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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.7 no.2 Lisboa set. 2020

 

Políticas Públicas Para o Ambiente Marinho e Seus Recursos

Marine Policies to Marine Environment Protection and Its Resources



Fátima Castro Moreira 1

Universidade Portucalense – Infante D. Henrique
Rua Dr. António Bernardino de Almeida, n.º 541/619
4200-072 Porto
fcmoreira@upt.pt




RESUMO

O aproveitamento dos recursos naturais marinhos deve ser exercido pelo Estado de conformidade com o seu dever de proteger e preservar o meio marinho e integrado na sua política ambiental. Esta deve basear-se nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador. A compatibilização destes direitos e obrigações é obtida através de uma abordagem holística e ecossistémica. Esta abordagem deve ser exercida de modo prospetivo numa estratégia nacional própria definida para o tempo a que se destina. Os ecossistemas sensíveis, em que se inserem as Áreas Marinhas Protegidas (AMP), devem ser objeto de proteção reforçada. As medidas de conservação das AMP, mesmo que afetem os recursos piscatórios enquadram-se na política ambiental da União Europeia (UE), constituindo competência partilhada e não exclusiva da UE. Como membro da UE, Portugal deve harmonizar as suas políticas com as políticas da UE, sem esquecer que o tempo não para e que o aproveitamento (atual e potencial) dos recursos marinhos deve ser acompanhado pelo necessário quadro normativo.

Palavras-Chave: Recursos Marinhos; Estratégia Marinha; Abordagem ecossistémica; Competências da UE

Sumário: Introdução. 1. Enquadramento: 1.1. Direito Internacional. 1.2. Direito da União Europeia. 2. A Diretiva Offshore. 3. A Política Comum de Pescas e a Proteção da Biodiversidade Marinha. 4. As Competências da UE: 4.1. O Acórdão AMP Antártida 4.2. Os Acórdãos Saleminik e Aktiebolaget NN 5. As Políticas Públicas para o ambiente marinho e seus recursos: 5.1. A Políticas Públicas para o Mar – Evolução e Estratégia. 5.2. As Políticas Públicas para os Recursos não vivos 5.3. As Políticas Públicas para a proteção da biodiversidade marinha. Conclusões

 

ABSTRACT

Marine resources exploitation must be exercised by the State in accordance with its duty to protect and to preserve the marine environment and integrated into its environmental policy. This policy shall be based on the precaution, prevention, correction of damage to the environment and polluter-pays principles. The compatibility of these rights and obligations is achieved through an ecosystem and holistic approach. This approach must be exercised in a prospective way in a specific national strategy defined for the time for which it is intended. Sensitive ecosystems, in which Marine Protected Areas are part of, must be subject to enhanced protection. The conservation measures of MPAs, even if they affect fishing resources, integrate the EU environmental policy, constituting shared and not exclusive competence of the EU. As an EU State-Member Portugal must harmonize its policies with those of the EU, without forgetting that time does not stop and that the use (current and potential) of marine resources must be accompanied by the necessary regulatory framework.

Keywords: Marine resources; Marine Strategy; ecosystem approach; EU competences

Summary: Introduction. 1. Framework: 1.1. International Law. 1.2. EU Law. 2. Offshore Directive. 3. The Common Fisheries Policy and Marine Biodiversity Protection 4. EU Competences: 4.1. AMP Antarctic case-law 4.2. Saleminik and Aktiebolaget NN case-law 5. Marine Environment and Marine Resources Public Policies: 5.1. Marine Public Policy – Strategies and evolution. 5.2. Non Living Resources Policies 5.3. Biodiversity Protection Policies. Conclusions.



Introdução

Para a análise das Políticas Públicas para o Ambiente Marinho (PPAM) em Portugal, direcionadas para a proteção dos recursos marinhos, relavam vários instrumentos jurídicos externos. À cabeça, o quadro estabelecido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a que se associam as especificidades do Direito da União Europeia (UE). Sendo as competências da UE regidas pelo princípio da atribuição, esta só pode atuar dentro dos limites que lhe são conferidos pelo Tratado da União Europeia (TUE) ou pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). As competências da UE podem ser exclusivas, concorrentes ou partilhadas e complementares.2 No que ora releva, o artigo 3.º do TFUE, atribui à UE competência exclusiva no domínio de conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas,3 e o artigo 4.º atribui à UE competência partilhada com os Estados-Membros no domínio das pescas, com exceção da conservação dos recursos biológicos do mar, e no domínio do ambiente.4 As medidas de harmonização de disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros implicam o necessário acolhimento por Portugal dos atos jurídicos da UE, que se repercutem nas suas políticas públicas.5 Portugal é também parte de várias convenções internacionais de âmbito universal, como a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), e de âmbito regional, como a Convenção OSPAR.6

 

1. Enquadramento

1.1 Direito Internacional

Recorrendo à definição de Loureiro Bastos,7 podemos considerar recursos naturais marinhos “quaisquer elementos da natureza, situados no espaço marinho, que possam ser úteis ao género humano em determinadas condições tecnológicas, económicas, sociais e ambientais.” Apesar da referência a recursos marinhos, a CNUDM não fornece uma definição dos mesmos. A abordagem tradicional retira da mesma duas categorias de recursos naturais: a de recursos vivos e a de recursos não vivos. O Direito Internacional contemporâneo parece ter acrescentado a estas duas categorias a de recursos genéticos.8 Paralelamente, existem outros usos e atividades, de que são exemplo os portos, os transportes, o recreio, o desporto ou o turismo.

A CNUDM consagra a obrigação geral dos Estados protegerem e preservarem o meio marinho.9 Mesmo detendo direitos de soberania para efeitos de aproveitamento dos seus recursos naturais, este direito deve ser conjugado com a política do Estado em matéria de meio ambiente e de conformidade com o dever do Estado proteger e preservar o meio marinho.10 Por outro lado, este instrumento obriga os Estados a tomar, individual ou conjuntamente, as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, qualquer que seja a sua fonte, utilizando para este fim os meios mais viáveis de que disponham e de conformidade com as suas possibilidades, devendo esforçar-se por harmonizar as suas políticas a esse respeito.11 Finalmente, a CNUDM consagra o dever de cooperação entre Estados no plano mundial e regional ao consagrar que estes devem cooperar, diretamente ou por intermédio de organizações internacionais competentes, na formulação e elaboração de regras e normas, bem como práticas e procedimentos recomendados de caráter internacional, compatíveis com a CNUDM, para a proteção e preservação do meio marinho, tendo em conta as caraterísticas próprias de cada região. 12 A CDB introduziu uma nova forma de abordagem de proteção das espécies e dos ecossistemas ameaçados, ao promover a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável dos seus componentes e a partilha justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos. O Acordo de Paris,13 reconheceu a função integrante dos oceanos no sistema climático mundial e levou a que a maioria dos compromissos nacionais assumidos no seu âmbito incluísse os ecossistemas marinhos e trouxesse para a agenda dos governos os impactos do aquecimento dos oceanos e os impactos da pesca. A convenção OSPAR, e a respetiva Comissão, formularam e elaboraram práticas e procedimentos recomendados para a proteção e preservação do meio marinho, de que é exemplo a abordagem ecossistémica e a designação de Áreas Marinhas Protegidas. A Comissão OSPAR tem desenvolvido esforços conjuntos com a UE e a Organização Marítima Internacional, no sentido de responder aos desafios trazidos pela degradação da biodiversidade, acidificação dos oceanos, lixo marinho e mudanças climáticas.14 O trabalho desenvolvido pela OSPAR junto da Comissão de Pescas do Nordeste Atlântico15 levou à restrição de atividades piscatórias nas Áreas Marinhas Protegidas no âmbito da OSPAR em zonas além da jurisdição nacional.16 Também no âmbito desta Comissão foi aprovado em 2014 um Plano de Ação Regional para o Lixo Marinho para o período 2014-2021.17 A UE incorporou as recomendações das referidas organizações internacionais, tornando-as vinculativas para os seus Estados-Membros.18

 

1.2. Direito da União Europeia: Disposições dos Tratados e Atos jurídicos

O artigo 191.º, n.º 1, do TFUE, determina a utilização prudente e racional dos recursos naturais. Esta utilização deverá ser conjugada com a aplicação de três princípios: precaução e ação preventiva, correção – prioritariamente na fonte – dos danos causados ao ambiente, e poluidor-pagador.19 Sobre o meio ambiente marinho recai ainda uma abordagem ecossistémica - abrangente, holística e integrada - do ambiente marinho. Uma estratégia de gestão integrada do solo, da água e dos recursos vivos que promova a conservação e a utilização sustentável de modo equitativo,20 que se manifesta nas atividades relacionadas com os seus recursos marinhos, e respetivas políticas que têm vindo a ser atualizadas. O bom estado ambiental21 constitui o objetivo a atingir. Para se atingir o bom estado ambiental a biodiversidade deve ser mantida.

A Diretiva-Quadro de Estratégia Marinha (DQEM)22 fornece o enquadramento jurídico desta abordagem ecossistémica,23 decorrente da aplicação da Convenção sobre a Diversidade Biológica e da Estratégia da Biodiversidade da UE para 2030.24 A DQEM é apoiada por outros instrumentos jurídicos de UE, designadamente a Diretiva-Quadro da Água25 e a Diretiva Tratamento de Águas Residuais Urbanas,26 as Diretivas Aves27 e Habitats,28 a Política comum das pescas, 29 a Diretiva Ordenamento do Espaço Marítimo,30 a Diretiva Avaliação Ambiental Estratégica31 e a Diretiva Avaliação do Impacto Ambiental,32 a Diretiva Responsabilidade Ambiental,33 a Diretiva-Quadro Resíduos,34 a estratégia para os plásticos e a Diretiva Plásticos de Utilização Única.35

Na específica proteção decorrente da exploração de recursos não vivos haverá que considerar as Diretivas Hidrocarbonetos36 e Offshore.37

 

2. A Diretiva Offshore

O cronograma das medidas ambientais da UE no setor offshore demonstram uma maior ação a partir da explosão da plataforma Deepwater Horizon, ocorrida no Golfo do México, em 2010, com a adesão ao Protocolo Offshore de Barcelona,38 em 2012, e a promulgação da Diretiva de Segurança Offshore,39 em 2013, que tem por objetivo implementar boas práticas regulamentares em todo o território da UE como meio de dotar os seus Estados de uma regulamentação eficaz que garanta os mais elevados padrões de segurança e que proteja o ambiente,40 assegurando a independência e objetividade da autoridade competente, e separando as funções de regulação e decisões associadas relativas à segurança offshore e ao ambiente, das funções de regulação relacionadas com o desenvolvimento económico dos recursos naturais do offshore, incluindo o licenciamento e a gestão das receitas.41 Apesar desta Diretiva ter como objetivo principal a prevenção de acidentes graves nos setores do petróleo e do gás, e a sua minimização,42 a mesma não abrange a poluição decorrente de operações offshore normais, que poderá ser enquadrada no âmbito da Convenção OSPAR ou no Protocolo Offshore de Barcelona.

Por outro lado, a Diretiva Offshore é apenas aplicável a atividades de petróleo e gás, excluindo as atividades destinadas a explorar e extrair minerais dos fundos marinhos, e limita o seu âmbito de aplicação à plataforma continental dos Estados-Membros. Ao “tomar em conta” o artigo 192.º, n.º 1, do TFUE, esta Diretiva confirma expressamente os objetivos e princípios aí elencados, designadamente a preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente, a proteção da saúde das pessoas, a utilização prudente e racional dos recursos naturais e a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e a combater as alterações climáticas.

Reportando-se esta Diretiva a incidentes que possam produzir efeitos ambientais adversos significativos por um Estado-Membro noutro Estado-Membro, é necessário estabelecer e aplicar disposições específicas, nos termos da Convenção da CEE-ONU sobre a Avaliação dos Impactos Ambientais num Contexto Transfronteiriço,43 considerando-se para efeitos de qualificação como efeitos significativos adversos o disposto na Diretiva de Responsabilidade Ambiental.44 Esta última Diretiva considera como danos significativos aqueles que tenham efeitos comprovados para a saúde humana45 e impõe que o caráter significativo dos danos seja aferido tomando como ponto de referência o estado de conservação, no momento dos danos, os serviços proporcionados pelo quadro natural que os habitats ou espécies oferecem e a sua capacidade de regeneração natural, e determinando-se as alterações adversas significativas por meio de dados mensuráveis.46

A Diretiva Offshore obriga os Estados a exigir aos operadores a tomada de todas as medidas adequadas para a prevenção da ocorrência de acidentes graves e, caso estes ocorram, que aqueles tomem todas as medidas adequadas para limitar as suas consequências para a saúde humana e ambiente,47 e esclarece que (a medida) será adequada se for correta ou totalmente apropriada, atendendo ao caráter proporcionado do esforço e do custo, para determinada necessidade ou situação, baseado em provas objetivas e demonstrado por uma análise, por uma comparação com normas adequadas ou por outras soluções que outras autoridades ou a indústria utilizam em situações comparáveis.48 Trata-se de uma abordagem que toma em consideração as realidades enfrentadas pelas entidades que têm a principal responsabilidade pela segurança das operações offshore, ou seja, as operadoras. Também o critério da adequação parece refletir uma abordagem preventiva: As medidas que forem tomadas devem estar limitadas pelo limiar da viabilidade. É preferível ter padrões realistas do que exigir um nível demasiado alto de proteção ambiental que não possa ser mantido. Ainda assim, o princípio da precaução deverá atuar exigindo esforços que limitem os riscos ambientais.

É interessante observar que a Diretiva Offshore introduz o conceito de risco aceitável,49 exigindo aos operadores que tenham uma gestão de risco sistemática e deste modo tornando “o risco residual de acidentes graves para as pessoas, ambiente e instalações offshore … aceitáveis”. Apesar de, até ao momento, não ter sido adotada nenhuma legislação específica pela UE, que venha estabelecer diretrizes em matéria de exploração e extração de minerais da plataforma continental de Estados-Membros, é possível que esta o venha a fazer, por exemplo, através da adoção de padrões uniformizadores de mineração dos fundos marinhos, ao abrigo do art.º 114.º, do TFUE, tendo também por objetivo a salvaguarda das regras aplicáveis ao seu mercado interno, como sejam a não existência de discriminação, a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais, a concorrência entre empresas e os auxílios estatais. Assim sendo é possível concluir que o princípio da precaução neste caso não significa a inexistência de riscos mas uma gestão acompanhada e atualizada e que limite ao mínimo a sua ocorrência,50 e não imponha às operadoras custos desproporcionais face aos benefícios da exploração, tendo em atenção as melhores práticas. 51

 

3. A Política Comum de Pescas e a Proteção da Biodiversidade Marinha

Fruto do direito da UE, os recursos piscatórios são um recurso comum de todo o espaço da UE, e todos os navios piscatórios da UE gozam de direitos iguais no acesso às águas sobre soberania ou jurisdição dos seus Estados-Membros.52 Na prática este acesso é cerceado pelo princípio da estabilidade relativa, que determina que a alocação de recursos piscatórios seja efetuada numa partilha previsível dos stocks por cada Estado-Membro, e pelas populações locais dependentes deste recurso, competindo às autoridades nacionais os aspetos práticos da gestão das pescas, tendo por base critérios de natureza ambiental, social e económica.53

Estes recursos enquadram-se na Política Comum das Pescas, a qual deve assegurar que as atividades piscícolas e aquícolas contribuam para a sustentabilidade ambiental, económica e social a longo prazo. A exploração sustentável dos recursos biológicos marinhos deverá assentar na abordagem precaucionária, derivada do princípio decorrente do artigo 191.º, n.º 2, §1, do TFUE. Para levar a cabo esta política são elaborados planos plurianuais que devem estabelecer o quadro aplicável à exploração sustentável das unidades populacionais e dos respetivos ecossistemas marinhos, fixando prazos precisos e mecanismos de salvaguarda para fazer face a acontecimentos imprevistos, estando sujeitos a objetivos de gestão definidos, “sendo adotados em consulta com os conselhos consultivos, os operadores do setor das pescas, os cientistas e outras partes interessadas na gestão das pescas”.54

A reforma da Política Comum de Pescas, operada pelos Regulamentos (CE) n.º 2371/2002, de 20 de dezembro e (UE) n.º 1380/2013, de 11 de dezembro, muito focados na proteção da biodiversidade marinha veio esclarecer algumas falhas herdadas de diplomas anteriores,55 de que constituem exemplo a minimização das “capturas indesejadas” e o combate à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada,56 e obrigar os Estados a adotar de um conjunto de medidas derivadas de três das Diretivas já mencionadas: Aves, Habitats e Estratégia Marinha.57

Mais recentemente, a necessidade de dotar a Política Comum de Pescas de medidas técnicas adequadas refletiu-se na aprovação do Regulamento (UE) 2019/1241.58 De entre as medidas técnicas comuns destaca-se a proibição de artes e métodos de pesca destrutivos, as restrições à utilização de artes de pesca de arrasto, redes fixas, a proibição geral de pesca de espécies sensíveis e a proibição de utilização de artes de pesca específicas em habitats sensíveis, incluindo ecossistemas marinhos vulneráveis.

Anteriormente, já o Regulamento (UE) 2016/2336, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016, tinha proibido a pesca com redes de arrasto abaixo dos 800 metros, criado medidas de proteção especiais para ecossistemas marinhos vulneráveis aplicáveis às operações com artes de pesca abaixo dos 400 metros de profundidade, e definido uma pegada geográfica baseada em critérios históricos, obrigações adicionais relativas à recolha de dados e presença de observadores, e medidas de controlo reforçadas.

Fora do espaço da UE, foi também criada a rede de Acordos de Parceria no domínio a Pesca Sustentável celebrados pela UE com terceiros Estados, a qual permite que os navios da UE desenvolvam a sua atividade nas águas destes Estados através de um sistema de autorizações. Realça-se que, por força do Regulamento (UE) 1380/2013, as medidas de conservação dos recursos biológicos marinhos aí previstas não devem limitar-se às águas da União, podendo também aplicar-se, como parte da política externa de pescas, fora destas águas, desde que se refiram a atividades de navios de pesca da UE ou de cidadãos dos Estados-Membros.59

As distintas políticas para as regiões do Mar do Norte, do Mar Celta, do Golfo da Biscaia, e do Atlântico, introduzidas com o objetivo de atingir uma maior sustentabilidade e aumentar os benefícios económicos, sociais e laborais para o setor, vieram completar a Política Comum de Pescas. Daqui resulta a proibição da prática de devolução ao mar dos excedentes de pesca e a vinculação dos Estados-Membros a planos plurianuais para a gestão de determinadas espécies, naquela que é uma decorrência da aplicação de abordagens ecossistémica e precaucionária. Estas políticas só se completam com a atuação dos Estados, a quem compete o desenvolvimento de políticas nacionais e das competentes entidades nacionais os necessários procedimentos no combate à pesca ilegal.60

 

4. As Competências da União Europeia

4.1. O Acórdão AMP Antártida

Sendo as competências da UE regidas pelo princípio da atribuição, esta só pode atuar dentro dos limites que lhe são conferidos pelo Tratado da União Europeia (TUE) ou pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). As competências da UE podem ser exclusivas, concorrentes ou partilhadas e complementares.61 No que ora releva, o artigo 3.º do TFUE, atribui à UE competência exclusiva no domínio de conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas,62 e na celebração de acordos internacionais quando tal celebração esteja prevista num ato legislativo da União, seja necessária para lhe dar a possibilidade de exercer a sua competência interna, ou seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas.63 Já o artigo 4.º atribui à UE competência partilhada com os Estados-Membros no domínio das pescas, com exceção da conservação dos recursos biológicos do mar64 e no domínio do ambiente.65 As medidas de harmonização de disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros implicam o necessário acolhimento por Portugal dos atos jurídicos da UE, que se repercutem nas suas políticas públicas.66

A evolução da Política Comum das Pescas - principalmente a decorrente do Regulamento (UE) 1380/2013 - ancorada na conservação e utilização sustentável dos recursos piscatórios, relançou questões sobre o alcance das competências da UE nestas matérias. Estaria a União Europeia a apropriar-se de um poder que não lhe competia? O controlo efetivo da UE permitiria que a UE estendesse o domínio das suas competências às Áreas Marinhas Protegidas e à conservação dos ecossistemas?67 O TJUE veio a analisar algumas destas questões que a advogada-geral Juliane Kokkot apelidou de questões do poder.68

No Acórdão AMP Antártida,69 o Tribunal considerou que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea d), TFUE, só a conservação dos recursos biológicos do mar assegurada no âmbito da política comum das pescas, e, portanto, indissociável da mesma constitui competência exclusiva da UE. O Tribunal esclareceu que é apenas na medida em que a conservação dos recursos biológicos do mar é prosseguida nesse âmbito que esta última é abrangida pela competência exclusiva da União. Tal levou à conclusão de que o documento de reflexão aprovado,70 na medida em que a pesca constitui uma finalidade acessória, sendo a componente principal a proteção do ambiente, não se enquadraria no âmbito da competência exclusiva da UE. Mesmo tendo em atenção as exigências, decorrentes do artigo 11.º do Regulamento (UE) 1380/2013, em matéria de proteção do ambiente, o facto é que a política do ambiente é expressamente referida nos Tratados como constituindo um domínio de competência autónomo, pelo que quando a finalidade e a componente principais de uma medida dizem respeito a um determinado domínio de competência, é neste que deve ser feito o necessário enquadramento de competências.71 Ao considerar que a finalidade principal das áreas marinhas protegidas era a de “preservar, estudar e proteger os ecossistemas, a biodiversidade e os habitats na Antártida, bem como contrariar os efeitos prejudiciais das alterações climáticas (…) acabou por considerar as mesmas “projetos (…) de política do ambiente e não de medidas de conservação no quadro da política comum das pescas”. A partir desta caraterização, o TJUE considerou que a Comissão Europeia não havia provado o caráter exclusivo da sua competência externa nos termos do artigo 3.º, n.º 2, TFUE. O Tribunal foi ainda mais longe, ao considerar que o exercício pela UE da competência externa sobre os assuntos constantes do Tratado da Antártida, excluindo os Estados-Membros, seria incompatível com o Direito Internacional, na medida em que a UE só poderia ser parte daquela Convenção se os seus Estados-Membros o fossem.

Deste modo, e recorrendo às conclusões do advogado-geral: um ato jurídico só pode ser entendido como um ato genuíno de política de pescas quando: - respeita especificamente à atividade da pesca, porque se destina no essencial a apoiá-la, a facilitá-la ou a regulá-la, e – tem efeitos diretos e imediatos sobre a atividade da pesca. Inversamente, um ato jurídico não pode ser entendido como parte da política do ambiente apenas porque toma em conta as exigências da proteção do ambiente mas apenas quando coloca a proteção do ambiente no seu cerne.72

 

4.2. Os Acórdãos Saleminik e Aktiebolaget NN

O artigo 52.º, do Tratado da União Europeia (TUE), determina que os Tratados da UE são aplicáveis em todo o território português, sem prejuízo do tratamento especial que, nos termos do artigo 349.º do TFUE, gozam as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, enquanto regiões ultraperiféricas.

Relembre-se que o direito internacional atribui aos Estados soberania no espaço marinho designado por mar territorial, e jurisdição e direitos de soberania na ZEE e na plataforma continental, para efeitos de exploração e aproveitamento económico de recursos. No que ora releva, o direito internacional atribui ao respetivo Estado um conjunto de direitos que variam em função da adjacência ao respetivo território: soberania sobre o seu Mar Territorial que se pode estender até às 12 milhas (marítimas), determinados direitos de soberania e jurisdição sobre a ZEE, que se pode estender até às 200 milhas, e jurisdição e direitos soberanos, exclusivos e inerentes sobre toda a extensão da plataforma continental, mesmo quando esta se localiza além das 200 milhas, casos em que coincide com o Alto Mar, e as respetivas liberdades.

No Acórdão Salemink, o Tribunal considerou que “uma vez que a plataforma continental adjacente a um Estado-Membro está submetida à sua soberania, ainda que meramente funcional e limitada, um trabalho efetuado em instalações fixas ou flutuantes situadas na referida plataforma continental, no âmbito da exploração e/ou extração dos recursos naturais, deve ser considerado, para aplicação do direito da União, trabalho cumprido no território do referido Estado”.73 Já no Acórdão Aktiebolaget NN,74 o Tribunal considerou que “na ausência no Tratado, de uma definição mais precisa do território abrangido pela soberania de cada Estado-Membro, cabe a cada um dos Estados-Membros determinar a extensão e os limites desse território, em conformidade com as regras de direito internacional público”, acrescentando que “o território nacional dos Estados-Membros (…) é, assim, também constituído pelo mar territorial, o leito desse mar e o seu subsolo…” e que “a soberania do Estado costeiro sobre a zona económica exclusiva bem como sobre a plataforma continental, é meramente funcional e, como tal, está limitada ao direito de exercer as atividades de exploração e de aproveitamento previstas nos artigos 56.º e 77.º da CNUDM”, pelo que as atividades não enumeradas nestes artigos não se encontram abrangida pela soberania do Estado costeiro. O Tribunal concluiu que o direito da UE apenas seria aplicável quando os Estados-Membros detivessem soberania (mar territorial) ou direitos de soberania para exercício das atividades de exploração e aproveitamento (económico) previstas nos artigos 56.º (ZEE) e 77.º (plataforma continental) da CNUDM, circunscrevendo, assim, esta aplicação ao mínimo.

 

5. As Políticas Públicas para o ambiente marinho e seus recursos

5.1. As Políticas Públicas para o Mar – Evolução e Estratégias

A ratificação da CNUDM por Portugal, em 1997, foi acompanhada de um conjunto de iniciativas políticas e da sociedade civil que fizeram regressar o mar e os oceanos à agenda dos portugueses.75 Lançadas as bases para o recrudescer de um sentimento, haveria que criar uma estratégia que auxiliasse os decisores políticos, tendo sido constituída, em 2003, a Comissão Estratégica dos Oceanos, com o objetivo claro de promover um plano estratégico assente no uso sustentável do oceano e seus recursos. O plano foi apresentado, em 2004, e definiu cinco objetivos estratégicos: 1) valorizar a associação de Portugal ao Oceano como fator de identidade, 2) assegurar o conhecimento e a proteção do oceano, 3) promover o desenvolvimento sustentável de atividades económicas, 4) assumir uma posição de destaque e especialização em assuntos do oceano e, 5) construir uma estrutura institucional moderna de gestão do oceano. Mais do que um veículo que permitisse diferentes usos e atividades, o Oceano deveria ser encarado, ele próprio, como o recurso natural mais valioso, devendo ser protegido, preservado e valorizado.76

O Modelo político proposto pelo Relatório assentava num Conselho de Ministros Especializado, vocacionado para a formulação de políticas e de diretrizes de planeamento, e de coordenação de gestão integrada do setor, assistido por uma entidade de caráter eminentemente técnico, a Entidade Nacional para o Oceano,77 e adicionava um aspeto de grande importância no contexto da viabilização da Estratégia propugnada – a representação e participação da sociedade civil.78 Finalmente aconselhava a definição de uma política global para o Oceano, composta por uma estratégia nacional, avaliação periódica dos assuntos do mesmo, e a articulação de políticas setoriais.79

No seguimento deste relatório, foi adotada, em 2006, a Estratégia Nacional para o Mar (ENM),80 documento de crucial importância pela influência revelada nas políticas subsequentes. Assim, o Programa do XVII Governo Constitucional estabeleceu a promoção da coordenação, ao nível do Executivo, de todas as áreas que respeitavam ao mar81 e a Lei Orgânica do XVII Governo Constitucional atribuiu ao Ministro da Defesa a competência para desenvolver uma política integrada para os assuntos do mar, em articulação com os demais ministros competentes em razão da matéria,82 indo deste modo ao encontro do quinto objetivo estratégico definido pela ENM.83

Já em 2005 haviam sido criadas a EMEPC,84 e a Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM)85 com a missão de preparar a ENM 2006-2016, que foi substituída antes do período previsto pela ENM 2013-2020, não tendo sido ainda definida ou publicada a continuação da Estratégia Nacional para o Mar posterior a esta data.86

A par da Estratégia Nacional para o Mar há que mencionar as Estratégias sectoriais desenvolvidas ao abrigo da DQEM, transposta por Portugal através do DL 108/2010, de 13 de outubro. 87

Os espaços marítimos sob soberania ou jurisdição portuguesa localizam-se na região marinha europeia do Atlântico Nordeste. Dentro desta região, nas sub-regiões da Macaronésia e do Golfo da Biscaia e Costa Ibérica. As estratégias marinhas desenvolvidas ao abrigo da DQEM definiram quatro regiões: Continente, Açores, Madeira e Plataforma Continental Estendida (PCE). O Continente insere-se na sub-região europeia do Golfo da Biscaia e da Costa Ibérica, os Açores e a Madeira integram a sub-região europeia da Macaronésia e a PCE, que numa fase inicial não havia sido afeta a nenhuma destas regiões, foi incluída na sub-região da Macaronésia em novembro de 2016.88/89 O Plano de Ação das Estratégias Marinhas contempla duas fases: preparação e programas de medidas. 90 A fase de preparação compreende a avaliação do estado ambiental das águas marinhas,91 a análise das principais pressões e impactos no estado ambiental das águas,92 a análise económica e social da utilização dessas águas,93 a definição do bom estado ambiental94 e o estabelecimento de metas ambientais.95 Posteriormente deverá ser efetuado um programa de monitorização para avaliação do impacto das medidas aplicadas e a atualização das metas ambientais.96 A fase de programas de medidas determina a elaboração e execução de um programa de medidas destinado à prossecução ou manutenção do bom estado ambiental.97 Cada ciclo de implementação tem uma duração de 6 anos. O primeiro decorreu de 2012 a 2018, o segundo iniciou-se em 2018 e termina em 2024.

As alterações introduzidas pela Diretiva 2017/84598, obrigaram a rever as estratégias marinhas adotadas nestas regiões. Assim, decorreu recentemente a consulta pública do Relatório do 2.º ciclo das Estratégias Marinhas (REM2) para as subdivisões – Madeira, Açores, Continente e Plataforma Continental Estendida, correspondente à atualização dos artigos 8.º, 9.º e 10.º da DQEM. O REM2 é composto por quatros partes, a primeira faz o seu enquadramento, a segunda a análise das principais atividades, pressões e impactos, a terceira efetua uma análise económica e social da utilização das águas marinhas nacionais e a quarta procede a uma reavaliação do estado ambiental e à definição das metas ambientais. Analisado aquele documento, observa-se que para o período em curso, está prevista para a região da plataforma continental estendida a criação, até 2021, de uma rede de AMP costeiras e oceânicas e para a região continente, várias medidas que procuram proteger os recursos vivos marinhos, concretamente cetáceos, aves, peixes e moluscos.99

Estas estratégias sectoriais constituem uma obrigação decorrente da DQEM, nos termos da qual o Estado-Membro deve elaborar, a cada 6 anos, uma estratégia marinha a aplicar às águas, fundos e subsolos marinhos sob sua jurisdição, tendo em conta a região ou sub-região, em que está integrado.100

 

5.2. As Políticas Públicas para os Recursos marinhos não vivos

O Estado tem direitos soberanos, inerentes e exclusivos sobre a sua plataforma continental. O exercício destes direitos deve ser conjugado com as suas responsabilidades ambientais. A CNUDM reflete – de modo cristalino – a necessidade deste diálogo entre direitos e obrigações ao determinar que “os Estados têm o direito e soberania para aproveitar os seus recursos naturais de acordo com a sua política em matéria de meio marinho e de conformidade com o seu dever de proteger e preservar o meio marinho.”101

Ao Estado reconhecem-se direitos soberanos sobre os seus recursos naturais, mas estes direitos têm de ser conjugados com as suas obrigações em matéria ambiental.

O regime jurídico nacional das atividades de prospeção, pesquisa e produção de petróleo (RAPP) resulta do DL 109/94, de 26 de abril. A longevidade do RAPP, poderá ajudar a perceber o seu desfasamento entre o acolhido princípio de soberania permanente sobre os recursos naturais e o princípio da preservação ambiental.102 Para a salvaguarda dos valores ambientais é necessário recorrer a legislação avulsa: o DL 13/2016, de 09 de março e a Lei 37/2017, de 02 de junho.

O DL 13/2016 transpôs a Diretiva Offshore, e estabeleceu os “requisitos mínimos para a prevenção dos acidentes graves nas operações offshore de petróleo e gás.” O diploma abrange todo o ciclo de vida da instalação (prospeção, produção e encerramento) localizada no mar territorial, ZEE e plataforma continental portugueses (definidos nos termos da CNUDM).

A Lei 37/2017 veio tornar obrigatória a avaliação de impacto ambiental nas operações de prospeção, pesquisa e extração de hidrocarbonetos,103 sujeitando potencialmente todas as sondagens de pesquisa a avaliação de impacto ambiental, sejam estas localizadas em área sensível ou não sensível. Aplicando-se aos novos contratos de concessão e licenças de utilização privativa do domínio público marítimo e, introduzindo, relativamente aos contratos e licenças já outorgados e dentro do seu prazo de validade a necessidade de avaliação de impacto ambiental sempre que se passar para uma nova fase, e sempre que, pela primeira vez, se aprovar a realização de determinadas operações, no âmbito do plano anual de atividades.

Não obstante os diplomas complementares, o RAPP necessita de uma revisão profunda, no plano das opções contratuais, fixação de direitos e deveres das partes contratuais e de articulação com a Lei de Bases do Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo.104

As atividades de mineração na plataforma continental inserem-se na Lei 54/2015, de 22 de junho, que estabeleceu as bases do regime jurídico da revelação e aproveitamento de recursos geológicos existentes.

A doutrina tem considerado que este regime é manifestamente insuficiente para responder às questões que a mineração em ambiente marinho suscita: por um lado, ao tratar de modo indiferenciado os espaços marítimos e terrestre, o regime está claramente direcionado para a mineração em terra, por outro apesar de fazer uma alusão a diplomas complementares a aprovar, os mesmos não existem, sendo que os que existem e não são incompatíveis com esta Lei, como é o caso do DL 88/90, de 16 de março, não oferecem a tutela necessária à mineração de um espaço marinho e à especial sensibilidade ambiental do mesmo. Ora apesar da CNUDM atribuir aos Estados direitos soberanos, exclusivos e inerentes sobre a sua plataforma continental, estes direitos devem ser exercidos de conformidades com as suas obrigações de proteger e preservar o meio ambiente marinho, e do princípio da precaução.105 Sem prejuízo do DL 38/2015 estipular que “a atribuição de um título de utilização privativa do espaço marítimo nacional (…) determina o dever de assegurar, a todo o tempo, a adoção das medidas necessárias para a obtenção e manutenção do bom estado ambiental do meio marinho (…), e prever mecanismos vários de alteração e suspensão dos planos de situação, afetação, direito à utilização privativa, títulos de utilização e subordinar o plano de afetação a avaliação de “impacte ambiental”,106 parece-nos que todas as atividades de prospeção, pesquisa e extração de minerais da plataforma continental deveriam ser sujeitas a avaliação de impacto ambiental e enquadrados no âmbito do Decreto-Lei 151-B/2013.107

A atualidade está marcada pela apresentação e discussão do projeto de Decreto Lei que regulamenta a Lei das Minas.108 Deste parece resultar uma intenção de submeter algumas destas atividades ao diploma supra referido,109 e uma aparente intenção de excluir da mineração as áreas classificadas como protegidas ao abrigo de instrumento do direito internacional ou que integrem a Rede Natura 2020, não obstante a atual redação pareça admitir que esta exclusão não é absoluta,110 situação que também parece decorrer dos artigos 17.º, n.º 1 e 14.º, n.º 10 do Projeto. Dito de outro modo, resulta do diploma que a exploração mineira será – sempre que possível – excluída destas áreas, mas o diploma não esclarece as situações em que tal não será possível, deixando à DGEG a sua apreciação.

 

5.3. Políticas Públicas para a proteção da biodiversidade marinha

Em 2007, Portugal conseguiu, no âmbito da Convenção OSPAR, o reconhecimento da primeira Área Marinha Protegida (AMP) no alto mar, denominada Rainbow, a que se seguiu a criação das AMP de Josephine, Altair, Antialtair e Mid-Atlantic Ridge, todas localizadas em alto mar, mas na coluna de água sobrejacente à plataforma continental portuguesa além das 200 milhas. A criação destas áreas protegidas correspondeu ao exercício de um poder-dever dentro dos parâmetros definidos pela CNUDM, devidamente atualizados pelo desenvolvimento do Direito Internacional subsequente à sua aprovação.111

No âmbito do processo de revisão de ENM para a região da plataforma continental estendida, foram identificadas fragilidades nas Áreas Marinhas Protegidas, constituindo a pesca de profundidade a atividade com maior impacto nos montes submarinos do Atlântico Nordeste.112 O relatório sublinhou também que nos montes Altair e Antialtair, estarão a ser exercidas atividades pesqueiras em zonas onde tal não é permitido; que o ecossistema vulnerável e altamente sensível do monte submarino Josephine parece estar em risco. O relatório concluiu que, por se tratarem de Águas Marinhas Protegidas sobre os auspícios da OSPAR, as atividades em causa são realizadas fora das águas marinhas nacionais sendo enquadradas no âmbito da Comissão de Pescarias do Atlântico Nordeste.113

Os efeitos nocivos da pesca nos ecossistemas sensíveis não constituem um problema novo. A abordagem de Portugal tem sido a de procurar proteger, dentro dos limites legais, estes ecossistemas sensíveis. Assim, em 2005, a pedido de Portugal e Espanha, a UE adotou o Regulamento (CE) n.º 1568/2005, de 20 de setembro, relativo à proteção dos recifes de coral e outros ecossistemas marinhos de profundidade dos efeitos da pesca em áreas da Macaronésia, e integradas na ZEE ou na plataforma continental destes dois Estados-Membros, aquém e além das 200 milhas marítimas. O Regulamento veio proibir todos os navios de utilizar redes de emalhar, enredar ou tresmalhos a profundidades superiores a 200 metros, e redes de arrasto pelo fundo ou redes rebocadas similares que operassem em contacto com o fundo do mar.

A Portaria n.º 114/2014, de 28 de maio, que veio estender a proibição do uso de certas artes de pesca de contacto com o fundo a outras partes da ZEE Portuguesa e a vários ecossistemas sensíveis localizados na plataforma continental além das 200 milhas, tem como destinatários os navios nacionais. Adotada no seguimento do Regulamento (UE) 1380/2013, através de uma interpretação extensiva do seu artigo 19.º,114 a mesma terá sido aceite pela Comissão Europeia, e na decorrência do artigo 19.º, tendo por destinatários os navios de pesca que arvorassem pavilhão português. Em 2015, ao abrigo do artigo 15.º da DQEM, Portugal requereu à Comissão a extensão desta proibição aos navios dos demais Estados-Membros, não tendo sido proferida qualquer decisão.115

Relacionada com a falta de decisão da Comissão poderá estar a jurisprudência decorrente do Acórdão Deutscher Naturschutzring:116

Centrado na análise do artigo 11.º do Regulamento (UE) 1380/2013, o TJUE concluiu que este artigo “se opunha à ação por um Estado-Membro de medidas, aplicáveis às águas sob sua soberania ou jurisdição, que lhe fossem necessárias para o cumprimento das suas obrigações (…) e que proibissem completamente, nas áreas da Rede Natura 2000, a pesca marítima profissional utilizando artes que revolvessem os fundos marítimos e redes fixas, quando tais medidas tivessem impacto nos navios de pesca que arvorassem a bandeira dos outros Estados-Membros. Visando as áreas da Rede Natura 2000 assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitat naturais e dos habitats de espécies em causa num estado e conservação favorável, na sua área de repartição natural, o Tribunal concluiu que atendendo à natureza deste objetivo e à inserção destes habitats em ecossistemas complexos, uma determinada medida de conservação só poderia, em geral, contribuir, em combinação com outras medidas, para o cumprimento dos referidos objetivos. Não poderia, por si só, ser suficiente para os cumprir.

Deste modo, considerar que o artigo 11.º só autoriza a adoção de medidas que, consideradas isoladamente, seriam suficientes para cumprir este objetivo privaria esta disposição do seu efeito útil.117 O Tribunal esclareceu que para efeitos de interpretação do mesmo haveria que ter presente a par da letra do artigo, o seu contexto e objetivo prosseguido, pelo que a sua análise incluiria as medidas técnicas referidas no artigo 7.º do mesmo diploma, que incluíam as medidas relativas às restrições ou proibições de pesca, em certas zonas ou certos períodos. Partindo desta definição o Tribunal considerou que as medidas de proibição, nas águas da UE, de pesca com artes que revolvam os fundos e com redes fixas são suscetíveis de ser consideradas como medidas de conservação, e concluiu que este artigo impede que o Estado-Membro adote relativamente às águas sob sua soberania medidas que proíbam completamente a pesca marítima profissional com recurso a redes fixas e artes que revolvam os fundos marinhos, se estas medidas tiverem impacto nos navios de pesca que arvorem a bandeira de outros Estados-Membros.

Situação pouco clara, é a que decorre da (aparente) emissão pela Comissão, no início de 2018, de parecer fundamentado ao abrigo de ação por incumprimento,118 contra Portugal, por desrespeito das competências exclusivas internas e externas da União Europeia para a conservação de recursos biológicos marinhos, no âmbito da jurisdição da Comissão de Pescarias do Atlântico Nordeste (CPAN). Portugal atuou em águas abrangidas pela jurisdição desta Comissão, com pleno apoio da União Europeia, e a finalidade de prevenir impactos significativos das atividades relacionadas com a pesca de profundidade.119 Não obstante tal tenha ocorrido em data próxima da publicação do Acórdão Deutscher Naturschutzring, não foi, até à data, intentada qualquer ação por incumprimento.

Mas mesmo que se entendesse que o motivo deste (aparente) problema decorreria da Portaria n.º 114/2014, atenta a aceitação prévia, mesmo que nunca expressa, pela Comissão, tal configuraria uma violação do princípio da interpretação conforme.120

Acresce a relevância que o Acórdão AMP Antártida atribuiu à finalidade e componente principais de um ato jurídico. Se estas dizem respeito a um determinado domínio de competência, é neste que deve ser feito o necessário enquadramento de competências.121

A finalidade das medidas preconizadas pela aludida Portaria foi a de assegurar a proteção e preservação do meio marinho e a recolha de informação de forma a contribuir para a melhoria do conhecimento científico sobre o meio marinho e os seus recursos, sendo as suas componentes principais a criação das condições necessárias para a proteção dos fundos marinhos dos impactos adversos da atividade da pesca e a obrigação de registo e comunicação sobre esponjas e corais capturados.122

Apesar de se relacionar com a atividade da pesca, este diploma não se destina no essencial a apoiá-la, facilitá-la ou regulá-la. O cerne deste diploma é a proteção do meio marinho e dos seus recursos. Colocando a proteção do ambiente no seu cerne, estaremos no domínio das competências partilhadas pelo que não parece ter ocorrido qualquer desrespeito pelas competências exclusivas da União Europeia.

Este raciocínio pode também ser adaptado à recente Portaria 143/2020, de 17 de junho - adotada no âmbito do artigo 12.º, do Regulamento (UE) 2019/1241 e do artigo 11.º, do Regulamento (UE) n.º 1380/2013 - e que visa a adequada gestão dos recursos naturais que estão sob sua jurisdição e invoca a necessidade de implementar medidas adequadas que garantam a sustentabilidade de uso dos seus recursos marinhos e o bom estado de conservação da biodiversidade marinha na medida em que a proteção de certos ecossistemas, pela sua diversidade ou vulnerabilidade, é determinante para a manutenção de ecossistemas marinhos vulneráveis e consequentemente da sustentabilidade da atividade da pesca. 123

Neste caso, a questão nem se suscitaria na medida em que através do Regulamento (UE) 2019/1241, a UE veio criar as condições técnicas para que, nas águas sob soberania ou jurisdição de um Estado-Membro, esse Estado-Membro possa estabelecer zonas de proibição de pesca ou outras medidas de conservação para proteger habitats sensíveis, incluindo ecossistemas marinhos vulneráveis, e do Monte Gonçalves Zarco se localizar na ZEE portuguesa.

Ainda em relação às Áreas Marinhas Protegidas, refira-se o Despacho 1/2017, de 6 de março, que veio criar um grupo de trabalho que tem por missão avaliar as áreas marinhas protegidas existentes, propor novas áreas e propor uma rede nacional de áreas marinhas protegidas ecologicamente coerente, a qual permitirá o apoio à gestão sustentável da pesca, o que revela a intenção de continuar a política iniciada em 2007.

Finalmente, uma breve nota no que ao regime das pescas concerne,124 na qual se regista a necessidade de uma “profunda reforma e atualização”, que forneça uma “resposta completa” ao regime de pesca ilegal não regulamentada e não documentada abrangida por diversos mecanismos internacionais e da UE, podendo a Lei n.º 9/2018, de 2 de março, que autoriza o Governo a criar um Sistema Nacional de Embarcações e Marítimos, constituir uma “oportunidade de reforma”.125

 

Conclusões:

1) Portugal desenvolveu, a partir da CNUDM, uma abordagem holística dos oceanos, assente numa exploração sustentável e sustentada dos recursos marinhos. As políticas portuguesas, efetuadas no início do século XXI influenciaram a criação de uma PMI na UE. Atualmente, é a PMI, e os seus instrumentos, que influenciam a estratégia das PPAM portuguesas. Numa fase de redefinição de estratégias marinhas para Portugal, espera-se que os decisores políticos efetuem políticas mais ambiciosas do que as que transparecem no Relatório do 2.º ciclo das Estratégias Marinhas e aprovem uma nova Estratégia Nacional para o Mar, que reúna os objetivos para 2021-2030;

2) Todas as atividades de prospeção, pesquisa e extração de minerais da plataforma continental deveriam ser sujeitas a avaliação de impacto ambiental e enquadrados no âmbito do Decreto-Lei 151-B/2013, à semelhança do que aconteceu com os hidrocarbonetos; O cumprimento das medidas de proteção do ambiente marinho, traçadas pela UE, não se coadunam com o atraso ou não transposição de Diretivas como ocorreu com a Diretiva Offshore.

3) Portugal foi pioneiro nas políticas de proteção dos ecossistemas marinhos e da sua biodiversidade através do reconhecimento da primeira AMP em Alto Mar, no âmbito da Convenção OSPAR. Estes ecossistemas sensíveis continuam a sofrer os efeitos de determinadas artes de pesca. É necessário dar uso aos instrumentos legais existentes, aprofundar os que se mostrarem ineficientes e criar aqueles que se verificarem necessários.

4) O Acórdão AMP Antártida veio clarificar as competências exclusivas da UE no âmbito da política comum das pescas e parte das dúvidas suscitadas pelo Regulamento (UE) 1380/2013. Ao abrigo desta jurisprudência, só a conservação dos recursos biológicos do mar assegurada no âmbito da política comum das pescas, e, portanto, indissociável da mesma, constitui competência exclusiva da UE. O Regulamento (UE) 2019/1241 veio colmatar as lacunas manifestadas naquele diploma.

5) A atualidade marítima está repleta de potencialidades sobre o cluster marítimo, mas “o output não passa, quase sempre, de animados debates em conferências (…) quando deveríamos estar a desenvolver planos para o desenvolvimento de uma verdadeira economia azul.”126 Se é certo que em 2011, a Comissão assumiu na comunicação “Roteiro para uma Europa Eficiente na utilização de recursos”127, os objetivos principais de, até 2020, atingir o bom estado ambiental em todas as águas marinhas da UE e de, até 2015, a pesca respeitar os rendimentos máximos sustentáveis,128 em 2020, reconheceu a necessidade de ajustar as estratégias marinhas dos Estados-Membros, a necessidade de alargar o prazo legal disponível para alcançar o bom estado ambiental. Ao mesmo tempo, identificou três áreas críticas que deveriam ser melhoradas: a) a ambição e vontade, b) os recursos humanos e materiais para proteger o meio marinho e aplicar a abordagem ecossistémica, c) a necessidade de racionalizar e simplificar a execução da DQEM.129 Espera-se, para bem do meio marinho e dos seus recursos, que os agentes políticos tenham ambição e vontade de criar políticas públicas para o ambiente marinho que permitam alcançar o bom estado ambiental, aplicar a abordagem ecossistémica, e capacidade para reunir e aplicar os recursos necessários a estas.