SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número2Políticas Públicas Para o Ambiente Marinho e Seus RecursosEconomia Circular: De Conceito Económico a Instrumentos Legais Para O Desenvolvimento Sustentável índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.7 no.2 Lisboa set. 2020

 

O binómio energia-ambiente – políticas públicas de energia à entrada dos novos anos 20

The energy environment interface – energy public policies in the beginning of the new twenties



Filipe Matias Manso 1

Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)
R. Dom Cristóvão da Gama 1 3º
1400-113 Lisboa - Portugal
filipeams@gmail.com




RESUMO

O presente artigo propõe-se apresentar uma visão global das políticas públicas de energia à entrada dos novos anos 20, no quadro do crescente binómio energia-ambiente. Nesta ótica é analisado o recém-aprovadoClean Energy Package, com centro de gravidade no setor elétrico, e são perspetivados os demais vetores energéticos, integrando o que nesta fase se conhece do European Green Deal.

Palavras-Chave: energia-ambiente; transição energética; Clean Energy Package; green hydrogen; European Green Deal.

Sumário: 1. Introdução; 2. Clean Energy Package; 3. Breves perspetivas sobre o futuro de vetores não elétricos (gás natural, combustíveis líquidos) e a possível emergência do hidrogénio; 4. Notas Finais. 

 

ABSTRACT

This article purports to provide a global overview of the energy public policies for the next decade, in the framework of the energy-environment interface. Based on that, the recent approved Clean Energy Package, with centre of gravity in the electric sector, and the fossil energy sectors, are analysed within the few European Green Deal´s elements available.

Keywords: energy-environment; energy transition; Clean Energy Package; green hydrogen; European Green Deal.

Summary: 1. Introduction; 2. Clean Energy Package; 3. Brief perspectives on the future of non-electric sectors (natural gas, liquid fuels) and the rise of hydrogen; 4. Final Notes. 

 

1. Introdução

Há cem anos, no início dos anos 20, nos roaring twenties, estava quase tudo por fazer. A descoberta da lâmpada tinha acontecido do outro lado do Atlântico há relativamente pouco tempo. O mesmo se diga da primeira rede de distribuição de eletricidade do mundo, instalada em Manhattan, em 1882, que só foi viabilizada com a descoberta das turbinas a vapor, por Charles Parsons, e da corrente alternada, por Nikola Tesla (1896), que contrapôs com sucesso a corrente contínua do inventor da lâmpada2.

Da origem até aos nossos dias, um longo caminho foi percorrido. A eletrificação, iniciada nos Estados Unidos da América foi-se difundido para as periferias. Em Portugal, as primeiras redes de distribuição de eletricidade vieram a ser instaladas na última década do século XIX. À entrada dos anos 20 do século passado o processo estava a desenvolver-se um pouco por todo o país nos principais aglomerados populacionais mas longe de garantir a eletrificação do país, que só veio a ser alcançada no regime democrático3.

Hoje, à entrada dos novos anos 20, o desafio é o da transição energética para um sistema economicamente competitivo, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Os desafios são outros, mas não são menores.

É bem conhecida a inter-relação da energia com a economia, que desde há muito influencia as políticas públicas. A disponibilidade e o preço da energia influenciam decisivamente o bem-estar social e o desempenho da economia. E, inversamente, o desenvolvimento da atividade económica, por via da procura, afeta os preços da energia4, o que bem se compreende porquanto a energia é um serviço base essencial. Nada se faz sem energia. Da energia depende, desde logo, todo o setor dos transportes (tanto para abastecer os convencionais veículos com motores de combustão, como carregar os veículos elétricos). Além disso, a energia anima mercados financeiros (a exemplo da criação de mercados organizados, da geração de emissões e operações de titularização), promove o setor agrícola (por via, por exemplo, da produção de biogás e de biocombustíveis), bem como a construção e manutenção de grandes infraestruturas (v.g. interligações, redes, eficiência energética do parque habitacional). As correlações inversas também se fazem sentir na energia.

Não obstante, ao nível das políticas públicas, é com o ambiente que a relação da energia tem vindo a ser cada vez mais forte. Energia e ambiente constituem hoje um binómio. As políticas públicas da área da energia são concebidas de forma fortemente alinhada com as questões ambientais e, por sua vez, as políticas de ambiente dependem em boa parte da concretização de medidas de política energética. As inter-relações entre o sector energético, o meio ambiente e a economia vêm de longe e tendem a aprofundar-se.

Tal resulta não só das opções políticas nacionais, mas tem de ser visto no quadro das políticas públicas definidas no plano europeu e do direito internacional – Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC) –, a que o país está vinculado, e que acabam por balizar o campo de ação dos diferentes Estados-Membros.

O que, num tempo marcado pelas preocupações ambientais e com as alterações climáticas, é desde logo justificado por fatores ambientais e redução da dependência energética.

A produção e a utilização de energia são destacadamente os maiores responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa e a União Europeia é o terceiro maior emissor, apenas superado pela China e pelos Estados Unidos5.

Paralelamente, a escassez de recursos endógenos fósseis, tradicionalmente utilizados como energia primária, persiste e tende a agravar-se com o Brexit e o encerramento da atividade produtiva de gás natural nos Países Baixos.

Em resposta, a ação da União Europeia em matéria de energia, com competências acrescidas desde o Tratado de Lisboa6, tem-se traduzido em políticas materializadas em disposições legislativas que visam a promoção das energias renováveis, a partir de fontes endógenas, e a consequente redução da dependência energética externa, procurando a criação de um verdadeiro mercado interno da energia competitivo, no quadro da descarbonização da economia e do combate às alterações climáticas.

Neste documento, procuraremos apresentar uma visão panorâmica do quadro político-legislativo energético europeu que, à entrada dos novos anos 20, melhor traduz a policy em matéria energética na ótica da promoção ambiental.

Nesse âmbito, analisaremos, primeiramente, o vetor elétrico que constitui a grande aposta europeia para a descarbonização da sociedade. O recém-aprovado Clean Energy Package (Pacote Energia Limpa), com centro de gravidade no setor elétrico, está orientado no sentido de permitir e de acelerar a “transição energética”, promove a eletrificação da economia, assente na produção renovável, na eficiência energética e na concretização do mercado interno.

Seguidamente, abordaremos o papel reservado aos vetores não elétricos, onde avultam o gás natural e os combustíveis líquidos, indispensáveis para uma descarbonização realista. Nesse contexto, salientaremos o despontar do hidrogénio produzido a partir de fontes renováveis (green hydrogen) e do power-to-gas, que se apresentam como promessas (por testar) para a viabilização da transição energética por via do armazenamento da sobreprodução de energia renovável.

Neste exercício integraremos, ainda, o que nesta fase se conhece do European Green Deal7 (Pacto Ecológico Europeu, na denominação portuguesa). Esta iniciativa política, apresentada no décimo dia de mandato da nova Comissão Europeia, na sua eminente transversalidade, pretende promover o investimento climaticamente neutro e a economia circular. Ao fazê-lo elege o setor energético como um dos principais domínios de atuação com vista a contrariar alterações climáticas e a degradação ambiental, promovendo uma transição ecológica sustentável. A concretização das medidas, que serão apresentadas ao longo de 2020, traduzirão as boas intenções em ações que, em muitos casos, assumirão impacto no quadro-jurídico normativo energético europeu

 

2. Clean Energy Package

O apoio às energias renováveis, na sequência das crises do petróleo, tem sido justificado no universo europeu por razões de ordem energética, geopolítica e ambiental, dada a instrumentalidade destas fontes alternativas8 para a garantia de abastecimento e inerente redução da dependência face aos países produtores, bem como o seu contributo para a sustentabilidade em virtude da inerente redução das emissões de CO2 (descarbonização), evitando a vaticinada tragedy of the commons9.

Na sequência do Acordo de Paris (Conferência das Partes da CQNUAC), que estipula uma meta vinculativa de redução de emissões de, pelo menos, 40% (relativamente a níveis de 1990 até 2030), a iniciativa política de União da Energia10 levou a União Europeia à aprovação do Pacote Energia Limpa, ficando ainda por aprovar novas regras no setor do gás natural11.

O Clean Energy Package, através de oito diferentes atos legislativos12, veio atualizar o quadro político-legislativo europeu do setor elétrico, incluindo o enquadramento institucional, de modo a promover a transição dos tradicionais combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia elétrica, reforçar a aposta na eficiência energética e a tornar o mercado interno da energia mais efetivo.

No seu conjunto a nova legislação aprovada aprofunda as soluções de mercado elétrico e a integração regional, promove as fontes renováveis e a eficiência energética (incluindo regras próprias para o desempenho energético dos edifícios), estabelecendo regras de governance que visam permitir a coordenação necessária para que os objetivos coletivos sejam alcançados.

As novas regras procuram aprofundar o caminho, iniciado em 1999, de criação do mercado interno da energia, que visa eliminar barreiras e intensificar o comércio transfronteiriço, fazendo-o de forma orientada a permitir a prossecução dos objetivos em matéria de clima e energia para 2030.

Recorde-se que, partindo de uma realidade assente em empresas públicas monopolistas verticalmente integradas, os três pacotes energéticos europeus (1996-98, 2003 e 2009)13 permitiram a abertura dos mercados, em condições de reciprocidade, a introdução da concorrência na produção e comercialização, refletindo preocupações com a segurança do abastecimento, com a sustentabilidade ambiental e com a proteção dos consumidores, através da instituição de obrigações de serviço público14.

A necessidade de reformulação das regras surge do reconhecimento de que, não obstante os avanços obtidos ao longo do percurso descrito, é consabido que o objetivo da criação de um verdadeiro mercado interno no setor elétrico está longe de ser alcançado e que é possível retirar maior partido do potencial dos recursos endógenos renováveis existentes.

O novo “pacote” visa estabelecer a base para a prossecução dos objetivos em matéria de clima e energia para 2030, permitindo que os sinais de mercado sejam considerados para efeitos de uma maior eficiência, de uma percentagem mais elevada de fontes de energia renovável, de segurança do abastecimento, de flexibilidade, de sustentabilidade, de descarbonização e de inovação.

As metas fixadas para 2030 são incrementais e substancialmente mais ambiciosas do que as que haviam sido fixadas para 2020, num contexto de maturidade da tecnologia, fruto dos investimentos já realizados, que permite a restrição dos regimes de apoio financeiro que existiam, deixando geralmente de garantir prioridade de injeção (para evitar distorções de mercado), e apostando na democratização da produção e acesso à energia ao incentivar experiências de desintermediação, com larga isenção de obrigações (comunidades da energia).

De entre os atos legislativos que compõem este Pacote, destaca-se para este efeito a nova Diretiva das Renováveis (Diretiva (UE) 2018/2001, a denominada RED II15 e os diplomas que reformulam as regras do mercado interno (Regulamento (UE) 2019/943 e a Diretiva (UE) 2019/944).

A nova Diretiva das Renováveis vem dar sequência a um caminho que, na Europa, remonta pelo menos a 1998 quando, na sequência das crises do petróleo e dos movimentos ambientalistas iniciados na década de 90 (Rio, 1992 e Quioto, 1997), o primeiro Livro Verde sobre a implementação do mercado interno da energia16 veio realçar como um dos três vetores principais que fosse alcançado um equilíbrio satisfatório entre a competitividade da energia e as questões ambientais17.

A aposta no desenvolvimento de fontes de energia renovável na produção de eletricidade foi materializada ao virar do novo século com a aprovação da Diretiva 2001/77/CE, de 27 de setembro, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado18, que veio exigir metas nacionais, ainda que indicativas, e posteriormente pela Diretiva 2009/28/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 200919, que instituiu objetivos gerais vinculativos a alcançar até 202020.

Assim, para 2020 fixaram-se os objetivos “20-20-20”, que globalmente estão a ser agora atingidos. Estes objetivos consistiam em alcançar (i) 20% a quota-parte das energias renováveis no consumo de energia21, com 10% no setor dos transportes; (ii) 20% de aumento da eficiência energética; (iii) 20% de redução das emissões de gases com efeito de estufa relativamente aos níveis de 1990.

Para o efeito, em nome da descarbonização, foram permitidas ajudas de Estado às renováveis, passando o Estado a assumir um papel de Estado-incentivador e facilitador, que devem ser interpretadas à luz das Orientações (emitidas em 2001, 2008 e as mais recentes revistas em 201422).

Aos produtores de energia elétrica de fonte renovável, em regime especial, passaram a ser atribuídos os direitos de prioridade de injeção na rede e preços bonificados assentes em feed in tariffs ou feed in premium23. Na primeira modalidade, o produtor recebe um valor absoluto, previamente fixado, por cada unidade injetada independentemente do preço de mercado, sendo o sobrecusto assegurado pela tarifa de acesso que, por conseguinte, é suportada por todos os consumidores. Na segunda modalidade, o produtor recebe um valor adicional (i.e. um prémio), que pode ser fixo ou flexível, sobre o preço de mercado horário. Esta segunda modalidade, acarretando menos segurança para o investimento, tem a virtualidade de induzir os produtores a concentrarem esforços produtivos nas horas de maior procura.

Portugal comprometeu-se, à data, com uma meta de 31,0% de incorporação de renováveis no consumo de energia em 2020, que está agora perto de ser atingida, o que corresponde à quinta meta mais exigente de toda a União Europeia (apenas superado pela Suécia, Letónia, Finlândia e Áustria).

Não obstante os esforços envidados em muitos países, em 2014, no cômputo global a União Europeia importava 53% da sua energia, com um custo anual de cerca de 400 mil milhões de euros, 75% do parque habitacional europeu evidenciava ineficiência energética e 94% dos transportes dependia de produtos petrolíferos (90% dos quais importados).

Num quadro de escassez de recursos endógenos, o diagnóstico da Comissão Europeia continuou a apontar que a União Europeia não tem conseguido dar uma resposta suficiente à sua excessiva dependência face ao exterior em matéria energética, mantendo a posição de maior importador de energia do mundo, onde se praticam preços grossistas da eletricidade e do gás, respetivamente, 30% e 100% mais elevados do que nos Estados Unidos24.

Este diagnóstico fez com que a promoção das fontes de energia renováveis (a par da eficiência energética e do relançamento do comércio de licenças de emissão) integrasse o objetivo estratégico da União da Energia de continuar a abandonar uma economia alimentada a combustíveis fósseis.

A nova Diretiva das Renováveis, como já se disse, traz objetivos bem mais ambiciosos, em linha com o elevar da fasquia que perpassa todo o Clean Energy Package.

Através deste novo Pacote, a União Europeia estabeleceu metas para 2030 de (i) 32% de quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto, 14% no setor dos transportes; (ii) 32,5% de redução do consumo de energia; (iii) 40% de redução das emissões de gases com efeito de estufa relativamente aos níveis de 1990; e (iv) 15% de interligações elétricas.

E os objetivos podem mesmo vir a ser revistos em alta. A própria Diretiva das Renováveis prevê que a Comissão Europeia possa, em 2023, incrementar as metas de produção renovável. E, mais recentemente, a comunicação referente ao European Green Deal sinaliza que se pretende aumentar o objetivo de redução das emissões para 50 a 55% já em 2030, a fim de atingir a neutralidade carbónica em 2050. Além disso, prevê-se não só a alteração da nova Diretiva das Renováveis, mas também da Diretiva da Eficiência Energética.

É verdade que a Diretiva das Renováveis agora em vigor, ao contrário da fórmula utilizada na anterior Diretiva 2009/28/CE, não aloca metas vinculativas aos Estados-Membros de produção renovável de energia. Ao invés, cabe agora aos Estados-Membros fixar os contributos nacionais a fim de cumprirem coletivamente aquela meta global vinculativa da União25. Contudo, a partir de 1 de janeiro de 2021, a quota de energia de fontes renováveis no consumo final bruto de energia de cada Estado-Membro não pode ser inferior à quota de referência indicada na anterior Diretiva das Renováveis que procurava assegurar 20% de produção renovável em 2020. Mas, em 2023, segundo é antecipado no European Green Deal, aquando da revisão dos planos nacionais, a Comissão Europeia espera ter poderes para fazer refletir a ambição maior que decorre deste novo pacote.

Além disso, a nova Diretiva das Renováveis concretiza metas nacionais para subsetores energéticos específicos. Assim, no vetor do aquecimento e arrefecimento prevê-se o aumento da quota de energia renovável em 1,3 % nos períodos de 2021 a 2025 e de 2026 a 2030, ou em 1,1% para os Estados-Membros onde o calor e frio residuais não sejam utilizados.

A fim de alcançar os objetivos permite-se que os Estados-Membros criem regimes de apoio (support schemes) para a eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, em que o apoio direto ao preço seja concedido na forma de um prémio de mercado (variável ou fixo), que já devem ter em conta o valor de mercado das garantias de origem (GO). Em conformidade, a comunicação sobre o European Green Deal, além de uma estratégia para a produção eólica offshore já em 2020, prevê a revisão das Orientações sobre auxílios de Estado em 2021.

Estes apoios devem ser decididos através de um processo de seleção aberto, transparente, concorrencial, não discriminatório e economicamente eficaz (cost-effective manner), devendo criar incentivos para a integração da eletricidade de fontes renováveis no mercado da eletricidade que sejam baseados no mercado e respondam às necessidades deste (market-based e market-responsive), evitando, em simultâneo, distorções desnecessárias dos mercados da eletricidade, bem como eventuais custos de integração do sistema e a estabilidade da rede26.

Fruto do histórico de reversões nalguns países que originaram litigância (arbitragem internacional), com destaque para o caso espanhol, assegura-se a estabilidade dos apoios financeiros27.

No caso dos sistemas de armazenamento de eletricidade combinados com instalações que produzam eletricidade renovável para autoconsumo prevê-se que estes não sejam sujeitos a qualquer duplicação de encargos, incluindo encargos de acesso à rede para a eletricidade armazenada que se circunscreva às suas instalações.

Por outro lado, também com o fito de evitar entraves à introdução de nova geração, é imposta uma certa agilização e simplificação dos procedimentos de concessão de licenças das centrais elétricas ao estabelecer limites temporais, consagrando prazos ainda mais curtos para pequenas instalações (com uma capacidade de produção elétrica inferior a 150 kW) e para as situações de reequipamento28, e prevendo a simplificação das ligações às redes.

Os procedimentos de autorização devem ter em conta, designadamente, a proteção do ambiente, a contribuição das capacidades de produção para cumprir a meta global da União de pelo menos 32 % de energia de fontes renováveis no consumo final bruto de energia da União em 2030 e a contribuição da capacidade de produção para a redução das emissões.

Noutro plano, a injeção prioritária da energia renovável, que no regime anterior era (a par do preço administrativo) um dos grandes benefícios, é removida, sem prejuízo de salvaguarda dos direitos pré-existentes (grandfathering rules).

À luz do novo quadro legal, embora com exceções29, os produtores renováveis passam a estar geralmente sujeitos às regras de despacho como os demais produtores que, de acordo com os novos diplomas que regulam o mercado interno, são baseadas na ordem de mérito, em mercado. Ainda assim, salvaguarda-se que os operadores das redes devem garantir a capacidade de as redes de transporte e distribuição injetarem a eletricidade de fontes de energia renovável ou cogeração de elevada eficiência com o mínimo possível de redespachos.

Além disso, ficou clarificado que os operadores de redes não podem dar prioridade às instalações de produção de energia que utilizam fontes de energia renovável em termos que tal possa ser utilizado para justificar a redução do comércio transfronteiriço.

Os produtores renováveis passam, ainda, a estar sujeitos às responsabilidades de balanço (balancing) como os demais agentes, pagando pelos desvios (positivos ou negativos) a que deem causa entre a energia injetada e a programada. Com efeito, à luz dos novos diplomas do mercado interno, no que respeita ao desequilíbrio entre a contratação pelos agentes entre a energia injetada e a consumida, é fixado que todos os participantes no mercado são responsáveis pelos desvios que provocam no sistema. Os Estados-Membros podem, em certas condições, conceder derrogações, mas, nesse caso, devem garantir que as responsabilidades financeiras pelos desvios são assumidas por outro participante no mercado.

Por sua vez, prevêem-se mercados de balanço em que a liquidação da energia para os produtos de balanço normalizados e específicos, salvo decisão regulatória, deva basear-se em preços marginais, que a prazo deverão ter períodos de liquidação de desvios de 15 minutos em todas as zonas de programação. Ademais, é assegurado que os produtores renováveis, a par dos demais participantes no mercado, disponham de mercados a prazo que lhes permitam cobrir os riscos a nível de preços através das fronteiras da zona de ofertas.

Por fim, cumpre referirmo-nos a um marco da democratização do acesso à energia através de comunidades de energia, que vêm incentivar experiências de desintermediação, com larga isenção de obrigações (comunidades da energia).

Tanto a nova Diretiva do Mercado Interno (artigo 16.º), como a nova Diretiva das Renováveis (artigo 22.º), ainda que em moldes não totalmente coincidentes, vêm impulsionar as denominadas comunidades de energia. Esta última consagra ainda autoconsumidores de energia renovável em moldes próximos aos daquelas comunidades.

Em ambos os diplomas se preveem entidades com personalidade jurídica, de adesão aberta e voluntária, sob regras de governance específicas, cujo principal objetivo é proporcionar uma atuação coletiva no setor energético orientada para benefícios ambientais, económicos ou sociais (que não a geração de lucros financeiros). E a comunicação referente ao European Green Deal, mais recentemente publicada, retoma a necessidade de as promover, numa lógica de atuação conjunta, numa base de proximidade regional e local, que reforce o poder efetivo dos cidadãos.

As comunidades da energia, com a colaboração obrigatória dos operadores das redes de distribuição, sendo equiparáveis a clientes ativos, tem a possibilidade de aceder a todos os mercados da eletricidade: produção, inclusive de energia de fontes renováveis, de distribuição (se o Estado-membro assim decidir), de comercialização, de consumo, de agregação, de armazenamento de energia, de prestação de serviços de eficiência energética, ou de serviços de carregamento para veículos elétricos, podendo ainda prestar outros serviços energéticos aos seus membros ou aos titulares de participações sociais, mas incorrendo, em qualquer caso, em responsabilidades por desvios. Em todo o caso, sem prejudicar os direitos que o participante na comunidade tem enquanto consumidor.

As Comunidades de Cidadãos para a Energia, previstas na nova Diretiva do Mercado Interno, e Comunidades de Energia Renováveis diferem, sobretudo, em aspetos de participação e governance, de proximidade geográfica exigida e dos recursos energéticos utilizados.

As primeiras, orientadas para a eliminação de barreiras e o estabelecimento de um tratamento adequado a realidades emergentes, que respeite o level playing field, estão abertas à participação de todos mas o seu controlo deve ser feito por não profissionais do setor. Não é restringida a participação nestas comunidades com base em critérios de proximidade geográfica, nem em função das tecnologias, mas o seu objeto é apenas a eletricidade.

As Comunidades de Energia Renováveis, orientadas para o aumento da produção renovável, estão abertas apenas à participação de não profissionais do setor e o seu controlo deve ser feito por membros locais, permitem o recurso a qualquer fonte energética, desde que exclusivamente de renovável, permitindo regimes de apoio.

Por conseguinte, a limitação relativamente à natureza dos participantes no caso do autoconsumo renovável é circunscrita ao caso da impossibilidade dos não-domésticos poderem ter como principal atividade comercial ou profissional estas atividades. Os autoconsumidores renováveis que atuam coletivamente podem organizar entre si a partilha da energia renovável produzida, sem prejuízo dos encargos de acesso à rede e de outros encargos aplicáveis.

Portugal foi dos primeiros países a transpor estas últimas realidades ao aprovar o regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável30, que inclui laconicamente o regime jurídico das comunidades de energia renovável, promovendo a democratização do acesso à energia e potenciando o consumo de energia renovável.

 

3. Breves perspetivas sobre o futuro de vetores não elétricos (gás natural, combustíveis líquidos) e a possível emergência do hidrogénio

O Clean Energy Package veio efetuar, como já se disse, o aggiornamento das bases legais europeias da energia elétrica, mas o mesmo não sucedeu no setor do gás natural.

Ficou, assim, por aprovar o denominado “quarto pacote” do gás natural que, historicamente, acompanhou os “pacotes” da eletricidade, apesar de inicialmente tal estar revisto na iniciativa União da Energia.

Efetivamente, foram apenas aprovados dois diplomas no setor do gás natural para fazer face às preocupações mais imediatas, ligadas intrinsecamente à segurança do aprovisionamento (security of supply), bem como da diversidade de fontes de aprovisionamento com reforço das regras do mercado interno, o Regulamento (UE) 2017/1938 e a Diretiva (UE) n.º 2019/692/UE.

Por outro lado, o setor dos combustíveis não mereceu particular iniciativa – para além da fixação de novas metas (mais ambiciosas) de energia renovável no consumo final do sector dos transportes em 2030 –, uma vez que, como é consabido, tanto a regulação como a legiferação centra-se, sobretudo, nas grandes indústrias de rede (network industry), como a eletricidade e o gás natural (power and gas).

A prioridade tem sido, pois, a eletrificação que é crescente e está a ser acelerada com produção renovável e descentralizada. Mesmo no setor dos transportes, o cenário global é favorável à mobilidade elétrica, entretanto permitida pelo desenvolvimento tecnológico, viabilizando um aumento expectável de até 8% dos consumos no setor elétrico e permitindo a introdução de recursos de flexibilidade através da utilização das baterias dos veículos elétricos como armazenamento de energia elétrica (vehicle-to-grid).

O European Green Deal assumindo a mobilidade como um dos principais domínios de atuação, tendo em vista a promoção de Sustainable and smart mobility aponta para o desenvolvimento da rede de carregamento dos veículos elétricos.

Não obstante a relevância crescente da eletricidade, a importância dos vetores energéticos não elétricos, sobretudo no setor dos transportes e no aquecimento e arrefecimento (com grande significado nos países do centro da Europa), e a necessidade da sua descarbonização num prazo realista, levam a que, sobretudo, o gás natural, por ser relativamente mais limpo do que outras fontes, mas também os combustíveis líquidos, continuem em equação como fontes viáveis.

Dados recentes apontam para que na matriz energética mundial, tal como na europeia, o oil & gas continua a representar bem mais de 50% do consumo de energia. Nos Estados Unidos da América o consumo de petróleo e gás natural ultrapassa os 60% do valor total consumido. O que, por si, permite perceber bem que a transição para uma economia hipocarbónica, no curto prazo, não se faz só com a eletricidade. O contributo paralelo dos biocombustíveis é indispensável no imediato.

Porém, na União Europeia, assinala-se a persistência de um particular problema de dependência energética no que respeita ao oil & gas. Neste espaço político, apenas dois Estados-membro detinham recursos endógenos verdadeiramente relevantes, o Reino Unido e os Países Baixos. O Reino Unido continua a produzir níveis significativos de petróleo e gás natural mas acionou o artigo 50.º do Tratado de Lisboa e, por força do Brexit, deixará de pertencer politicamente à União. Os Países Baixos, sobretudo devido ao campo de Groningen descoberto pela Exxon Mobile e pela Royal Dutch Shell em 1959, têm sido um produtor de gás natural importante mas parte das antigas jazidas estão exauridas e os incessantes tremores de terra provocados pela extração conduziram à diminuição da atividade cujo encerramento foi antecipado para 2022.

Mesmo com o contributo destes dois Estados a União Europeia, em 2017, importou 55% da energia consumida. Destas, quase dois terços foram petróleo e derivados, seguindo-se o gás natural (26%). A Noruega fornece cerca de 25% do gás natural e mais de 11% do petróleo. O papel central é desempenhado pela Rússia ao representar 30% das importações de petróleo, 39% das de gás natural e 40% das de carvão.

Adicionalmente, o setor dos transportes é um dos grandes responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa na União Europeia. Os transportes consomem um terço de toda a energia final, a grande maioria fóssil. Enquanto a produção de energia e a indústria reduziram as suas emissões desde 1990, as dos transportes aumentaram, representando agora mais de um quarto das emissões na União Europeia.

O reconhecimento desta realidade, apesar da tendência de consumo de combustíveis líquidos ser decrescente devido à eletrificação e à melhoria da eficiência dos veículos, levou a que nova Diretiva das Renováveis viesse determinar que a quota de energia renovável no consumo final do sector dos transportes em 2030, como referido, seja de, pelo menos, 14%. O que deve ser alcançado com a limitação da contribuição dos biocombustíveis convencionais a um ponto percentual acima dos níveis de consumo de cada Estado Membro em 2020, até um limite máximo de 7%. A contribuição dos biocombustíveis avançados, produzidos a partir de matérias-primas identificadas legalmente, é vinculativa e deve ser incrementada gradualmente, assegurando patamares crescentes mínimos de 0,2% em 2022, de 1% em 2025 e de 3,5% até 2030.

Adicionalmente, sem perder de vista o escândalo de emissões de poluentes do setor automóvel, a comunicação que recentemente lançou o European Green Deal veio prever desenvolvimentos no sentido da consagração de níveis de emissão mais exigentes.

No caso do gás natural tem-se procurado aumentar a solidariedade entre Estados-Membros em caso de crise energética de gás natural (solidarity clause), a promoção de um melhor uso dos recursos endógenos e a aposta na diversificação dos recursos e fontes de aprovisionamento dos diferentes Estados-Membros.

As preocupações com a redução desta dependência face aos aprovisionadores de gás e a sua respetiva gestão constituirão a razão mais próxima para que as regras do mercado interno (Diretiva (CE) n.º 2009/73/CE), sobretudo em matéria de unbundling e da inerente certificação do operador da rede de transporte, contenham salvaguardas adicionais em relação à preservação da segurança do abastecimento energético quando está em causa o controle por pessoas de países terceiros (a ponto de alguma doutrina denominar tal regra por Gazprom clause). E, por sua vez, mais recentemente, face à nova ligação entre a Rússia e a Alemanha (Nord Stream 2) as regras do unbundling aplicáveis aos gasodutos que ligam dois ou mais Estados-Membros foram estendidas aos gasodutos com início e término em países terceiros por força da já referida Diretiva (UE) n.º 2019/692/EU, que altera aquela primeira Diretiva.

Noutro plano, os gasodutos que atravessam toda a Europa constituem uma fonte de preocupação, agudizada pelo phasing out holandês, ao constituírem custos afundados (sunk costs) com grande significado, mas também oferecem uma capacidade instalada que, por razões económicas, deve ser aproveitada.

O futuro do gás natural está, assim, envolto nalguma indefinição na equação da policy europeia e, neste contexto, é o hidrogénio produzido a partir de fontes renováveis (green hydrogen) e o power-to-gas que têm despontado e se apresentam como promessas (por testar) para a viabilização da transição energética.

É sobretudo neste cenário, a atualização do “pacote do gás”, sob a eventual fórmula de gas decarbonisation package pode apresentar-se como relevante e mais urgente. Neste aspeto, a comunicação do European Green Deal inclui, no seu ponto 2.1.2 sobre energia limpa, referência à necessidade de em paralelo à eletrificação renovável ser promovido o desenvolvimento de “decarbonised gases”.31

Com efeito, atualmente a quase totalidade do hidrogénio é produzido a partir de fontes fósseis (grey hydrogen), sendo o seu principal mercado a indústria pesada e estando em perspetiva o seu potencial crescimento nos transportes. Os avanços tecnológicos conhecidos se apropriadamente enquadrados no plano legal podem permitir avanços significativos no denominado power-to-gas, devido à conversão de eletrões em moléculas.

Este fenómeno permite dar resposta à intermitência da produção renovável, dependente de fatores naturais não controláveis como a intensidade do vento ou do sol, bem como aproveitar a capacidade instalada existente (e os inerentes custos afundados com gasodutos). O gás armazenado pode ainda ser, novamente, reconvertido em eletrões (gas-to-power). O que tem a virtualidade de viabilizar uma almejada integração sectorial (sector coupling).

Para o efeito, importa que o green hydrogen, fruto do power-to-gas, seja reconhecido como energia renovável para efeitos da nova Diretiva das Renováveis e que o regime das garantias de origem lhe seja estendido. O que poderá ser edificável na medida em que a Diretiva das Renováveis deixa claro que para efeitos do cálculo da quota de energia de fontes renováveis, o hidrogénio produzido a partir de fontes renováveis é tido em conta (§2 do artigo 7.º) e que, de outro passo, a mesma Diretiva vem dispor que as garantias de origem devem especificar, entre outros elementos, que se a garantia de origem se refere a: i) eletricidade, ii) gás, incluindo o hidrogénio, ou aquecimento ou arrefecimento para efeitos de prova ao consumidor final. Ademais, o conceito de “Armazenamento de energia”, tal como inscrito na Diretiva da Eletricidade, parece dispensar que uma instalação de power-to-gas promova a reconversão32.

Noutro plano, não é de excluir que se venham a desenhar regimes de apoio através da instituição de uma obrigação de aquisição, pelos comercializadores, de um limiar mínimo percentual de green gas, um pouco à semelhança das obrigações de incorporação de biocombustíveis no setor dos transportes e do modelo adotado no Reino Unido para a promoção da eletricidade renovável. O que, por sua vez, deve ser avaliado no quadro das atuais preferências dos consumidores que, segundo o Eurobarómetro sobre Attitudes of European citizens towards the environment33, vêm relevando inclinação crescente para produtos e serviços social e ecologicamente sustentáveis, o que contribui para a almejada descarbonização.

Neste quadro, as obrigações de rotulagem e a certificação da origem da produção são fundamentais nos mercados energéticos (consumer empowering information) e um fator diferenciador entre comercializadores, no âmbito de um segmento de mercado competitivo, podendo, inclusivamente, conduzir à celebração de contratos de aquisição de energia renovável entre comercializadores e produtores (Corporate Renewable Power Purchasing Agreements).

A expansão deste mercado, por sua vez, requer uma regulação harmonizada não só ao nível do acesso às redes e demais infraestruturas, bem como do planeamento que tenha em conta análises de custo-benefício de novos investimentos, como se depara historicamente com standards heterogéneos de qualidade do gás (baseados na composição química) fixados no plano nacional que tendem a dificultar a interoperabilidade, o que pode constituir uma barreira ao desenvolvimento do mercado europeu34.

O European Committee for Standardization publicou informação, sem estabelecimento de um valor vinculativo, no sentido de que o valor máximo admissível de concentração nos sistemas de gás natural pode alcançar até 10%35 e o Regulamento (UE) 2015/703 da Comissão, de 30 de abril de 2015, que institui um código de rede para a interoperabilidade e regras de intercâmbio de dados, obriga os operadores das redes de transporte a assegurar que termos e condições acordados no âmbito das interligações que incluam princípios aplicáveis à medição da quantidade e qualidade do gás36. Todavia, as obrigações previstas neste Regulamento, nomeadamente no que se refere à qualidade do gás, não prejudicam as competências dos Estados-Membros37, que podem exigir que a publicação de normas técnicas no que se refere às normas de ligação à rede que incluam requisitos de qualidade, odor e pressão do gás38.

Pelo que, segundo aquele mesmo Regulamento (UE), resta o possível acionamento de mecanismos gestão das restrições ao comércio transfronteiriço em caso de diferenças de qualidade do gás. O que não permite, contudo, antecipar respostas imediatas aos problemas suscitados.

É neste quadro, com alguma volatilidade possível, e sem prejuízo das medidas de integração do mercado (exercício de mirroring face à atualização da legislação elétrica) que é equacionada a atualização político-legislativa do gás.

O European Green Deal, a julgar pela sua comunicação de lançamento, contribuirá com elementos definitórios neste âmbito quando concretizar, designadamente, a Strategy for smart sector integration que prevê no domínio energético.


4. Notas Finais

As políticas públicas prosseguidas na Europa nas últimas décadas permitiram mercados concorrenciais, uma integração europeia relativamente harmonizada e, em especial, a concessão de apoios públicos à produção de energia a partir de fontes renováveis que, aliadas à descentralização da produção e ao desenvolvimento tecnológico, permitiram a transição energética em curso39.

Hoje, as tradicionais preocupações em torno da segurança do abastecimento – dada a desproporção entre a (exígua) dimensão de recursos fósseis europeus e as (enormes) necessidades de consumo – são superadas pelas preocupações com a natureza extremamente poluente dos recursos fósseis, e ambas concorrem no sentido da promoção dos recursos endógenos renováveis.

A prioridade tem sido dada ao setor elétrico, que se afigura capaz de contribuir decisivamente para a descarbonização da sociedade. O recém-aprovado Clean Energy Package, nesta linha, veio atualizar o quadro político-legislativo europeu (policy), introduzindo metas renováveis mais ambiciosas face aos anteriores objetivos (20-20-20), reforçar o mercado interno da energia, num quadro de competitividade e promovendo soluções de desintermediação e de democratização do acesso à energia, dotando o mercado de instrumentos que se afiguram adequados a acelerar a transição energética em curso.

O futuro reservado aos vetores não elétricos, que constituem fontes primárias de energia fóssil, encontra-se menos estabilizado. Sendo indispensável o seu contributo para a descarbonização num prazo realista, dado o enorme peso que assumem na matriz energética, os dados disponíveis parecem apontar para que, também estes, se tornem tão verdes quanto possível. A nova Diretiva das Renováveis, que integra o Clean Energy Package, estabelece metas que apontam para níveis incrementais de incorporação de biocombustíveis no setor dos transportes. E o papel reservado ao gás natural, uma vez adiado o quarto “pacote do gás”, parece passar pela integração de gases descarbonizados, onde se poderá incluir o despontar da aposta no green hydrogen e no power-to-gas.

Em todo o caso, em matéria de políticas públicas na área da energia, como em múltiplas outras áreas, o desenho do mercado dos vetores não elétricos será, certamente, influenciado pela concretização do European Green Deal, que também ditará alguns ajustamentos ao setor elétrico.

O futuro poderá passar, tanto quanto se consegue perspetivar, como o exemplo do despontar do hidrogénio evidencia, por uma crescente integração sectorial dos diferentes vetores energéticos (sector coupling) de molde a salvaguardar não só a segurança do abastecimento e resultados economicamente mais eficientes, mas também a sustentabilidade ambiental e social. A concretização destes objetivos ecológicos e energéticos, por sua vez, implicará um elevadíssimo volume de investimentos40 e a própria reorganização da economia, com impacto em diversos mercados e na própria sociedade.

É esta, em boa medida, no que respeita ao binómio energia-ambiente, a dimensão do desafio lançado no início dos novos anos 20.