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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-2176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.1 Lisboa jun. 2014

 

ARTIGO

Da relevância dos Livros de Cordeamentos no estudo da arquitetura de Lisboa – O caso do palácio Sanches de Brito

The Livros de Cordeamentos relevance in the study of Lisbon architecture – The case of the Sanches de Brito Palace

José Sarmento de Matos*, Jorge Ferreira Paulo**

 

RESUMO

O estudo do universo construído da cidade passa, inevitavelmente, por uma análise detalhada dos vários núcleos arquivísticos, quer se encontrem no Arquivo Nacional da Torre do Tombo ou noutros arquivos de Estado, quer sobretudo aqueles que permanecem à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa. É neste último acervo que se destacam os Livros de Cordeamentos, cuja utilização pelos estudiosos nem sempre tem sido realizada de forma sistemática. No entanto, são uma fonte preciosa de informações, em especial por registarem os requerimentos ao Senado da Câmara para a realização de obras, requerimentos depois informados com despachos e detalhes construtivos da maior importância para o conhecimento preciso da época exata e pormenores dos programas de obras. No caso que aqui se revela, do palácio Sanches de Brito, ao Campo de Sant’ Ana, o requerimento datado de 1748 permite sem qualquer dúvida datar a construção do atual edifício, cuja história particular andava enredada nos informes inscritos no século XIX numa placa existente no interior.

 

PALAVRAS-CHAVE

Lisboa / Cordeamentos / Palácio / Construção / Arquitetura civil

 

ABSTRACT

The study of the built city universe passes, inevitably, through a detailed analysis of the various archival cores, whether they're in Arquivo Nacional da Torre do Tombo or other State archives and, above all, those which remain in the Arquivo Municipal de Lisboa custody. It is in this latter collection that the Livros de Cordeamentos stand out, whose use by scholars has not always been performed systematically. However, they are a valuable source of information, in particular for recording the requirements to the Senate Chamber for the execution of works, which were later informed with orders and construction details of the utmost importance for the accurate knowledge of the exact time and details of works programs. In the case that here arises - the Sanches de Brito Palace, by the Campo de Sant'Ana - the application, dated from 1748, allows, undoubtedly, to date the construction of the actual building , whose particular history was entangled in registries graved in the nineteenth century on an existing plate inside.

 

KEYWORDS

Lisbon / Cordeamentos / Palace / Construction / Civil architecture

 

 

INTRODUÇÃO

No âmbito do grupo de trabalho sobre a Colina de Sant’ Ana foram realizados vários estudos históricos e patrimoniais sobre imóveis notáveis existentes na zona abrangida. Entre outros, destacam-se o palácio Sanches de Brito, objeto do presente trabalho, e o palácio Miranda Henriques, seu vizinho (em parte a atual embaixada da Alemanha)1. Esses estudos preliminares, um dos quais em parte serve de base ao presente artigo, estão inseridos no documento genérico do referido grupo de trabalho, disponível no sítio da Câmara Municipal de Lisboa2. Como o conhecimento pormenorizado da construção do palácio de que em seguida se trata remete para a informação importante contida nos Livros de Cordeamentos, parece pertinente aproveitar o ensejo para valorizar a importância desse acervo para o estudo mais seguro do património de Lisboa.

A história do magnífico edifício do Campo de Sant’Ana, que hoje se pode designar por Sanches de Brito, dado o nome da família responsável pela construção e sua proprietária ao longo de mais de dois séculos, estava condicionada à partida por uma informação que se encontra gravada numa lápide oitocentista sobre uma das portas no patamar da escadaria. Segundo esse informe, que não permite desvendar a fonte do conhecimento que ainda hoje proclama, o edifício teria sido construído em 1730 sendo seu arquiteto João Frederico Ludovice (1673-1752). Mesmo que alguns autores mais familiarizados com a construção da segunda metade do reinado de D. João V colocassem algumas dúvidas a essa informação, a verdade é que o seu tom tão afirmativo levava, na maioria dos casos, à repetição acrítica da mesma, sem sequer se procurar saber o nome do proprietário responsável pela construção, sempre um inominado desconhecido3.

Ora, a resolução da questão, da maior importância para uma correta abordagem da arquitetura civil lisboeta anterior ao terramoto, estava bem guardada no infindável espólio “escondido” do Arquivo Municipal de Lisboa.

Os Livros de Cordeamentos, registo de vistorias do Senado da Câmara em obras privadas, são um verdadeiro tesouro para o conhecimento do processo de construção ou reconstrução de alguns edifícios de Lisboa, pois guardam a documentação relativa às peritagens/medições realizadas pelos responsáveis municipais, num registo rigoroso que não deixa lugar para dúvidas4. Assim, no respeitante a esta propriedade, ficamos a saber que em 1748 foi deitado abaixo o edifício anterior da família Sanches de Brito, sendo dada a autorização para a construção de um novo, cuja descrição do corpo central corresponde ao atual. Portanto, não só se pode corrigir o conteúdo da referida placa existente no interior, datando a construção com mais precisão de 1748, como inclusive se fica a saber o nome do construtor, um dos membros da referida família, que deteve a propriedade por várias gerações, antes e depois da realização desta construção final, em 17485.

À semelhança deste caso em apreciação, a mesma fonte - os citados Livros de Cordeamentos - permite ainda precisar com maior acuidade o estudo de edifícios já abordados em trabalhos anteriores ou em vias de realização.

É relevante, por exemplo, a informação constante no referido núcleo documental relativa à obra do palácio de Vasco Lourenço Veloso, na rua da Cruz de Santa Apolónia, estudado na obra Guia Histórico do Caminho do Oriente, cuja data certa de construção então se desconhecia, apurando-se então que o negociante de grosso trato já vivia no arruamento desde o verão de 17326. No entanto, por um requerimento interposto por aquele ao Senado da Câmara, inserto no Livro dos Cordeamentos, fica-se a saber que em 1734 as fachadas das suas “cazas nobres” estavam arruinadas e as queria “botar abaxo para as fundar de nouo, no mesmo citio em que se achão, e abrir sacadas, o que não pode fazer sem Licensa deste Senado”7(Figura 1).

 

8

 

Importa ainda realçar as informações relativas a dois edifícios palacianos inseridos no levantamento patrimonial em curso na Colina de Sant’Ana, estudos que acompanham o trabalho relativo ao palácio Sanches de Brito, adiante tratado9.

O primeiro é o palácio Melo, na rua de Santo António dos Capuchos, que é hoje parte integrante do conjunto hospitalar da mesma designação, notável edifício da primeira metade do século XVIII que a informação contida nos Livros de Cordeamentos permite datar de 1726, de acordo com a indicação recolhida no requerimento ao Senado da Câmara, em que se lê que D. João de Melo e Abreu, o construtor, queria “acabar as suas cazas que tem principiado pello mesmo estrossimento que tem do quarto novo que está feyto”10. Esta informação permite apurar a datação das encomendas posteriores da notável azulejaria das salas e escadaria do palácio, decorada com as armas de Melo e Abreu.(Figura 2)

 

11

 

O segundo é o palácio Quífel Barberino (depois Pais do Amaral/Alverca por casamento), hoje Casa do Alentejo, na rua das Portas de Santo Antão, propriedade cuja história particularizada era ainda desconhecida, podendo hoje não só datar-se a sua construção, como registar com mais segurança os sucessivos proprietários. Num requerimento inserto nos mesmos Livros de Cordeamentos, interposto por Luís Quífel Barberino12 e datado de 1734, afirma-se que “elle hé Senhor, e pessuidor de huma propriedade de cazas citas na Rua direita daNunçiada e seu Jrmão Manoel quifel. E porquanto se nesseçita deitar a frontaria abaixo por estar aruinada e nella se hão de meter algumas genelas de sacadas”13.

Estes dois exemplos são do maior relevo para a compreensão da arquitetura praticada em Lisboa no período joanino, pois ambos os casos refletem ainda a continuidade dos modelos palacianos aristocráticos definidos em finais do século XVII, sem qualquer influência da estética do barroco romano que o rei se esforçava por introduzir em Lisboa, sobretudo a partir do início das obras de Mafra, em 1716. (Figura 3)

 

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Como estes exemplos bem demonstram, é da maior relevância para o avanço seguro da história da cidade todo o trabalho de estudo e divulgação deste inestimável património pertencente ao Arquivo Municipal, como é o caso dos Livros de Cordeamentos, que se mantêm como um território desconhecido para muitos que se debruçam sobre a história da cidade de Lisboa15. Para reforçar esta ideia junta-se em seguida o essencial do estudo já realizado sobre a evolução histórica da propriedade e das fases de construção do palácio Sanches de Brito, no Campo de Sant’Ana, com particular incidência na campanha de obras original. Até hoje designado por palácio do Patriarcado, por aqui ter sido a residência dos patriarcas de Lisboa a partir de 1914, é merecedor de uma identificação mais apropriada sendo-lhe restituída a designação da família que o edificou e a ele esteve ligada durante mais de dois séculos.

 

PALÁCIO SANCHES DE BRITO

EDIFICADA, 1730, ARCHITECTO-LUDOVICE QUE O FOI DO PALACIO DE MAFRA. RESTAURADA E ACCRESCENTADA SOB A DIRECÇÃO DE J. A. SANTOS CARDOZO J. FELIX DA COSTA A. MOREIRA RATTO. 1867

De acordo com a inscrição existente na placa sobre uma porta do primeiro andar deste edifício, o palácio terá sido construído em 1730 sob a direção do arquiteto João Frederico Ludovice, que o foi do Palácio de Mafra, sendo restaurado em 1867. Foram encontradas referências a esta propriedade nos antepassados da família Sanches de Brito desde finais do século XVI, estando a mesma na posse de Álvaro Sanches de Brito já nos inícios do século XVIII 16. Este facto poderia corroborar a informação contida na placa, datando o edifício de 1730 e indicando o nome de J. F. Ludovice. No entanto, esta informação, que não revela a fonte primordial em que se baseou, é contraditada por um documento de 1748, constante de um Livro de Cordeamentos.

De facto, conforme o requerimento interposto pelo capitão de mar e guerra João da Costa de Brito, filho de Álvaro Sanches de Brito, ele era Senhor de huma propriedade de cazas sitas no Campo do Corral as quaisquer demolir e no mesmo chão fazellas de novo (...)17, solicitando pois a respetiva vistoria. Nesta conformidade, em 30 de abril de 1748, três dias depois do requerimento apresentado, os oficiais do regimento mais o escrivão do tombo dos bens e propriedades do Senado da Câmara, o vereador detentor do pelouro das obras e o procurador da cidade, foram

ao Campo do Curral a ver a obra que em huas cazas que ahi tem pertende mandar fazer o Capitão de mar, e guerra João da Costa e Brito contheudo na petição retro nas quais se fez vestoria, e hade mandar fazer a obra na forma seguinte: Estas cazas estrocem dereito com as paredes das cazas vezinhas, e por este estrocimento hade abrir os alicerces da parede da frontaria sacada no meio aonde hade fazer o portico com hua janela de cada banda palmo, e quarto para mayor formosura, e melhor semetria das ditas cazas, e nellas hade fazer janelas de sacada em altura de dezaseis palmos. E hade fazer hum tilheiro para lavrar pedra defronte das ditas cazas de trinta palmos de comprido, e vinte, e dous de Largo obrigandose o Mestre a desmanchalo Logo depois de acabada a obra (...) 18.

A descrição contida no documento do novo corpo central da frontaria sacada (isto é, saliente) é perfeitamente condizente com a construção ainda hoje existente. Além disso, o pedido de construção fronteiro de um telheiro de obra provisório pode corroborar que a obra desejada implicava um estaleiro considerável, sobretudo para a execução do trabalho elaborado de toda a cantaria, que ainda hoje é a marca mais significativa desta bela fachada.

Aquilo que se pode afirmar com segurança documental é que no início do século XVIII havia umas casas onde habitava Álvaro Sanches de Brito, casas essas que seu filho, João da Costa de Brito, fez demolir e substituir por outras com uma fachada com um corpo central saliente. Aliás, as características arquitetónicas do edificado apontam para data mais tardia de 1730, como se dirá adiante, levando outros autores a atribuírem o edifício ao arquiteto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785), discípulo de Ludovice19. Curiosamente, o nome de Mateus Vicente surge num contrato de 1756 a trabalhar no palácio de J. J. de Miranda Henriques, mesmo ao lado deste20.

(...) se obriga o dito mestre a fazer todos os desmanchos que forem presizos a sua custa levantando de novo as paredes que se julgarem persizas e necessarias como tãobem fazer a semalha da frontaria de novo na altura que lhe for dada pello risco do sargento mor Matheus Vissente ao que elle senhorio detriminar e mandar (...)21.

Fazendo fé na informação documental, que melhor se ajusta até à leitura arquitetónica, o palácio atual dos Sanches de Brito data, pelo menos, de 1748, de qualquer forma anterior ao terramoto de 1755, pois nos registos da Décima da Cidade, a partir de 1762, o palácio encontra-se sempre habitado, sem menção explícita a obras maiores ou reconstrução, como acontece na esmagadora maioria dos casos. Portanto, como muitas outras construções nesta parte da cidade e mais especificamente na parte de cima do Campo, não foi afetada pelo sismo22.

Seria que as casas de residência de Álvaro Sanches de Brito foram objeto de uma intervenção de Ludovice, em 1730? É pouco provável que uma obra realizada sob a orientação de Ludovice, por certo de monta, fosse demolida dezoito anos depois, em 1748, para dar lugar a novo edifício, aliás bem aparentado com o gosto introduzido e difundido em Lisboa pelo mesmo mestre alemão. Aliás, Ludovice ainda estava vivo em 1748, pelo que poderá ter indicado o seu discípulo Mateus Vicente para dirigir o projeto. Esta afinidade poderá ter induzido em erro os autores dos restauros datados de 1867, afixando na placa a informação da autoria de Ludovice e a data de 1730.

Os membros sucessivos da família Sanches de Brito foram proprietários e construtores, sendo o primeiro ligado documentalmente ao Campo de Sant’ Ana (ou do Curral), no século XVIII, Álvaro Sanches de Brito. Aqui nasceu (1656)23 e viveu vários anos, intercalando a residência com a quinta de Caparide, à semelhança do que fizera seu pai, sendo que ao longo das quatro primeiras décadas de Setecentos vários documentos o dão como residente ao Campo de Sant'Ana, onde viria a morrer em 174124(Figura 4).

 

 

A Álvaro Sanches de Brito sucedeu o filho João da Costa de Brito, que manteve residência na casa sendo o primeiro proprietário citado nos registos da Décima da Cidade, logo em 1762, e depois o filho deste, José Sanches de Brito, que permaneceu na propriedade mesmo durante o período em que, ao que parece, promoveu umas obras nas casas grandes, referenciadas por acabar (1768) ou hum quarto nobre por acabar (1769)25.

O arrendamento da propriedade em vários anos da década de 1770, primeiro ao cônsul da Rússia, por 400.000 reis, durante quatro anos (1773-76), e de seguida ao bispo de Elvas, certamente por razões de ordem financeira devido à dimensão das suas dívidas, parece indiciar que a obra entretanto se concluiu 26. Pouco depois, logo em 1780, José Sanches de Brito regressou às casas do Campo de Sant'Ana, aí sendo referenciado até 1801, ano em que provavelmente faleceu, pois após essa data é já referida a herança de José Sanches de Brito como proprietária27. Certamente, terá ficado como herdeiro principal o seu filho Álvaro Sanches de Brito28.

É possível que estas campanhas de obras citadas (1768/9) se refiram exclusivamente ao corpo de tardoz, sob o pátio com entrada pela rua de Santo António dos Capuchos, construído mais tardiamente. Esta hipótese é reforçada por um cordeamento realizado em 4 de julho de 1758, depois de José Sanches de Brito pedir licença para realização de obras na sua morada de cazas na rua de Santo António dos Capuchos, a fim de as reedefficar, e nellas por sacadas29. Mais explicitamente, fazer cazas onde era quinta.

Os Sanches de Brito constituem uma família de Lisboa com ligações estreitas aos Mendes de Brito, residentes no seu palácio do Carmo, riquíssima família de raiz cristã-nova, estigma este ainda bem presente em meados do século XVIII, como se verifica nos processos de habilitação e suas provanças de limpeza de sangue, em que o zelo dos inquiridores recorrentemente se deparava com a informação de que a fama de christam novice sempre houve na familia dos Britos, com toda a fundamentação genealógica testemunhal para o comprovar30.

O avô do primeiro Álvaro, Nuno Dias de Brito (Sanches, segundo Felgueiras Gaio31), casou com a herdeira de um Diogo Mendes de Brito, neta de Simão Pires de Solis, figura de proa da comunidade cristã-nova de Lisboa na primeira metade do século XVII, que terá sido o responsável pela aquisição da propriedade ao Campo de Sant'Ana, em finais do século XVI, em 1592. Já no segundo quartel do século XVII aqui viveu algum tempo Nuno Dias de Brito e depois a sua viúva - junto a Santo Antonio dos Capuchos as cazas em que vive Biatris da Costa de Brito veuva de nuno dias de Brito 32 (1630). Um dos seus filhos, Francisco de Brito Sanches, pai de Álvaro Sanches de Brito, residiu aqui ao Campo do Curral bem como na sua quinta de Caparide, onde viveu vários anos. (Figura 5)

 

 

Os mencionados membros desta família Sanches de Brito, nos finais do século XVII e ao longo do século XVIII, destacaram-se nas lides marítimas, como oficiais de marinha de guerra, como coronéis de mar e capitães de mar e guerra. O primeiro, Álvaro, chegou a ser governador da fortaleza de São Lourenço da Barra (Cabeça Seca) 33; o filho, João da Costa de Brito chegou a capitão de mar e guerra, com uma carreira militar que ultrapassou os 40 anos ao serviço da armada34.(Figura 6)

 

 

Por fim, José Sanches de Brito, fidalgo da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo, chegou a almirante da Armada Real. Este último, José Sanches de Brito, contudo, deparou-se com dificuldades ou impedimentos na sua habilitação na Ordem de Cristo, sendo mesmo considerado inábil para o efeito. Este julgamento resultou da sua condição de filho natural de mãe concubina do Pay, o mesmo se passando com a avó paterna relativamente ao avô paterno, com o avô materno despenseiro das naus da coroa e a avó materna mulher de segunda condição35. Assim, viu-se forçado a recorrer à boa vontade régia através de petição em que expôs que a mercê do hábito lhe provinha dos serviços prestados no Paço por sua mulher, D. Luísa Margarida Leonor de Weinholtz, no foro de açafata, situação em que o rei costumava dar a dispensa necessária, pois a mercê seria para o marido com quem fosse casada36

Destacaram-se igualmente pela posse de inúmeros bens (propriedades, quintas, etc.37) e o último, José Sanches de Brito, defrontou-se com vários processos por dívidas acumuladas, cuja natureza é explicada pelo próprio em petição ou súplica dirigida ao monarca, aludindo ao pai e ao avô, afirmando que apesar do

laboriozo serviço do mar que principiarão e acabarão a vida chegando qualquer delles ao posto de Coronel de Mar e contraindo ambos importantes dividas de que os não puderão livrar os incertos intereces do Real Serviço passarão estas ao supplicante como hereditarias, obrigando-se ao pagamento de todas, de que não tem podido libertar-se (...)38.

Chegou mesmo a pedir ao rei um juiz para administrar a sua Casa para durante cinco anos se recompor sem ter de atender aos credores, a quem devia mais de oito contos de reis. Isto no ano de 1769, em que parece concluir as obras na propriedade. Devia então, só ao seu maior credor, a quantia de 47.000 cruzados, 15.000 dos quais só em juros. Num documento relativo a um processo de dívidas, datado de 1769, José Sanches de Brito refere expressamente:

Humas casas nobres no Campo de Santa Anna, que arrendadas, rendem quinhentos e cinquenta e oito mil reis; Humas casas na rua de Santo António, para doze moradores, que arrendadas todas rendem duzentos e setenta e dois mil réis; Humas casas grandes a S. Cristóvão que lhe pagão de foro oitenta mil reis 39.

É relevante notar que apesar de contíguas, as duas partes deste conjunto são tratadas ao tempo como propriedades distintas, uma no Campo de Sant’Ana e a outra, na traseira, abrindo autonomamente para a rua de Santo António dos Capuchos, subdividida em doze moradas, chegando a ser referenciadas como infenitas cazas de acomodações.

Para se acompanhar a estrutura setecentista da propriedade, dever-se-á compulsar a descrição constante de uma vistoria realizada em 1770, a pedido do proprietário José Sanches de Brito, para efeitos da avaliação das casas então hipotecadas40.

Pelo menos até 1833, a propriedade manteve-se na família, sendo mais tarde vendida à família Costa Lobo, responsável pela campanha de obras de 1867, como parece indicar a existência do seu brasão de armas em ferro sobre a porta de entrada. Nestas obras ter-se-ão provavelmente acrescentado alguns elementos decorativos em pedra, sobretudo em torno da mesma porta axial, bem como a balaustrada sobre a cornija e as estátuas que a coroam. (Figura 7)

 

 

No princípio do século XX esteve instalada no palácio a embaixada da Alemanha, ao tempo que era embaixador o conde de Tattenbach, que aqui deu grandes festas, sobretudo aquando da visita a Lisboa do Kaiser Guilherme II. Depois, um dos membros da família Costa Lobo doou a sua parte do edifício à Misericórdia de Lisboa, vindo este a ser arrendado para instalação da residência do patriarca de Lisboa, em 1913. A outra parte acabou por ser adquirida pelo cónego Manuel Anaquim e pelo padre António Joaquim Alberto que depois arremataram a parte da Misericórdia (1923/24), mantendo-se o Patriarcado na sua posse até tempos recentes 41.(Figura 8)

 

 

 

ANÁLISE ARQUITETÓNICA

Não existe qualquer referência documental coeva relativa à origem da informação registada na lápide existente no interior do edifício, inserida na sequência das obras de 1867, segundo a qual o palácio foi construído em 1730 e foi seu arquiteto João Frederico Ludovice, responsável pelas obras do convento de Mafra. A tipologia do edifício poderá corroborar essa informação, pois bastará comparar esta elegante fachada com o desenho daquela que Ludovice concebeu para a sua casa/nobre/prédio do Bairro Alto, sobre São Pedro de Alcântara. Em ambos os casos estamos perante uma das mais marcantes novidades do período joanino, isto é, o palácio com dois andares nobres, ambos de janelas de sacada, contrariando a prática tradicional do palácio com um único andar nobre, hierarquizado de forma ostensiva em relação ao restante conjunto.

Como a fachada da casa/prédio de Ludovice data de 1747, como está registado na própria fachada, a fazer fé na placa atrás citada, este palácio do Campo de Sant’ Ana seria anterior dezassete anos, ganhando por isso foros de pioneirismo na afirmação desse novo formulário estético, com profundas implicações na orgânica interna do próprio edifício e na sua relação com o espaço público. Uma arquitetura preocupada em revelar novos valores urbanos, em certa medida antecessora do futuro prédio/nobre pombalino. Olhando-a, todavia, com alguma atenção, essa datação tão precoce parece pouco plausível.(Figura 9)

 

 

Na verdade, é sempre perigoso aceitar como definitivas as informações contidas em registos bastante mais tardios, e sem referirem qualquer base documental segura. Esta espécie de diz-se que deverá sempre que possível ser confrontado com eventual documentação existente, como neste caso se passa com os livros de cordeamentos, registo precioso tantas vezes esquecido. Ora, segundo esta fonte, no ano de 1748 é realizada uma vistoria municipal à obra em curso nas casas de João da Costa de Brito, para acompanhar a demolição do edifício existente e a construção da nova fachada, com um corpo central saliente, com um portal ladeado por duas janelas de peito, como ainda lá está. Este documento não dá qualquer pista para se desvendar como seria o edifício original, nesta data demolido. Portanto, a nova fachada segue o modelo de Ludovice erguido no ano anterior (1747), aproximando formalmente os dois edifícios contemporâneos. Todavia, se confrontados com mais detalhe, nota-se de imediato que este palácio do Campo de Sant’Ana, apesar de exibir idênticos pressupostos, é não só mais ligeiro na sua estrutura, como a exuberância decorativa é mais pronunciada. Ou seja, a fachada de Ludovice, no Bairro Alto, é bastante mais pesada, mais presa ao chão, enquanto esta afirma valores estéticos mais de acordo com a leveza ascensional de outra sensibilidade de idêntica matriz barroca. Tudo parece, por isso, indicar que a obra se inicia em 1748, numa versão mais elegante e leve do modelo definido por Ludovice no Bairro Alto, sendo plausível aceitar que Mateus Vicente seguiu a orientação do mestre, mas norteado pelas suas opções estéticas.(Figura 10 e 11)

 

 

De qualquer forma, a construção do palácio será sempre anterior ao terramoto, pelas razões já atrás aduzidas, tratando-se sem dúvida de um dos mais notáveis apontamentos da arquitetura palaciana do 2º quartel do século XVIII, indicador das novas diretrizes introduzidas pela influência da arquitetura romana deste período, protagonizada por Ludovice, entre outros, e alimentada a peso de ouro pelo próprio rei D. João V.

Sobre o arquiteto Mateus Vicente de Oliveira foi apresentada uma tese de doutoramento na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em 2013, da autoria de Mónica Ribas Queiroz, na qual se coloca a hipótese de intervenção de Mateus Vicente na construção deste edifício. No entanto, a autora está ainda condicionada pela informação constante da placa existente no patamar da escadaria, pelo que é cuidadosa na afirmação da autoria do conjunto. Contudo, a revelação contida nos Livros de Cordeamentos vem permitir outra segurança na apreciação desta obra, ganhando-se a certeza que a fachada não é de 1730, como se afirma na referida placa, mas sim de 1748, como expressamente se diz no citado fundo documental do Arquivo Municipal. Parece, todavia, pertinente a aproximação desta obra à fachada de Queluz da responsabilidade de Mateus Vicente, como sugere a referida autora.

Descontando pois alguns elementos introduzidos em 1867, como a balaustrada superior e as estátuas que a coroam, esta fachada – com os seus três panos bem realçados pelo jogo das pilastras, a marcação tão evidente do eixo central, acentuando a verticalidade do conjunto, a elegância esguia das janelas, realçada pelos florões que as rematam, a ondulação tão afirmativa das grades das varandas, quase rendilhadas – constitui uma das obras mais perfeitas do barroco joanino na arquitetura civil, merecendo por isso toda a atenção da parte dos estudiosos da atividade artística em Lisboa neste período.

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes

 

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Cartórios Notariais de Lisboa, Livros de Notas, 14º, liv. 4, 15º, Ofício A, liv. 448, 535, 539, 578, 593, 622, 623, 625, 627, 661 e 673

Chancelaria de D. Pedro II, liv. 43

Desembargo do Paço, Corte, mç. 1312, doc. 2

Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 10, nº 9; mç. 16, doc. 6; mç. 31, nº 4

Habilitações do Santo Ofício, mç.18, doc. 101

Registo Geral de Mercês, D. Pedro II, liv. 12, D. José, liv. 3

Registos Paroquiais, Freguesia da Pena, Batismos, liv. 4, Óbitos, liv. 11

Arquivo Histórico do Tribunal de Contas

Décima da Cidade, Pena, Livros de Arruamentos, mçs. 924, 926, 927, 929 a 942; 943 a 955

Arquivo Municipal de Lisboa

Livro de Cordeamentos de 1720-1729

Livro de Cordeamentos de 1730-1737

Livro de Cordeamentos de 1745-1752

Livro de Cordeamentos de 1753-1755

Livro de Cordeamentos de 1757-1759

Arquivo Municipal de Lisboa / Fotográfico

Palácio Melo, Armando Serôdio, PT/AMLSB/SER/S05086

Palácio Vasco Lourenço Veloso, Eduardo Portugal, PT/AMLSB/POR/059439

Palácio Quífel Barberino, Joshua Benoliel, PT/AMLSB/JBN/000280

Palácio Ludovice, Mário Novais, PT/AMLSB/MNV/S00792

Palácio Sanches de Brito, Salvador de Almeida Fernandes, PT/AMLSB/SAL/I00207

Conservatória do Registo Predial de Lisboa

Antiga 1ª Conservatória, freguesia da Pena, liv. B40, nº 10996, G34, G2

 

Bibliografia

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SILVA, Maria de Lurdes Ribeiro da - Aspectos da intervenção do Senado da Câmara na reconstrução pombalina: os livros de cordeamentos. In Colóquio Temático O município de Lisboa e a dinâmica urbana: séculos XVI-XIX, 1, Lisboa, 1995 - Actas das sessões. Lisboa: Câmara Municipal, 1997. p. 101-120.         [ Links ]

 

submissão/submission: 05/03/2014

aceitação/approval: 25/03/2014

 

 

NOTAS

* José António Salgado Sarmento de Matos, olisipógrafo. Depois de frequentar o curso de História da Faculdade de Letras de Lisboa e História de Arte da Universidade Nova de Lisboa, tem-se dedicado ao estudo da arquitetura civil palaciana da cidade de Lisboa. Nesta perspetiva desenvolveu trabalhos sobre urbanismo e história geral da cidade. Tem várias obras publicadas sobre temáticas olisiponenses, como Uma Casa na Lapa ou A Invenção de Lisboa (2 vols.), entre outras. É atualmente colaborador em matérias históricas e patrimoniais do Grupo de Trabalho da Colina de Sant’Ana. Correio eletrónico: sarmentomatos@gmail.com

** Jorge Luís Ferreira Marques Paulo é licenciado em História e Mestre em Paleografia e Diplomática, com especialização na escrita humanística, em cujo âmbito prossegue estudos. No âmbito da Olisipografia, colaborou em vários periódicos e tem-se dedicado a estudos de caráter histórico e patrimonial para entidades públicas e privadas, com particular incidência em certas zonas de Lisboa, como a Lapa, Príncipe Real, Baixa Pombalina, S. Paulo, Mouraria, Colina de Sant’Ana e a zona oriental. A sua publicação mais recente data de 2013, em coautoria, Um sítio na Baixa. Correio eletrónico: jfpaulo@netcabo.pt

1 Cf. MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira – Estudos históricos e patrimoniais: conjunto de propriedades selecionadas na Colina de Sant’Ana. Anexo a Colina de Santana: documento estratégico de intervenção [Em linha]. Lisboa: Câmara Municipal, 2013. p. 220-327. Disponível na Internet: http://www.cmlisboa.pt_fileadmin_VIVER_Urbanismo_urbanismo_planeamento_colina_Documento_Estrategico_da_Colina_de_Santana_10dezembro.pdf

2 Idem, ibidem, p. 248-262.

3 A informação foi veiculada por ARAÚJO, Norberto de - Peregrinações em Lisboa. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1938. Manuel Maia Athayde questionou tal autoria, embora lhe parecesse fora de dúvida que a lição de Ludovice está presente na fachada principal . Cf. ATHAYDE, Manuel Maia - Monumentos e edifícios notáveis do distrito de Lisboa. Lisboa: Junta Distrital, 1975. p. 132-133.

4 Na sua totalidade, constituem um núcleo de 39 códices factícios abrangendo um período entre os anos de 1614 e 1789. Apesar de perfazerem um conjunto composto por vários milhares de documentos, muitos outros se terão perdido na sequência do Terramoto e dos incêndios sofridos pelos Paços do Concelho, cujas marcas, em alguns casos, ainda são visíveis.

5 A família Sanches de Brito é referenciada no Campo de Sant'Ana (também chamado Campo do Curral) pelo menos desde meados do século XVII. Álvaro Sanches de Brito, proprietário ao longo de várias décadas, já aí nascera, em 1656. Cf. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Registos Paroquiais, Pena, Baptismos, liv. 4, f. 63v. A sua presença no sítio, bem como a dos seus sucessores, até ao 2º quartel do séc. XIX, será documentada adiante.

6 MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira - Guia histórico do Caminho do Oriente. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. Vol. 1. p. 72-79.

7 Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro de Cordeamentos de 1730-1737, f. 158v.-159v. (v. Anexos I: 2 - 1734). Existe ainda um outro cordeamento para este palácio, datado de maio de 1754, que permite apurar que a propriedade de Santa Apolónia sofreu uma outra intervenção, “pela parte que confina com a rua publica, que vay de Valle de Cavalinhos” (AML, Livro de Cordeamentos de 1753-1755, f. 330-331v.).

8 Excelente exemplar da arquitetura civil setecentista, datável de 1734. É bem percetível a continuidade na obediência aos arquétipos estéticos do chamado “barroco aristocrático”, definidos em finais do século XVII. É sobretudo explícito desse gosto o arranjo “floreado” das cantarias laterais da janela sobre o portal de entrada, bem como o recorte do frontão aberto sobre a mesma.

9 Refira-se, contudo, que o estudo relativo ao palácio Melo não integra o citado Documento Estratégico de Intervenção.

10 AML, Livro de Cordeamentos de 1720-1729, f. 447-448v. (v. Anexos I: 1 - 1726).

11 Apesar da complexidade da evolução construtiva deste edifício, com diversas campanhas de obras, sabe-se pela referência dos Livros de Cordeamentos que a parte principal data de 1726, por iniciativa de D. João de Melo e Abreu. Também aqui é sensível a continuidade dos modelos aristocráticos ainda seiscentistas, apesar de o largo portão, disposto numa reentrância côncava, bem como a escadaria nobre que nasce do pátio a que esse portão dá acesso, serem já de um gosto de transição. Aliás, o pormenor dos balaústres em mármore da escadaria aproxima este apontamento arquitetónico da grande escadaria do convento do Beato, iniciativa de D. João V quando ainda príncipe do Brasil, antes, pois, de 1707.

12 Sobre a sua ascendência, informou o próprio Luís Quífel Barberino em 1706, ao Santo Ofício, que seu avo nasceu em a cidade de Anveres filho terceiro do Governador della Bartolomeu Quifel descendente legitimo da Caza dos Quifeis, e de sua mulher D. Catherina de Mayala Barbarino natural da cidade de Florença descendente legitima da Caza Barbarina, e sahindo da sua terra o dito seu avo a correr terras sem licença de seus pays, veyo a esta cidade, aonde se demorou por não ter dinheiro prompto para seguir a sua jornada, e cazou nella com D. Izabel de Fette Barbarino de cujo matrimonio nasceo Bartolomeu Quifel Barbarino pay do suplicante, e D. Catherina Maria Quifel Barbarino, que cazou com o Dezembargador Manuel Rebello de Figueiredo natural da vila de Sernancelhe, onde nascerão, viverão e morrerão todos seus pays, e avós, sendo da familia destes appellidos, e deste matrimonio nasceu filha unica D. Thereza Maria de Figueiredo, que cazou com o pay do suplicante (...). ANTT, Habilitações do Santo Ofício, mç.18, nº 101.

13 AML, Livro de Cordeamentos de 1730-1737, f. 253-254 (v. Anexos I: 3 - 1734).

14 Também este edifício revela uma continuidade com os modelos de finais do século XVII. É sobretudo notável o conjunto central portal janela, com pináculos laterais, muito características desse gosto que se mantém bem arreigado na prática lisboeta já bem entrado o século XVIII (1734).

15 Uma abordagem mais sistemática a este fundo documental, embora para o período posterior ao Terramoto, foi feita por SILVA, Maria de Lurdes Ribeiro da - Aspectos da intervenção do Senado da Câmara na reconstrução pombalina: os livros de cordeamentos. In Colóquio Temático O município de Lisboa e a dinâmica urbana: séculos XVI-XIX, 1, Lisboa, 1995 - Actas das sessões. Lisboa: Câmara Municipal, 1997. p. 101-120. Outros autores, poucos, têm vindo a utilizar os Livros de Cordeamentos, sobretudo a propósito de estudos sobre o Bairro Alto, casos de CARITA, Helder - A Igreja, a Rua Larga e o Bairro Alto de São Roque, in OLIVEIRA, Maria Helena (coord.) - Património arquitectónico: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia, 2006. vol. 1, p. 18-35; ALBERTO, Edite - O Bairro Alto de São Roque e os Jesuítas: a nobilitação do Bairro. In CARITA, Hélder (coord.) - Bairro Alto, mutações e convivências pacíficas: Lisboa, Câmara Municipal, 2012. p. 31-45; COUTINHO, Maria João Pereira - Bairro Alto: os palácios e edifícios religiosos, in idem, ibidem, p. 77-89.

16 São muitos os instrumentos notariais que o referenciam ali no Campo de Sant'Ana ou Campo do Curral, apenas mudando a forma como tal é enunciado: morador no Campo de Santa Anna morador ao Campo” ou Campo de Santa Anna e Cazas em que vive. A título exemplificativo, registe-se: no ano de 1700, em dois empréstimos (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 429, f. 89-89v. e liv. 434, f. 24-24v.); em 1704, uma escritura de obrigação (ANTT, 15º Cartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livros de Notas, liv. 448, f. 35); em 1727, uma escritura de dote de 600.000 reis para a sua filha Antónia ingressar no Mosteiro de Sant'Ana (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 535, f. 34v.; em 1736, contrai um empréstimo de 400.000 reis aos sobrinhos e testamenteiros de Bernardo Ramires Esquível, cuja família, à semelhança dos Sanches de Brito, teve uma presença multisecular no Campo de Sant'Ana, nas casas mesmo ao lado, entre os sécs. XVII-XX (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 578, f. 39-40v.); em 1739 arrenda as suas casas no Largo dos Trigueiros (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 593, f. 16). O filho, João da Costa de Brito, também é referenciado com frequência como morador no Campo de Sant'Ana, como por exemplo em 1727 (ANTT, 15º Cartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 539, f. 3v.).

17 AML, Livros de Cordeamentos de 1745-1752, f. 185.

18 Idem, f. 185v.-186.

19 Cfr. ATHAYDE, Manuel Maia, op. cit., p. 133; QUEIRÓZ, Mónica Ribas Marques Ribeiro de – O arquitecto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785): uma práxis original na arquitectura portuguesa setecentista. Lisboa: FBA/UL, 2013. p. 77-79. Tese de Doutoramento em Ciências da Arte apresentada à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

20 De facto, o palácio vizinho, dos Miranda Henriques, foi objeto de duas grandes campanhas de obras por esta altura, primeiro em 1747/48, depois em 1756/57, encontrando-se essas obras, de forma pouco habitual, bem documentadas em instrumentos notariais, indicando quer os responsáveis pelas obras quer os mestres que as executaram: 1747 (30/04) - o pedreiro António Álvares (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 622, f. 27v.-29); 1747 (05/08) - António Álvares e Manuel Duarte, carpinteiro (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 623, f. 51-53v.); 1748 (23/02) - com Manuel Duarte e António Álvares, (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 625, f. 57-58v.); 1748 (08/08) - o canteiro Jacinto Isidoro (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 627, f. 66v.-68); 1748 (28/08) - João Franco (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 627, f. 87-89). Em 1756/57 seria de novo reedificado: 1756 (28/07) - o carpinteiro António Franco (ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 661, f. 45v.); 1757 (02/02) - António Franco (ANTT, 14ºCartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, liv. 4, f. 8-9v.). Foram três os responsáveis pelas obras: primeiro, o sargento-mor engenheiro José Sanches da Silva, entretanto falecido, depois, o arquiteto do Senado Remígio Francisco (Abreu), e, por fim, Mateus Vicente (Cf. MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira, op. cit., p. 292-315).

21 ANTT, 15ºCartório Notarial de Lisboa, Ofício A, Livro de Notas, liv. 661, f. 45v.

22 O palácio de J. J. de Miranda Henriques, por exemplo, sofreu alguns danos com o Terramoto, pelo que teve de ser, em parte, reconstruído.

23 Aos 27 de dezembro. ANTT, Registos Paroquias, Pena, Baptismos, liv. 4, f. 63v.

24 No dia 9 de abril de 1741 falecia o Coronel Alvaro Sanches de Brito solteiro morador no Campo pela parte de sima (ANTT, Registos Paroquias, Pena, Óbitos, liv. 11, f. 130).

25 Arquivo Histórico do Tribunal de Contas (AHTC), Décima da Cidade, Pena, Livros de Arruamentos, mç. 924, 926, 927.

26 Anteriormente já parte da propriedade tinha sido arrendada ao conde Aposentador-Mor, pagando 400.000 reis pelo primeiro andar e uma cocheira.

27 AHTC, Décima da Cidade, Pena, Livros de Arruamentos, mç. 929 a 942.

28 Também fidalgo da Casa Real, guarda marinha das fragatas da Coroa. Em 1773, ainda menor de 18 anos, terá acompanhado o pai, capitão de mar e guerra, que partia para os Estados da Índia no comando da nau Nossa Senhora da Madre de Deus, onde ambos prestariam serviços no âmbito da Marinha (ANTT, Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 31, nº 4).

29 AML, Livro de Cordeamentos de 1757-1759, f. 257-259v.

30 ANTT, Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 10, doc. 9.

31 GAIO, Manuel Felgueyras - Nobiliário de famílias de Portugal. Braga: Ed. Carvalhos de Basto, 1990. vol. IX, p. 305-306.

32 ANTT, Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 10, doc. 9.

33 Boa parte do seu currículo biográfico-militar está expresso em duas mercês de D. Pedro II, dadas em 1699 e 1705, respetivamente, o alvará de habilitação para se opor às capitanias das naus da viagem e a carta de atribuição do posto de capitão de mar e guerra. ANTT, Chancelaria de D. Pedro II, liv. 43, f. 8-8v. e Registo Geral de Mercês, D. Pedro II, liv. 12, f. 176 (v. Anexos II: 1 - 1699; 2 -1705).

34 ANTT, Registo Geral de Mercês, D. José, liv. 3, f. 293-293v. e Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 31, nº 4 (v. Anexos II: 3 - 1751).

35 ANTT, Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 16, doc. 6.

36 Batizado em S. Vicente de Alcabideche, onde a família passava grandes temporadas, casou com D. Luísa Margarida de Weinholtz, natural de Rendsburg, filha do Coronel Frederico Jacob de Weinholtz, natural do Ducado da Alsácia, e de D. Maria Isabel Wederkop, natural de Rendsburg (ANTT, Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 31, nº 4).

37 Em particular a quinta de Caparide - com as suas pertensas, e vinha da vargem, e mais fazendas -, que juntamente com as casas do Campo de Sant'Ana estavam avaliadas então em 35 contos de reis, respetivamente 21.000.000 e 13.000.000 reis (ANTT, Desembargo do Paço, Corte, mç. 1312, nº 2).

38 Idem.

39 ANTT, Desembargo do Paço, Corte, mç. 1312, nº 2 (v. Anexos II: 4 - 1770).

40 ANTT, Desembargo do Paço, Corte, mç. 1312, nº 2.

41 Conservatória do Registo Predial de Lisboa(CRPL), Freguesia da Pena, antiga 1ª Conservatória, liv. B40, nº 10996, f. 96; G34, f. 178; G2, f. 63, 63v.

 

ANEXOS

I - CORDEAMENTOS

1- 1726 (20/08). Lisboa. Cordeamento do Palácio de D. João de Mello e Abreu. AML, Livro de Cordeamentos de 1720-1729, f. 447-448v.

Jozeph Moreyra Mendonça escriuão do Tombo dos bens e propiedades do senado da Camera destas cidades de Lisboa, occidental e oriental e seos Termos e do Hospital de São Lazaro das ditas cidades cetera Certefico que eu fuy com o Dezembargador Jeronimo da Costa de Almeida vereador dos senados da Camera, e quem a seu Cargo tem o pelouro das obras das ditas Cidades, e com o Mestre medidor das ditas obras Jozeph Freyre e com o Homem das obras João Baracho da gama, a Rua de Santo Antonio dos capuchos a ver e Cordear a obra que ahy quer continuar de humas Cazas nobres Dom João de Mello Abreo contheudo na petição Retro proxima nas quais Cazas se acha hum quarto dellas feito de nouo o qual fas hum Relecho pera fora da parede das Cazas Velhas de hum palmo e tres quartos pello qual pertende extrocer a parede da frontaria das ditas cazas a morrer em ponta aguda no fim das ditas Cazas de sorte que ja no meio da frontaria das ditas cazas não toma do publico mais que hum palmo e no fim donde hade fazer cunhal no velho que ahy tem não toma nada do publico por extrocer direita a frontaria com as Cazas vezinhas da parte de sima asim Como fica extrocendo o quarto nouo com as paredes vezinhas da parte de baixo e medindoçe a largura da Rua na parede do quarto nouo da parte de baxo Junto do Relexo se acha ter a Rua de largo neste ponto vinte e sinco palmos e meio e no meio da frontaria das ditas Cazas donde pertende com o extrocimento tomar hum palmo do publico ficar a Rua dos mesmos vinte e sinco palmos e meio e medindoce a Rua em sima no cunhal velho e no das Cazas vezinhas donde não toma nada da Rua tem esta de largo vinte e sinco palmos e Concedendocelhe a licença na forma deste extrocimento pera ficar a frontaria direita as sacadas que aCentar han de ficar em altura de dezaseis palmos pera sima e fazendo Janellas de acentos Rasteiras do chão lhe não hade por grade de aranha que saque coiza alguma da parede pera fora e nesta forma se fez o dito Cordeamento por vara de medir de sinco pal[mos] de que pasey a prezente por mim feita e asignada pera se porpor em Meza de vereação Lisboa ocidental vinte de Agosto de mil e setesentos e vinte e seis annos. / Jozeph Moreyra e Mend onça.

 

2 - 1734 (23/07). Lisboa. Cordeamento do Palácio de Vasco Lourenço Veloso. AML, Livro de Cordeamentos de 1730-1737, f. 158v.-159v.

Jozeph Moreyra e Mendonça escriuão do Tombo dos bens e propiedades dos Senados da camera destas cidades de Lisboa e do Hospital de São Lazaro cetera Certefico que o Dezembargador Jorge Freyre de Andrade vereador dos Senados da Camera e que a seo cargo tem o pelouro das obras foy em companhia do procurador da cidade occidental claudio gorgel do amaral e do Mestre medidor das obras Jozeph Freyre comigo escriuão Junto a Santa Apelonia a ver e cordear a obra que pertende mandar fazer Vasco Lourenço contheudo na petição Retro proximo e se lhe fez o cordeamento na forma seguinte comvem a saber medindoce Junto do cunhal das cazas nobres ao parapeito fronteiro neste ponto tem a Rua de largo trinta e oito palmos e trez quartos de palmo e medindoce no cunhal da parte de baxo das casas velhas que se han de redeficar a parte das cazas fronteiras neste ponto ter a rua de largo quarenta e oito palmos e tres quartos e medindoce em sima Junto do cunhal das cazas nobres da parte de Santa clara a parede das cazinhas fronteiras tem a a rua de largo sincoenta e seis palmos e dahy pera sima extroce a frontaria que hade acresentar em cazas com a parede das cazas serconvezinhas e as sacadas que asentar han de ficar em altura de dezasees palmos pera sima e se não han de por degraos na Rua e nesta forma se lhe ouue por feito o cordeamento de que pasey a prezente certidão por mim feita e assinada em esta cidade de Lisboa occidental aos vinte e tres dias do Mez de Julho de mil e setesentos e trinta e quatro annos. / Jozeph Moreyra e Mendonça.

 

3 - 1734 (01/09). Lisboa. Cordeamento do Palácio de Luís Quífel Barberino. AML, Livro de Cordeamentos de 1730-1737, f. 253-254.

Jozeph Moreyra e Mendonça escriuão do Tombo dos bens e propiedades dos Senados da Camera destas cidades de Lisboa occidental e oriental e do Hospital de São Lazaro Etc. Certefico que o Dezembargador Jorge Freyre de Andrade vereador dos Senados da Camera e que a seo cargo tem o pelouro das obras foy em companhia do procurador da cidade oriental Antonio Pereyra de Viueiros e o Mestre medidor das obras Jozeph Freyre e o Homem das obras Antonio da Silueira Baracho comigo escriuão do Tombo a Rua direita daNunciada a ver e cordear a obra da Redeficasão das casas que ahy tem Luis quefel Barbarino contheudo na petição Retro proxima nas quais se fez o cordeamento na forma seguinte comvem a saber medindoce a dita frontaria Junto do arco da serventia da sua obra a parede das cazas fronteiras neste ponto tem a dita Rua de largo trinta e dous palmos e no mais extroce a frontaria das ditas cazas com as cazas que correm para baixo da dita Rua e nesta forma se lhe ouue por feito o cordeamento e asentando Janellas de sacadas hande ficar em altura de dezaseis palmos pera sima e não ha de por degraos na Rua de que pasey aprezente em lisboa occidental o primeiro de Septenbro de mil e setesentos e trinta e quatro annos. / Jozeph Moreyra e Mendonça.

 

II - FAMÍLIA SANCHES DE BRITO

1 - 1699 (17/01). Lisboa. Alvará de habilitação a Álvaro Sanches de Brito para se poder opor às Naus de Viagem. ANTT, Chancelaria de D. Pedro II, liv. 43, f. 8-8v.

Eu El Rey faço saber aos que este meu Alvara virem que tendo respeito a Aluaro Sanches de Brito me hauer seruido pella Repartiçam da Junta do Comercio geral por Espaso de mais de doze annos em prasa de soldado e capitam de infantaria no discurso do Referido tempo se embarcar em onze Armadas que foram ao estado do Brazil hauendose nas viages com bom prosedimento E particularmente no anno de 682 quando a Charua Santa Maxima esteve em Risco de se perder em hum bajxo ao sahir da Barra de Pernambuco acodir a todo o trabalho nos Bordos que se dauão para hauer de se livrar E nas trom entas que houue se hauer com valor E uegilancia nos Comboes das frotas naos da Jndia sendo pello seu prestimo nomiado por cabo de Artilheiro de Baixo E prasa darmas em seiscentos nouenta E dous hir a Ilha terceira a buscar a nao da Jndia athe se Recolher neste porto sahindo segunda ves no mesmo anno de guarda Costa obrando tudo o que por seus oficios mahores lhe foi emCarregado por ser m uito inteligente nas Regras da nauegação tomar o sol Cartiar. Hey por bem fazerlhe merce de o abelitar para se poder opor as Capitanias de naos de uiage da Jndia pello que mando ao Prezidente E concelheiros de meu Concelho Vltramarino Cumpram e guarde m este aluara como nelle se contem (...) Manoel Penheiro de Fonseca a fes em Lisboa a des de Janeiro de 699 o Secretario Andre Lopes do Laura o fes Escreuer (...) 17 de Janeiro de 1699.

 

2 - 1705 (11/03). Lisboa. Carta de atribuição do posto de Capitão de Mar e Guerra a Álvaro Sanches de Brito. ANTT, Registo Geral de Mercês, D. Pedro II, liv. 12, f. 176.

Ouue Sua Magestade por bem tendo respeito aos merecimentos e mais partes que concorrem na pessoa do Capitão o dito Alvaro Sanches de Britto e aos seruiços que tem feito por espaço de 21 annos 5 mezes e 29 dias no 3º da junta do comercio geral em praça de soldado e no posto de Capitão do mesmo 3º e se hauer embarcado em 18 armadas e algumas dellas gouernando naos sendo muitas dellas de perto de hum anno, embarcando no de 695 de guarnição com a sua companhia na nao S. João de Deus que foi a cargo do Capitão de Mar e guerra Fernão de Barros á Cidade da Bahya de comboy e de volta para este Reyno á vista da Berlenga a envestirão 4 fragattas de Turcos que todas lhe vierão dar huma banda de Artilharia gouernando nesta occazião a Artilharia foi tal a promptidão com que se pelejou com ella que obrigou aos Turcos a se Retirarem, e no anno de 696 foi nomeado por cabo do 2º comboy da Bahya levando em sua companhia as naos da Jndia por hauer partido diante delle o primeiro comboy, e as comboyou the Cabo verde e voltando para este Reino indo Recolher na barra do Porto e vianna os nauios que vinhão em sua comserua lhe deu hum tempo Rijo com o qual dezaruorou hum pataxo de vianna a que acodio botando a sua lancha fora com grande risco e a leuou concigo á Rias de Galliza, e tornando a sair para fora com todos os nauios os fes Recolher nas suas barras a salvamento, e no anno de 97 foy outra ves comboyando as naos da Jndia the Cabo Verde, e no anno de 700 foi gouernando o 2º comboy ao Ryo de Janeiro e de volta para este Reino vendo apartar na altura de Rias de Galliza os nauios do Porto se foi encorporar com elles, e Recolhendose por cauza do tempo em huma Rya teue nella toda a vigilancia para que se não dezencaminhasse a fazenda que houuesse de pagar direitos, e saindo recolheo no Porto os nauios, e trouxe em sua companhia dous para esta cidade e se achou o anno proximo passado na Campanha do Alentejo, e na Retirada do exercito adoeceo grauemente fazendo grande despeza de sua fazenda hauendose sempre em todas as occaziões com grande procedimento e confiar Sua Magestade delle que com o mesmo se hauera em tudo o de que for encarregado do seruiço Real pela confiança que faz de sua pessoa Ha por bem fazerlhe merce do posto de Capitão de Mar, e guerra das naos da Junta do Comercio geral que de nouo mandou criar com o qual hauera 40 cruzados de soldo por mez pagos pella mesma junta na forma das ordens de Sua Magestade e nesta confirmidade se lhe sentara sua praça nos Liuros a que tocar e gozara de todas as honras prehiminencias preuillegios liberdades e franquezas q ue lhe pertencerem por rezão do dito posto de que por esta carta o ha Sua Magestade por metido de posse a qual foi feita a 11 de Marco de 705.

 

3 - 1751. Lisboa. Mercê de administração de duas capelas a João da Costa de Brito. Inserto no processo de habilitação da Ordem de Cristo de Álvaro Sanches de Brito (1773). ANTT, Habilitações da Ordem de Cristo, mç. 31, nº 4.

Por despacho de Sua Magestade de 2 de dezembro de 1750, e supplemento de 22 de Outubro de 1751.

El Rey Nosso Senhor tendo respeito aos Serviços de João da Costa de Brito, natural desta Cidade, e filho do Coronel Alvaro Sanches de Brito, obrados no Regimento da Armada, em praça de soldado, e nos postos de Alferes, Tenente, Capitam Tenente, e Capitam de Mar Guerra, por espaço de quarenta e hum annos, onze mezes, e cinco dias, contados com alguma interpolação, desde quatro de Julho de mil e settecentos e hum, te seis de Mayo de mil e settecentos e cincoenta, em que ficava exercendo; e no referido tempo fazer trinta e hum embarques de Comboys, e Guardas Costas, com grande prontidão, acerto, e Vigilancia. Sendo Alferes no anno de 1714, e vindo embarcado na Náo Nossa Senhora da Piedade, que comboyava a Frota do Rio de Janeiro, e a da Bahia, e duas Naos da Jndia, governar na falta do Tenente a sua Companhia, com grande zelo, e cuidado, sem que no decurço desta viagem faltace a couza algu ma da sua obrigação. No de 717, se embarcar na mesma Náo, que por ordem do Governador do Rio de Janeiro, foy dar cassa a hum Corsario Francez levantado, o qual dezaparecera daquella Costa, ao 4º dia que foy avistado; e nesta occazião occupara a taifa da poupa (lugar de mayor perigo) por nomeação do Capitam de Mar Guerra. Sendo Tenente no anno de 721, livrara de se hir a pique na Barra do Rio de Janeiro a hum Navio da Cidade do Porto; e assim mais por conta da sua inteligencia, e prontidão, lhe ordenara o Capitam de Mar Guerra em Pernambuco, deligenciasse o Socorro de Ágoa, e mantimentos de que estava falto, por cauza da larga viagem que trazia. E no de 725 fora nomeado pelo Capitam de Mar Guerra da Náo Nossa Senhora Madre de Deos (q ue vinha por Cabo da Frota do Rio de Janeiro) por Capitam Tenente da dita Náo, cujo posto exercera com boa satisfação. No de 727, hir na Náo Nossa Senhora da Victoria a Cabo Verde, e dahi a Jlha de São Vicente, e de Santo Antão, de donde se trouce para esta Cidade o Capitão Mór que a estava governando; e nas refferidas occazioens, e nas mais que se lhe oferecerão, se haver sempre como valerozo Soldado, e com grande inteligencia. Em Remuneração dos sobreditos Serviços feitos ate dois de Dezembro de mil e settecentos e cincoenta. Há por bem fazerlhe merce em sua vida, da administração da Capella, que instituhio o Padre João Mendes, e vagou por falecimento de Duarte Lobo da Gama, sita na Villa de Monte Mór o novo, e da Capella instituio Vicente Domingues do Freixo, e vagou por falecimento de Dona Catharina da Rocha Bocarra, sita na Villa de Serpa; e tambem lhe fas merce dos cahidos das mesmas Capellas, (com obrigação de satisfazer os encargos dellas, fazer os tombos, e registar as Cartas) e assim mais, lha faz de doze mil reis de tença effectiva, em hum dos Almoxarifados do Reyno, em que couberem sem prejuizo de 3º, e não houver prohibição com o vencimento na forma das Ordens de Sua Magestade, para os lograr a titulo do habito da Ordem de Christo, que lhe tem mandado lançar. Lisboa a 23 de Outubro de 1751. Pedro da Motta e Silva.

 

4 - 1770 (08/02). Lisboa. Auto de vestoria; Certidão com que se prova o valor das cazas do Campo de Santa Anna no estado prezente em que estão. ANTT, Desembargo do Paço, Corte, mç. 1312, nº 2.

Diz o Capitão de Mar e Guerra Joze Sanches de Brito que elle he senhor e pessuhidor de humas cazas nobres citas no Campo de Santa Anna que se acham hipotecadas por este Juizo a quanthia de vinte e dois mil cruzados vincullados ao Morgado de que [he] Administrador Ayres Antonio da Silva e porque o suplicante preciza mostrar o estado e intrinzico vallor da dita propriedade pertende se proceda judicialmente a vestoria na dita propriedade e como o não pode fazer sem despacho de vossa merce, pede a vossa merce lhe faça merce mandar se proceda judicialmente na dita propriedade a vestoria, e receber a merce.

Despacho

Proceda-ce como o requer. Correa

Anno do Nassimento de Nosso Senhor Jezus christo de mil e setecentos e setenta aos outo dias do mes de Feuerejro do dito anno na cidade de Lixboa no campo de Santa Anna em huma propriedade de cazas nobres que sam do capitam de mar e guerra Joze Sanches de Brito onde veyo o Doutor Joze Gonçalues Correa que serue de Prouedor dos orphãos e Cappellas em companhia de mim Escrivão no fim deste asignado e ahy estavão prezentes os Louuados por mim notheficados vicente Alues Mestre do officio de Pedrejro e Felliphe de Samthiago Mestre do officio de Carapintejro ambos Juizes que tem sido dos seus officios aos quais o dito Doutor Prouedor deu o juramento dos Santos Euangelhos e lhe emcarreguey que debayxo delles em boa e Sam comsiencia depois de vista e Examinada a dita propriadade declarasem o quanto vallião de propriedade e Sendo por elles Recebido o dito juramento Logo todos fomos ver e Examinar a dita propriedade e pellos Louvados foy dito que a dita propriedade de cazas nobres que fica no campo de Santa Anna do Lado do comvento das Relligiozas da dita imvocasam com frente nobre fejta com toda a arquitetura tudo bom a qual se acha com precizão de aprefejçoar o quarto de todo Sima a qual consta de loge grande de emtrada e dos lados dois corpos, e cada hum em seu portal grande de Coxeiras na frente e no interior Serventia de rampa que vay para hum Pateo e para imfenitas cazas de acomodação da famillia com um Armazem grande cozinha caualharice e seu quintal Palhejros e por Sima hum andar de cazas nouas digo de cazas nobres que se acha aprefeiçoado que se compoem de quatorze cazas de bom comprimento e quatro na frente bem acabadas com paineis nos membros de Releuado e ximenéz e tectos tudo de Releuado e boas pedrarias e o Segundo andar com outras tantas cazas porem ainda por acabar e somente tem completas tres cazas e o que tudo uisto e Examinado deserão valler de propriedade treze contos de reis e he o que declararão debayxo do dito juramento de que fiz este auto que dou fe pasar o comtheudo nelle na uerdade o qual todos asignaram e Eu João Manoel Xavier de Pontes Cabral e Alcacere o Escreuy asigney // João Manoel Xauier de Pontes Cabral e Alcacere // Correa // Vicente Alves // Felliphe de Samtheago //

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