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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versión On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.6 no.3 Lisboa dic. 2019

 

 

DESTAQUE

O regime da seleção de processos com andamento prioritário na revisão de 2019

The mechanism of selection of processes for priority progress in the 2019 revision

 

Carla Amado Gomes I 1 .

I Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, Lisboa, 1649-014, Portugal. E-mail:carlamadogomes@fd.ulisboa.pt

 

RESUMO

O artigo 48.º do CPTA, sede do mecanismo da selecção de processos para andamento prioritário, foi retocado pela revisão de 2019, no sentido de lhe conferir maior potencial aplicativo. As alterações introduzidas e as oportunidades de alteração perdidas constituem o objecto destas linhas.

Palavras-Chave: agilização processual; selecção de processos para andamento prioritário.administrativo;

 

ABSTRACT

Article 48 of Administrative Courts Process Code, which funds the mechanism for “selection of priority progress’ processes” was retouched by the 2019 revision to give it greater potential application. The changes made and the missed opportunities for change are the subject of these lines.

Keywords: processual acceleration; selection of priority progress’ processes.

Sumário: 0. Enquadramento; 1. Breve descrição do mecanismo; 1.1. As inovações de 2019; 2. As oportunidades perdidas

Summary: 0. Framework; 1. Brief description of the mechanism; 1.1. The changes made in 2019; 2. Missed opportunities

 

0. Enquadramento

No artigo 48.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) sedia-se um mecanismo de agilização processual, em 2002/2004 designado por “processos em massa” e em 2015 renomeado2 – desde logo em função da necessidade de o distinguir do processo previsto no artigo 99.º do CPTA – para “selecção de processos com andamento prioritário”. Trata-se de uma solução inspirada na legislação espanhola, embora com algumas diferenças3.

A virtualidade da solução prevista no artigo 48.º reside em que, diferentemente do que decorre de situações de apensação, há uma selecção de processos especialmente representativos, a cuja tramitação se imprime urgência, ficando os restantes a aguardar a decisão do “processo-piloto” por um colégio jurisdicional ad hoc, podendo depois os autores nestes processos pedir a extensão dos efeitos da decisão prolatada naquele último.

Esta bifurcação levantou desde logo a questão de saber se a suspensão de tramitação da grande maioria dos processos – os não seleccionados – não constituiria uma violação do direito à tutela efectiva e do princípio da igualdade4. Na verdade, tratando-se da análise da mesma base jurídica, ainda que envolvendo pedidos diferentes, poderia perguntar-se se a solução da apensação de processos não seria suficiente. Porém, esta tornaria impraticável, porventura, a utilização da via da tramitação de urgência, pois uma coisa é apreciar um ou apenas alguns processos emblemáticos e apenas quanto à questão de direito a resolver uniformemente – devolvendo depois ao juiz do processo a aplicação da solução ao pedido concreto no processo suspenso –, outra coisa será analisar a questão-base e depois aplicar a solução a cada um dos pedidos nos processos apensados, com os matizes que a subjectividade que cada um deles implica.

Porventura esta alegação é contornável; no entanto, o regime plasmado no artigo 48.º convoca outras preocupações sobre as quais aqui gostarei de reflectir brevemente. Antes disso, porém, quero iluminar as alterações introduzidas no instituto através da Lei 118/2019, de 17 de Setembro.

1. Breve descrição do mecanismo

O artigo 48.º tem pressupostos de aplicação positiva e negativa. Por um lado, deve existir um número mínimo de onze acções (n.º 1), não necessariamente apresentadas no mesmo tribunal (n.º 6)5, sobre a mesma relação jurídica material ou que envolvam a aplicação das mesmas normas. Por outro lado, a selecção do processo não pode inviabilizar a discussão da questão “em todos os seus aspetos de facto e de direito” nem limitar o âmbito de instruça~o” (n.º 3).

A acção (ou acções) selecionada imprimir-se-á carácter urgente, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º (vide a remissão feita no n.º 8 do artigo 48.º) – e que deixará em suspenso a tramitação das demais (n.º 1)6, salvo oposição dos autores destas (n.º5)7. A clarificação da possibilidade de recurso da decisão de suspensão de tramitação, introduzida em 2015, honra o princípio da tutela efectiva8, pois garante a revisibilidade de uma apreciação que, caso se viesse a revelar inútil para a decisão do processo suspenso, constituiria uma violação do direito a uma decisão jurisdicional em prazo razoável (porque o tempo perdido não é reconquistado através da extensão do efeitos da decisão emitida no processo-piloto), bem como ao princípio da igualdade (porque a desigualdade de tratamento não teria, afinal, razão de ser).

Já quanto à possibilidade de recurso da decisão de apensação dos processos seleccionados para gozarem de andamento prioritário (caso seja mais do que um), ela constitui igualmente uma garantia da tutela efectiva, na medida em que traduz a afirmação de uma vontade de apreciação diferenciada que não encontra outro momento de manifestação, uma vez que a decisão de selecção do processo-piloto não se dá sem ouvir as partes (autor, ré e contra-interessados), mas as partes nesse primeiro processo e só nesse (n.º 1). Com efeito, e apesar de a tramitação do(s) processo(s)-piloto ser urgente, tal urgência só aproveita se a decisão puder revelar-se útil para os interesses do autor, solução que falecerá caso os processos não revelem a identidade descrita no n.º 1.

Hipótese que se não coloca, por se presumir que o autor do processo-piloto tem o maior interesse na selecção deste, em virtude da inerente tramitação urgente, é a de este recorrer da decisão de selecção. Não sendo tal cenário plausível, já se pode colocar a dúvida de saber se este autor pode desistir do pedido. Cremos que tal é admissível, embora o interesse na prossecução do processo (sobretudo se for único) seja de tal forma evidente que justifica a substituição pelo Ministério Público, nos termos do artigo 62.º do CPTA.

A abertura do mecanismo à possibilidade de os processos se encontrarem em tribunais diferentes, introduzida em 2015, levanta algumas questões: se o número de processos em, por exemplo, cinco tribunais diferentes, for inferior a 10 (mas no conjunto superior a 40), como pode o STA ter conhecimento de tal existência? Se forem selecionados dois ou três processos-piloto apresentados em tribunais diferentes, poderão ser apensados? E, neste último caso, em qual dos tribunais se formará o colectivo que tomará a decisão9?

A primeira pergunta parece encontrar resposta no facto de o nº 6 abrir a iniciativa de eleição do processo-piloto a qualquer das partes – ora, aqui a iniciativa da entidade ré é fundamental, pois só ela controla verdadeiramente a caracterização de um processo deste tipo. Deve entender-se, portanto, que sobretudo em casos de grande pulverização, o impulso da ré junto do Presidente do STA será decisivo. Quanto à segunda questão, ela encontra uma resposta imediata no n.º 1 do artigo 28.º do CPTA, que determina a possibilidade de apensação simples de processos a correr em tribunais diferentes. Cumpre acrescentar, todavia, que a parte pode tentar opor-se a esta apensação (que se pode revelar benéfica de uma banda, mas prejudicial por outra) através do recurso desta decisão – aparentemente só nos termos do n.º 5 do artigo 48.º (alegando que o seu processo não reúne os pressupostos descritos no n.º 1 do mesmo preceito), uma vez que a inconveniência gerada pela desafectação do processo da órbita de residência do autor não parece caber nos fundamentos de recurso deste despacho (cfr. o n.º 2 do artigo 630.º e n.º 1 do artigo 6.º do Código do Processo Civil). Quanto à última pergunta, um critério objectivo relevante poderá ser o do tribunal no qual o primeiro processo foi apresentado.

Enfim, ao(s) autor(es) da(s) acção(ões) seleccionada(s) aproveitará (ou prejudicará) o caso julgado, decidindo o juiz oficiosamente a sua extensão aos autores das acções suspensas (e cuja dissemelhança não haja sido confirmada em recurso interposto pelo autor, nos termos do n.º 5), se no prazo de trinta dias aqueles não tenham nem desistido dos pedidos, nem interposto recurso – o qual produz efeitos apenas relativamente ao(s) seu(s) caso(s).

1.1. As inovações de 2019

O mecanismo do artigo 48.º tem sido parcamente utilizado10. Uma das razões apontadas reside na alteração da formação de julgamento, que na versão original coincidia com todos os juízes do tribunal administrativo de círculo onde se devesse proceder ao julgamento do processo. A revisão de 2019 alterou esta regra, passando hoje o n.º 8 do preceito a dispor que no julgamento do(s) processo(s) piloto intervêm, em caso de um processo piloto, o juiz do processo e mais dois juízes de entre os mais antigos do tribunal e, em caso de mais do que um processo piloto a correr em tribunais diferentes, três juízes de entre os mais antigos dos diferentes tribunais11 . O facto de ter que se mobilizar todos os juízes do tribunal para integrar a formação de julgamento retraía os Presidentes dos tribunais de círculo de recorrer ao mecanismo, tendo a alteração pretensão de incentivar a utilização do instituto12.

Uma segunda alteração prende-se com a clarificação de que os autores dos processos-piloto podem recorrer da decisão, a par dos autores dos processos suspensos. A nova redacção do n.º 9 do artigo 48.º vem (r)estabelecer a igualdade de armas13. Com efeito, na versão anterior, o silêncio da norma em face dos autores dos processos suspensos, mas também relativamente a contra-interessados e ao próprio Ministério Público (cfr. o n.º 1 do artigo 141.º do CPTA) deixava a dúvida – ressalvada a interpretação conforme à Constituição e ao próprio Código, apelando ao princípio da tutela efectiva – sobre se cabia esse direito ao recurso. A alusão actual a “partes” alarga o elenco de sujeitos investidos nesse direito, não afastando a possibilidade de recurso pelo Ministério Público, que sempre poderá ocorrer no âmbito da defesa da legalidade.

Finalmente, o novo n.º 12 do artigo 48.º vem acrescer mais um factor de celeridade e agilização – à semelhança do que sucede com o novo n.º 7 do artigo 99.º do CPTA. A existência de pedidos cumulados pode atrasar a prolação da decisão, em virtude de introduzir maior complexidade na instrução. Com esta ressalva agora inserida no n.º 12, o pedido principal – o que espoletou, afinal, a utilização do mecanismo de agilização – terá precedência sobre os restantes, nos termos do n.º 4 do artigo 90.º do CPTA. Esta alteração vai ao encontro do que já fora afirmado pelo TCA-Sul em Acórdão de Julho de 201914, no qual se afirmou que “sendo cumulados pedidos impugnatórios com pedidos indemnizatórios, se a complexidade da apreciação dos pedidos assim o justificar, o Tribunal deve antecipar o conhecimento do pedido impugnatório, formulado a título principal, e deixar a instrução do pedido indemnizatório, daquele dependente, para um momento ulterior, que apenas terá lugar se o conhecimento do pedido indemnizatório não ficar prejudicado pela decisão que se tome com relação ao pedido impugnatório.

Portanto, o recurso ao mecanismo de selecção de processos de massa ou de andamento prioritário poderia e deveria ser articulado com a prorrogativa dos n.ºs 3 e 4 do artigo 90.º do CPTA".

2. As oportunidades perdidas

Assinalei em momento anterior os enigmas que alguns aspectos do regime do artigo 48.º me suscitam. Nenhum deles foi resolvido com esta revisão.

Em primeiro lugar, no quadro actual, o autor do processo deixado em suspenso pode, no caso de a decisão no processo-piloto lhe ser desfavorável, desistir do seu pedido ou recorrer desta, no prazo de 30 dias após ser dela notificado – sendo que, se ao cabo deste prazo nada fizer, se presume que aceita a decisão-piloto e a concomitante extensão oficiosa dos efeitos desta ao seu caso, determinada pelo “tribunal”. Esta equação, à qual os n.ºs 9 e 10 do artigo 48.º dão cobertura, levanta-me as seguintes dúvidas:

a. Quem é o “tribunal”: o colectivo do qual emanou a decisão no processo-piloto ou o juiz do processo suspenso? Julgo que se tratará do juiz do processo, pois deverá ser junto deste que o autor apresenta o recurso ou a desistência e, portanto, só ele domina o estado do processo de molde a apurar se a decisão de extensão é cabível;

b. Sem embargo do que acabei de afirmar, hesito na avaliação da legitimidade do autor do processo suspenso para recorrer dos efeitos de uma decisão15 na qual não é parte16. Por outras palavras, creio que a notificação da decisão no processo-piloto deveria significar a extensão dos efeitos do caso julgado aos processos suspensos, a qual se deveria aplicar em conformidade caso, no prazo de 30 dias, o autor do processo suspenso, para cuja causa é determinante tal caso julgado, nem dela desistisse, nem dela recorresse17;

c. O nº 11 constitui mais um mistério: pode dele extrair-se que o recurso que mereça provimento e que não seja interposto pelo autor de um processo suspenso mas sim pelo autor no processo-piloto tem eficácia erga omnes? E que efeitos tem o provimento do recurso interposto pela entidade ré? E, a ter eficácia inter partes o recurso apresentado (da decisão-piloto) com êxito pelo autor de um processo suspenso (no seu processo!), como decorre literalmente do n.º 11, tal solução não desvirtuará a intenção uniformizadora do artigo 48.º?

Expressas algumas dúvidas – e tantas outras suscitará o artigo 48.º, mesmo após os aperfeiçoamentos que as revisões lhe têm imprimido –, deixo algumas sugestões para induzir mais operacionalidade e coerência ao mecanismo de selecção de processos para andamento prioritário:

 

1. A decisão no processo-piloto deveria ser notificada a todas as partes, quer dos processos suspensos, quer dos processos seleccionados e aplicada, sendo favorável ou desfavorável, pelo juiz a quem foi originariamente distribuído o processo;

Tal aplicação só poderia ser realizada após a estabilização da instância, ou seja, após esgotado o prazo de recurso da decisão e não sobrevindo desistência do pedido18, podendo a resolução da causa esgotar-se nessa aplicação ou envolver a apreciação de pedidos cumulados (v.g., responsabilidade por facto ilícito);

 

2. Os recursos da decisão-piloto, apresentados quer por autores dos processos-piloto, quer por autores de processos deixados em suspenso, deveriam ser apensados, replicando-se na instância de recurso a mesma lógica unificadora da primeira instância. Note-se que, a partir do momento em que os processos são considerados idênticos quanto à questão da identidade de normas aplicáveis às situações de facto – ou seja, a partir do momento em que os autores dos processos suspensos abdicam de contestar a decisão de suspensão ou, recorrendo dela, ficam vencidos –, deve considerar-se identificada a questão fundamental a decidir uniformemente;

 

3. Podendo a decisão-piloto não constituir exactamente uma questão nova e difícil, não seria de descartar a reapreciação nos mesmos termos em que ocorreu a prolação dessa decisão, ou seja, em julgamento por uma formação alargada19 dos recursos apensados. Esta solução, muito embora não prevenindo totalmente a existência de decisões contraditórias – uma vez que os autores dos processos suspensos não são obrigados a recorrer, podendo conformar-se com a decisão desfavorável (a qual se lhes torna aplicável ao cabo de 30 dias sem recurso ou desistência após a notificação, não cabendo, em caso de provimento do recurso, aproveitar os seus efeitos revogatórios) –, reduz consideravelmente a incidência destas em face da solução presente.

 

1 Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professora Convidada da Faculdade de Direito da Universidade Católica (Porto)

2 Pertencem ao CPTA os artigos referidos sem outra indicação.

3 A redação transcrita no texto é a mais recente do preceito, que foi introduzida na revisão de 2015 e alterou, em diversos aspetos, a redação originária. Para o efeito que interessa à presente exposição, essa circunstância não é, no entanto, relevante, pelo que é omitida no texto.

4 Cfr. Mário e Rodrigo ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados, I, Coimbra, 2004, p. 324.

5 Segundo a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, no Parecer sobre a proposta de lei 332/XII para revisão do CPTA, do ETAF e demais legislação com incidência no contencioso administrativo – disponível em http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf –, p. 14, esta solução de aplicação do artigo 48.º também a processos pulverizados por diferentes tribunais – introduzida em 2015 – constitui uma solução sem base teórica e que vai acarretar dificuldades técnicas de monta.

6 Conforme ressaltam Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, ESTEVES DE OLIVEIRA e R. ESTEVES DE OLIVEIRA, Código (…), p. 322, esta suspensão aplica-se apenas ao processo principal, não se estendendo a providências cautelares apresentadas pelos autores, sob pena de violação do princípio da tutela efectiva.

7 A decisão de apensação é igualmente passível de recurso, nos termos do mesmo n.º 5 – sempre com efeito devolutivo.

8 Conforme realçam Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira (ESTEVES DE OLIVEIRA e R. ESTEVES DE OLIVEIRA, Código…, pp. 326-327), o direito ao recurso da decisão de suspensão cabe tanto a autores como a contra-interessados, causando estranheza o facto de a lei omitir qualquer referência a estas partes processuais

9 Salvo melhor opinião, a alteração de 2019 não resolveu este problema. V. infra no texto.

10 Alguns escassos exemplos: Acórdãos do TCA-Sul de 5 de Maio de 2008 (proc. 02899/07), de 11 de Dezembro de 2008 (proc. 04002/08) e de 15 de Janeiro de 2009 (proc. 02874/07). Recentemente, o mecanismo ganhou algum protagonismo no âmbito das decisões do Banco de Portugal sobre a resolução do Banco Espírito Santo – cfr. o acórdão TCA-Sul de 4 de Julho de 2019 (proc. 2552/14.9BELSB).

11 A parte final do n.º 8 estabelece que quando a selecção for conjugada – ou seja, quando houver selecção de mais do que um processo-piloto, a correr em diferentes tribunais –, a formação de três juízes será constituída por três juízes de entre os mais antigos nos diferentes tribunais. Esta norma parece afastar do julgamento o juiz do processo-piloto, que neste caso será o juiz que recebeu o processo que foi designado como piloto apresentado em primeiro lugar, ao qual os outros também selecionados são apensados (veja-se o n.º 4 do artigo 48.º). Este afastamento é incompreensível, bem como enigmático é também o número de três juízes dos diferentes tribunais, assumindo-se que os processos-piloto são três e oriundos de três tribunais diferentes. Melhor seria, em minha opinião, ter ditado, para a selecção conjugada, a regra de formação de três juízes, sempre com intervenção dos juízes dos processos-piloto e eventualmente mais um juiz de entre os mais antigos do tribunal onde foi apresentado o primeiro processo seleccionado.

12 Cfr. R. PEDRO e A. MENDES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Anotação à Lei 118/2019, de 17 de Setembro, Coimbra, 2019, pp. 80-81 (anotação ao artigo 48.º).

13 Já assim entendia em C. AMADO GOMES, “Processos em massa e contencioso dos processos em massa: o que os une e o que os separa”, In Comentários à revisão do ETAF e CPTA, coord. de C. AMADO GOMES, A. F. NEVES E T. SERRÃO (coord.), 3.ª ed., Lisboa, 2018, pp. 861 segs, 870.

14 Concretamente, o Acórdão de 4 de Julho de 2019, já citado.

15 Sublinhe-se que o artigo 48.º deixou cair a referência a que a sentença-piloto teria transitado em julgado – o que, se constitui desde logo um elemento clarificador importante no sentido em que seria esdrúxulo admitir o recurso de uma sentença transitada em julgado, pode também querer significar que esse “trânsito em julgado” só se dá passados 30 dias contados da sua notificação a todos os autores, tanto dos processos suspensos, como, e sobretudo, do(s) autor(es) no(s) processo(s)-piloto.

16 Considerando tal solução “peculiar”. ESTEVES DE OLIVEIRA e ESTEVES DE OLIVEIRA, Código (…) p. 329.

17 Defendendo a solução contrária, no âmbito da versão anterior, BRITO, Lições (…) pp. 229 (onde opina que a melhor interpretação do anterior n.º 5 “é a de que a extensão da decisão só é admissível após o decurso do prazo de trinta dias a que se refere o mesmo n.º 5”) e 235 (“… essa sentença deve ser recebida no processo suspenso com esta sua natureza de sentença já transitada”).

18 A qual, nos termos do n.o 1 do artigo 283.º do Código do Processo Civil, pode ocorrer em qualquer momento – entenda-se, até ao trânsito em julgado da sentença.

19 Que será o que ocorre forçosamente nos casos em que a decisão-piloto é emanada de uma das secções do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 24.º do ETAF) e recorrível para o Pleno (artigo 25.º do ETAF).