...] A localização desta nova ala subordinar-se-ia rigorosamente ao rebatimento simetrico da actual fachada posterior do edificio, a fim de se obter o referido equilibrio. Um amplo e elevado corpo central disposto normalmente ao eixo longitudinal ligaria as duas alas obliquas da nova fachada, formando um conjunto arquitectónico de grande unidade.

[...] O acesso de peões e de veículos a esta nova fachada, passaria a fazer-se por uma ampla escadaria disposta no eixo longitudinal da composição e por um arruamento desenvolvendo-se em lacete, terminando num vasto terraço situado junto do peristilo da entrada104.

Com cinco pisos em cada ala e sete no corpo central, este monumental edifício nunca foi concretizado, truncando assim o entendimento da implantação do jardim das Francesinhas, concebido como um espaço de transição entre os edifícios. Obrigado a manter-se nas exíguas e antigas instalações do Quelhas, e não obstante ter procedido a diversas campanhas de obras no edifício (com particular destaque para as décadas de 1960 e 1970), o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) viu-se na contingência de passar alguns serviços para outros edifícios, também localizados no bairro da Lapa (rua de Buenos Aires e rua Miguel Lupi), assim se mantendo durante o meio século seguinte.

 

 

No início da década de 1990, por via de uma permuta efetuada com o edifício da rua de Buenos Aires, o já designado Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) passou a ter em sua posse parte da cerca do antigo convento das Francesinhas correspondente à instalação do antigo Posto de Desinfeção Marítimo e do Posto da Polícia. Podendo finalmente expandir as suas instalações, a partir do início da mesma década foi desenvolvido um plano de estruturação para os terrenos das cercas dos antigos conventos de Santa Brígida e do Crucifixo, da autoria do arquiteto Gonçalo Byrne. Até ao final do século foram construídos três novos edifícios (Francesinhas I – 1995; Biblioteca Francisco Pereira de Moura – 1998; Francesinhas II – 2000). Simultaneamente, em 1997, o ISEG adquiriu à Radiodifusão Portuguesa (antiga EN) o edifício que ocupava. Após obras de adaptação, as novas instalações entraram em funcionamento em 1999.

Em 2001/2002 iniciaram-se as obras na parte da antiga igreja do convento, resultando na demolição da torre e adaptação do templo a espaço de conferências. Modificando profundamente o antigo espaço jesuíta, estas novas dependências foram inauguradas aquando da abertura solene do ano letivo 2005/2006, a 7 de novembro de 2005.

 

NOTAS FINAIS

No decorrer de quase sete séculos (1147-1834) são fundados em Lisboa mais de 110 casas religiosas, das quais 90 conventos. Um avassalador número no contexto de uma cidade que só atinge a centena de milhar de habitantes na segunda metade de Quinhentos e que em 1755 teria cerca de 250.000 habitantes. Trata-se de uma história de séculos feita por milhares de homens e mulheres de hábito que, mais ou menos anonimamente, deixaram a sua marca não só no panorama religioso da cidade, mas também de um ponto de vista social, cultural, assistencial e educativo, no último caso através da quase dezena de colégios fundados e geridos por ordens religiosas. Esta realidade é justificada pelo elevado peso do poder eclesiástico, que assentava e se alimentava da forte devoção (e temor) das mais altas classes portuguesas que, ao longo dos séculos se foram mostrando recetivos ao patrocínio financeiro de mais e mais casas religiosas na cidade. E é de tal modo forte a presença destes cenóbios que a própria evolução urbana de Lisboa tendeu a segui-los, numa espécie de toque de midas que em torno dos conventos transformava a paisagem, não em ouro, mas em novos aglomerados urbanos.

Passados mais de 150 anos desde a extinção das ordens religiosas, as suas memórias perpetuam-se na toponímia da cidade, cravadas num tempo diferente, onde “tudo era mais fácil [...] quando eram os próprios habitantes a dar o nome ao arruamento onde edificavam as suas casas. Conheciam como ninguém as características, a geografia, os vizinhos...”105. E, avaliando pelas dezenas de exemplos que chegaram aos nossos dias, também os conventos106.

A partir do final de Quinhentos, para as ordens religiosas estrangeiras, Lisboa era simultaneamente porto de abrigo e porta de passagem para as missões ultramarinas de evangelização. O convento inglês de Santa Brígida é assim um caso paradigmático das complexas realidades destas freiras longe da pátria, mas principalmente das riquíssimas dinâmicas destes edifícios. Construído a partir de uma casa de habitação própria oferecida para o efeito, o edifício é reconstruído duas vezes até à saída das religiosas em 1861. Mantendo-se em posse estrangeira, torna-se em sede da Companhia de Jesus em Lisboa e colégio de Irmãs Doroteias, convivendo com períodos de forte agitação social anticlerical que o transformaram num dos mais ferozes focos do conflito no 5 de outubro de 1910. Pela primeira vez em propriedade portuguesa, acolheu desde então três pequenos museus, as instalações da EN (de novo ponto nevrálgico de outra revolução, a 25 de abril de 1974) e mais de um século de ensino superior de comércio/economia e gestão. No entanto, resistindo às marcas do tempo, mantém hoje visíveis os seus principais elementos construtivos, ainda que adaptados às contemporâneas exigências das novas realidades.

 

 

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes manuscritas

 

Arquivo das Irmãs Doroteias, Província Portuguesa do Sul

J. David, Phot. Levallois-Paris, 1907/10. Bilhete-postal, União Postal Universal.

Arquivo Municipal de Lisboa

Atlas da Carta Topográfica de Lisboa, folha nº 41. FOLQUE, Filipe, 1856-58. PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/05/01/43.

Obra nº 21590.

Eduardo Portugal, São Bento com a exposição Lisboa Antiga, 1935. PT/AMLSB/POR/014864.

Estúdio Mário Novais, Convento de São Salvador de Sion na Rua do Quelhas [fotografia da gravura publicada em PEREIRA, Luís Gonzaga - Monumentos Sacros de Lisboa em 1833. Lisboa: Oficina Gráfica da Biblioteca Nacional, 1927] PT/AMLSB/MNV/S01184.

Fotógrafo não identificado, Convento de Santa Brígida ou das Inglesinhas, [19..]. PT/AMLSB/ACU/001113.

Fotógrafo não identificado, Emissora Nacional, [19..]. PT/AMLSB/ACU/001115.

Fotógrafo não identificado, Revolução de 25 de Abril de 1974, 1974. PT/AMLSB/JDN/S02275.

Joshua Benoliel, Rua do Quelhas, 1910. PT/AMLSB/JBN/001332.

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Livros de Notas, Livro 328, caixa 66.

Secretaria do Extinto Arquivo das Congregações, Arquivo das Congregações

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Maço 29, macete 4.

Biblioteca Nacional do Brasil

Planta da cidade de Lisboa, na margem do rio Tejo: desde o Bairro Alto até Santo Amaro. C. 1598 [Em linha]. [Consult. a 12.01.2015]. Disponível na Internet: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart1044544/cart1044544.htm .

 

Fundação Calouste Gulbenkian, Biblioteca de Arte

Estúdio Mário Novais, Festas da Cidade, 1935, CFT003 125608.ic.

Projecto de ampliação do edifício do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, Antigo Convento do Quelhas, Lisboa. Luís Cristino da Silva, 1946/47, LCSDA 52.15.

 

Legislação

Colecção Chronológica da Legislação Portuguesa […] 1634-1640. Lisboa: Imprensa de F. X. de Sousa, 1855.

Diário do Governo nº 221, 04 de outubro de 1910. Lisboa: Imprensa Nacional, 1910.

Diário do Governo nº 4, de 10 de outubro de 1910. Lisboa: Imprensa Nacional, 1910.

Diário do Governo nº 92, Série I, de 21 de abril de 1911. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911.

Diário do Governo nº 163/1911, Série I, de 15 de julho de 1911. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911.

Diário do Governo nº 199/1911, Série I, de 26 de agosto de 1911. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911.

Diário do Governo nº 284/1912, Série I, de 04 de dezembro de 1912. Lisboa: Imprensa Nacional, 1912.

Diário do Governo nº 168/1917, I Série, de 28 de setembro de 1917. Lisboa: Imprensa Nacional, 1917.

Diário do Governo nº 173/1917, 3º Suplemento, Série I, de 08 de outubro de 1917. Lisboa: Imprensa Nacional, 1917.

Diário do Governo nº 211/1918, Série I, de 27 de setembro de 1918. Lisboa: Imprensa Nacional, 1918.

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Bibliografia

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submissão/submission: 08/02/2015

aceitação/approval: 09/04/2015

 

 

NOTAS

* Hélia Cristina Tirano Tomás Silva é licenciada em Arquitetura pela Universidade Lusíada no ramo de recuperação e mestre em Arte, Património e Restauro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É técnica superior da Câmara Municipal de Lisboa desde 1992, com percurso profissional nas áreas da reabilitação urbana, do planeamento urbano e da proteção do património edificado. Investigadora do projeto Lx Conventos - Da cidade sacra à cidade laica: a extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX (FCT – PTDC/CPC-HAT/4703/2012).Correio eletrónico: helia.silva@cm-lisboa.pt

** Tiago Borges Lourenço é licenciado e mestre em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Colaborou com diversos museus e instituições culturais, sendo atualmente bolseiro de investigação do projeto Lx Conventos - Da cidade sacra à cidade laica: a extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX (FCT – PTDC/CPC-HAT/4703/2012). Correio eletrónico: tborgeslourenco@gmail.com

1 A investigação deste artigo foi efetuada no âmbito do projeto Lx Conventos - Da cidade sacra à cidade laica. A extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX (financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, PTDC/CPC-HAT/4703/2012), que resulta de uma parceria entre o Instituto de História de Arte (IHA) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o Departamento de Património Cultural (DPC) da Câmara Municipal de Lisboa, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) da Direção Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, e o Centro de Informática e Tecnologias da Informação (CITI) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.

2 SOUTHEY, Robert - Letters written during a short residence in Spain and Portugal. Bristol: Bulgin and Rosser, 1797. p. 424.

3 A ordem espanhola de Nossa Senhora de Mercês (a qual se tratará adiante) terá sido a primeira a implantar-se em Lisboa, fundando um convento na cidade em data posterior a 1284 (provavelmente no decorrer do século XIV) que foi extinto em 1504 (cf. CARDOSO, Jorge - Aggiológio Lusitano. Lisboa: Officina de António Craesbeeck de Mello, 1666. tomo I, p. 272).

4 COSTA, António Carvalho - Corographia portuguesa e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal... Lisboa: Officina Real Deslandesiana, 1712. tomo III, p. 484.

5 COSTA, António Carvalho - op. cit., p. 661.

6 BLUTEAU, Raphael - Vocabulário portuguez e latino. Coimbra: Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1713. p. 64 (letra H).

7 Em Lisboa contam-se, no somatório dos diferentes períodos, mais de duas dezenas (22) de hospícios, alguns deles convertendo-se em conventos ao fim de algum tempo.

8História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa. Lisboa: Oficinas da Gráfica Santelmo, 1950. tomo II, p. 391-411.

9 Esta ordem é reafirmada dois anos depois, a 16 de janeiro de 1636, em virtude dos religiosos não só não terem acatado a ordem como de terem “prosegu[ido] sua habitação e morada onde a tinham começado com grande augmento, fazendo Mosteiro em fórma com Igreja e portaria com campainha, e grande número de Religiosos, recebendo já Noviços” (Carta Régia de 16 de janeiro de 1636 – Colecção Chronológica da Legislação Portuguesa […] 1634-1640. Lisboa: Imprensa de F. X. de Sousa, 1855. p. 72).

10 TIÇÃO, Álvaro Manuel Pereira da Rocha - O antigo convento do Santo Crucifixo ou das Francesinhas em Lisboa: história, arte e memória. Lisboa: Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2007. vol. 1, p. 22. Dissertação de mestrado em Arte, Património e Restauro, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

11 FRANCO, José Eduardo (dir.) - Dicionário histórico das ordens, institutos religiosos e outras formas de vida consagrada católica em Portugal. Lisboa: Gradiva, 2010. p. 265.

12 A morte de D. Isabel de Sabóia em 1683, antes ainda do templo se encontrar totalmente acabado, obrigou ao seu sepultamento sobre o coro e não na capela-mor, como seria suposto.

13 De entre os quais se destacam os religiosos irlandeses dominicanos: chegados a Lisboa em junho de 1629, recolhem inicialmente ao convento de São Domingos; conseguindo as licenças para a fundação de um hospício na cidade (em novembro seguinte), alugam umas casas no bairro da Cotovia (quinta de Legacia). Menos de um ano depois, mudam-se para umas casas na calçada do Combro em virtude das antigas instalações serem “distantes dos Tribunaes, aonde tinhão seus negócios & das casas dos Fidalgos que os ajudavao com esmolas para seu sustento”. (COSTA, António Carvalho - op. cit., p. 485). Aí permanecem por um período de cerca de dois anos, passando para outras junto a Nossa Senhora do Loreto, mudando-se de novo, em 13 de setembro de 1633, para novas instalações na zona onde posteriormente seria fundado o convento de Nossa Senhora da Boa Hora. Apenas em 1659 se mudariam para o Corpo Santo, onde permaneceram por cerca de dois séculos.

14 Nomeadamente no convento da Esperança onde se acolheram temporariamente as religiosas inglesas de Santa Brígida e as capuchinhas francesas.

15 Aparte do caso do convento do Santo Crucifixo e do hospício de São João Nepomuceno já referido, destaca-se o caso dos religiosos dominicanos irlandeses, para quem a súbida de D. João IV ao trono é decisiva para a construção de uma casa religiosa de raiz, visto que “herdou de seu pay&avòs ser muy inclinado a esta Nação; o que bem mostrou no muyto que favoreceo a este Collegio em quanto viveo” (COSTA, António Carvalho - op. cit., p. 487), tendo no entanto tido a sua mulher, D. Luísa de Gusmão, um papel fundamental ao comprar os terrenos onde o novo cenóbio seria instalado. De referir igualmente o caso dos capuchinhos italianos, que recebem de D. João V, à entrada para a última década do seu reinado, 50.000 cruzados anuais. E importará naturalmente referir que a fundação de todas as casas religiosas em Lisboa obedecia à aprovação régia consubstanciada através da assinatura de um alvará régio que autorizava a sua fundação.

16 D. Maria de Guadalupe, duquesa de Aveiro, cedeu o terreno onde se instalaram em 1648 os capuchinhos franceses; o convento de Nossa Senhora do Bom Sucesso começa a ser construído em 1645 na quinta doada por D. Iria de Brito, condessa da Atalaia (ainda que a doação do espaço tenha sido para a construção de um recolhimento de monjas jerónimas).

17 Nome original da obra Os ingleses em Portugal de Rose Macaulay alusiva aos viajantes ingleses em Portugal. MACAULAY, Rose - Os ingleses em Portugal. Porto: Civilização, 1950. p. 233.

18 A comunidade religiosa terá dele tomado posse no final da década, em virtude das primeiras profissões ocorrerem em abril de 1420.

19 O monarca dá 1000 marcos de ouro para a construção do edifício.

20 Em 1406, por ocasião da ida de Philippa, filha de Henrique IV, para a Suécia de modo a casar com o Rei Eric XIII, Henrique, terceiro barão de Fitzhugh (que a acompanha na viagem), compromete-se a fundar um ramo da ordem em Inglaterra. Em 1408 partem da Suécia religiosos e religiosas, instalando-se próximo de Cambridge, não sendo no entanto claro se aí fundaram algum cenóbio (cf. BLUNT, John Henry - The Myroure of oure Ladye. Londres: Early English Text Society, 1873. p. xiii e xiv), afirmando nesse sentido George James Augier que não (AUGIER, George James - The history and antiquities of Syon Monastery. Londres: J.B. Nicholas and Son, 1840. p. 21).

21 A ordem de Santa Brígida constituía um ramo reformado da ordem de Santo Agostinho.

22 “Although it was an Order of Nuns, provision was made for the association with each convent of a small number of monastic clergy and laymen, the former of whom were to act as chaplains to the nuns, and the latter as attendants on the joint establishment”. (BLUNT, John Henry - op. cit., p. xii e xiii).

23 A própria regra de Santa Brígida pressupunha este número: “consisted of eighty-five persons, answering to our Saviour’s thirteen apostles (St. Paul included), and seventy-two disciples; viz. of sixty nuns or sisters, whereof one was to be lady abbess, thirteen priests, one of whom was to preside over the men as confessor general, four deacons representing the four doctors of the church […] and eight lat brethren, in all twenty-five men, which number was not to be extended”. (AUGIER, George James, op. cit., p. 21-22).

24 MACAULAY, Rose, op. cit., p. 233.

25 A vinda para Lisboa deve-se sobretudo à ação do padre jesuíta Robert Persons que, nas semanas que antecederam a partida da comunidade, esteve em contacto com as autoridades eclesiásticas.

26 MACAULAY, Rose, op. cit., p. 233.

27 SANTA MARIA, Agostinho de - História da vida admirável & das acções prodigiosas da Venerável Madre Soror Brizida de S. António, filha espiritual singularissima do Venerável Padre António da Conceicam, abbadeça do muyto religioso Convento de Santa Brizida das Madres Inglesas, do sítio do Mocambo em Lisboa. Lisboa: Officina de António Pedrozo Galram, 1701. f. 32.

28 CARDOSO, Jorge - Aggiológio Lusitano. Lisboa: Officina de António Craesbeeck de Mello, 1666. tomo III, p. 821.

29 Apesar de nenhum relato explicitar as acomodações das casas de Isabel de Azevedo, estas seriam de dimensão suficiente para acolher mais de uma dezena de pessoas. Não é, assim, de excluir que pudesse ter uma pequena ermida.

30 O facto de se tratar de uma ordem mista obrigava à constituição de dois conventos praticamente independentes: “the double community was, in reality, a combination for purposes of Divine Service, of two separate bodies, each of which had its own conventual buildings separately enclosed. Their two chapels were under the same roof, being, in fact, a double chancel, each with its separate stalls, and opening into each other by a “crate”, “grate”, or grille, the gate of which was only unlocked for the entrance and departure of the clergy when they said Mass at the altar of the sister’s chapel. The only other door of communication was one used at the profession of novices, which was in the sister’s cloister. To this there were two keys, differing from each other, one kept in a chest on the brother’s side, and the other in a similar chest on the sisters’ side.” (BLUNT, John Henry, op.cit., p. xx e xxi).

No caso lisboeta, parece não existirem relatos dos aposentos masculinos, no entanto – e devido ao sempre reduzido número de religiosos – parece improvável a existência de um segundo cenóbio, provavelmente instalando-se estes em aposentos próprios mas inseridos numa parte reservada do convento ou sua cerca (por exemplo, não existe qualquer notícia da existência de um segundo claustro).

31 Biblioteca Nacional do Brasil, Planta da cidade de Lisboa, na margem do rio Tejo: desde o Bairro Alto até Santo Amaro. c. 1598 [Em linha]. [Consult. a 12.01.2015]. Disponível na Internet: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart1044544/cart1044544.htm.

32 ROBINSON, Thomas - The anatomie of the english nunnery at Lisbon. [S.l.: s.n.], 1622.

33 A ponto de terem fundado um segundo cenóbio (convento de Nossa Senhora da Conceição de Marvila, cuja escritura foi assinada em 1655) para religiosas portuguesas (sendo a sua primeira abadessa soror Inês de São Sebastião).

34 BARETTI, Joseph - A journey from London to Genoa through England, Portugal, Spain and France. Londres: T. Davies, 1770. vol. 1, p. 192.

35 “In 1634 English Bridgettine monks petitioned Propaganda to give them the privilege of doing missionary work in England so as to collect alms for the Lisbon monastery, which was then in debt”. (GUILDAY, Peter - The english catholic refugees on the continent, 1558-1795. Londres: Longmans, Green and Co., 1914. vol. 1, p. 60-61).

36 MACAULAY, Rose - op. cit., p. 237.

37 SANTA MARIA, Agostinho de - op. cit., f. 224-225.

38 História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa... Lisboa: Imprensa Municipal: Oficinas da Gráfica Santelmo, 1950. tomo II, p. 391-411.

39 GUILDAY, Peter - op. cit., p. 61. George James Augier aponta a data de 24 de janeiro de 1695 para a morte de George Griffin, o último superior do cenóbio (AUGIER, George James - op. cit., p. 110).

40 BARETTI, Joseph - op. cit., p. 193.

41 MACAULAY, Rose - op. cit., p. 238.

42 Carta da irmã Catarina Witham enviada à sua mãe a 27 de janeiro de 1756. Transcrita em MACAULAY, Rose - op. cit., p. 260-261.

43 Para o perceber basta consultar o número de textos sobre o fenómeno escritos por alguns dos principais autores da época (Kant, Voltaire...) no decorrer dos anos subsequentes.

44 Cf. BARETTI, Joseph - op. cit., p. 192.

45 A primeira metade de Seiscentos demarca-se como o único período na história da comunidade em que o número de religiosas aumentou.

46 SOUTHEY, Robert - op. cit., p. 500.

47 MACAULAY, Rose - op. cit., p. 240.

48 MACAULAY, Rose - op. cit., p. 241.

49 O arruamento fronteiro à portaria do convento ganha a designação de “rua do Quelhas” por via do edital camarário de 16 de janeiro de 1863.

50 As profundas obras de que foi alvo a partir da década de 1880 mudaram completamente a sua configuração.

51 NOGUEIRA, Maria do Céu - História da província portuguesa das Irmãs de Santa Doroteia, 1886-1910. Linhó: [s.n.], 1967. 2 vol., p. 33. Texto mimeografado.

52 NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 34.

53 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Livro de Notas, Livro 328, Caixa 66.

54 Que surge, em fotografias da transição do século, com a fachada lateral totalmente forrada a azulejos industriais brancos, melhoramento provavelmente introduzido pelos padres jesuítas (cf. Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Joshua Benoliel, Rua do Quelhas, 1910. PT/AMLSB/JBN/001332).

55 Ficaram igualmente com uma pequena cerca junto da confrontação do Caminho Novo, próximo da esquina com a rua do Quelhas.

56 Não foi possível, no âmbito da presente investigação, recolher qualquer dado sobre a torre. Não surge marcada no levantamento topográfico camarário de 1871, existindo no entanto já em fotografias da transição de Oitocentos para Novecentos existentes no AML. Não foi possível apurar a datação, contexto e objetivo da sua construção, mas levando em consideração os estudos científicos levados a cabo pelos jesuítas, nomeadamente no que a observações astronómicas diz respeito (tendo para o efeito construído uma torre circular no colégio de Campolide, nos últimos anos de Oitocentos), é de admitir que pudesse ser esse o seu objetivo. A torre, com uma altura estimada de 25/30 metros, foi demolida entre 2001 e 2003, aquando da construção dos novos edifícios do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

57 Primeira casa das Irmãs Doroteias em Lisboa, a ela se seguiria a fundação de uma dúzia de outros estabelecimentos educacionais até 1907, a maioria na região a norte de Aveiro.

58 Surgindo também em alguma documentação da época como “Collegio de Santa Brígida” (cf. NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 392-394).

59“A pobreza era a senhora da casa, dessa enorme casa, sem móveis, de paredes nuas, de tectos esburacados a deixar penetrar o sol ou a chuva. Dinheiro não havia. Quando se tratou da fundação, pensou abrir-se um Colégio para “meninas da sociedade”, mas começou com três alunas pobres, uma das quais saíu logo, e durante intermináveis meses, permaneceu ignorado. A miséria espreitava as Irmãs que não encontravam num país estrangeiro o meio de ganhar o pão de cada dia. A alimentação era mais que frugal; sobremesa… um luxo a que não podia dar-se a pequena comunidade. […] O jantar muitas vezes se limitou a “um bocado de pão com nozes”. Mas vieram dias em que se acabaram as nozes e não houve pão”. (NOGUEIRA, Maria do Céu,op. cit., p. 38).

60 NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 49.

61 Tendo ficado a campanha de obras de 1870/1871 por terminar, houve a necessidade de proceder a uma nova campanha, de maior vulto, orçada em quatro contos. Para o efeito, tiveram as Doroteias que fazer um peditório porta a porta, tendo conseguido juntar 800.000rs., aos quais se juntaram 300.000rs de um empréstimo e os quase 3.000.000rs resultantes dos dotes e legítimas de irmãs. “Levantara-se um andar no extremo mais ocidental do edifício, «que ficava próximo do coro dos Padres, com a frente voltada para o jardim contíguo à portaria»; fizeram-se dois dormitórios de tamanho desigual e dois quartos na parte reservada às educandas; no mesmo lugar das antigas, porém mais amplas e altas, situavam-se as três salas de visitas, agora com as paredes e tectos de estuque; uma larga e elegante escadaria, dando ao maciço conjunto uma nota de agilidade e leveza, conduzia da portaria aos dormitórios. Em diversos pontos da casa, outros consertos se fizeram de menor importância, mas na parte ocupada pela comunidade ainda continuou a ver-se o céu através dos tectos e das telhas”». (NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 71).

62 Para a qual, entre outras pessoas, contribuíram a madre Paula Fransinetti (500.000rs) e D. Adelaide, viúva de D. Miguel (50.000rs).

63 “D. Giusefina Trojani, Director do Collegio Jesus Maria Jose, deseja edificar no terreno junto a dependência do mesmo collegio na Rua do Quelhas
nº 8; um rez-de-chaminé, salão para distribuição de prémios, e terraço; e não podendo levar a efeito essa construcção sem a autorização da […] Camara Municipal de Lisboa, vem por esta forma solicitar de V. Ilma(?) a aprovação do projecto junto e a respectiva licença; declarando que de bom grado, e se a […] Câmara assim determinada, levará essa construcção ao alinhamento vindo da rua dos Navegantes, dos prédios anteriormente construídos, afigurando-se-lhe esse alinhamento de indiscutível embelezamento para a rua do Quelhas, porque d’esta forma só ficará desviada uma propriedade… e junta ao Caminho Novo, contudo apresenta o seu projecto pelo alinhamento existente, acatando porem como lhe cumpre qualquer resolução da […] Câmara Municipal a tal respeito. Lisboa, 28 de Julho de 1886. Giuseppina Trojani. C.R.M.”. (AML, Obra nº 21590, Processo 5420/1ª REP/PG/1886, f. 1-1v.).

64 Das quais constou um conjunto de cerca de duas dezenas de quadros, pintados por Manuel António Moura, pai de uma aluna, cujo trabalho servia de pagamento da mensalidade da educanda (ANTT, Secretaria do Extinto Arquivo das Congregações, Arquivo das Congregações, Livro 1253).

65 AML, Obra nº 21590, Processo 5280/1ª REP/PG/1900, f. 1-1v.-2.

66 Esta localização, bastante afastada do colégio, era uma forma de isolamento das alunas e irmãs com varíola, tuberculose e outras doenças contagiosas.

67 Começada a construir a 11 de abril de 1904 e concluída e inaugurada a 24 de dezembro de 1907. Do projeto e concretização do mestre de obras António Gaspar (pai da madre doroteia Carlota Gaspar), que para o efeito comprou peças de talha dourada provenientes da antiga capela de São Joaquim da casa dos condes de Penamacor, na rua de São Joaquim em Alcântara. “Como lhe parecessem muito aptas para a capela a construir, expôs o seu projecto à Madre Provincial que o aceitou. Compradas por um preço módico, verificou-se, depois de livres das camadas de pó que as cobriam, que o seu revestimento de oiro francês estava bem conservado. O conjunto compunha-se de um altar de frontal e dois laterais de urna, balaústre, púlpito, duas portas […], retábulo em baixo relevo representando o Coração de Jesus, um trono de cinco degraus, e duas figuras simbolizando a Fé e a Esperança. […]. Uma […] circunstância valorizava aquelas relíquias: o terem pertencido à capela de D. Maria da Assunção de Saldanha e Castro, a quem se devia o colégio do Quelhas, e com ele, a possibilidade material da primeira fundação da Província Portuguesa”. (NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 326-327). Após o regresso das Doroteias a Portugal, readquiriam a talha da capela e reinstalaram-na numa capela construída (com as dimensões exatas para o efeito) na Casa Provincial das Irmãs de Santa Doroteia, ao Linhó (projeto do arquiteto Vasco Moraes Palmeiro “Regaleira”, 1956). Em 1965 a antiga capela do colégio Jesus Maria José era a biblioteca do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.

68 “As referidas obras, constam da ampliação da egreja, que passa a ter o piso no primeiro pavimento; estabelecendo-se no actual piso da egreja (rez do chão) uma aula. Ao extremo norte da egreja, junto ao muro que limita a propriedade dos terrenos pertencentes ao Posto de Desifecção, é levantada uma nova construcção , destinando-se o primeiro pavimento a dependência da nova aula, e o segundo a sacristia. No corpo, com frente para o jardim, é construído um novo andar destinado a dormitorio, para vinte alumnas, tendo dezoito metros de comprimento, seis metros e setenta centímetros de largura e três metros e noventa centímetros de altura, o que prefaz 470,34m3; este dormitorio terá janellas sobre o antigo claustro. N’uma das janellas do salão, que deitam sobre o jardim, será construída uma sacáda de ferro, afim dos visitantes das alumnas poderem ir directamente para a quinta. E, finalmente, de outras pequenas modificações; tudo conforme se acha indicado no projecto. A natureza do terreno, é, superiormente, argilosa e, mais profundamente, alvenaria. Os materiaes a empregar, como ferro, tijolo, areia, pedra, cimento, etc, etc, serão de primeira qualidade e escrupulosamente escolhidos. Lisboa, 18 de Abril de 1904. O Constructor Civil Nº 8. António Gaspar”. (AML, Obra nº 21590, Processo 2154/1ª REP/PG/1904, f. 2-2v.)

69 Segundo a memória descritiva “as obras que se pretendem realizar, e que serão feitas em harmonia com o regulamento de salubridade de edificações urbanas e como determinam as posturas municipaes, tanto no que diz respeito a materiaes, como na forma e dimensões que o projecto indica, constam: da construcção de uma copa e de um refeitório, para as alumnas do Collegio, sendo este construído com columnas e vigas de ferro e abobadilhas de tijolo, formando terraço na parte superior. Da construção de uma marquise, e bem assim de uma escada para comunicar o edificio antigo com o refeitorio; esta escada que fica, em parte, subterrânea, receberá luz e ar pela marquise e por uma claraboia junta ao antigo edificio, tudo conforme se acha indicado no projecto”. (AML, Obra nº 21590, Processo 2020/1ª REP/PG/1906, f. 2).

70 Sobre o assunto ler o capítulo “A perseguição religiosa de 1901” in NOGUEIRA, Maria do Ceú, op. cit., p. 276-310.

71 De que é reflexo a visita da rainha em maio de 1895.

72 “O Colégio Jesus Maria José […], em Agosto de 1910, fechadas as contas, registava em “caixa” o valor de 754.125 réis”. (PEREIRA, Maria Albertina Franco Baptista de Loureiro - Ensino no colégio das Irmãs Doroteias em Portugal (1866-1975). [s.l.]: [s.n.], [2012]. p. 43. Texto policopiado).

73 “A formação do professorado mereceu […] particular desvelo: Desde o princípio do corrente ano (1900), veio dar lições à mestra de desenho […], o Malhoa, insigne artista em Desenho e Pintura […] Rey Colaço […] foi o professor de piano de Sor Maria Luísa Galt que ia receber as lições a casa do grande Mestre, em razão de ele não ensinar em casas particular. […] Todos os Mestres eram membros da Academia das Belas Artes. Deu isso muito nome ao colégio porque logo correu em Lisboa que as Irmãs do Quelhas eram leccionadas pelos primeiros professores do Reino”. (NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 323).

74 NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 322.

75 Por “vive[re]m em regra de communidade religiosa, mas inteiramente fora dos preceitos do decreto de 18 de abril de 1901, pois não teem estatutos aprovados pelo Governo, nem podiam tê-los, não se destinando a actos de beneficiencia ou caridade, á educação e ensino, ou á propaganda da fé e civilização no ultramar”. (Diário do Governo nº 221, 04 de outubro de 1910). Os padres da Companhia de Jesus receberam ordem de expulsão do país (transitando automaticamente os seus bens para o Estado Português) por via do decreto de 8 de outubro de 1910, publicado no Diário do Governo nº 4, de 10 de outubro seguinte.

76 Um jornalista inglês na revolução. Plataforma do Centenário da República [Em linha]. 2008. [Consult. a 22.01.2015]. Disponível na internet: http://www.centenariodarepublica.org/centenario/2008/09/28/um-jornalista-ingles-na-revolucao.

77 As Irmãs Doroteias regressam em 1918, se bem que só retomam a função educacional na cidade de Lisboa a partir a 1 de maio de 1930, com a abertura do colégio da Estefânia com cinco alunas (uma interna, duas semi-internas e duas externas). Com a abertura da escola em outubro seguinte, rapidamente se percebeu que as instalações não eram suficientes para o número de alunas, pelo que no ano seguinte mudam de instalações para o palacete Amaral, na alameda das Linhas de Torres (onde, a partir de 1935, ficaram apenas as alunas internas, quando as externas passam a frequentar as novas instalações no recém-adquirido palacete do visconde de Abrançalha, na rua da Artilharia Um. (cf. PEREIRA, Maria Albertina Franco Baptista de Loureiro, op. cit., p. 55-57).

78 Cf. NOGUEIRA, Maria do Céu, op. cit., p. 418.

79 Lei de 8 de outubro de 1910 publicada no Diário de Governo nº 4, Série I, de 8 de outubro de 1910.

80 Occidente: revista illustrada de Portugal e do Extrangeiro. Ano 34 Vol. XXXIV Nº 1153 (10 de janeiro de 1911), p. 6.

81 Occidente, idem.

82 “Art. 92º Os edifícios que foram applicados ao culto catholico pelos jesuitas não mais poderão ter esse destino e serão utilizados pelo Estado para qualquer fim de interesse social”. (Lei de 20 de abril de 1911, publicada no Diário do Governo nº 92, Série I, de 21 de abril de 1911).

83 cf. VILLARES, Artur - As congregações religiosas em Portugal (1901-1926). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2003. p. 64-72.

84 Publicado no Diário do Governo nº 199/1911, Série I, de 26 de agosto de 1911.

85 Publicado no Diário do Governo nº 284/1912, Série I, de 04 de dezembro de 1912.

86 Decreto de 29 de novembro de 1912, publicado no Diário de Governo nº 284/1912, Série I, de 04 de dezembro de 1912.

87 Segundo o auto de arrendamento, este seria anual, iniciando-se a 1 de dezembro seguinte, devendo a renda ser paga mensalmente ao Ministério da Justiça, que por sua vez teria que “entregar à Comissão de Administração dos Bens do Estado do primeiro bairro de Lisboa, a quantia de quinhentos mil reis annuaes, tambem mensalmente, para pagamento da renda do extincto Paço de São Vicente onde, por conta do Ministério do Fomento, [passariam a] fica[r] instaladas as dependencias do “Vintem Preventivo”. ANTT, Secretaria do Extinto Arquivo das Congregações, Arquivo das Congregações, maço 29, macete 4.

88 A 30 de julho de 1902 é atribuído o nome de rua Miguel Lupi à nova via que saia da calçada da Estrela e permitia o acesso à parte da cerca onde havia sido construída a enfermaria do colégio.

89 Por sua vez, este quarteirão enquadrava-se num terreno de grandes dimensões (quinta do Quelhas) no qual, aquando da sua urbanização na transição para o século XX, se construiu o bairro Brandão.

90 A Aula do Comércio funcionou entre 1759 e 1844, ano em que foi transformada na Escola do Comércio (ou Secção Comercial do Liceu de Lisboa). Em 1869 é incorporada no Instituto Industrial de Lisboa, que passa a designar-se Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Fundado em 1911, o Instituto Superior de Comércio muda de nomenclatura ao longo do século XX: Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (1931-1972), Instituto Superior de Economia (1972-1989) e Instituto Superior de Economia e Gestão (1989).

91 VALÉRIO, Nuno (coord.) - ISEG: 100 anos a pensar no futuro. Lisboa: ISEG, 2011. p. 37. Entre 1911 e 1913, o IST providencia provisoriamente os cursos do ISC.

92 A ocupação pelo ISC do antigo colégio implicou a remodelação de alguns espaços, sendo o mais significativo a utilização da antiga capela para instalação do Museu Comercial e da Biblioteca.

93 Segundo o artigo criador, o Arquivo das Congregações respondia à necessidade de, “sem demora, organizar, classificar, catalogar e instalar convenientemente estas colecções, para instrução geral do povo e estudo de eruditos e futuros historiadores, evitando-se assim a perda e dispersão de milhares de documentos importantes, facto lamentável já ocorrido em 1759, por ocasião da expulsão dos jesuítas, e em 1834, quando foram extintas as ordens religiosas”. (Decreto nº 3410, de 28 de setembro de 1917, publicado no Diário de Governo nº 168/1917, I Série). As coleções do Arquivo das Congregações foram organizadas em três secções independentes: Arquivo, Museu (com coleções de iconografia, indumentária congregacionista, liturgia, mobiliário, bandeiras e estandartes de congregações), e Biblioteca, sendo suposto abrir-se as últimas duas secções a público “à medida que as suas instalações se vão completando”. (Decreto nº 3410).

94 Decreto nº 3410, de 28 de setembro de 1917, publicado no Diário de Governo nº 168/1917, I Série.

95 Decreto nº 3444-A, de 8 de outubro de 1917, publicado no Diário de Governo nº 173/1917, 3º Suplemento, Série I de 08 de novembro de 1917.

96 "Os Governos de Portugal, Grã-Bretanha, França e Espanha, por compromisso assinado em Lisboa em 31 de Julho de 1913, tinham acordado submeter a um Tribunal de Arbitragem, as reclamações relativas aos bens dos nacionais britânicos, espanhóis e franceses, que tinham sido arrolados pelo Governo da República. As memórias e reclamações, assim como as contra-memórias, foram sendo entregues, ao longo dos anos, pelos vários governos. Somente a 2 e 4 de Setembro de 1920, o Tribunal Arbitral reuniu, tendo proferido as diversas setenças. O Diário do Governo publicou-as entre 2 de Outubro e 6 de Novembro de 1920. Das 37 reclamações sobre bens imóveis, apenas uma foi aceite [o imóvel no Porto até então pertencente à congregação das Franciscanas de Callais]". VILLARES, Artur, op. cit., p. 61.

97 Uma vez resolvido o problema jurídico, o ISC reclama para si o edifício, no qual pretendia instalar o seu laboratório. A essas pretensões responde Borges Grainha que “transferindo o laboratorio para a cerca dos jesuitas, o terreno onde agora esta pode ser aproveitado para aulas e que a cerca das doroteias, que é muito grande, tambem pode ser aproveitada, em parte, para esse efeito”. (ANTT, Secretaria do Extinto Arquivo das Congregações, Arquivo das Congregações, maço 29, macete 4).

98 Faz também referência à “quantidade enorme de toneladas de objectos de toda a especie, manuscritos, livros, estantes, mobiliario, quadros, louças, vidros” (ANTT, Secretaria do Extinto Arquivo das Congregações, Arquivo das Congregações, maço 29, macete 4) que estão no Arquivo, o que permite perceber a natureza do seu espólio.

A 13 de outubro seguinte, e com vista à instalação da biblioteca, Borges Grainha pede para “mandar examinar a Igreja do Quelhas, 6, por engenheiros, para se ver se as paredes permitem que se abram as janelas necessarias para dar luz a uma grande biblioteca, sem que venha abaixo a igreja e o salão construido por cima dela; mandar examinar a igreja […] por funcionarios das Belas Artes e artistas de azulejos e obras de talha para se ver se é conveninte para o país retirarem-se e destruirem-se os azulejos e obras de talha que nela existem, e qual o seu valor aproximado”. (ANTT, Secretaria do Extinto Arquivo das Congregações, Arquivo das Congregações, maço 29, macete 4).

99 A 20 de agosto de 1924 o director do Arquivo das Congregações pede à Câmara Municipal de Lisboa (CML) auxílio para “reparar o pequeno pateo de entrada, cujo o empedramento necessita arranjado e para isso, e para o tornar mais atrativo para o povo, convem dar-lhe uma forma ajardinada, colocando algumas plantas trepadeiras em volta das paredes e pondo-lhe uma fonte ao meio, para o qual tenho uma estátua de pedra de São Francisco de Assis, que já servio para fonte num convento”. Em carta de 14 de outubro seguinte agradece à CML o facto de o seu pedido ter sido atendido, ao ponto de afirmar que o dito pátio ficará daí então “chamado [de] Pátio da Câmara Municipal de 1924”. (ANTT, Secretaria do Extinto Arquivo das Congregações, Arquivo das Congregações, maço 29, macete 4).

100 Decreto nº 13206, de 19 de fevereiro de 1927, publicado no Diário do Governo nº 42/1927, Série I, de 02 de março de 1927.

101 Segundo o decreto que o cria, enquanto “não tiver instalações próprias, o Museu funcionará no edifício do antigo convento do Quelhas (Rua do Quelhas, nº 6) e nas salas que o Instituto Superior do Comércio lhe puder dispensar. Oportunamente será aberto concurso para a elaboração do projecto do edifício para a [sua] instalação”. (Decreto nº 4845, de 23 de setembro de 1918, publicado no Diário do Governo nº 211/1918, Série I, de 27 de setembro de 1918).

102 O jardim é inagurado em 1949, sem o arco (que é reconstruído na praça de Espanha em 1998).

103 Na memória descritiva Luís Cristino da Silva tece fortes críticas ao edifício, considerando que o “velho casarão [...] [possui] numerosos corpos secundários de variadíssimas dimensões e traçados, [...] posteriormente adossados ao edifício, quási ao acaso, o que lhe agravou inda mais o seu aspecto desordenado e feio, sobre do lado Norte e Nascente, em que essa desordem se torna verdadeiramente caótica. Interiormente a sua disposição não é melhor, visto que apresenta uma distribuição muito confusa constituída por um amontado de dependências acanhadas e sombrias”. (Fundação Calouste Gulbenkian, Biblioteca de Arte (FCG-BA), Projecto de ampliação do edifício do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, Antigo Convento do Quelhas, Lisboa. Luís Cristino da Silva, LCSDA 52.2.2-1, Memória Descritiva, dezembro de 1947). Expõe igualmente o péssimo estado de conservação do edifício, referindo as infiltrações, humidade, estuques caídos e graves deficiências na instalação elétrica que, naturalmente constrangiam o normal funcionamento de uma instituição que à época contava com cerca de 750 alunos.

104 FCG-BA, Projecto de ampliação do edifício do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, Antigo Convento do Quelhas, Lisboa. Luís Cristino da Silva, LCSDA 52.2.1-1/2. Memória Descritiva, 7 de junho de 1946.

105 SOTTOMAYOR, Appio - Lá vão mudar os nomes das ruas... In JORNADAS DE TOPONÍMIA DE LISBOA, 6, Lisboa, 2013 - Lugares da memória da República. Lisboa: Câmara Municipal, 2013. p. 13.

106 Como exemplos das dezenas de permanências na toponímia da cidade: calçada do Carmo, calçada da Estrela, calçada Nova do Colégio [de Santo Antão--o-Novo], calçada de Santana, calçada de São Francisco, campo de Santa Clara, largo da Anunciada, largo da Boa Hora, largo do Calvário, largo do Carmo, largo de Jesus, largo das Necessidades, largo de São Domingos, rua dos Caetanos, rua do Convento da Encarnação, rua da Esperança, rua das Francesinhas, rua dos Jerónimos, rua da Madre Deus, rua Nova do Desterro, rua Nova da Trindade, rua Praia do Bom Sucesso, rua de Santa Marta, rua de Santo António dos Capuchos, rua de São Bento, rua de São Vicente [de Fora], rua das Trinas, rua da Trindade, travessa da Boa Hora à Ajuda, travessa do Convento de Jesus, travessa das Freiras a Arroios, travessa das Freiras Bernardas, travessa das Inglesinhas, travessa das Isabéis, travessa das Mónicas, travessa de São Pedro [de Alcântara] e travessa da Trindade.

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