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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.2 Lisboa dez. 2014

 

ARTIGO

Largo do Carmo, 8 a 10. Um estudo de caso

Largo do Carmo, 8 to 10. A case study

José Sarmento de Matos*, Jorge Ferreira Paulo**

* Olisipógrafo. Depois de frequentar o curso de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e História de Arte da Universidade Nova de Lisboa, tem-se dedicado ao estudo da arquitetura civil palaciana da cidade de Lisboa. Nesta perspetiva desenvolveu igualmente trabalhos sobre urbanismo e história geral da cidade. Tem várias obras publicadas sobre temáticas olisiponenses, como “Uma Casa na Lapa” ou ”A Invenção de Lisboa” (2 vols.), entre outras. Colabora atualmente em matérias históricas e patrimoniais com o Grupo de Trabalho da Colina de Sant’Ana. Comissariou a exposição "Maresias" (2014) do Museu da Cidade.

Correio eletrónico: sarmentomatos@gmail.com

** Licenciado em História e mestre em Paleografia e Diplomática, com especialização na escrita humanística, em cujo âmbito prossegue estudos. No campo da Olisipografia, colaborou em vários periódicos e tem-se dedicado a estudos de caráter histórico e patrimonial para entidades públicas e privadas, com particular incidência em certas zonas de Lisboa, como a Lapa, Príncipe Real, Baixa Pombalina, São Paulo, Mouraria, Colina de Sant'Ana e a zona oriental. Publicou em 2013, em coautoria, Um sítio na Baixa. A sede do Banco de Portugal.

Correio eletrónico: jfpaulo@netcabo.pt

 

RESUMO

A projeção do olhar sobre um edifício antigo pode desencadear múltiplas leituras, quantas vezes inesperadas. Seja a história particular do prédio, sempre um amontoado de intervenções por deslindar; seja, igualmente, a sua inserção num conjunto urbano participante de uma zona específica da cidade; seja a surpresa decorrente de conhecer a personalidade que o construiu ou, eventualmente, o arquiteto; seja, ainda, o destino sucessivo do imóvel, bem como os seus ocupantes. Todas estas componentes se conjugam no prédio nº 8 a 10 do largo do Carmo. Inserido no processo de reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755, ganha relevo por se perceber sem dificuldade que está compreendido numa urbanização de todo um quarteirão e, sobretudo, que o proprietário e promotor se chama Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal. Aponta-nos, pois, o cerne de um tempo lisboeta muito concreto, o que obriga a ter em conta os promotores privados nesse processo, neste caso o protagonista político desse momento charneira da história de Lisboa.

 

PALAVRAS-CHAVE

Lisboa / Largo do Carmo / Marquês de Pombal / Reconstrução

 

ABSTRACT

The viewer perspective on an old building can trigger multiple readings, so many times unexpected. Either the particular history of the building, always an unraveling bundle of interventions; its inclusion in an urban set of a specific area of the city; the surprise of discovering the personality of the builder and eventually of the architect; or even the successive destination of the property and its occupants. All these components are combined in the building number 8 to 10 in largo do Carmo. Inserted in Lisbon reconstruction after the 1755 Earthquake, it becomes relevant once we perceive that it is integrated in an entire city quarter and, above all, that the owner and promoter was Sebastião José de Carvalho e Melo, marquis of Pombal. It is focused, therefore, at the heart of a very particular time of Lisbon and leads us to take into account the private developers in that process, namely, in this case, the political protagonist of that unique moment in the history of Lisbon.

 

KEYWORDS

Lisbon / Largo do Carmo / Marquis of Pombal / Reconstruction

 

 

PREÂMBULO

O período posterior ao terramoto de 1755 é marcado pela forte intervenção do poder régio absolutista na definição dos critérios urbanísticos e arquitetónicos da cidade de Lisboa, então como nunca entendida como cabeça do reino. Além de regular ao pormenor o traçado da cidade nova, impõe regras estritas aos construtores particulares, quer nos prospetos arquitetónicos, quer nos modos de construção, quer, ainda, nos detalhes decorativos. A prática costumeira de cada qual dispor da liberdade de construir a sua casa como entendia, dentro, claro, de algumas normas aceites – caso da obediência genérica à largura predefinida das vias públicas –, é transformada na obrigação de todos se conformarem às diretrizes do poder político, que a si mesmo se entende como divinamente iluminado e, por consequência, imperativo na normatividade e totalitário nas decisões.

A capital do reino transforma-se no espelho em que o poder se revê, de uma forma de tal maneira globalizante e determinada que, na verdade, não tem nenhum outro exemplo contemporâneo. A chamada Lisboa pombalina é, portanto, o mais significativo exemplo de tentativa de conformação dos arquétipos vivenciais e estéticos de uma sociedade aos ditames do poder régio, que se arroga o direito de ditar as regras segundo as quais todos, sem exceção – sejam altos aristocratas, nobrezas intermédias ou a massa plebeia – têm de reger as suas vidas, afeiçoar os seus gostos e balizar as suas decisões.

Esta verdadeira revolução nos hábitos e nas coordenadas estéticas dos lisboetas teve, naturalmente, os seus protagonistas, que, no que à construção diz respeito, se identificam por hábito com os engenheiros militares que deram corpo ao ideário do poder a partir dos estiradores da Sala do Risco, entre os quais se destacam as figuras de proa do período de arranque desse complexo processo – Manuel da Maia, Eugénio dos Santos e Carvalho e Carlos Mardel1.

No entanto, para ser completo o quadro de referências deste período sui generis é necessário, igualmente, ter em atenção alguns dos construtores particulares, com especial ênfase para a figura tutelar deste processo gigantesco, o ministro todo-poderoso, Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e marquês de Pombal. As suas intervenções prediais mais significativas, entre outras adiante mencionadas – o conjunto urbanístico da rua Formosa (hoje do Século), no largo de São Paulo, nas Pedras Negras (junto à Madalena e à Sé) –, revelam-se momentos determinantes desta viragem de paradigmas construtivos, ganhando mesmo um caráter modelar. Pombal não se limitou a exigir, mas deu também o exemplo da forma como cada qual, na sua esfera pessoal, devia contribuir para se atingir o ideal absolutista de uma cidade uniforme, quer na orgânica da vida, quer nas definições estéticas de um gosto comum.

A sua última intervenção é neste enquadramento que ganha sentido. Senhor, por vias algo ínvias, do grande quarteirão fronteiro ao convento do Carmo, o marquês inicia em 1776 o processo urbanístico de que vai resultar o aspeto atual desse conjunto. O facto de abandonar o poder no ano seguinte (1777) não lhe permitiu acompanhar o desenrolar da obra, pelo que a mesmo se arrastou no tempo, com as inevitáveis modificações sucessivas de cada um dos prédios que compõem a urbanização.

É um desses prédios, propriedade da Fundação AJB - A Junção do Bem, que é objeto do estudo que se segue, encomendado pela mesma entidade para acompanhar e sustentar o processo de obras de reabilitação que nele pretende desenvolver. Ficam aqui os agradecimentos à Fundação pela autorização para a divulgação pública deste trabalho que, nas suas limitações, permite chamar a atenção para a intervenção predial de Pombal e, sobretudo, completa, com novas contribuições documentais e precisões de leitura, o notável trabalho de Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, obra maior da olisipografia2.

 

INTRODUÇÃO

 

 

Como é frequente na construção das áreas antigas da cidade, cada prédio é um caso que esconde frequentemente um novelo construtivo por vezes difícil de deslindar. O edifício objeto deste estudo não foge a esta constatação, uma vez que, e apesar do aspeto uno e comum que exibe exteriormente, quase se diria vulgar, basta passar a porta de entrada para o largo do Carmo para se perceber que a evolução do edificado é complexa, desmentindo à primeira observação o caráter linear e escorreito que o exterior sugere, pois, na verdade, o seu invólucro, diga-se assim, pouco ou nada corresponde ao que se observa no interior. O vestíbulo principal, de acesso à escada do prédio, apresenta uma cobertura linear, com vigamentos retilíneos, de construção simplificada. Mas bastará olhar para a parede lateral esquerda para se constatar que a mesma acaba de forma estranha, enviesada e cortada em chanfro. Além disso, a porta ampla que dá acesso à divisão seguinte apresenta largas e sólidas cantarias, mais habituais em aberturas exteriores que interiores. Na verdade, as divisões a que essa porta dá acesso são revestidas por tetos abobadados, sustentados em sólidos pilares que denotam alguma antiguidade e, sobretudo, nada têm a ver com o modelo construtivo de vigamento da parte fronteira do prédio sobre o largo do Carmo.

 

 

 

 

Portanto, logo à entrada, está desperto o apetite para a componente detetivesca que a realidade imbricada da construção de Lisboa tem o condão de aguçar. As surpresas continuam. Ao lado do vestíbulo existe uma outra entrada a partir da rua que dá acesso a um corredor que, inesperadamente, inflete para a direita e passa a correr sob o prédio lateral, levantando de imediato a suspeita que as duas propriedades, hoje de senhorios diversos, tiveram na origem o mesmo construtor, pois só assim se compreende que exista essa "promiscuidade", passe a expressão, entre os dois edifícios. Esse corredor estreito desemboca num pátio quadrado que, ao fundo, é fechado por uma construção sólida e antiga, que, no interior, apresenta duplo pé-direito coberto por estrutura abobadada. Olhando com atenção para a vista aérea acima inserida, facilmente se constata que essa dependência no pátio se prolonga por detrás dos outros prédios vizinhos, no centro do miolo de todo o quarteirão, reforçando--se deste modo a ideia de um mesmo projeto original, isto é de um mesmo proprietário construtor do conjunto. Ou seja, todo o quarteirão – com frentes para o largo do Carmo e o atual largo Rafael Bordalo Pinheiro (antigo da Abegoaria) e limitado lateralmente pela rua da Trindade e pela travessa do Carmo – resulta da intervenção posterior ao terramoto de 1755 e parece obedecer a idêntico padrão, o que indicia o mesmo proprietário.

Esta perceção é depressa confirmada, quer pela busca documental, quer pela leitura de O Carmo e a Trindade, obra-mestra de Gustavo de Matos Sequeira, que facilita a despistagem de várias das questões colocadas pela construção, bem como ajuda a esclarecer a evolução urbanística desta vasta área, cujas informações mais longínquas remontam aos finais do século XIII, reinando D. Dinis, e se consolida após a construção do convento do Carmo e a urbanização da sua envolvente, que irá germinando a partir do século XV, até que o sismo de 1755 ponha em causa a imagem construída, levando a regra e o esquadro da Sala do Risco a determinar um novo traçado retilíneo da malha urbana, como ainda o podemos apreciar, substituindo o caráter acidental e empírico das pré-existências3. Mas, observando com minúcia o prédio em questão toma-se consciência que, como acontece noutras zonas da cidade, incluindo na Baixa, no processo de reconstrução pós-terramoto, apesar dos seus parâmetros tão rígidos, se aproveitou sempre tudo o que era possível aproveitar, desde que permitisse encaixar-se na definição arrumada da nova estrutura viária geométrica então definida4.

Todo este novelo ganha rapidamente um novo interesse quando a recolha documental decorrente da investigação realizada nos afirma de forma incontestável que, em boa verdade, todo o quarteirão foi iniciativa de um mesmo proprietário, cujo nome vem dar sainete a este prédio aparentemente tão comum: Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal. A veia imobiliária do célebre marquês, que o transformou em um dos maiores proprietários fundiários de Lisboa, não só se exerceu na rua Formosa (do Século), nas Janelas Verdes, em São Paulo, na Madalena/Sé, como também aqui no Carmo, através da construção deste enorme quarteirão, a partir de 1776, pouco antes da sua morte política, consequência da morte física de D. José, em 17775.

 

Figura 4

 

 

 

Reforçam-se, deste modo – de forma se diria inesperada –, os motivos de interesse na apreciação desta construção, quase anódina para o transeunte pela vulgarização repetitiva do padrão predial pombalino. Mas, pelos vistos, valerá bem a pena o esforço da atenção, pois é sabido que qualquer peça, por mais banal, poderá sempre dar lastro a cruzamentos imprevisíveis na história da cidade.

Nesta ordem de ideias, de seguida definem-se três pontos de abordagem desta construção e das questões que ela coloca. Em primeiro lugar, a evolução construtiva da área em questão, com especial ênfase neste quarteirão, focando sobretudo as alterações decorrentes da intervenção pós-terramoto. Em segundo lugar, a evolução da propriedade e a forma como chegou à posse de Pombal, procurando seguir a sua tramitação e subdivisão após a venda em 1805. E, por fim, compreender a evolução e a estrutura atual do prédio em estudo, uma vez autonomizado, procurando determinar as diversas alterações ao longo dos séculos XIX e XX.

 

ENTRE O CARMO E A TRINDADE

 

Figura 7

 

 

Figura 8

 

A primeira destas plantas fornece com alguma fidelidade, devido ao trabalho de consulta realizado por Matos Sequeira no "Tombo da cidade", levantado após o terramoto, o traçado desta zona em 1755, bem como a divisão das propriedades que compunham este conjunto complexo e irregular.

As principais referências da zona são os grandes conventos da Trindade (iniciado no século XIII) e do Carmo (início do século XV), e mais tarde a nova paroquial do Sacramento, na calçada do mesmo nome. Ao centro da planta é sensível a existência de um quarteirão irregular, delimitado a sul pela esquinada rua da Marquesinha (assim chamada por ser ali o palácio dos marqueses de Arronches, depois duques de Lafões), a poente pela rua do Arcebispo, a nascente pela rua da Oliveira, então prolongada para sul, e a norte pela calçadinha da Trindade, que ligava os adros das duas grandes casas conventuais. Ao centro deste conjunto irregular corria, nascente/poente, uma outra via, bastante estreita, que permitia a circulação entre a rua da Oliveira e a do Arcebispo. Do lado nascente esta via era coberta por um arco ou passadiço, que ligava as duas partes de uma mesma propriedade, a maior da zona, pelo que essa pequena serventia se chamava do Arco, denominação que foi variando consoante os sucessivos proprietários: do capitão de Ginetes, um D. João de Mascarenhas, no século XVI, e depois do Melo, devido a Simão de Melo de Magalhães, que viria a vincular a propriedade, morgadio esse que tanta tinta faria correr como adiante se relatará6. Na planta em apreço, Matos Sequeira já chama à propriedade Casa do Passadiço do marquês de Pombal.

Convirá acentuar, para melhor se compreender a malha de hoje em dia, que o largo do Carmo era então bem diverso na sua delimitação. Havia uma acentuada diferença de cota entre o nível da rua da Oliveira e o adro primitivo, bastante mais estreito e longilíneo. Depois do terramoto esse troço da rua da Oliveira desapareceu, com a demolição das construções do seu lado nascente, e o desnível foi aplainado através do enterramento da fachada do Carmo, cujo portal principal só recentemente voltou à cota original através do rebaixamento de parte do terreno fronteiro. Além disso, como bem se percebe na leitura das plantas sobrepostas, o quarteirão central avançou os seus limites nascentes, ocupando grosso modo a largura desse troço antigo da rua da Oliveira. Aliás o mesmo se passou a poente, absorvendo boa parte do terreno da antiga rua do Arcebispo.

 

 

Após o terramoto, a planta mestra de Eugénio dos Santos/Carlos Mardel (1758) propõe um novo traçado urbanístico para toda a zona, através da uniformização geométrica quer do largo fronteiro ao Carmo quer do grande quarteirão poente, através do traçado retilíneo da antiga travessa da Marquezinha (hoje do Carmo) e do alinhamento da rua da Trindade. Para o lado poente mantém uma via única, e não é previsto então qualquer largo, mais tarde aberto, embora tente alinhar a rua do Arcebispo.

 

 

No entanto, o mais relevante é que embora faça desaparecer o troço da rua da Oliveira, alargando deste modo o largo do Carmo, não prevê o aumento do quarteirão através da ocupação do antigo leito desse mesmo troço da rua da Oliveira, como depois igualmente se passará a poente, relativamente à rua do Arcebispo. Portanto, entre 1758, data desta planta mestra da reconstrução de Lisboa, e 1776, quando se iniciam as obras do marquês de Pombal no seu quarteirão, dá-se uma alteração significativa das dimensões deste pelo avanço que resulta da ocupação do terreno das duas antigas ruas a nascente e poente, talvez em compensação pelas áreas cortadas quer a sul, na travessa do Carmo, quer a norte, na depois denominada rua da Trindade.

 

 

Outra novidade decorrente deste projeto de 1758 é a concentração do quarteirão através do desaparecimento da antiga rua do Arco, ou do Passadiço, que anteriormente o cortava sensivelmente a meio.

Por uma conjugação de fatores que adiante se explicarão com mais detalhe, à data do terramoto a principal propriedade deste grande quarteirão, a casa do Arco ou do Passadiço, também chamado palácio do marquês de Montalvão, como se dirá, pertencia ao secretário de estado Sebastião José de Carvalho e Melo, ainda talvez longe de imaginar que em 1759 seria já conde de Oeiras e, dez anos depois, marquês de Pombal.

Mediante uma série de expedientes financeiros e benesses régias, Sebastião José consolida o conjunto através da aquisição de todos os lotes que envolviam a sua propriedade original, até deter a globalidade do novo quarteirão retilíneo definido pela reconstrução7. E, fazendo fé na planta acima de Eugénio dos Santos (1758), consegue mesmo expandir o terreno através da ocupação dos antigos leitos das ruas da Oliveira e do Arcebispo, a nascente e poente, respetivamente, tornando talvez mais proporcionadas as dimensões do largo do Carmo, então significativamente alteado, certamente à cota anterior da mesma rua da Oliveira.

Todo este processo determina que só em 1776 o marquês dê início às obras de execução do vasto projeto, razão pela qual o mesmo ficou bastante longe da unidade formal que revelam as outras intervenções diretas de Pombal,8 seja na rua Formosa, seja nos dois quarteirões ainda intactos de São Paulo e da Madalena/Sé ou nas ruas da Alfândega e de São Paulo9. Logo no ano seguinte, a morte do rei leva à sua demissão, pelo que a construção se terá arrastado já sem a unidade arquitetónica global, de início por certo pretendida, da qual o proponente, desterrado em Pombal, onde morre em 1782, seria o garante.

Como se verá adiante, só alguns dos prédios se finalizaram de seguida, ficando outros incompletos até bastante mais tarde, sofrendo diversas obras e acrescentos. Apesar de revelarem uma vaga familiaridade ditada pela referência genérica dos modelos pombalinos, todas estas unidades prediais apresentam diferenças acentuadas, quer nos prospetos – número de andares, sótãos, etc. –, quer nos acabamentos exteriores, como cantarias e gradeamentos de sacadas.

 

AS QUERELAS EM TORNO DE UM MORGADIO

Como atrás se referiu, o proprietário das casas do Arco em finais do século XVI era Simão de Melo de Magalhães, ou simplesmente Simão de Melo, como é habitualmente mencionado. Era sobrinho de Lopo Vaz de São Paio (hoje mais prosaicamente dito Sampaio), controverso governador da Índia, e, como tal, andou com o tio pelos orientes, sendo capitão de Malaca. De lá terá trazido algum pé-de-meia, e, chegado a Lisboa comprou aos herdeiros do capitão de Ginetes a boa propriedade da rua da Oliveira, ao Carmo, dividida pela estreita via do Arco, assim chamada devido ao passadiço que unia as duas partes das casas nobres, como então se dizia.

Reunindo outras propriedades em diversos lugares, e um outro morgadio instituído pelo pai, Pedro de Magalhães, Simão de Melo instituiu novo vínculo, tendo por cabeça as ditas casas e uma capela no vizinho convento de São Francisco, adquirida para sua sepultura. O primeiro morgado foi seu filho, Manuel de Melo de Magalhães, também militar, o qual deixou uma filha única e herdeira, D. Francisca. Esta, 2ª administradora do morgadio, casou com D. Jorge Mascarenhas, 1º conde de Castelo Novo e 1º marquês de Montalvão, figura notável do seu tempo, 1º vice-rei do Brasil, que viria a ser preso e condenado após a Restauração, devido à fuga para Castela da mulher e de alguns dos filhos. Dado este casamento, o palácio foi então designado dos marqueses de Montalvão.

Como se tivesse extinguido toda a descendência dos referidos titulares em finais do mesmo século, a sucessão do morgadio, segundo as cláusulas da instituição, foi parar ao descendente varão mais velho da única irmã do instituidor, o referido Simão de Melo, chamada D. Violante de Magalhães. Fora esta casada com Gonçalo Pires Coelho, senhor de Felgueiras, sendo ao tempo o mais velho varão descendente deste casal, aliás por via feminina, Martim Teixeira Coelho, senhor de Teixeira e Sergude, opulento fidalgo nortenho10. O referido Martim entrou na posse do vínculo (1705), e nele estava "posto em sossego", como diria o poeta, quando é confrontado com a reclamação de posse do morgadio, entreposta por Sebastião de Carvalho e Melo, morgado da rua Formosa, em Lisboa, que alegava que o vínculo lhe pertencia pois era descendente de Gaspar Leitão Coelho, filho varão, afirmava perentório o Carvalho e Melo, dos referidos Gonçalo Pires Coelho e D. Violante de Magalhães, que naturalmente precedia a irmã, avó do senhor de Teixeira11.

Pode dizer-se com propriedade que esta dedução genealógica caiu como "O Carmo e a Trindade" no intrincado meio dos genealogistas, que, em pouco tempo, consoante as simpatias pessoais ou as afinidades políticas, correram pressurosos a apoiar cada qual a sua parte litigante. Diga-se, em abono da verdade, que a filiação em tronco tão fidalgo do tal Gaspar Leitão, que o descendente chamava também Coelho, parecia algo delirante, dada a sua própria condição social conhecida na Terra da Feira e o facto, nada despiciendo, de não constar nas tábuas genealógicas dos senhores de Felgueiras, os descendentes de Egas Moniz e do célebre Pero Coelho, o "carrasco" da linda Inês, nenhum Gaspar Leitão, já que o apelido familiar era, e fora sempre, somente Coelho. E nem se diga que eram factos muito antigos e se perdera a memória pois o dito Gaspar Leitão vivera em finais do século XVI, portanto em tempos relativamente recentes, pelo que essas memórias de parentescos podiam estar ainda bem vivas.

A questão seguiu os seus trâmites, com intermináveis alegações, persistindo os morgados da rua Formosa nas suas pretensões à posse do morgadio, nas pessoas de Manuel de Carvalho e Ataíde, filho do referido Sebastião, apaixonado genealogista – que não se livra da fama de falsário, forjando inúmeros documentos para sustentar as suas alegações –, e depois do filho deste, Sebastião José de Carvalho e Melo, que se tornaria o bem conhecido marquês de Pombal12.

Portanto, a partir de 1750, data da nomeação deste último para secretário de estado, para se tornar em breve o íntimo do monarca D. José, o destino da questão do morgado do Carmo estava traçado. A sentença seria em breve revista e a posse do vínculo atribuída ao novo homem forte da governação. Bem reclamaram Gonçalo Cristóvão Teixeira Coelho de Melo Pinto Mesquita, senhor de Teixeira e Sergude, do morgadio de Abaças (Vila Real) e da Casa do Bonjardim, no Porto, assim como o jurista que apoiou a sua causa, Francisco Xavier Teixeira de Mendonça, autor de uma suculenta obra impressa sobre os direitos do seu constituinte (a segunda, depois do Epílogo...), com cerca de duzentas páginas recheadas de douta argumentação, genealógica e jurídica, e ostentando o seguinte título pomposo à moda do tempo:

Petição de revista, que pedio Gonçalo Cristóvão Teixeira Coelho de Mello Pinto de Mesquita da sentença proferida a favor de Sebastião Joseph de Carvalho e Mello, sobre os morgados, que instituirão Pedro de Magalhães, e seu filho Simão de Mello: e por ficarem vagos por falta de descendentes dos últimos Marquezes de Montalvão, se julgarão por final sentença no anno de 1705 a Martim Teixeira Coelho de Mello, senhor donatario da villa da Teixeira, e de Sergude, avô do supplicante feita por Francisco Xavier Teixeira de Mendonça13.

Devido ao alarido então desencadeado, ambos acabaram presos, respetivamente em 1756 e 1758. Gonçalo Cristóvão ficou na Junqueira até 1777, de onde saiu após a ascensão de D. Maria I, tendo depois casado e tido geração. Quanto a Teixeira de Mendonça, depois de passagem também pela prisão da Junqueira, foi desterrado para Angola, onde morreu. Saiu-lhes cara a contestação à autoridade férrea de Sebastião José, que neste caso alguns inimigos apelidaram de ganância cega. Mas não deixa de ser curioso, como aliás assinala o genealogista Felgueiras Gaio, que após a queda em desgraça de Pombal e a reabilitação de Gonçalo Cristóvão, este não tenha voltado a reivindicar o disputado morgadio. Talvez tenha funcionado em pleno a manigância de Pombal, transferindo propriedades entre morgadios, como adiante se menciona, sempre com o superior beneplácito d’el-rei.

Portanto, na posse descansada das propriedades do Carmo, Sebastião José foi tratando de conformar as mesmas com os novos limites traçados pela malha rigorosa imposta pela Sala do Risco14. Uma vez eliminada a antiga rua do Arco, que cortava a meio o antigo quarteirão, tratou de adquirir todos os outros lotes que ficavam dentro dos limites destinados a balizar a nova urbanização. Nesta conformidade, ainda em 2 de maio de 1773, o já então marquês de Pombal arrematou diversas propriedades envolventes dos terrenos afetos ao seu morgadio, constituindo um fundo de arrematação considerável15. São referidas então as medidas de 227 palmos de frente, na travessa do Arcebispo, por 114,65 palmos de fundo. Estas propriedades, sucessivamente arrematadas, juntavam--se às que faziam frente para a antiga rua da Oliveira, agora largo do Carmo, que já pertenciam ao marquês de Pombal – isto é, ao morgadio – de acordo com a justificação que apresentou, devidamente comprovada por despacho do desembargador dos agravos da Casa da Suplicação Jerónimo de Lemos Monteiro, então o inspetor responsável pela inspeção dos bairros de Santa Catarina, Remolares, Mocambo e Bairro Alto, em abril de 177416.

 

Figura 12 e 13

 

Para reunir os capitais necessários para esta operação imobiliária de monta, o marquês conseguiu autorização, através das indispensáveis provisões régias, para poder vender bens vinculados fora de Lisboa, em especial integrantes do seu morgadio familiar da rua Formosa, passando para a posse desse mesmo morgadio as novas aquisições no Carmo17.

Desta forma, o grande quarteirão passou a pertencer em boa parte ao morgadio chamado dos Carvalhos da rua Formosa, tornando difícil a destrinça da pertença entre os dois vínculos, o de Simão de Melo e o da rua Formosa. Aliás, em 1805, quando o 2º marquês de Pombal pretende vender todo o quarteirão, já estava na posse de uma provisão a autorizar a desanexação da propriedade do vínculo, que lhe fora passada pelo então príncipe regente, D. João, não havendo então qualquer especificação sobre de qual se trata, tendo portanto tudo já reunido num só18. Parece, pois, poder inferir-se, sobretudo a partir da letra de uma das provisões régias de 1776, que o marquês se acautelou relativamente à possibilidade de se voltar a colocar judicialmente o problema da posse do morgadio em consequência da instabilidade política do seu poder, integrando as casas do Carmo no morgado da rua Formosa.

Além disso, em 21 maio de 1774, sob a orientação do sargento-mor Monteiro de Carvalho, é feita a nova delimitação do conjunto afeto ao marquês de Pombal, sendo o respetivo relatório bem explícito relativamente à integração no mesmo do terreno anteriormente ocupado pela rua da Oliveira19, sendo facultada a respetiva autorização de compra, prescrevendo-se:

(...) e feita a conta pello dito Sargento mor Emginheiro a toda a area dos referidos dous chãos achou comportar treze mil duzentos vinte e sinco palmos e noventa e sinco centessimos Superficiais, e sahir com frente de cento e quinze palmos e vinte e seis centessimos com o fundo de cento e quatorze palmos e Setenta e sinco centessimos, e como agora Se lhe adjudicão na frente da dita Praça do Largo do Carmo duzentos e vinte e Sete palmos de frente com o dito fundo de cento e quatorze palmos e Setenta e sinco centessimos deue comprar na dita frente pera prehencher a dita adjudicação que se lhe faz cento e onze palmos e quatro centessimos que multiplicados pello dito fundo faz huma area Superficial de doze mil outocentos vinte e dous palmos e dezaseis centessimos, a qual adjudicação se lhe faz em observancia de huma Portaria do Em.mo Cardeal da Cunha (…) Regedor das Justiças e Jnspector geral desta Cidade (...)20.

Iniciada a construção em 1776, logo em 1777 já a propriedade (constituída como unidade até à sua alienação em 1805) apresentava vários "quartos" edificados – "consta de varios quartos", dizem os registos da Décima da Cidade, mais concretamente quatro, todos arrendados a negociantes: João da Costa Soares, Arnaldo Henriques Dormi (ou Dorme) e o desembargador Luís Rebelo Quintela, com duas unidades prediais21. No ano seguinte ficam concluídos os restantes, passando a propriedade a ser constituída por seis quartos – "consta de seis quartos separados com loges de entrada dous andares e agoas furtadas".

Os homens de negócio mantiveram-se como residentes, pagando elevadas rendas (600.000 réis), juntando-se como arrendatários, em 1778, Joaquim Pedro Quintela, Estur Baurman, hamburguês, Baltasar Pinto de Miranda, contador do Erário Régio, e o vice-cônsul da Holanda22. Depois, o genovês José Maria Massa (1781-1791). A maior parte deles ficando aqui no quarteirão por vários anos23.

A forma como é referida e descrita a propriedade, no seu todo, diverge apenas a partir de 1782, passando os vários quartos ou edifícios a apresentar três andares ao invés de dois, como até aí, como se verifica no quadro infra.

Ano | Descrição / tipologia da propriedade do marquês de Pombal na praça do Carmo (1778-1784)


1777 | "Consta de Varios quartos"24.

1778 | "Consta de Seis quartos Separados Com Loges de entrada dous andares e agoas furtadas"25. "outro quarto que Consta de Loge de entrada e mais ofecinas dous andares e agoas furtadas (...)".

1779 | consta de Varios quartos que arenda Separados com Loge de entrada, dous andares, e agoas furtadas (...)"26.

1780 | "Consta de Loges dous andares e agoas furtadas". Esta Propriedade hé devidida em quartoz Separados que se arendão (...)"27.

1781 | "Consta de Loges, dous andares, e agoas furtadas arendada em quartos separadoz (...)"28.

1782 | "consta de Varios quartos Cada hum de tres andares, e agoas furtadas (...)"29.

1783 | "devedida em quartos, Cada hum de trez andares e agoas furtadas (...)"30.

1784 | "Consta de Varios quartos Separados, Cada hum de Loge e mais offecinas, tres andares e agoas furtadas (...)"31.


 

O ano de 1805 constitui uma data marcante para a história do conjunto predial que compunha o quarteirão, cuja propriedade é alienada nas suas diferentes unidades, deixando de pertencer ao marquês de Pombal as sete propriedades que o constituíam.

O segundo marquês de Pombal, Henrique José de Carvalho e Mello, conde de Oeiras, do Conselho de Estado da Rainha, grão cruz da Ordem de Cristo e presidente do Senado da Câmara de Lisboa, conseguiu obter autorização para alienar os prédios do Carmo através de uma provisão régia e com o consentimento do imediato sucessor do morgado, o seu irmão e conde da Redinha. Essa provisão, dada pelo príncipe regente e da autoria do escrivão Estanislau da Silva Feyo Sequeira Coutinho, permitiu, por arrematação,

fazer a venda do Predio que possue no Largo do Xafariz do Carmo [composto por várias propriedades de casas], apezar de ter Sido de vínculo de Morgado, e isto pello mesmo Senhor o haver por dezanexado do mesmo Morgado, pella mesma Regia Provizão; em Consequencia do que se passou a fazer publica Arrematação do mesmo Predio [entenda-se da propriedade nas suas diferentes componentes] perante o Juiz Comissario nomeado para a mesma o Dezembargador João Manoel Guerreiro de Amorim32.

Um dos sete adquirentes foi o comerciante Francisco da Silva Vieira, que adquiriu o "segundo quarteirão" ["quarto" ou "prédio"] "virando para a Praça do Carmo". Adquiriu a propriedade em hasta pública, arrematando-a em 16 de março, conforme o registo do pagamento do imposto de transmissão da propriedade que efetuou aquando da aquisição:

Francisco da Silva Vieira dise rematou em Asta Publica nas Cazas de Rezidencia do Dezembargador dos Agravos e Juiz Comisario da Caza do Ex.mo Marquez de Pombal Escrivão Estanislau da Silva Feio de Siqueira Coutinho hum quarto de Cazas da esquina pertencentes ao Ex.mo Marquez de Pombal citas na Praça do Carmo desta cidade que pella ditta Praça pegão com as que rematou Manoel da Silva Franco e pella Rua nova do Carmo [hoje Travessa] com as que rematou Gaspar Beltrão Pilar Freguezia do Sacramento desta cidade por preço de quatorze contos duzentos mil reis duzentos mil reis de que pagou de ciza hum conto quatrocentos e vinte mil reis. Lisboa dia 16 do dito [Março]. E de como recebeu asinou. / Martins / Araujo /33.

Assim se inicia, em 1805, a história particularizada do prédio de esquina objeto central deste estudo. No entanto, antes de se passar à descrição da vida acidentada desta propriedade então autonomizada e à sua análise construtiva, será necessário alinhavar algumas considerações sobre o quebra-cabeças mais intrigante deste grande quarteirão: o grande bloco retangular que ocupa boa parte do miolo do conjunto, hoje dividido pelas unidades prediais que fazem frente para o largo do Carmo, cuja antiguidade é atestada pela cobertura de abóbada que apresenta. Como antes do terramoto de 1755 esta área era cortada pela atrás citada rua do Arco, é evidente que esta unidade datará da reconstrução após o sismo, iniciada como se viu em 1776.

Nas plantas de Lisboa após 1776, em particular a de Duarte José Fava, a primeira a ser levantada de forma rigorosa (1807), o quarteirão do Carmo é representado como uma mole compacta, sem especificar a sua orgânica interna, certamente devido à escala da própria planta.

 

Figura 14

 

Desta forma, será necessário esperar pelo levantamento da cidade realizado sob a direção de Filipe Folque, a partir de 1856, para se poder fazer a leitura da orgânica interna deste enorme quarteirão, já então subdividido desde 1805, como bem se percebe pela minúcia do desenho que não esquece de assinalar os muros estreitos entre os pátios dos prédios que dão sobre o largo do Carmo.

 

Figura 15

 

Qual era a função, na economia do conjunto deste alongado corpo abobadado, hoje divido em várias partes? Seria originalmente uno? Que propósito determinou esta inesperada construção, erguida de forma tão sólida e solenizada pela cobertura em abóbada? Seria ela autónoma em relação aos prédios que a rodeavam?

Só foi detetada uma referência direta a esta construção, datada de 25 de julho de 1885, num registo referente à propriedade ao lado do prédio em apreço, em que é descrita como sendo composta por "rés do chão, quatro andares e sotão, pateo e ao fundo d'este em dois pavimentos de abobada cinco quartos para creados"34.

 

 

Numa descrição anterior, de 1879, ainda na posse dos condes da Anadia, a mesma propriedade, antes de ser ampliada, compunha-se de "lojas, cocheira, palheiro, primeiro e segundo andar, aguas furtadas e sotão"35. Esta informação de 1885 é evidentemente tardia, estando portanto a parte afeta a este prédio dessa nave de duplo piso subdividida em cinco pequenos quartos, certamente em dois pisos.

A hipótese mais imediata de se tratar de cocheiras de serventia dos prédios que olham para o Carmo levanta, na verdade, um problema. Como vimos, o prédio em estudo apresenta um corredor abobadado que a meio inflete para a direita, seguindo depois até ao referido pátio, onde se encontra a entrada desta dependência. Ora esse corredor, além de estreito, inflete a meio em ângulo reto. Daí será admissível que permitisse o trânsito de cavalos ou muares, mas nunca dos respetivos carros, mesmo tratando-se de seges, bem mais pequenas que os coches e as berlindas. Uma cocheira onde não fosse possível acederem as viaturas não servia os propósitos de tal equipamento, sempre destinado a cavalariça e guarda dos respetivos carros. Numa primeira leitura colocou-se a hipótese de parte deste corredor ser um reaproveitamento do leito da antiga rua do Arco. No entanto, tal hipótese foi abandonada quer por ser difícil ter a certeza da localização exata da antiga via pública, em virtude da alteração tão profunda do edificado, como, além disso, segundo o "Tombo da Cidade", o antigo arruamento tinha de largura 21 palmos da parte do nascente e 21,5 palmos da parte do poente (pouco mais de 4 metros) e o corredor em apreço é muito mais estreito.

Curiosamente, Matos Sequeira possivelmente nunca terá entrado dentro deste quarteirão, pois se o tivesse feito esta insólita construção despertar-lhe-ia a curiosidade sempre aguçada. No entanto, levanta algumas pontas e suscita dúvidas na sua obra que podem levar a colocar uma hipótese, que, naturalmente, não passará disso mesmo, já que nenhuma referência documental foi até ao momento encontrada de maneira a poder sustentá-la. Um dos aspetos que despertam a atenção do mestre olisipógrafo é a "lenta gestação" e a toponímia do largo da Abegoaria, que hoje conhecemos por Rafael Bordalo Pinheiro. Segundo ele, já em 1816 a Gazeta de Lisboa se refere a "um largo novo que se há-de fazer" neste local. E, em 1817 e 1822, respetivamente na mesma Gazeta e no Diário do Governo se menciona o largo da Abegoaria, e em ambos os casos se liga o local à venda de "carruagens, traquitanas, seges, carrinhos ingleses", etc. Escreve em seguida Matos Sequeira:

Num informe dado por mim ao Sr. Dr. Alfredo de Sousa da Câmara, autor do folheto Abegão e Abegoaria, publicado em 1936, atribuí tal sinonímia a uma possível abegoaria do Convento dos Trinos. Agora, melhor estudado o assunto, duvido que assim fosse. Os frades não tiveram nesse local qualquer dependência desse género, nem tal título ao largo foi posto depois de 1833, como então aventei.

Que houve aqui uma abegoaria, houve; mas qual e onde?

A possível extensão do vocábulo, de abrigo de bois e vacas, para abrigo de gado cavalar e muar, poderia explicar a sinonímia atribuindo-a às cavalariças da oficina de seges cujos proprietários, em geral, faziam com a venda e compra de carros o negócio das indispensáveis cavalgaduras.

Seria? Não seria?36

Compete agora perguntar se Matos Sequeira, ao apreciar com a devida atenção o interior deste quarteirão, que confronta igualmente para o largo da Abegoaria, não lhe teria ocorrido a ideia de ser exatamente esta insólita construção abobadada, escondida de olhares externos, suficientemente ampla para guardar as bestas e carros, a tal chamada abegoaria, numa versão urbana de um termo habitualmente do mundo rural, onde se realizavam frequentes leilões de "carruagens, traquitanas, seges, carrinhos ingleses"?

A título de curiosidade, deverá referir-se que o prédio ao lado deste aqui em estudo serviu de residência entre 1804 e 1808, ao célebre conde de Novion, militar realista francês refugiado em Portugal e que chefiou a recém-criada Guarda Real da Polícia37. Com a sua saída, em 1808, durante a presença de Junot em Lisboa, ali se instalou uma "Secretaria Francesa". A partir daí, e durante 10 anos, albergou a Polícia – "chefe e Bandeiras da Guarda Real da Policia"38. Teria a Polícia utilizado como espécie de aquartelamento ou mera guarda de cavalos e equipamentos esta nave tão propícia, ali mesmo à mão?

De facto, só uma análise mais aprofundada da globalidade deste edifício tão invulgar, com a observação minuciosa das suas paredes e entradas, que pressupõe o estudo das várias propriedades de todo o quarteirão, permitirá, talvez um dia, entender com precisão a ideia original que presidiu à sua construção.

De momento limitamo-nos a levantar a questão colocada por esta estrutura inesperada na economia do prédio que compete analisar, que de facto o enriquece com um espaço extra, de boa estrutura e dotado de um simpático pátio quadrangular de acesso.

 

EVOLUÇÃO CONSTRUTIVA E DE PROPRIEDADE DO PRÉDIO

 

 

A)

Segundo a descrição constante dos registos da Décima da Cidade, logo em 1779 o conjunto predial do marquês do Pombal, então já desterrado em Pombal e a braços com os penosos interrogatórios judiciais, constava de "varios quartos que arenda separados com loge de entrada, dous andares, e agoas furtadas"39. Ora, observando o alçado acima, esta realidade construtiva das diferenciadas unidades é bem evidenciada, com a exceção natural das depois desaparecidas "agoas furtadas" originais. Basta atentar no cunhal de esquina, para se perceber que o mesmo segue em junta fendida até à altura terminal do segundo andar, sendo liso a partir daí, marcando bem o acrescento de mais um andar, efetuado ainda, como anotam os mesmos registos da Décima da Cidade, a partir de 1782. Em 1784 anotam especificamente os minuciosos oficiais encarregados do levantamento para o pagamento do imposto: "varios quartos separados, cada hum de loge e mais offecinas, tres andares e agoas furtadas". Portanto terá sido pouco depois do início da construção, mais precisamente seis anos decorridos, que se terá levantado mais um andar, substituindo as águas-furtadas, que agora se elevam acima desse novo piso. O prolongamento do cunhal é agora liso, e as janelas de peito são de bastante menores dimensões que as do piso inferior, também de peitoril, bem como é diverso o talhe das cantarias, aqui ligadas à cimalha que lhe corre por cima.

Portanto, na versão original, seria quase uma casa nobre, com um piso térreo "de loges", de três aberturas, sendo a central o portal de acesso, com desenho cuidado na cantaria da verga superior, que sustenta a sacada central do piso nobre. Neste último, igualmente de três aberturas, todas de sacada, destaca-se a central, mais ampla e ligada em eixo à cantaria do portal. Essa linha axial é acentuada pelo desenho da pedra de lioz da verga superior dessa mesma janela, que apresenta uma espécie de enunciado de um frontão recortado, não saliente. Após o acrescento do terceiro andar, o prospeto aproximou-se da matriz predial da Baixa, com as "loges" e os três andares, sempre bem hierarquizados pela dimensão das janelas.

Se do ponto de vista exterior não se levantam grandes dúvidas na evolução da construção original, em boa parte devido à "informação" inscrita no cunhal e no desenho das cantarias, já o mesmo não se passa no interior. Retomando a planta do rés-do-chão atrás reproduzida poder-se-ão alinhavar algumas considerações, que tornam a leitura construtiva deste piso térreo bastante mais complexa que a da fachada exterior.

Numa das provisões régias de 1776, referentes a estas casas do Carmo do marquês de Pombal, refere-se expressamente que "pelo Terramoto, e incendio do primeiro de Novembro de 1755, forão não só distruidas, mas inteiramente aniquiladas sem dellas ficar mais do que o terreno queimado"40. Apesar destas afirmações tão drásticas relativas aos efeitos do terramoto neste local, convirá talvez matizá-las, pois a realidade que hoje se observa poderá admitir pensar-se que a propriedade tenha ficado muito maltratada, inabitável com certeza, mas que alguma coisa terá ficado de pé, permitindo o seu reaproveitamento. De facto, se tivessem sido completamente "não só distruidas, mas inteiramente aniquiladas sem dellas ficar mais do que o terreno queimado", seria difícil admitir que no ano seguinte ao início de reconstrução (1776) os registos da décima de 1777 já refiram várias delas como prontas, inclusivamente já habitadas.

Admite-se que a vertigem construtiva neste período fosse enorme, tornando expeditos os oficiais envolvidos nas diversas especialidades da edificação. Mesmo assim é difícil conceber que o sistema de abóbadas dos pisos térreos, que se repete em todos os prédios do conjunto, fosse erguido de jacto em menos de um ano. E, sobretudo, não é fácil explicar o facto desse sistema de abóbadas se restringir somente à parte traseira desse piso térreo, apresentando o vestíbulo outro tipo de cobertura, mais simplificada e de verga reta. Olhada com atenção a planta sobreposta da propriedade, comparando o antes e depois do terramoto, constata-se com facilidade que este prédio se encontra, na sua quase totalidade, dentro dos limites da construção anterior, mesmo que se possa admitir estar um tanto de esguelha. Ora é exatamente de esguelha que se posiciona a parede à esquerda de quem entra no vestíbulo, apresentando um chanfro acentuado que a liga às divisões seguintes, cobertas de abóbadas. Além disso, repare-se que as paredes-mestras da parte posterior deste piso térreo são mais espessas que as do vestíbulo, e que a porta de acesso a essas mesmas divisões é bastante larga e as suas cantarias apresentam o aspeto mais comum de porta exterior.

Uma explicação parece poder colocar-se. A parte traseira deste rés-do-chão, com as suas abóbadas e a respetiva porta sólida e larga, seriam preexistências aproveitadas na reconstrução, e o espaço do vestíbulo, apresentando outras características construtivas, seria decorrente do avanço da propriedade, ocupando o leito da antiga rua da Oliveira, agora desaparecida, apropriação autorizada desde 1774, como acima se referiu. Esta hipótese pode justificar a evidente incongruência arquitetónica que este piso apresenta a olho nu. Mais se destaque que é somente a partir do vestíbulo que o corredor de acesso ao pátio inflete sob o prédio vizinho, parecendo indiciar que num primeiro momento o projeto seria diferente. Aliás, de início, os registos da Décima da Cidade referem somente que o conjunto se compunha de seis unidades, mas na venda em 1805 já são sete. Quanto mais a atenção se projeta, mais complexa se torna a tarefa de destrinçar com certezas a génese deste edifício, tão "simplório" à primeira vista.

No entanto, apesar de parecer mais plausível esta hipótese acima enunciada de se tratar de uma preexistência, não se poderá descartar a possibilidade de a construção se ter aligeirado, talvez por caráter de urgência, em especial na parte do terreno outrora ocupado pela rua da Oliveira – onde se verifica o recurso a uma diferente tipologia estrutural, mais simples, de vigamentos retos, que cobrem o vestíbulo –, talvez menos consolidado que o restante já anteriormente edificado, por isso necessitado de mais cuidados para garantir a solidez para sustentar estruturas de abóbadas.

A confirmação de uma destas alternativas para explicar esta aparente incongruência fica naturalmente sujeita a ulteriores prospeções só possíveis em processo de obra. A olho nu, portanto para já, não é possível ser-se definitivo quanto à decifração deste enigma inesperado e pouco habitual.

Quanto aos outros pisos, pouco de interessante se encontra, apesar de algumas salas amplas e luminosas e da presença de alguns silhares de azulejos de padrão pombalino. Em relação ao pátio e à dependência abobadada a que dá acesso, que tanto enriquece esta propriedade, já atrás se alinhavaram algumas considerações sobre tal anexo tão pouco comum na construção pombalina.

 

 

B)

Depois da tentativa de destrinçar as particularidades construtivas originais, fixe-se de seguida a atenção na evolução da propriedade a partir da sua autonomização em 1805, através da arrematação em hasta pública por Francisco da Silva Vieira.

O novo proprietário iniciou prontamente novos processos de obras, pois se no primeiro semestre de 1805 estava arrendada a Francisco Teixeira, por 200.000 reis, ficou logo devoluta no 2º semestre, e consta no livro de arruamentos desse mesmo ano que estava "redefincandosse"41. A expressão deverá ser algo exagerada, tratando--se por certo de obras mais ou menos profundas, pois no ano seguinte já estava plenamente habitada, em parte pelo senhorio e outra parte arrendada.

O senhorio, Francisco da Silva Vieira, negociante da praça de Lisboa, ocupou a loja e o primeiro andar (e o último piso até 1808)42. O segundo andar, devoluto nos anos de 1809 a 1811, período de grande instabilidade na capital, andava quase sempre arrendado, o mesmo se passando com o último piso que passa a partir de 1811 a ser referenciado como 3º andar e já não como água-furtada, como até aí43. Os arrendatários eram essencialmente negociantes: José António da Costa (1806-1808), António Lúcio Cordeiro (1812-17), Bento António (1821-1830) e José Gabriel (1833)44. Entre 1818 e 1820 o 2º e 3º andares estiveram arrendados a D. Leonor, de quem nada se sabe, além do primeiro nome.

Francisco da Silva Vieira era natural de Massarelos, bispado do Porto, filho legítimo do capitão José da Silva Vieira e de D. Benta Francisca de Jesus. Morreu solteiro, sem filhos legítimos ou naturais, deixou a casa do Carmo e o conjunto de seus bens a seus "dois manos", como se lhes refere no testamento, Jerónimo da Silva Vieira e D. Ana Maria de Jesus, também solteiros e em cuja companhia vivia ali ao Carmo, depois de lhes ter providenciado a vinda para Lisboa. Nas suas determinações finais, primeiro no testamento (1814) e depois por codicilo, dispôs os irmãos como testamenteiros, procuradores e administradores de seus bens, deixando-lhes além de ações, apólices e móveis a propriedade do Carmo45. No codicilo, de 23 de janeiro de 1819, já "gravemente enfermo de cama", ampliou o testamento, fazendo mais alguns legados como fossem algum montante para a sua criadagem de confiança e para as obras da igreja da sua freguesia do Sacramento e seus pobres. Viria a falecer oito dias depois, a 31 de janeiro46. Os dois irmãos mantiveram a residência na casa do Carmo, ocupando sempre o 1º andar. Assim, de 1819 a 1827 é dado como proprietário Jerónimo da Silva Vieira, capitão de navios (depois referenciado como negociante)47. A partir daí será a irmã a proprietária48.

Posteriormente, a propriedade veio à posse de Manuel Moreira Garcia, o conhecido filantropo e fundador da Cervejaria Trindade, edificador de alguns prédios ali na zona reconstruída da Trindade, entre os quais o de sua residência, revestido de azulejos do Ferreira das Tabuletas, onde morava. Por legado deixou o prédio do Carmo a seu sobrinho, o galego Domingos Moreira Garcia que, em 1903, já viúvo de D. Elisa de Almeida Navarro, por testamento, acabaria por deixar também por legado pio o edifício à "Associação Protectora das Creanças", de que era então usufrutuária D. Maria Helena Cardim49. A sua filantropia estendeu-se a outras instituições como a Sociedade da Casa de Asilo de Infância Desvalida de Lisboa, a Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia e a associação espanhola "A Fraternidade"50.

 

OBRAS DE AMPLIAÇÃO DA PROPRIEDADE, EM 1915

Pretendendo instalar a sua sede no edifício ao Carmo a "Associação Protectora das Creanças" procedeu a diversas alterações na propriedade, restaurando-a e ampliando-a, visto encontrar-se em más condições de conservação – "em estado de ruína", em 1915. O projeto inicial concebia o acrescento de dois pisos, o último dos quais constituído por trapeiras. Contudo, a Câmara Municipal de Lisboa impôs como condição a substituição das trapeiras por mansardas. A Associação optou pela construção de mais um andar, visto a frente principal deitar sobre o largo do Carmo. As janelas do último piso seriam colocadas no alinhamento da platibanda, as janelas levariam um pequeno frontão (o que não veio a verificar-se); demolir-se-ia a cimalha e construir-se-ia uma outra entre o 3º e 4º andar; no interior respeitar-se-ia o anterior projeto.

 

PROJETO INICIAL (1915)

 

Figura 20 e 21

 

ALTERAÇÕES AO PROJETO INCIAL (1915)

 

Figura 22 e 23

 

NOVAS ALTERAÇÕES AO PROJETO INICIAL (1915)

 

Figura 24 e 25

 

 

CONCLUSÃO

Por vezes a compreensão mais aprofundada da realidade construída não resulta tanto da consideração das obras ímpares, dos grandes edifícios, mas, sim, da análise atenta de prédios comuns ou, até, de alguns que, à primeira vista, passam facilmente despercebidos no conjunto urbano. Em especial quando se lida com o caso de Lisboa, cidade alvo de uma intervenção reconstrutiva após o terramoto de 1755 que disseminou um modelo predial imposto pelo poder político, facto do qual nasceu uma conformidade de prospetos que torna todos as construções deste período numa espécie de módulos repetitivos de um mesmo padrão. Mas, como este prédio do Carmo revela, essa uniformidade está bem longe de ser real, mal se penetra no interior de muitos deles. Cada caso é um caso e cada um deles pode mesmo abrir-se como uma verdadeira caixa de surpresas.

É o que se desvenda neste prédio, aparentemente irrelevante, no largo do Carmo. Como atrás se procurou chamar a atenção, este edifício "fala" por si e remete para a compreensão mais aprofundada da urbanização após 1755 de toda esta zona da cidade. Alguns detalhes construtivos, em especial no piso térreo, remetem para alterações sucessivas na definição urbanística do largo do Carmo, decorrente da eliminação de um troço da rua da Oliveira e da subida de cota de todo o logradouro público. Além disso, a inesperada existência de pátio nas traseiras, com um corpo abobadado de finalidade por esclarecer, desperta de imediato para a evidência da unidade de todo o quarteirão, inicialmente considerado como uma unidade urbanística que, nos seus pressupostos, remete para o modelo do quarteirão que então se dissemina a partir do projeto da Baixa, de 1758, embora aqui se trate de uma outra escala.

A consciência do quarteirão como definidor do conjunto em que este prédio se insere ganha outro relevo ao saber-se que todo ele resulta de uma mesma vontade, isto é, de um mesmo proprietário, neste caso o marquês de Pombal, protagonista cimeiro de todo o processo urbanístico que Lisboa conhece no pós-terramoto. As peripécias que envolvem a chegada da propriedade às mãos de Pombal e a forma como as alarga por aquisições sucessivas não deixam de iluminar quer a maneira - nem sempre «lisa» nos modos -, como Pombal se torna um dos maiores proprietários imobiliários de Lisboa, quer as formas específicas de câmbio de terrenos - em parte devido à existência dos morgadios, isto é, propriedade vinculada a fins específicos, quer, ainda, a definição muito rígida dos parâmetros da reconstrução e do respeito pelos seus ditames, aos quais não escapa o próprio Pombal.

Tudo isto concorre para transformar este prédio anódino e, até, aparentemente desinteressante para a abordagem exclusivamente externa, no motivador de um exercício que entrecruza diversas cambiantes de análise - o Urbanismo, a Arquitetura, o Direito que rege a comunidade, a Genealogia, a Sociologia e a História, seja ela parcial ou globalmente entendida – que constitui a diferença olisipográfica, ou seja, a certeza de que a cidade só pode ser captada quando se fazem incidir sobre ela todos esses focos de forma simultânea e unívoca.

Incaracterístico, num primeiro relance, este prédio do Carmo, quando «trocado por miúdos», revela-se como um interessante case study para se aceder à compreensão mais aproximada da realidade lisboeta neste período central da sua história.

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes manuscritas

 

Arquivo Histórico do Tribunal de Contas

Décima da Cidade, Livros de Arruamentos, mçs. 956 a 982

Erário Régio, Livro 2004

Arquivo Municipal de Lisboa

Cartulário Pombalino

Livro de cópias do tombo das propriedades do Bairro Alto arruinadas pelo terramoto de 1755 e termos de posse dos terrenos do mesmo bairro

Livro primeiro de tombo das propriedades foreiras à Camara da cidade de Lisboa

Processo de obra nº 11127

Processo de obra nº 25249

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Cartórios Notariais de Lisboa, Livros de Notas

4º Cartório, Livro 43

12º Cartório, Ofício B, Livro 138

Chancelaria de D. José, Livro 80

Desembargo do Paço, Corte e Estremadura, mç. 2161, nº 43

Inventários Orfanológicos, Letra J, mç. 386, nº 28

Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa, Bairro Alto

Tombo, Livro 5

Adjudicações e Posses, Livro 6

Registo Geral de Testamentos

Livros 166, 167, 373

Registos Paroquiais de Lisboa, Freguesia do Sacramento, Óbitos, Livro 9

Conservatória do Registo Predial de Lisboa

2ª Conservatória, Livros B25 e G3

Fontes Impressas

MENDONÇA, Francisco Xavier Teixeira de – Epilogo memorial, ou recopilação juridica da cauza que pende por embargos, sobre a successão do morgado que fica vago por falta de descendentes dos Snrs. D. Jorge Mascarenhas e D. Francisca de Vilhena, marquezes de Montalvão, a favor de Gonçalo Christovão Teixeira Coelho de Mello Pinto de Mesquita contra Sebastião José de Carvalho e Mello. Salamanca: Officina de Antonio Villar Gordo, 1743.i

MENDONÇA, Francisco Xavier Teixeira de – Petição de revista, que pedio Gonçalo Cristóvão Teixeira Coelho de Mello Pinto de Mesquita da sentença proferida a favor de Sebastião Joseph de Carvalho e Mello, sobre os morgados, que instituirão Pedro de Magalhães, e seu filho Simão de Mello: e por ficarem vagos por falta de descendentes dos últimos marquezes de Montalvão, se julgarão por final sentença no anno de 1705 a Martim Teixeira Coelho de Mello, senhor donatario da villa da Teixeira, e de Sergude, avô do supplicante. Lisboa: Officina de Francisco Luiz Ameno, 1750.

Bibliografia

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SILVA, Augusto Vieira da – Plantas topográficas de Lisboa. Lisboa: Oficinas Gráficas da Câmara Municipal, 1950.         [ Links ]

 

submissão/submission: 07/09/2014

aceitação/approval: 31/10/2014

 

Notas

1 Sendo vasta a bibliografia sobre Lisboa pombalina, refira-se, pela sua relevância, entre outras obras: FRANÇA, José-Augusto – Lisboa pombalina e o iluminismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1965; Monumentos. DGEMN. 21 (setembro de 2004). Dossiê dedicado à Baixa Pombalina; ROSSA, Walter – Além da Baixa: indícios de planeamento urbano na Lisboa setecentista. Lisboa: IPPAR, 1998; ROSSA, Walter; TOSTÕES, Ana (ed.) – Lisboa 1758: o plano da Baixa hoje. Lisboa: Câmara Municipal, 2008.

2Cf. SEQUEIRA, Gustavo de Matos – O Carmo e a Trindade. Lisboa: Câmara Municipal, 1939. 3 vol.

3 Cf. SEQUEIRA, Gustavo de Matos, op. cit.

4 Veja-se, por exemplo, o caso do edifício construído por Matias José de Castro, em 1769, na esquina entre a rua de São Julião e a rua do Ouro (MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira – Um sítio na Baixa: a sede do Banco de Portugal. Lisboa: Museu do Dinheiro; Banco de Portugal, 2013. p. 109-114).

5Cf. MATOS, José Sarmento de - Pombal, marquês de. In PEREIRA, José Fernandes (dir.) - Dicionário da arte barroca em Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 1989. p. 367-369. MATOS, José Sarmento de - Prédio urbano. In PEREIRA, op. cit., 379-381. MATOS, José Sarmento de Matos; PAULO, Jorge Ferreira – Estudo histórico e patrimonial: prédio de rendimento sito na praça de S. Paulo, 1 a 15. Lisboa: [s.n.], 2009. Inédito; PAULO, Jorge Ferreira – Nº 43-51, à Rua Nova do Carvalho: estudo histórico de um prédio pombalino. Lisboa: [s.n.], 2007. Inédito (estudo utilizado, em parte, por APPLETON, João G.; DOMINGOS, Isabel - Biografia de um pombalino. Lisboa: Orion, 2009).

6No século XVI esta pequena via é referenciada por "Rua do Capitão dos Ginetes" ou por "travessa que vai direita da porta principal do Carmo, pera a Trindade, por baxo de hum arco das casas do Capitão dos Ginetes" (AML, Livro primeiro de tombo das propriedades foreiras à Camara da cidade de Lisboa, f. 501v., 502v. e 509v.); no lado esquerdo do arruamento, indo do Carmo para a Trindade, tinha a Câmara de Lisboa duas pequenas propriedades, que então mantinha aforadas.

7 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Chancelaria de D. José, Livro 80, f. 323-323v.; ANTT, 4º Cartório Notarial de Lisboa, Livro 42, f. 33-35; ANTT, Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa, Tombo, Bairro Alto, Livro 5, f. 31v.-33, 50-54, 55v.-56, 59-60v. [Cf. Anexos II, III e IV].

8 Conhecem-se diversos prospetos referentes a várias destas propriedades (AML, Cartulário pombalino, doc. 35, 36, 37, 38, 52, 53, 54, 55): São Paulo, Cais do Sodré, São João da Praça, rua Nova da Sé, rua de São Crispim, rua do Grão Prior e calçada do Correio Velho.

9 Neste mesmo ano, em 1776, o marquês de Pombal obteve um alvará régio que lhe permitiu instituir uma casa para o seu filho segundo, José Francisco de Carvalho e Daun, conde da Redinha, dotando-a com três das suas grandes propriedades urbanas: a da Sé, junto à igreja da Madalena, a da rua da Alfândega (entre as ruas da Madalena e dos Fanqueiros) e a da rua de São Paulo, junto à "ponte nobre" (Arco Grande sobre a rua de São Paulo), desmembrando-as e desanexando-as dos vínculos em que estavam incorporadas (ANTT, Desembargo do Paço, Corte e Estremadura, mç. 2161, nº 43).

10 Cf. Teixeiras. In GAYO, Manuel Felgueyras - Nobiliário de famílias de Portugal. Braga: Ed. Carvalhos de Basto, 1990. tomo IX, p. 553.

11 Cf. MENDONÇA, Francisco Xavier Teixeira de – Epilogo memorial, ou recopilação juridica da cauza que pende por embargos, sobre a successão do morgado que fica vago por falta de descendentes dos Snrs. D. Jorge Mascarenhas e D. Francisca de Vilhena, marquezes de Montalvão, a favor de Gonçalo Christovão Teixeira Coelho de Mello Pinto de Mesquita contra Sebastião José de Carvalho e Mello. Salamanca: Officina de Antonio Villar Gordo, 1743.

12 Cf. Carvalhos. In GAYO, Manuel Felgueyras - op. cit., tomo III, p. 456-457.

13 Cf. MENDONÇA, Francisco Xavier Teixeira de - Petição de revista, que pedio Gonçalo Cristóvão Teixeira Coelho de Mello Pinto de Mesquita da sentença proferida a favor de Sebastião Joseph de Carvalho e Mello, sobre os morgados, que instituirão Pedro de Magalhães, e seu filho Simão de Mello: e por ficarem vagos por falta de descendentes dos últimos marquezes de Montalvão, se julgarão por final sentença no anno de 1705 a Martim Teixeira Coelho de Mello, senhor donatario da villa da Teixeira, e de Sergude, avô do supplicante. Lisboa: Officina de Francisco Luiz Ameno, 1750.

14 A medição e demarcação do Bairro Alto, que então incluía as freguesias do Sacramento, da Encarnação e de Santa Isabel, começaram oficialmente a 22 de março de 1756, embora na realidade só tivessem início um mês depois, em 22 de abril. No terreno, concretamente, principiou no "angollo do pillar da trauesa do Sacramento pera a Rua direita do chiado", tendo por intervenientes o desembargador José Carvalho de Andrade, ministro inspetor do Bairro Alto, António Félix Ribeiro do Amaral, oficial de engenharia, e o capitão Eugénio dos Santos e Carvalho, nomeado para pôr em curso a diligência imposta pelo decreto de 29 de novembro de 1755 no distrito daquele Bairro (ANTT, Juízo da Inspeção dos bairros de Lisboa, Tombo, Bairro Alto, Livro 5, f. 5v.-6v.).

15 Cf. Anexo II, com a identificação e descrição das aquisições de Pombal, respetivamente, na travessa do Arcebispo, na travessa da Marquesinha, na travessa do Arco de D. Manuel e na calçadinha que ia da Trindade para o Carmo, além das duas da rua da Oliveira, já na sua posse. As medições destas propriedades ocorreram nos dias 21, 28 e 29 de maio e dia 1 de junho, todas realizadas sob a orientação de Eugénio dos Santos.

16 ANTT, Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa, Adjudicações e Posses, Bairro Alto, Livro 6, f. 76 e 77.

17 ANTT, Chancelaria de D. José, Livro 80, f. 323-323v.; ANTT, 4º Cartório Notarial de Lisboa, Livro 43, f. 33 [v. Anexos III e IV].

18 ANTT, 12º Cartório Notarial de Lisboa, Ofício B, Livro 138, f. 34v.-36.

19 A identificação do proprietário dos dois prédios com frente à rua da Oliveira só então (7 de abril de 1774) é aposta em verba à medição de 1756, no livro do tombo, em que se lê "não constou quem hera o dono dela[s]" (ANTT, Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa, Tombo, Bairro Alto, Livro 5, f. 59v.-60). No mês seguinte, tudo é fundamentado no livro de adjudicações e posses: "que no dia primeiro de Nouembro de mil Setecentos Sincoenta e sinco em que foi o memorauel Terremoto e incendio que a elle Se seguio era o dito Ex.mo Seu constituinte [o marquês de Pombal] Senhor e pessuidor de duas propriedades de cazas misticas huma a outra descriptas debaixo dos n.os 3º e 4º das que se achavão no Lado do poente da Rua da Oliueira ao Carmo como ao depois justificou perante o dito Dezembargador Jnspector que por Seu despacho dado nos autos da Justificação mandou Se puzessem verbas no livro do tombo, e se puzerão com effeito a margem dos termos de Mediçoens das ditas propriedades de como pertencião ao dito Ex.mo Seu constituinte Sem prejuizo de 3º (...)" (ANTT, Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa, Adjudicações e Posses, Bairro Alto, Livro 6, f. 76-77).

20 ANTT, Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa, Adjudicações e Posses, Bairro Alto, Livro 6, f. 76-77.

21 Arquivo Histórico do Tribunal de Contas (AHTC), Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 961 e 962. João da Costa Soares só aqui esteve um ano (1777); Arnaldo Dorme, holandês, aqui ficou de 1777 a 1780; Luís Rebelo Quintela, de 1777 a 1781, ocupando dois destes quartos, juntamente com o sobrinho Joaquim Pedro Quintela, que a partir de 1782 passou a ocupar os dois sozinho. No ano de 1777 pagavam todos 600.000 reis pelo arrendamento do respetivo quarto, que ocupavam na totalidade, sendo estas propriedades as de maior valor patrimonial, com frente para o Carmo.

22 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 962.

23 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 962 a 964.

24 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 962, f. 44v.

25 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 962, f. 33.

26 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 962, f. 41.

27 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 963, f. 59.

28 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 963, f. 50.

29 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 964, f. 38.

30 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 964, f. 45.

31 AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 964, f. 44.

32ANTT, 12º Cartório Notarial de Lisboa, Ofício B, Livros de Notas, Livro 138, f. 34v.-36.

33AHTC, Erário Régio, Livro 2004, f. 34v.

34Conservatória do Registo Predial de Lisboa (CRPL), 2ª Conservatória B25, f. 93.

35CRPL, 2ª Conservatória B25, f. 93 e Livro G3, f. 95.

36Cf. SEQUEIRA, Gustavo de Matos - op. cit., 2ª ed., vol. III, p. 234; CASTILHO, Júlio de – Lisboa Antiga: o Bairro Alto. 3ª ed. Lisboa: Câmara Municipal, 1954. vol. 1.

37AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 972 e 973.

38AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 973 a 977.

39AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 962, f. 41.

40ANTT, Chancelaria de D. José, Livro 80, f. 323-323v.i

41AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mç. 972.i

42AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 972 e 973.

43AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 974 e 975.

44AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 972 a 982.

45ANTT, Registo Geral de Testamentos, Livro 373, f. 62-63v.

46ANTT, Registos Paroquiais de Lisboa, Freguesia do Sacramento, Óbitos, Livro 9, fl. 32v.

47AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 978 a 980. ANTT, Inventários Orfanológicos, Letra J, mç. 386, nº 28.

48AHTC, Décima da Cidade, Freguesia do Sacramento, Livros de Arruamentos, mçs. 981 e 982.

49ANTT, Registo Geral de Testamentos, Livro 166, f. 49v.-50v. e Livro 167, f. 1v.-12.i

50 Em anexo pode ver-se a identificação de todos os proprietários do prédio (Anexo I).

 

 

ANEXOS

I - Proprietários do prédio do largo do Carmo, 8-10

1º Marquês de Pombal (1777-1782)

2º Marquês de Pombal (1782-1805)

Francisco da Silva Vieira (1805-1819)

Jerónimo da Silva Vieira (1819-1827)

D. Ana Maria de Jesus (1828-1833...)

Manuel Moreira Garcia

Domingos Moreira Garcia

Associação Protetora das Crianças

Patronato da Associação Protetora das Crianças

Fundação AJB - A Junção do Bem

 

II – 1756, Lisboa

Medição e descrição (em palmos) das propriedades adquiridas (ou na posse) do marquês de Pombal para formar o seu quarteirão composto por vários prédios de rendimento.

ANTT, Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa, Tombo, Bairro Alto, Livro 5.

 

Tabela

 

III - 1776, janeiro, 22, Lisboa

Provisão régia passada a favor do marquês de Pombal. Instrumento [treslado] com o teor da provisão passada em 16/04/1776.

ANTT, 4º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de notas, Livro 42, f. 33-35.

 

(...) Dom Jozeph por Graça de Deus, Rey de Portugal, e dos Algarves, daQuem, e daLem Mar, em Africa Senhor de Guiné, Etca. Faço Saber, que o Marquez de Pombal me Reprezentou por sua Petição: que entre os bens do Morgado, que instituira Simão de Mello e Magalhaens, de que o Suplicante era Administrador, se comprehendião, como cabeça delle, humas cazas amplas, e nobres, si/tas na cidade de Lisboa, defronte da Jgreja, e Convento dos Relligiozos Carmelitas Calçados; as quaes pelo Terramoto, e incendio do primeiro de Novembro de mil, setecentos, cincoenta, e cinco, foram não Só destruhidas, sem dellas ficar mais do que o terreno queimado. E porque o Suplicante para levantar as ditas cazas, em beneficio publico do prospecto da Cidade, com utilidade particular dos Bens Vinculados da Sua Caza, tinha justo a venda de seis Apolices, que possuhia na Companhia Geral de Pernambuco, e Parayba, pertencentes ao Morgado de Lucenas, de que hera Administrador, pelos preços dos Seus actuaes Capitaes, que pertendia aplicar à factura das ditas cazas, por se lhe Seguir mayor utilidade. Me pedia lhe fizesse mercê conceder faculdade para a alheação das referidas Apolices, não obstante Serem de Vinculo, e confirmar a Subrogação, que o Suplicante fazia dellas, a beneficio da dita obra, para a qual já tinha acomulado a mayor parte dos materiaes, com com despeza Concideravel. E visto o que alegou, consentimento, que deu para esta venda, e Subrogação, o Conde de Oeyras, immediato Successor da Caza do Marquez Suplicante seu Pay. E tendo concideração ao mais, que me foi prezente, em consulta da Meza do Meu Dezembargo do Paço: Hey por bem conceder ao Suplicante as Faculdades, que pede para poder vender as Seis Apolices, de que faz menção, sem embargo de Serem vinculadas, e das clauzulas da Sua instituição, ficando subrogado o Capital das ditas Apolices, nas referidas cazas, que tem mandado reedificar, e unido, e vinculado ao mesmo vinculo o Sobredito capital, e livres, e izentas delle as ditas seis Apolices. E esta Provizão se cumprirá inteiramente, como nella Se contém, e valerá posto que Seu effeito haja de durar mais de hum anno, sem embargo da Ordemnação do Livro Segundo, titulo quarenta em contrario; e Se trasladará na Escriptura, que se fizer desta venda, e Subrogação, no Tombo, e insti/tuição do dito Morgado, para constar a todo o tempo, que assim o houve por bem; e deu fiança no Livro primeiro dellas a folhas duzentas, e nove verso, a pagar os novos direitos, que dever desta merce, como constou por conhecimento em forma, assignado pelos officiaes dos mesmos direitos. El Rey Nosso Senhor o mandou por seu especial Mandado pelos Ministros abaixo assignados do Seu Conselho, e Seus Dezembargadores do Paço: Jozeph Anastacio Guerreiro a fez em Lisboa a vinte, e nove de Janeiro de mil, Setecentos, Setenta, e Seis. Antonio Pedro Vergollino a fez escrever // Pedro Viegas de Novaes // Joseph Ricalde Pereira de Castro //. Por Rezolução de Sua Magestade de vinte, e dous de Janeiro de mil, Setecentos, Setenta, e Seis; tomada em consulta do Dezembargo do Paço. // Antonio Joseph de Affonceca Lemos // Pagou quinhentos e quarenta reis, e aos officiaes nada por quitarem. Lisboa trinta de Janeiro de mil, setecentos, Setenta, e Seis. // Dom Sebastião Maldonado // Registada na Chancellaria Mór da Corte, e Reyno no Livro de Officios, e Merces a folhas trezentas, Setenta, e quatro verso. Lisboa trinta de Janeiro de mil, Setecentos, setenta, e seis // Jeronimo Joseph Correa de Moura //. (...)

 

IV - 1776, dezembro, 04, Lisboa

Provisão de confirmação de venda de bens pertencentes ao morgado da rua Formosa ficando a ele subrogadas as casas que com o seu produto se edificava junto ao convento do Carmo de Lisboa.

ANTT, Chancelaria de D. José, Livro 80, f. 323-323v.

 

Dom Jozé Etca. Faço saber que o Marques de Pombal, me Reprezentou por sua petiçam que entre os bens do Morgado, instituido por Simão de Melo, e Magalhães, de que o Supplicante era Administrador, Se comprihendião como Cabeça delles, huas Amplas, e nobres casas, Sitas na cidade de Lisboa defronte da Jgreja, e convento dos Religiozos Caramelitas Calçados, as quais pelo Terramoto, e incendio do primeiro de Novembro de 1755, forão não Só distruidas, mas inteiramente aniquiladas Sem dellas ficar mais, do que o terreno queimado. E porque o Supplicante para levantar as Referidas Casas, em beneficio publico do Prespecto da Cidade, e em utilidade particular dos bens vinculados de que era Administrador, tinha vendido hum Prazo na villa da Ega. Humas terras no Campo de Freixede, e Abadinhas, no termo de Monte Mor o Velho, e outras no Campo de Alencarce, no termo de Soure ao Dezembargador João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, pello preço de 6.335.000 reis que seus Jrmãos o Cardeal de Carvalho e Francisco Xavier de Mendonça Furtado deicharão vinculadas ao Morgado da Rua Formoza; Outras propriedades sitas na Villa de S. João da Pesqueira, e outras Villas, e lugares da Comenda de Pinhel a João Manoel de Castro e Sande pello preço de 2.800.000 reis; e outras terras Sitas na Villa de Sernachelhe, e outros lugares daquellas Vizinhanças a Francisco Xavier de Moraes de Figueiredo por 1.600.000 reis Sendo os Referidos bens pertencentes ao mesmo morgado da Rua Fermoza; o qual tinha grande discomodo, na arrecadação de todos os Refferidos bens, emtão grandes distancias, e notoria conviniencia, em Receber os Rendimentos delles na dita propriedade que hia Reedificar, quazi dentro em Sua Casa. Pedindome lhe fizece merce conceder faculdade para as Atuações de todos os Sobreditos bens, não obstante Serem de Vinculo; e confirmar a Sobrogação, que o Supplicante fazia delles na obra, para que ja tinha acomolado a major parte dos matriaes, com despeza, / ou igual, ou major do que o valor das Sobreditas Vendas, ficando o novo edificio pertencendo ao dito Morgado da Rua Fermoza; Cujas erão as propriedades vinculadas; e visto o que alegou, e concentimento que prestou o Conde Oeiras [sic] Jmmediato Sucessor da Casa; e morgados do Marques Supplicante da Casa, digo Seu Pay; e a vista da notoria, e evidente utilidadie que Rezulta ao ditio Morgado das vendas, que tem feito, e da aplicação que quer fazer dos preços dellas, paria a Reedificação das Casas de que Se trata; ao que tendo concideração, e ao mais, que me foi prezente em Consulta da Meza do Meu Dezembargio do Paço; Hey por bem fazer merce ao Marques Supplicantie de autorizar as Vendas de que se fas menção, e de as confirmar, como com efeito confirmo, e hey por confirmadas Sem embargo de Serem feitas de bens de morgado, e de quaisquer Clauzulas da sua instituição; ficando o novo ideficio, que o Supplicantie tem mandado vincular digo Reedificar defronte da Jgrejia, e Convenito dos Religiozos Caramelitas Calçados desta Cidadie unido, e vinculado, e pertencendo ao ditio Morgado da Rua Formoza; Cujas erão as propriedadies Vendidas; e estas livres, e izentas do mesmo Morgado; e esta Provizão Se cumprirá como nella Se contem, posto que Seu efeito haja de durar mais de hum anno, Sem embarigo da Ordenação em contrario, Liviro 2º digo da ordenação do Liviro 2º Tiituilo 4º em contrario, e Se tresladará na Escriptura que se fizer desta Sobrogação, no Tombo, e instituição do dito Morgado, e aonde mais pertencer para constar a todo o tempo, que aSim o houve por bem; E pagou de novos Direitos 107.350 reis (...) El Rey Nosso Senhor o mandou por seu espicial mando pellos Ministros abacho aSinados do seu Conselho e Seus Dezembargadores do Paço. Jozé Anastacio Guerreiro a fez em Lisboa a 4 de Dezembro de 1775. desta gratis. Francisco de Azis da Silva Padilha e Sexas a fez escrever // Bartolomeu Jozé Nunes Cardozo Giraldes // Jozé Ricalde Pereira de Castro // Por Rezolução de Sua Magestade de 22 de Novembiro de 1775. tomada em consulta do Dezembarigo do Paço // Antonio Jozé de Afonseca Lemos // Pagou 400 reiis aos officiaies Nada por quitarem. Lisboa 5 de Dezembiro de 1775 // D. Sebastião Maldonadio // Jeronimo Jozé Correia de Moura //i

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