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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.6 no.1 Lisboa abr. 2019

 

 

DESTAQUE

A necessidade de proteção da saúde mental na nova Lei de Bases da Saúde: o quadro da saúde mental portuguesa

The need for mental health protection in the new Healthcare Basic Law: The Portuguese mental health framework

 

Damião Alexandre Tavares OliveiraI 1.

I Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Alameda da Universidade, Cidade Universitária, 1649-014, Portugal. E-mail:avelar.tavares@hotmail.com

 

RESUMO

O artigo esboça o panorama da saúde mental na contemporaneidade, no mundo, mas designadamente no contexto português. Aponta o conceito, a abrangência, os principais transtornos, os custos e a crescente prevalência das doenças mentais, por um lado, e o tratamento jurídico da saúde mental no ordenamento jurídico português. Avança para os candentes debates a envolver a discussão das propostas para a revisão da Lei de Bases da Saúde. Conclui pela necessidade da inclusão de uma base própria e específica para a saúde mental na nova Lei de Bases da Saúde.

Palavras-Chave: Lei de Bases da Saúde; Saúde mental, Serviço Nacional de Saúde, Comissão de Revisão da Lei de Bases.

 

ABSTRACT

The article outlines the panorama of mental health in contemporary times, in the world, but especially in the Portuguese context. It points out the concept, scope, main disorders, costs and the increasing prevalence of mental illness, on the one hand, and the legal treatment of mental health in the Portuguese system. It advances to the burning debates involving the discussion of the proposals for the revision of the Healthcare Basic Law. It concludes by pointing a need for the inclusion of an own and specific basis for the mental health in the new Healthcare Basic Law.

Keywords:Healthcare Basic Law; Mental health, National Health Service, Commission for the revision of the Healthcare Basic Law.

Sumário: 0. Introdução; 1. A saúde mental; 1.1. O conceito e a abrangência da saúde mental; 1.2. Principais transtornos, custos e incidência: no mundo e na União Europeia; 1.3. O contexto português; 2. A legislação da saúde (mental) em Portugal; 2.1. Da Constituição às normas infraconstitucionais; 2.2. Da Lei de Bases da Saúde em Portugal; 2.3. Breve nota comparativa entre as Lei de Bases da Saúde portuguesa e espanhola; 3. A necessidade da saúde mental figurar na Lei de Bases da Saúde portuguesa; 4. Considerações finais.

Summary: 0. Introduction; 1. Mental health; 1.1. The concept and scope of mental health; 1.2. Main disorders, costs and incidence: around the world and in Europe; 1.3. The Portuguese context; 2. (Mental) Healthcare legal framework in Portugal; 2.1. From the Constitution to the infraconstitutional norms; 2.2. Healthcare Basic Law in Portugal; 2.3. Brief comparison between the Portuguese and the Spanish Healthcare Basic laws; 3. The need for the inclusion of mental health in the new Healthcare Basic Law; 4. Final remarks.

 

0. INTRODUÇÃO

O mundo vive uma explosão demográfica. O envelhecimento populacional está por toda parte. No “velho continente”, designadamente na União Europeia, doravante “UE”, este facto já é percebido, e algumas iniciativas concretas estão em curso, tal qual a Estratégia Europa 2020. Em Portugal, este cenário concretiza-se. Com este fenômeno, emergem algumas doenças (e.g. demências) que, segundo especialistas, navegam lado a lado com o envelhecimento, malgrado há quem acresça outros determinantes. A verdade é que está-se diante de uma “epidemia” de demências; e de patologias associadas ao regular funcionamento cerebral, na velhice.

Igualmente, crianças, jovens e adolescentes são assolados por doenças mentais próprias de suas características. Os adultos e os trabalhadores incrementam os dados relativos ao sofrimento por stress, ansiedade, depressão e suicídios.

Sabe-se que a medicina e a psiquiatria, por um lado, e as tecnologias e medicamentos, por outro, “evoluem”, estando em grande medida ligadas ao aumento da expectativa de vida, da qualidade e bem-estar.

Ademais, experimentamos uma complexa “(r)evolução tecnológica”; porém, o que resulta num paradoxo é o aumento substancial da quantidade e diversidade de sofrimento mental da população.

Portugal em matéria de saúde mental encontra-se numa situação periclitante e assustadora. Noticia-se que a cada 5 portugueses 1 sofre ou já sofreu de doença mental. Isso acarreta um verdadeiro desequilíbrio social e financeiro no país. Mas o pior é o sofrimento experimentado por milhares de famílias lusitanas.

É público e notório que Portugal vem discutindo a revisão da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de novembro, a denominada Lei de Bases da Saúde, doravante “LBS”, em vigor desde a década de 90. Objetivando aprimorar esse quadro jurídico, primeiro, o Governo português criou uma Comissão de notáveis (juristas e não juristas), que após meses de trabalho apresentou a sua proposta para a nova LBS.

Entretanto, o próprio Governo afastando-se dos trabalhos daquela Comissão, ao lado de Partidos Políticos apresentara outras propostas, para revisão da LBS.

Ainda assim, a janela de oportunidades para a alteração da LBS encontra-se aberta e a sociedade portuguesa tem a oportunidade de ser contemplada, na LBS, por um tratamento digno e inclusivo aos carentes de saúde mental.

Mas, será que a inclusão da saúde mental numa LBS é relevante e necessária? E, se o for, em que medida, isso beneficiará os portugueses?

Tentar responder essas indagações é, no essencial, o principal objetivo desse artigo. Se contribuir para um profícuo debate sobre matéria tão negligenciada, permeada historicamente por discriminações e tabus; se ofertar um modesto contributo para diminuir o preconceito, o estereótipo demonizado dos cidadãos, a vulnerabilidade do grupo dos doentes mentais, auxiliando na melhoria de seu bem-estar e saúde, por si só, esse estudo será compensador.

1. A saúde mental

1.1. O conceito e o campo de abrangência da saúde mental

Os conceitos de saúde e de saúde mental são plurissignificativos.

Sobre a noção de saúde, CLÁUDIA MONGE reconhece a dificuldade de delimitação da expressão; mas, com percuciência, caminha, desde a visão tradicional, passa pela ampla fórmula da OMS (que considera ideal, porém como conceito mais a ser perseguido do que utilizado como base dum Direito da Saúde), até culminar numa visão mais restrita, por si cunhada como “o de estado físico e psicológico dos indivíduos de ausência de doença, enfermidade, imperfeição orgânica ou funcional suscetível de limitar a sua atividade física ou mental, ou a vivência comunitária”. Definida como um estado, acresce CLÁUDIA MONGE: “a saúde aparece como um ponto de equilíbrio, como uma certa situação a atingir, a atender ou a preservar”2.

No que tange à saúde mental perspectivas diversas impõem-se igualmente. Sobrelevam-se o sentido coloquial e os sentidos técnico-científicos.

O primeiro, normalmente com forte carga pejorativa, ao longo da história, refere-se ao caráter mítico e demonizado, ou àquele indivíduo estereotipado como inconveniente, por ser “débil mental”, “louco”, “doido”, incapaz de viver em sociedade, e que deveria, assim, permanecer na penumbra: “encarcerado”, “segregado” ou “invisível” à sociedade. Nessa senda, e.g. FOUCAULT narra a transição da lepra para a loucura, passando pelas doenças venéreas, que acabarão (todas) por ocupar os mesmos espaços de exclusão. Espaços que a determinada altura serão preenchidos por “pobres, vagabundos, presidiários e ‘cabeças alienadas’ [que] assumirão o papel abandonado pelo lazarento”3.

Os sentidos técnico-científicos são vários, a depender da ciência que estuda o fenômeno. Assim, e.g., poder-se-iam assinalar significados ligados às ciências da saúde. Depois, acrescentar-se-iam ideias provenientes da filosofia, da história e da sociologia, como ciências que são.

Por sua vez, o senso jurídico estaria presente, pois as consequências individuais, sociais e econômicas ocasionadas às e pelas pessoas com doenças mentais em si e nos seus familiares produzem reflexos no meio jurídico, nas mais variadas áreas, como: no Direito Civil (interdição e curatela ou, atualmente, em Portugal, o regime do maior acompanhado); no Direito Penal (inimputabilidade); nos Direitos Constitucional e Administrativo (acarretando direitos e deveres, bem como a formatação de um aparato médico-administrativo integrado no Serviço Nacional de Saúde); no Direito Trabalhista (nas relações pertinentes, e.g. aos afastamentos ocupacionais decorrentes de doenças mentais).

Outro ponto de relevo é que, por vezes, surge um conjunto de novos sintomas decorrentes da “evolução” dos tempos, com o surgimento de novas tecnologias, que para alguns, no fundo servem para aprisionar sub-repticiamente a liberdade das pessoas, especialmente quando presente o mau uso e o excesso. Por exemplo, o uso desmedido do celular tem causado ansiedade; e, por conseguinte, o surgimento de transtorno mental. Assim, aumenta e “evolui” a prevalência e o aparecimento de novas doenças mentais.

Destarte, para o que nos interessa, cingir-se-á, de forma sucinta, primeiro, ao conceito da Organização Mundial da Saúde, doravante “OMS”, em 2013, no Plano Internacional da Saúde Mental4: “A saúde mental é um estado de bem-estar no qual a pessoa materializa as suas capacidades e é capaz de enfrentar o stress normal da vida, de trabalhar de forma produtiva e de contribuir com o desenvolvimento da sua comunidade”5.

A fonte desse conceito está no documento Promoting mental health: concepts, emerging evidence, practice summary report. Nesse, em busca da resposta do que se trata a saúde mental, num sentido positivo6, e de sua importância, sustenta-se, com razão: i) que a saúde mental integra a saúde em geral (mental health is an integral part of health); ii) que essa é mais do que a ausência de doença (mental health is more than the absence of illness); e iii) que a saúde mental é intimamente ligada à saúde física e ao comportamento (mental health is intimately connected with physical health and behaviour)7.

Àquele estado de saúde mental positiva e bem-estar mental, contrapõem-se as “diversas doenças mentais, que geralmente causam sofrimento psíquico e perturbam as capacidades relacionais e produtivas de quem delas sofre”. Com efeito, a exemplo do que ocorre com a saúde em geral, “a componente mental do processo dinâmico que é a saúde não é apenas a ausência de saúde mental”. É sim, “um estado que envolve bem-estar, que geralmente se encontra associado à ausência de patologia mental, mas que vai para além desta, envolvendo de forma significativa capacidades positivas resultantes do exercício das diversas funções mentais do ser humano”8.

Nesse passo, malgrado a dificuldade da tarefa, QUARTILHO esboça de forma mais clara a noção de saúde mental: “Uma pessoa saudável deve poder apreciar a qualidade das boas relações com os amigos, com colegas e familiares. Deve igualmente sentir-se bem do ponto de vista espiritual e contribuir, de algum modo, para o bem-estar dos seus concidadãos. É disto que falamos quando falamos de saúde mental, uma parte integrante do conceito geral de saúde”9. Mas, malgrado não caiba o desenvolvimento da evolução do conceito de saúde mental nesse espaço, é praticamente consensual a sua dificuldade10.

Quanto à definição de saúde mental no ordenamento jurídico português duas notas merecem reflexão. Primeira: a Constituição da República Portuguesa, doravante “CRP”, não a define (e nem seria o espaço apropriado para tanto). Segunda: a legislação específica da saúde mental. Nessa, a atual LBS não contempla a saúde mental. Por outro lado, a Lei n.º 36/98, de 24 de julho, alterada pela n.º 101/99, de 26 de julho, e pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, denominada Lei de Saúde Mental, doravante “LSM”, igualmente não estipula o que seria saúde ou doença mental.

Nesse aspecto, possui o ordenamento português alguma semelhança ao brasileiro; a priori, acertou em não adentrar na seara conceitual. No Brasil, a Constituição da República de 1988 também não define o que é saúde. A respeito da Lei 10.216, de 06 de abril de 2001 (como a LSM portuguesa) igualmente dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, bem como estabelece a excepcionalidade do regime de internação.

Assim, ao comentar a legislação brasileira, entende-se que “a lei, seja civil ou penal, não oferece um conceito de doença ou transtorno mental”. Nesse passo, sustenta-se que “andou bem o legislador, pois, além de se tratar de matéria afeta ao conhecimento técnico médico, e não jurídico, o encerramento de um conceito na lei, sobre saberes mutáveis, poderia implicar descompasso e contradições entre a realidade e a legislação vigente”. Com efeito, pela lei “a doença ou o transtorno mental são tratados apenas de forma tangencial, seja para regular a capacidade de seus portadores, seja as consequências de seus atos, ou a forma de seu tratamento”11. E o faz no Código Civil de 2002 (artigos 3.º e 4.º), quando trata das incapacidades12; ou, para fins penais, ao disciplinar a inimputabilidade, no artigo 26 do Código Penal brasileiro13.

Sem dúvida, crê-se que também não seria o caso de tecer conceitos rígidos numa nova LBS, por sua natureza principiológica e de diretriz.

Avança-se para o campo de abrangência da saúde mental. Esse, relativamente aos sujeitos, do berço à sepultura abrange todas as idades (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos), as raças, sexo, cor e orientação sexual.

Em razão das causas, poder-se-ia defender com certa objetividade, que o campo da saúde mental envolve, e.g. o consumo excessivo e continuado de álcool, drogas alucinógenas, proibidas ou permitidas, o consumo de alimentos, à genética humana, aos hábitos nocivos de vida, às pressões da vida pessoal e laboral, ao sedentarismo.

Nessa esteira, afirma-se que “o campo da saúde mental é muito vasto e integra fenómenos de natureza diversa”14. Em suma, incluem-se nesse pacote: saúde mental positiva, doenças mentais ou psiquiátricas, incapacidades de várias ordens (disfunções psicológicas, comportamentais ou biológicas que não constituem uma mera resposta culturalmente adequada a um evento particular), e problemas de saúde mental que envolvem “algum sofrimento psíquico, embora não cumpram os critérios definidos para o diagnóstico de uma doença mental”15.

Percebe-se, dessa forma a abrangência do campo “saúde mental”.

1.2. Principais transtornos mentais, custos e incidência: no mundo e na UE

Os transtornos mentais são inúmeros, cada um com sintomatologias próprias (muitos caracterizados por sintomas psicológicos e físicos), como: i) perturbações de ansiedade (perturbações de pânico, fóbicas, obsessivo-compulsiva, e a de stress pós-traumático); ii) perturbações do humor (perturbações depressivas, mania e doença bipolar), iii) esquizofrenia; iv) perturbações de controle de impulsos; v) perturbações de hiperatividade e défice de atenção e vi) perturbações psiquiátricas relacionadas ao uso de álcool16.

Há outros, igualmente relevantes, como: i) transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas (alucinógenos, álcool, maconha, cocaína – drogas sintéticas como o Ecstasy – e o LSD 25, que é um dos alucinógenos mais potentes)17; ii) transtornos alimentares, como a anorexia nervosa (“falta de apetite”), bulimia nervosa [a fome doentia, eventualmente acompanhada de vômitos autoinduzidos]18; iii) transtornos mentais orgânicos, ou seja, as demências reversíveis (hidrocefalia de pressão normal, a demência por lesão cerebral traumática, a demência por carências nutricionais e hipotireoidismo) e irreversíveis (Alzheimer, demência vascular, demência por corpúsculo de Lewy e demências frontotemporais)19.

A variedade e as consequências, a título individual, familiar, social, econômico, financeiro e jurídicas são enormes.

Portanto, utilizam-se como parâmetros as classificações e tópicos da American Psychological Association (APA) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Na primeira, relacionam-se diversos tópicos de aplicação da Psicologia na vida cotidiana20; na CID-10, encontram-se especificados 122 transtornos mentais21. Donde se percebe a dimensão e a amplitude do problema.

Mas o que releva, no fundo, desde Hipócrates, é que grande parte desses transtornos provém do cérebro humano.

Noutro lugar, em 200422, neurocientistas expunham estatísticas de milhões de americanos afetados nos Estados Unidos, por diversas doenças mentais23.

Quanto aos custos anuais, nos Estados Unidos, apresentavam dados: i) Alzheimer (aproximadamente 100 bilhões de dólares); ii) Depressão e esquizofrenia (cerca de 148 bilhões de dólares); iii) AVC (custo dos pacientes que sofreram sequelas – 54 bilhões de dólares)24.

Portanto, concluíam que, do confronto entre doenças e custos, a ressalva relevante seria: “os custos econômicos das disfunções encefálicas são enormes, mas perdem importância se comparados com o custo emocional que atinge as vítimas e suas famílias”25. Podem ser acrescidos aqui, de certo, os cuidadores e a comunidade.

Em 2009, duas mensagens-chave do Relatório da Organização Mundial de Saúde sobre a Integração da Saúde Mental nos Cuidados de Saúde Primário, foram: i) “As perturbações mentais afectam centenas de milhões de pessoas e, se não tratadas, criam enormes custos em termos de sofrimento, incapacidade e perdas económicas”; ii) “A Saúde mental é central em relação aos valores e princípios da Declaração de Alma-Ata”26 e27 .

Assim, os transtornos mentais, em todo mundo, exercem uma carga econômica e social enorme; afinal, a OMS estimava que 154 milhões de pessoas sofrem[iam] de depressão e 25 milhões de pessoas de esquizofrenia. Pelo menos 50 milhões sofrem[iam] de epilepsia e 24 milhões de Alzheimer e outras formas de demência. Cerca de 877 000 morrem[iam] devido a suicídio cada ano. Entre outros dados, e.g., o relatório consignava que: i) cerca de uma em cada cinco crianças sofre de uma perturbação mental; ii) a depressão na adolescência continua frequentemente, sem diminuição, na idade adulta; iii) na outra ponta, isto é, nos idosos, a prevalência de perturbações depressivas entre pessoas acima de 65 anos é segundo estimativas conservadoras entre 10% e 15%, embora certas estimativas cheguem a 45%. Outras perturbações, incluindo demências, deficiências cognitivas, luto e suicídio, são mais comuns na velhice28.

Enfim, nenhuma faixa etária está imune a transtornos mentais, o que “globaliza” o problema, não apenas no prisma espacial, mas dentro do ciclo de vida de toda população, ou seja: todos e cada um estão sujeitos “do berço à sepultura” a serem vítimas, no decurso de suas existências, a alguma doença mental.

Nesse quadro, a OMS estabeleceu o Plano de Ação Integral sobre Saúde Mental – 2013-2020, com metas mundiais para os Estados-Membros (incluindo Portugal), dentre as quais, e.g., ligada ao “objetivo 4” (Fortalecer los sistemas de información, los datos científicos y las investigaciones sobre la salud mental)29.

Na Europa, a Comissão Europeia sustenta que: i) as doenças relacionadas ao cérebro “são responsáveis por mais de 35% da carga de doença total da Europa”; ii) o custo total das doenças cerebrais foi estimado em EUR 800 mil milhões. Estima-se também que os transtornos mentais, sozinhos, afetem 165 milhões de pessoas na União, a um custo de EUR 118 mil milhões30.

Pois bem. Os dados até aqui declinados continuam atuais para se ter uma noção da evolução do quadro da saúde mental, um pouco pelo mundo fora31.

Todavia, mais recentemente, no documento Health at a Glance: Europe 2018. State of Health in the EU Cycle, ao esboçar uma visão geral da saúde na Europa, estima-se, e.g., “que 9,1 milhões de pessoas com mais de 60 anos vivam com demência nos Estados membros da UE, acima dos 5,9 milhões em 2000. Se a prevalência da demência específica para a idade continuar a mesma, o envelhecimento das populações significa que este número continuará a crescer substancialmente, no futuro. O número total de pessoas que vivem com demência nos países da UE deverá aumentar em cerca de 60% nas próximas duas décadas, atingindo 14,3 milhões em 2040, com as pessoas mais velhas (acima de 90 anos) respondendo por uma parcela crescente”32.

1.3. O contexto português

É de conhecimento público que o problema de saúde mental em Portugal é grave e real. Faz tempo que a imprensa vem noticiando o preocupante quadro mental dos portugueses.

Confiram-se alguns fatos noticiados a esse propósito: i) saúde mental: Os portugueses são mais vulneráveis ao sofrimento, onde se destacam o aumento do número de antidepressivos e suicídios, sobretudo nas pessoas em idade ativa. Analisa a evolução do quadro no período 2010-2014, oportunidade em que os suicídios aumentaram de 1049 (em 2010) para 1154 (em 2014)33; ii) Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações mentais. A matéria baseou-se no primeiro estudo epidemiológico nacional de saúde mental realizado em 2013, pela Direção-Geral da Saúde, no qual se constataria que Portugal teria o terceiro maior índice de prevalência para perturbações psiquiátricas (22,9%) entre os países ocidentais, permanecendo atrás apenas de Irlanda do Norte (23,1%) e Estados Unidos (26,4%)34; iii) Portugal tem a taxa mais elevada de doenças mentais da Europa. A matéria ressalta que das 10 doenças que mais contribuem para incapacidade de trabalho, cinco são de foro psiquiátrico, como a depressão, os problemas ligados ao álcool, a esquizofrenia, as doenças bipolares e as demências35.

Embora tenha-se avançado no setor saúde, incluindo a redução de custos e aumento da eficiência, subsistem vários desafios, nomeadamente a aplicação de medidas capazes de garantir a sustentabilidade financeira, acompanhada da melhoria nas áreas de prestação deficitárias, como os cuidados da saúde mental e os cuidados paliativos36.

Nesse passo, segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria em Saúde Mental: i) entre as perturbações psiquiátricas, as de ansiedade são as que apresentam uma prevalência mais elevada (16,5%), seguidas pelas perturbações do humor, com prevalência de 7,9%; ii) as perturbações de controlo dos impulsos e as pelo abuso de substâncias registram taxas de prevalências inferiores, respetivamente, 3,5% e 1,6%; iii) cerca de 4% da população adulta apresenta uma perturbação mental grave, 11,6% uma de gravidade moderada e 7,3% uma de gravidade ligeira; iv) as perturbações mentais e do comportamento representam 11,8% da carga global das doenças, mais do que as doenças oncológicas (10,4%) e apenas ultrapassadas pelas doenças cérebro-cardiovasculares (13,7%)37.

Quanto às demências, em 2010, a Assembleia da República, doravante “AR”, estimando o número de 135.000 doentes, estabeleceu duas Resoluções, com recomendações ao Governo. Na primeira, recomenda o reconhecimento das demências como uma prioridade nacional e a criação de um Programa Nacional para as Demências38. Na segunda, propõe que considere a abordagem das demências uma prioridade política, que elabore um plano nacional de intervenção e adote as medidas necessárias para um apoio adequado aos doentes e suas famílias. Nesta última, sugere reconhecer as demências como uma prioridade social e de saúde pública; e reconhecimento do Alzheimer como doença crônica39.

Nesse campo, malgrado a situação das demências seja preocupante, o Governo encontra-se atrasado nas respostas, a comparar com outros países da Europa. Em França, e.g., há mais tempo já foram lançados programas envolvendo essa temática. O último, para o período de 2014-2019, baseia-se em quatro eixos estratégicos (quatre axes stratégiques): i) cuidados e apoio ao longo da vida e em todo o território; ii) promover a adaptação da sociedade aos riscos das doenças neurodegenerativas e mitigar as consequências pessoais e sociais na vida cotidiana; iii) desenvolver e coordenar pesquisas sobre doenças neurodegenerativas; iv) tornar a governança do plano uma ferramenta real para a inovação, orientando as políticas públicas e a democracia na saúde40.

Tanto é verdade que o Governo, em 2018, reconhece que a maioria dos países europeus já possuem um Plano de enfrentamento às demências, projeta um número entre 160 a 185 mil pessoas afetadas, e determina a aprovação da Estratégia Nacional de Saúde na Área de Demências. Ademais, constitui coordenação com a missão de elaborar Planos Regionais, no prazo máximo de um ano41.

Posto isso, resulta clarividente a relevância de um adequado enfrentamento da saúde mental, quer do ponto de vista individual, familiar, social; quer sob a ótica das ciências médicas, quer da ciência jurídica. Donde releva o estudo do ordenamento jurídico português.

2. A legislação da saúde (mental) em Portugal

2.1. Da Constituição às normas infraconstitucionais

O ordenamento jurídico português sobre saúde e saúde mental é composto por um conjunto de normas que visam prevenir, promover e proteger a saúde em instrumentos que reunidos formam um microssistema, ou um quadro jurídico amplo em matéria da saúde.

A começar pela CRP, esta traz normas direta ou indiretamente ligadas à saúde: artigo 1.º (reconhece a dignidade da pessoa humana, como princípio constitucional estruturante); artigo 8.º (dedicado às relações internacionais); artigo 9.º (tarefas fundamentais do Estado); artigo 13.º (afirmação do princípio da igualdade); artigo 18.º (regime dos direitos fundamentais); artigo 24.º (proteção do direito à vida); artigo 25.º (reconhecimento do direito à integridade pessoal); artigo 26.º (afirmação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e proteção da dignidade genética); artigo 61.º (consagra a livre iniciativa privada); artigo 63.º (o reconhecimento da atividade e do funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem caráter lucrativo); artigo 66.º (direito ao ambiente e qualidade de vida); artigo 82.º (sectores de propriedade dos meios de produção); artigo 227.º (regime das regiões autônomas); artigo 235.º (reconhecimento do poder local) e os artigos 267.º e 268.º (estrutura da Administração e às garantias dos administrados)42.

Todas essas normas, de um modo ou de outro, direta ou indiretamente, nas perspectivas individual ou coletiva, sob a ótica do direito público ou associando-se à proteção da saúde num nível privado, aglutinam-se e formam o arcabouço jurídico-constitucional da saúde.

Todavia, além delas, a saúde é protegida nos números 1, 2 e 3 do artigo 64.º da CRP, na parte dos direitos sociais, a englobar de forma ampla, questões como: i) direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover; ii) a realização do direito à proteção: a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral, tendencialmente gratuito; b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável; iii) incumbências prioritárias do Estado: a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação; b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde; c) Orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos; d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade; e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico; f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência. Por fim, estabelece, este dispositivo que o serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.

É dizer que a CRP, como centro de irradiação das opções jurídico-políticas do constituinte, abordou de forma ampla e minuciosa a matéria da saúde. E, como é de se esperar, numa interpretação razoável, deve-se incluir na sua proteção, a saúde mental.

Poder-se-ia realizar nesse ponto o seguinte raciocínio lógico-jurídico: o n.º 2 do artigo 16.º, da CRP (relativo ao âmbito e ao sentido dos direitos fundamentais) dispõe que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta, no n.º 1 do artigo 25.º, desde 1948, consagra que toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde. Torna-se óbvio que a saúde na esfera internacional é de ordem ampla, e abrange por definição, a saúde mental. Contudo, se de um tal raciocínio resultar alguma dúvida, o n.º 1 do artigo 16.º, da CRP estipula um regime aberto (numerus apertus) aos direitos fundamentais, pois não exclui de seu âmbito outros direitos constantes das leis e das regras aplicáveis de Direitos internacional. Este dispositivo, combinado com os números 1, 2 e 3 do artigo 8.º da CRP, resguardados os parâmetros constitucionais, faz com que as normas de Direito Internacional integrem ou vinculem o Estado. Donde, emergem um cipoal de normas internacionais em matéria de saúde mental que devem ser respeitadas em Portugal. Mas, se ainda assim, restar dúvida sobre a importância jurídica da saúde mental, no ordenamento português, basta conjugar o n.º4 do artigo 8.º com o artigo 25.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Tudo isso, apenas no aspecto jurídico exógeno. Mas no próprio ordenamento infraconstitucional português, ou seja, do ponto de vista endógeno, não há como ignorar a proteção em matéria de saúde mental.

Tanto é assim que encontram-se positivadas inúmeras normas: i) Lei da Saúde Mental – Lei n.º 36/98 de 24 de julho, alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 de julho, e pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto,; ii) Lei de Bases da Saúde – Lei nº 48/90 de 24 de agosto, alterada pela Lei n.º 27/2002 de 8 de novembro; iii) Regime Jurídico do Serviço Nacional de Saúde – Capítulo III da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, alterada pela Lei n.º 27/2002 de 8 de novembro; e o Decreto-lei n.º 11/93 de 15 de janeiro, com sucessivas alterações; iv) Regime Jurídico do Consentimento em Saúde – “Convenção Sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina”, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, de 3 de janeiro, e ratificada para o direito português pelo Decreto do Presidente da República n.º 1/2001, de 3 de janeiro, e; e os artigos 150.º, 156.º e 157.º do Código Penal; v) Regime Jurídico das “Diretivas Antecipadas de Vontade” - Lei n.º 25/2012 de 16 de julho, alterada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto; vi) Regime Jurídico da Informação de Saúde – Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, alterada pela Lei nº. 26/2016, de 22 de agosto; vii) Lei de Base dos Cuidados Paliativos – Lei n.º 52/2012, de 5 de setembro; viii) Lei consolidando a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde – Lei n.º 15/2014, de 21 de março, alterada pelo Decreto-Lei n.º 44/2017, de 20 de abril; ix) Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto - Cria o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 196643.

Como se vê, o ordenamento em matéria de saúde (mental) é amplo, interna e externamente, malgrado o que nos interessa para esse estudo seja a LBS, pinçada do quadro das normas endógenas.

2.2. Da LBS em Portugal

A alínea f) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP estabelece a reserva relativa de competência legislativa da AR para legislar sobre matérias como Estado e capacidade; direitos, liberdades e garantias, bem como sobre as bases do serviço nacional de saúde. Esta competência é exclusiva, ressalvada a autorização do Governo44.

Quer isto dizer, segundo a doutrina, que, “salvo autorização legislativa ao Governo, a competência para definir as ‘traves mestras’ do estatuto jurídico do serviço nacional de saúde compete ao parlamento”454.

São as chamadas leis reforçadas. Apenas enquadram-se nessa espécie “as que como tais resultem da Constituição”. Ou seja, nenhuma lei “é reforçada em si mesma, tudo se reconduz a um fenómeno de relação entre algumas leis e todas as demais”. Esta relação pode ser “múltipla”, pois uma lei pode se impor a outra que, por seu turno, “apareça vinculada a uma terceira, por lhe ser vedado contrariá-la”46.

A Constituição aponta inúmeras espécies de leis reforçadas47 e, dentre elas, acompanha e justifica a doutrina a inclusão “das chamadas Leis de bases [n.º 2 do artigo 112.º, alínea c) do n.º 1, e n.º 3 do artigo 198.º, e alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º] – porque os decretos-leis e os decretos legislativos regionais de desenvolvimento têm, pela natureza das coisas, de se mover no âmbito precetivo das bases”48.

Ainda sobre as leis de bases, ressalva-se que: i) com o princípio da reserva legislativa de bases gerais, desejou-se, pois, e por um lado, “assegurar a intervenção legislativa primária da AR, e, por outro lado, permitir ao Governo (e assembleias legislativas regionais), mesmo sem autorização legislativa, legislar sobre a mesma matéria, uma vez fixadas as bases gerais através de leis do parlamento”; ii) sob o ponto de vista material, as leis de base “constituem directivas e limites dos decretos-lei e dos decretos-legislativos de desenvolvimento: directivas porque definem os parâmetros materiais, isto é, os princípios e critérios a que o Governo e as assembleias legislativas regionais devem sujeitar-se no desenvolvimento das referidas leis; limites, porque o desenvolvimento pelo Governo (alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º) e pelas assembleias legislativas regionais ( alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º) das leis de bases devem manter-se dentro das normas fixadas nas bases da AR”; iii) enfim, malgrado as leis e os decretos-leis sejam “actos legislativos de igual dignidade hierárquica, as leis adquirem, na forma de leis de bases, uma primariedade material e hierárquica com a correspondente subordinação dos decretos-leis de desenvolvimento (cfr. n.º 2 do artigo 112.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º). As bases fixadas por lei da AR, adquirem, deste modo, um caráter reforçado”49.

Seguindo de perto essa tipologia legislativa, o parlamento aprovou na década de 90 a LBS, então em vigor. Contudo, no bojo dela, inexiste uma base para a saúde mental. Sequer quanto às diretrizes da política de saúde, inclui-se de forma “clara/direta”, entre os grupos vulneráveis os doentes mentais; ao revés, apenas as crianças, os adolescentes, as grávidas, os idosos, os deficientes, os toxicodependentes e os trabalhadores cuja profissão o justifique estão inclusos (Base II, n.º 1, alínea c)). Esta circunstância pode implicar interpretações equivocadas, ao menos em tese, pois sabe-se das confusões terminológicas, e.g., entre deficiência e doença mental.

Objetivando revisar a LBS, algumas tentativas foram realizadas. Duas merecem menção. Primeira, decorrente de Comissão capitaneada pelo Professor Doutor José Manuel Sérvulo Correia (em 1999)50. Outra, por projeto de lei dos Doutores António Arnaut e João Semedo, publicado em 2017, como parte integrante da obra Salvar o SNS: Uma Nova Lei de Bases da saúde para Defender a Democracia51. Em ambos, não constou uma Base especificamente destinada à saúde mental.

Em 2018, o Governo criou a Comissão para Revisão da LBS. Nesse ato, justificou-se a necessidade de revisão, por fatores externos e internos, entre os quais a premência de “aprender com a experiência das últimas décadas e com os desafios que do presente se podem antecipar para o futuro próximo”, bem como para proporcionar ao país uma LBS “que assegure aos portugueses a melhor promoção e proteção da saúde, incluindo o acesso apropriado a cuidados de saúde de qualidade”52.

Acresce que a LBS “diz respeito ao setor público, ao setor social e ao setor privado. Mas diz respeito sobretudo ao bem-estar dos portugueses”53.

Referido ato governamental fixou à Comissão o prazo de conclusão dos trabalhos até o início da sessão legislativa de 2018/2019, além de determinar as fases de desenvolvimento54.

Porém, a Comissão cumpriu antecipadamente o prazo de entrega do Relatório. Verifica-se que todas as fases foram seguidas à risca e, depois de regular tramitação, constou do Projeto de Proposta de Lei da Comissão a Base XVIII, sobre saúde mental, dentre outras matérias relevantes e inovadoras, algumas delas, poder-se-ia dizer, que “flertam” direta ou indiretamente com a saúde mental, tais como: saúde e deficiência (Base X), cuidadores informais (Base XII), saúde e envelhecimento (Base XX), tecnologias da saúde (Base XXXI), inovação em saúde (Base XXXII), saúde digital (Base XXXIII) e investigação (Base LVII)55.

Ora pois. Saúde e saúde mental são matérias transversais. Assim, casos de fronteira haverão de surgir entre a saúde mental e as deficiências (físicas ou mentais). Os cuidadores informais são deveras importantes em casos de incapacidade física, e mental, como nas demências, designadamente no Alzheimer, em suas fases mais avançadas onde a debilitação da memória da pessoa reflete-se em todo o seu ser, tornando-a paulatinamente mais dependente. E, nem sempre, poderá encontrar em seus familiares, a tempo integral, o justo apoio à sua dignidade. Daí a relevância da proteção dos cuidadores informais. A saúde mental e o envelhecimento, muitas vezes, como no próprio exemplo das demências, entrecruzam-se. Tecnologias, inovação, saúde digital e investigação também fazem parte do contexto da saúde mental, haja vista a existência de doenças mentais crônicas, incuráveis e, muitas vezes, fatais.

Todavia, apesar das aparentes ligações entre os temas, não é esse o foco do nosso estudo, que cinge-se a inclusão da Base XVIII em matéria específica de saúde mental.

A justificativa da Comissão (e de seus integrantes) para inclusão dessa matéria cinge-se a: i) reconhecida relevância da saúde mental das pessoas e da sociedade em geral, centrando-se nomeadamente os cuidados de saúde mental nas necessidades específicas das pessoas que deles careçam (item 16 do Sumário Executivo)56; ii) centralidade da saúde na pessoa que realiza-se também “na compreensão de necessidades específicas de saúde e na determinação de que sejam realizadas políticas específicas de saúde, como a Saúde Mental (Base XVIII)” (testemunho da Professora Doutora Cláudia Monge)57; iii) “preocupação acrescida com grupos vulneráveis, como o das pessoas com deficiência ou doença mental. Combater a discriminação negativa de que são alvo e assegurar-lhes cuidados de saúde que lhes permitissem aceder a uma efetiva igualdade de oportunidades foi um dos importantes propósitos da proposta apresentada” (testemunho da Professora Doutora Helena Pereira Melo)58; iv) que na proposta de LBS “se reclama de matérias que não são uma abstração intelectual para as pessoas em sofrimento - ainda as outras saúdes: - A Saúde Mental, com recomendações fortes sobre a necessidade de prevenção, a importância dos representantes legais e o combate vigoroso ao estigma e à discriminação” (testemunho da Dr.ª Isabel Saraiva)59.

Destarte, as justificativas são juridicamente convincentes, justas e em sintonia com o caótico quadro vivenciado.

Mas, vamos à breve análise do teor da Base XVIII, da saúde mental60.

O dispositivo n.º 1 diz que “todos têm direito a gozar do melhor nível de bem-estar mental, enquanto base do seu desenvolvimento equilibrado durante a vida, importante para as relações interpessoais, vida familiar e integração social, e para plena participação comunitária e económica de cada um”. Percebe-se aqui a consagração, a partida, de um direito relevante para o bem-estar mental, e o desenvolvimento harmônico, homeostático da pessoa, de sua família e da sociedade, de forma integrada.

O item n.º 2, assevera que “o Estado promove a melhoria da saúde mental das pessoas e da sociedade em geral, designadamente através da promoção do bem-estar mental, da prevenção e da identificação atempada das doenças mentais e dos riscos a elas associados, da proteção dos direitos humanos e da prestação integrada de cuidados de saúde mental às pessoas afetadas por doenças mentais”. Vislumbra-se, nesse ponto, a conjugação dos eixos de prevenção, promoção e proteção em matéria de saúde mental.

O n.º 3 consagra uma questões premente (e resistente no curso da história), ou seja, a discriminação envolta nas pessoas acometidas por doença mental. E o faz em termos claros e cirúrgicos: “são combatidos os estereótipos negativos e o estigma associados à doença mental, bem como a discriminação negativa das pessoas que dela sofrem (…)”.

O n.º 4 avança para a inclusão da saúde mental nas políticas públicas. Logo, “a saúde mental deve, pela sua transversalidade e relação com diferentes setores da sociedade, ser considerada nas políticas com impacto na saúde pública”.

O n.º 5 reafirma que “os cuidados de saúde mental devem ser centrados nas pessoas, reconhecendo a sua individualidade, necessidades específicas e nível de autonomia, e ser prestados através de uma abordagem interdisciplinar e integrada e prioritariamente a nível da comunidade”. Consagra-se aqui uma proposta prioritariamente autonômica, integrada, de humanização e de desinternação.

O n.º 6 assevera que “a promoção da saúde mental positiva da população, como fator de progresso económico, de coeSão social e de desenvolvimento sustentável da sociedade, é assegurada através de programas plurissectoriais que desenvolvam a resiliência e outros recursos”. Percebe-se de forma cristalina que o projeto encontra-se em linha com as definições e propostas da OMS acima declinadas.

O n.º 7 dispõe que “as pessoas com doença mental, os seus representantes legais, acompanhantes ou cuidadores devem ser ativamente envolvidos no plano de cuidados a prestar, com respeito pelos direitos das pessoas com doença mental”. Ora, a participação e acompanhamento dos envolvidos diretamente com o afetado, no plano de cuidados, ao menos em tese, potencializa as oportunidades de sucesso, bem-estar e qualidade.

O n.º 8 ataca o eixo da investigação específica em matéria de saúde mental. Ou seja, “o Estado apoia investigação interdisciplinar na área da saúde mental que permita produzir evidência sobre o impacto das perturbações mentais, das políticas e dos cuidados de saúde mental, a nível individual e social”.

Enfim, numa visão perfunctória, vislumbra-se de forma insofismável que as justificativas dos seus integrantes refletiram-se na Proposta. Numa Proposta densa, clara, abrangente, refletida, discutida, centrada na pessoa com doença mental (e no seu entorno), preocupada com o combate à histórica discriminação, com a transversalidade e com o enfrentamento das doenças mentais nos eixos preventivo, protetivo e de promoção, ofertando-se o devido respeito que esse grupo vulnerável merece.

Contudo, na sequência o Governo apresentou outro projeto, desconsiderando alguns aspectos da proposta da Comissão.

Esta nova proposta de LBS foi aprovada em 13/12/2018, pelo Conselho de Ministros, cujas “linhas gerais foram apresentadas pela Ministra da Saúde”, sendo submetida a apreciação e votação da AR61.

Na Base 9 desta Proposta ressalta-se que: “o Estado promove a melhoria da saúde mental das pessoas e da sociedade em geral, designadamente através da promoção do bem-estar mental, da prevenção e identificação atempada das doenças mentais e dos riscos a elas associados”. Ademais, “os cuidados de saúde mental devem ser centrados nas pessoas, reconhecendo a sua individualidade, necessidades específicas e nível de autonomia, e ser prestados através de uma abordagem interdisciplinar e integrada e prioritariamente a nível da comunidade”.

Cuida-se de proposta menos abrangente, malgrado mantenha, quando pouco, o mérito de continuar a conceder num espaço reforçado o tratamento à saúde mental.

Outras propostas foram apresentadas pela Associação Nacional dos Estudantes de Medicina, doravante “ANEM”, e por partidos políticos.

A ANEM apresentou duas propostas. A primeira relacionada ao planejamento dos recurso humanos em matéria de saúde; a segunda, relativa a sugestão de criação da figura jurídica do Segredo do Estudante de Saúde, quando necessite ter contato com os doentes e acesso às suas informações de saúde. Merecem reflexão esses contributos, designadamente o último, que resguarda todos doentes, incluindo os assolados por alguma doença mental62.

Conforme disponibilizado no sítio da Assembleia da República, foram apresentadas propostas pelos seguintes partidos:

i) Partido Comunista Português. Apresentou Projeto de Lei, donde se extrai, no Capítulo 3, números 1, 2 e 3 do artigo 36.º, uma Base para a saúde mental. O primeiro item relaciona-se com a promoção da saúde em todas as idades, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das “doenças psíquicas”, visando no fundo a integração social dos atingidos; o n.º 2 foca-se na promoção pelo Estado do reforço organizativo dos serviços locais de saúde mental, ao mesmo nível dos outros cuidados do SNS; o último item cuida da promoção de inciativas para eliminação do estigma e discriminação das pessoas com doença mental, com o fito de integrá-las na comunidade63;

ii) Bloco de Esquerda. Inexiste base específica para a saúde mental em seu projeto64;

iii) Partido Social Democrata65. Propõe, na Base XXIV, n.º 1 a 7, de seu Projeto os princípios da saúde mental. No n.º 1 consta a promoção da melhoria da saúde mental pelo Estado das pessoas e da sociedade, da prevenção e da identificação atempada das doenças mentais e dos riscos a elas associados. No n.º 2 considera-se a saúde mental nas políticas com impacto na saúde pública. No n.º 3, alíneas a) e b) a forma de cuidado da saúde mental, centralizada nas pessoas e prestadas através de uma abordagem integrada e prioritariamente na comunidade. No n.º 4 adentra-se na promoção da saúde mental positiva da população. O n.º 5 refere-se ao envolvimento ativo das pessoas com doenças mentais, representantes legais, acompanhantes ou cuidadores no plano de cuidados a prestar, com respeito pelos direitos dos primeiros. O n.º 6 atribui ao Estado o apoio à investigação interdisciplinar na área da saúde mental. Por fim, o n.º 7 busca a proteção das pessoas afetadas por doenças mentais contra o estigma em contexto de saúde. Este Projeto é bastante assemelhado ao da Comissão, mesmo porque, na exposição de motivos consigna o recurso “ao trabalho recentemente produzido pela Comissão da Lei de Bases da Saúde”;

iv) Grupo Parlamentar CDS-PP. Apresenta na sua proposta a Base XVIII, n.º 1 a 9, para saúde mental66. Nesta, o n.º 1 refere-se ao direito de gozo do melhor nível de bem-estar mental. O n.º 2 considera à promoção pelo Estado da melhoria da saúde mental das pessoas e da sociedade. O n.º 3 busca combater os estereótipos negativos associados à doença mental e a discriminação negativa. O n.º 4 aduz que a saúde mental deve ser considerada nas políticas com impacto na saúde pública. O n.º 5 concentra os cuidados de saúde mental nas pessoas. O n.º 6 refere-se à promoção da saúde mental positiva da população. O n.º 7 dispõe sobre a participação das pessoas com doença mental e demais envolvidos no plano de cuidados a prestar. O n.º 8 assevera que os cuidados de saúde mental devem ser prestados de forma multidisciplinar, em instituições polivalentes. O último refere-se ao apoio do Estado na investigação na área da saúde mental. Este Projeto também comunga muitos pontos em comum com os da Comissão de Revisão, conforme se verifica em sua exposição de motivos, que não poderia, “sem mais, ser ignorado”.

Ao comparar todas as propostas, não cabe ao jurista, nessa fase, aprofundar-se em demasia na discussão política que cabe ao parlamento, aos representantes do povo, que podem alterá-las, melhorá-las (ou piorá-las), incluir e excluir as bases que julgar pertinentes, de acordo com o livre debate político das ideias e da democracia constitucional.

Noutro viés, convém ao jurista buscar auxiliar, em seus escritos, pontos jurídicos, nesse caso, as propostas de base da saúde mental dos projetos em mesa.

Numa visão suprapartidária, pelo quadro que se apresenta, uma questão é pacífica, pois consta em praticamente todas as propostas: é necessário constar numa nova LBS a proteção da saúde mental.

Diante do cenário alarmante desenvolvido no item 1.3., evidencia-se, sem saúde mental inexiste saúde. Isso parece ter sido compreendido pelos legisladores. O que estará em causa e se discutirá é o alcance, a qualidade e quantidade do tratamento que se deseja ofertar ao povo nessa matéria. No fundo, devem permear as discussões, esta indagação: até que ponto deseja-se um tratamento eficaz do cérebro humano para as presentes e futuras gerações?

Ademais, qual é a “melhor” proposta, do ponto vista jurídico?

A priori, aquela fruto da Comissão, por ter em seus membros representantes dos notáveis e outros especialistas em matéria de saúde, pela sua discussão pública, pelo recebimento dos contributos, pela participação popular mais ampla, pelo tempo de maturação da proposta e das reflexões entre os seus membros, resultando naquele projeto articulado, solicitado inicialmente pelo Governo.

Entretanto, isso não impede que a proposta da Comissão seja alvo de discussão e aperfeiçoamento com base nas outras propostas apresentadas, embora haja certa similitude na forma e alcance. É que muitas delas indiciam ter sido parametrizadas na da Comissão.

O jurista trabalha com fatos sociais concretos; fatos que são valores importantes para determinada sociedade, em determinado tempo e lugar, e para estabelecer a norma aplicável ao ou aos caso(s), já dizia Miguel Reale na sua Teoria Tridimensional do Direito67.

Na hipótese, os fatos, ou seja, a disseminação de várias doenças mentais em todas as fases de vida dos seres humanos (e dos portugueses), geram e ganham relevância individual, social, econômica e financeira para a sociedade (valores inestimáveis), em todas as regiões do país. Portanto, devem ser abrangidos pela norma, no caso, a LBS. E, a nosso ver, de forma lato sensu, de acordo com as possibilidades do Estado, com a visão voltada aos portugueses que são os destinatários da proteção cérebro-mental.

DEODATO, ao comentar a LBS em vigor, asseverou: “constitui a principal base jurídica para todo o regime da saúde em Portugal. Enuncia os princípios fundamentais que estruturam o sistema e consagra os direitos das pessoas que utilizam as diversas entidades prestadores de cuidados. É esta a função de uma lei de bases”. Prossegue: “na hierarquia das leis, situa-se entre a Constituição e as Leis” da AR e os Decretos-Leis do governo. Esta posição hierárquica resulta do disposto no n.º 2 do artigo 112.º da Constituição, que estabelece que “têm valor reforçado, além das leis orgânicas (…) aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devem ser respeitadas”, pois, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, é reserva relativa de competência legislativa (o que significa que a AR pode legislar sobre a matéria ou autorizar o governo a fazê-lo) as “bases (…) do serviço nacional de saúde”. Avança: “sendo as bases de um quadro legislativo, constituem um pressuposto normativo de outras leis e estas devem respeitá-las”. E arremata: “com rigor, esta lei não define apenas as bases do serviço nacional de saúde (SNS), mas de todo o sistema de saúde português. De facto, os princípios do SNS constituem apenas uma parte desta lei – o capítulo III – sendo as restantes destinadas a todo o sistema, que nos termos do n.º 1 da Base XII integra também as entidades privadas e os profissionais liberais”68.

Esta abordagem Sistema/Serviço de Saúde (o primeiro constituído pelo segundo – Base XII da LBS) já havia sido realizada bem antes, de forma detalhada, e.g. por NOGUEIRA DA ROCHA69.

Em suma, de forma direta, uma lei de bases “define princípios e linhas mestras da política pública para uma determinada área de atividade, neste caso, para a saúde. Não impõe modelos rígidos e não impede os governos de escolher e tomar as suas opções políticas, desde que respeitem os princípios instituídos pela lei de bases”70. A propósito, a sua inobservância implica responsabilidade penal, contraordenacional, civil e disciplinar (Base III, da LBS, em vigor). Portanto, mais uma razão para fundamentar a inclusão de uma Base para a saúde mental.

2.3. Breve nota comparativa entre as LBS portuguesa e espanhola

Os perfis de saúde e os Sistemas de Saúde de Portugal e Espanha assemelham-se, malgrado algumas discrepâncias, e.g. no contexto demográfico. Enquanto Portugal, em 2015, possuía uma percentagem populacional maior de 65 anos equivalente a 20,3%; em Espanha, esse fator era menor (18,5%). Contudo, em relação à media da UE (18,9%), apenas Portugal superava-a.

O Sistema Sanitário, em Espanha, é descentralizado com uma coordenação nacional (El Sistema Nacional de Salud ‘SNS’ se financia mediante los impuestos y funciona principalmente a través de su red pública de proveedores).

Em Espanha, e.g., las muertes por la enfermedad de Alzheimer y otras demencias están aumentando. Entre 2000 e 2014 passaram da 6ª para a 3ª posição, com 8% das mortes, sendo apenas igualada em 2º lugar (com o índice de 8%, pelas cardiopatias isquêmicas) e superada por outras cardiopatias (9% das mortes). Nesse interregno, em Portugal, as mortes causadas por Alzheimer e outras demências aumentaram substancialmente da 17.ª para a 6.ª posição, com 4% das mortes; superada, todavia, em primeiro lugar pelo AVC (11%), que também se relaciona-se com a saúde mental.

Contudo, a situação de Portugal é preocupante pois a taxa de esperança de vida ao nascer da Espanha (em 2015) era a maior da Europa (83,0 anos) enquanto a de Portugal era de 81,3 anos, ambas superiores à média da UE (80,6 anos). Nos dois países houve aumento nesse índice. A prosseguir nesse caminho a tendência de Portugal é elevar o número de pessoas idosas e portadoras de demências.

Entre as principais conclusões do perfil de saúde português (ao contrário do espanhol) encontra-se uma específica para a saúde mental, a dizer que, embora os ganhos em eficiência, “subsistem vários desafios, nomeadamente a aplicação de medidas capazes de garantia da sustentabilidade financeira, acompanhada da melhoria das áreas de prestação deficitárias, como (…) a saúde mental e os cuidados paliativos”, enquanto em Espanha a preocupação mais sensível é com os cuidados de longa duração devido ao envelhecimento da população71.

Juridicamente, Portugal e Espanha preveem, em suas respectivas Constituições, a proteção da saúde: artigo 64.º da CRP (analisado acima) e artigo 43.º, 1, 2 e 3 da Constituição Espanhola de 1978. Este último dispositivo, reconhece: “o direito à proteção da saúde”; a competência das autoridades públicas para “organizar e vigiar a saúde pública por meio de medidas preventivas e dos benefícios e serviços necessários”; o dever das autoridades públicas de “fomentar a educação em saúde, educação física e esportes”72.

A doutrina ao comentar esse dispositivo ressalta que ele constitui-se num “mandato claro para hacer efectivo el derecho a la salud”. E, assim como no texto constitucional português, prossegue a doutrina a dizer que: “Este derecho aparece, además, claramente interconectado con otros preceptos del texto constitucional (arts. 40.2, 49, 50, 51, etc.), lo que hace que podamos afirmar que su significación tiene un sentido amplio”73.

Nesse passo, semelhantemente a Portugal, o artigo 149, n.º 1.16 da Constituição Espanhola estabelece a competência exclusiva do Estado para intervir em assuntos como as “condições básicas e coordenação geral das questões de saúde” (Bases y coordinación general de la sanidad).

Daí nasceu a Ley 14/1986, de 25 de abril, denominada Ley General de Sanidad, doravante, “LGS”. ESTORNINHO, acresce que “é com a Ley de Cohesión y Calidad del Sistema Nacional de Salud, Ley 16/2003, de 28 de mayo (LCCSNS) que se aperfeiçoa esse sistema”74.

Por essa razão sustenta-se que esta sistemática de competências “origina y da vida al Sistema Nacional de Salud”75.

A LGS estipula em seu Título Preliminar, no Capítulo Único, em dois artigos, designadamente no Artículo uno, n.º 1, o seu objetivo; e no Artículo dos, n.º 1, a sua natureza jurídica de norma básica, no sentido estabelecido pela Constituição Espanhola76. Cuida-se, dessa forma, de uma Lei de Bases, análoga à portuguesa. Tanto é assim que diz-se sobre a LGS que “ésta es una Ley de bases que tiene por objeto la regulación general de todas las acciones que permitam hacer efectivo el derecho a la protección de la salud”77.

Adiante, o artículo dieciocho, n.º 8, da LGS, dispõe sobre a saúde mental que: “Las Administraciones Públicas, a través de sus Servicios de Salud y de los Órganos competentes en cada caso, desarrollarán las siguientes actuaciones: (…) 8. La promoción y mejora de la salud mental”.

Mas não é só. Na sequência, no Capítulo III da LGS, o artículo veinte, n.º 1 a 4 destina uma base especial para a saúde mental. Nessa, prevê que: “sobre la base de la plena integración de las actuaciones relativas a la salud mental en el sistema sanitario general y de la total equiparación del enfermo mental a las demás personas que recursos asistenciales a nivel ambulatorio y los sistemas de hospitalización parcial y atención a domicilio, que reduzcan al máximo posible la necesidad de hospitalización. No n.º1 cuida da atenção a los problemas de salud mental de la población no âmbito comunitário, considerando-se em especial aquellos problemas referentes a la psiquiatría infantil y psicogeriatría. No n.º 2, dispõe-se que as hospitalizações necessárias realizar-se-ão en las unidades psiquiátricas de los hospitales generales. O nº. 3 cuida do desenvolvimento dos “servicios de rehabilitación y reinserción social necesarios para una adecuada atención integral de los problemas del enfermo mental, buscando la necesaria coordinación con los servicios sociales”. Por fim, o n.º 4 estipula que “Los servicios de salud mental y de atención psiquiátrica del sistema sanitario general cubrirán, asimismo, en coordinación con los servicios sociales, los aspectos de prevención primaria y la atención a los problemas psicosociales que acompañan a la pérdida de salud en general”78.

Em 1986, portanto há mais de 30 anos, a LGS já destacava uma base estruturada em matéria de saúde mental, a contemplar pontos relevantes: equiparação do doente mental aos demais enfermos em contextos de saúde; atenção aos problemas de saúde mental da população na esfera comunitária, domiciliar, com vistas a redução do número de internações hospitalares; consideração especial aos problemas mentais das crianças e idosos; desenvolvimento dos serviços de reabilitação e reinserção social para um adequado e integral enfrentamento dos problemas dos doentes mentais e a cobertura dos serviços de saúde mental e atenção psiquiátrica pelo sistema geral de saúde, com foco na prevenção primária.

Calha ressaltar que a Constituição Espanhola, em seu artigo 49, ao lado do que fora sustentado, traz uma orientação para as autoridades públicas, para que adotem “uma política de cuidado preventivo, tratamento, reabilitação e integração dos deficientes físicos, sensoriais e mentais, dando-lhes o atendimento especializado de que necessitam e proporcionando-lhes uma proteção especial para o gozo dos direitos”79.

Com efeito, em tese, o ordenamento espanhol no plano legislativo está mais estruturado para uma razoável atenção à matéria da saúde mental do que o português. Mais uma razão para se por na pauta da AR a imperiosa necessidade da LBS portuguesa incluir uma Base específica para o tratamento desse grupo, ainda que com 30 anos de atraso em relação ao ordenamento espanhol.

3. A necessidade da saúde mental figurar na LBS portuguesa

Do exposto, dada a extrema relevância e prevalência da saúde mental (no mundo e em Portugal), há quem poderia defender a desnecessidade de inclusão de uma base na LBS sobre a saúde mental? Mas, o que poderiam sustentar, para tanto? Discriminação, favoritismo frente a outros grupos vulneráveis?

Ao revés, pensa-se que a saúde mental figurar na LBS seria relevante por diversos fatores.

Primeiro, por fatores legislativos colhidos nas exposições de motivos de alguns dos Projetos da LBS apresentados pelo parlamento, como: i) a insustentabilidade do SNS devido “as alterações demográficas” já constatadas há 18 anos; ii) a identificação “de grupos de doenças crónicas”; iii) nos moldes do Projeto da Comissão de Revisão, a definição do “apoio ao envelhecimento saudável e ao acompanhamento e tratamento da doença crónica, bem como da doença mental”80; iv) O amplo papel de uma LBS. Cumpre-lhe “enquadrar o direito constitucional de todos os cidadãos à proteção da saúde (…); e cumpre-lhe definir os princípios enquadradores em áreas tão determinantes como (…), a saúde mental, os cuidados continuados e paliativos”; v) a LBS seria a “sede apropriada para o reconhecimento de novas realidades e direitos sociais, cuja proclamação é de molde a inspirar e reforçar o País”81; vi) a ausência de recursos financeiros, a falta de profissionais e equipamentos no SNS, acarreta a não prestação de “todos os cuidados de saúde”, como, “em grande medida, a saúde mental” e, assim, “não responderá a tempo às necessidades das pessoas”82.

Os demais projetos, nas respectivas exposições de motivos, não fazem alusão direta à saúde mental.

Um argumento de direito comparado poder-se-ia extrair do texto que sanciona a LGS espanhola. A certa altura, em 1986, el Rey de España asseverou que o novo sistema sanitário começará com uma legislação renovada, donde “deberán aparecer debidamente especificados los contenidos más relevantes de la regulacíon del sector salud”83. Ora, se os conteúdos mais relevantes da regulamentação do setor da saúde devem aparecer devidamente especificados, numa Lei de Bases em Espanha, que abriga, em seu artigo 20 a saúde mental, porque não deverá ocorrer o mesmo em Portugal? Ainda mais, a considerar que se tratam de países com perfis análogos, em muitos pontos no setor saúde. Não seria útil aproveitar-se a experiência daquele país nos últimos 33 anos de vigência da LGS?

Razão estritamente jurídica é o incremento do Direito da Saúde português, com a inclusão de uma base específica para a saúde mental, ampliando-se de forma expressa o seu âmbito de incidência (reforçado nesse setor vulnerável), possibilitando a inclusão de um subitem obrigatório de estudo para a proteção da saúde mental (mais aprofundado), no bojo dum Direito da Saúde autônomo, capitaneado e.g., por Sérvulo Correia, Cláudia Monge, Maria João Estorninho, Tiago Macieirinha e André Dias Pereira, aos quais nos filiamos, frisando, contudo, a importância do setor saúde mental. Com essa medida, o Direito da Saúde ganhará mais musculatura jurídica84. Musculatura, agora, sustentada por um cérebro mentalmente são.

Nessa linha, fortalece-se a visão de um Direito da Saúde independente e autônomo, constando-se entre os seus subitens obrigatórios, o necessário, imprescindível e específico estudo da saúde mental; por ricochete, do cérebro humano; mais importante, devido a assimetria e clara vulnerabilidade dos partícipes nas relações jurídicas em matéria de saúde mental, esse último ver-se-á juridicamente mais protegido por uma lei de valor reforçado, como a LBS, na relação médico-paciente, ou melhor, nas complexas relações instituição-médico-paciente ou nas relação médico-paciente-cuidador (informal ou formal).

Depois, a exigência do Plano de Saúde Mental da OMS 2013-2020 quanto a atualização das legislações sobre saúde mental em vigência há mais de dez anos85. A inclusão de uma base própria colocaria Portugal, finalmente, mais próximo desse objetivo, figurando em linha na seara internacional, ao menos em parte, pois a LSM portuguesa é de 1998, alterada em 1999.

Por ser a LBS uma lei de valor reforçado, principiológica, com diretrizes próprias à saúde (no projeto, também para a saúde mental) seria o primeiro passo para uma subsequente reforma jurídica ampla do quadro protetivo dos portadores de alguma doença mental. Com a necessidade do Governo expedir os decretos de desenvolvimento, estar-se-ia diante do passo seguinte: reformular a própria LSM, que aliás, como outras desse microssistema estão em vigor há mais de dez anos.

A partir dessas medidas, o caminho desbrava-se também para a implementação de políticas públicas ativas voltadas a esse grupo. Ganham mais atenção e segurança, então, os doentes mentais, suas famílias, a sociedade e o Estado.

Reforçar-se-ia, com tais políticas, a prevenção e proteção dos doentes crônicos, que em grande medida são portadores de doenças mentais, curáveis e incuráveis, como os que sofrem de transtornos depressivos, de ansiedade e de demências.

Por sua vez, mas não menos relevante, a inclusão da base pode contribuir para: i) a diminuição (quiçá futura erradicação, numa previsão otimista) do estigma e da carga negativa que pesa (e sempre pesou) sobre os doentes mentais, afetando-lhes os seus direitos fundamentais básicos, de cunho individual e, designadamente, de integração na sociedade;

ii) a diminuição dos “encargos” financeiros, econômicos, das famílias e do próprio Governo, no serviço público, referente aos afastamentos laborais devido às doenças mentais, como a Síndrome de Burnout86. Idêntico raciocínio pode ser implementado na iniciativa privada.

iii) promover a saúde mental positiva e o envelhecimento mental ativo, com mais anos de qualidade de vida, haja vista grande parte das doenças prevalentes na velhice estarem relacionadas à memória, ao cérebro e às chamadas demências.

Noutro lugar, há quem defenda a gestação de uma nova dimensão de direitos fundamentais, a par dos clássicos direitos de primeira, segunda e terceira dimensão: a denominada dimensão neurojurídica87, sob o argumento da proteção cerebral vir se afirmando, paulatinamente, no curso da história, acelerando-se descobertas por toda parte desde a Década do Cérebro (1990-2000). Quiçá a saúde mental, em nível de LBS, no direito português e espanhol, não podem servir de parâmetro para consolidar mais um argumento a favor do ponto de vista do incremento dessa nova dimensão relacionados à saúde mental e ao cérebro.

É chegada a hora do povo português evitar o déjà vu da “Nau dos Loucos” (a Narrenschiff)88 e por meio da janela de oportunidade aberta pela discussão do tema no parlamento, promover um “viragem de excelência”, nos próprios muros da cidade, rumo ao “ciclismo dos sãos”, “nas avenidas novas”, a céu aberto, integrados à comunidade e não escorraçados.

Considerações finais

Sem saúde mental não há saúde, assevera a OMS. Sem saúde não há vida digna. A morte cerebral, sem dignidade, torna-se pesarosa para o indivíduo, o seu grupo familiar e a sociedade. Sem uma legislação renovada, que combata a situação vivenciada pelos portugueses nessa temática, dificulta-se o próximo passo jurídico, a alteração na legislação própria e específica da saúde mental. Desalinha-se o país dos rumos jurídicos internacionais.

O planeta gira, o tempo urge, a “Nau” avança e, sem que a maioria se aperceba, parece que tudo está como dantes, em alguns lugares, e em mutação constante, noutros, no que tange à saúde mental. A população cresce, envelhece, ocupa espaços nas cidades. Necessitam-se cada vez mais de alimentos, cuidados, proteção; qualidade de vida cerebral do berço à sepultura, no fim. Vida que segue mais se alonga com as novas tecnologias médicas, com o surgimento da inteligência artificial, das inovações na área das comunicações eletrônicas, das investidas das Neurociências, das nanotecnologias e, sobretudo, in casu, nos avanços do setor saúde mental, interconectado aos anteriores.

Silenciosamente, por vezes para a maioria dos cidadãos comuns (e até para alguns especialistas e Governos), pouco a pouco, pari passu com esta “(r)evolução”, alguns paradoxos começam a se formar (e serem discutidos): o principal deles, para o momento, é o desafio demográfico (ou seja, o crescente aumento populacional) associado às doenças mentais (numa idêntica subida exponencial) e à proteção cerebral.

Como se sustentará um SNS que se pretende eficaz, moderno e tendencialmente gratuito diante desse paradoxo?

O contributo da LBS, mormente nesses temas sensíveis, como a saúde mental e o envelhecimento, elevam a probabilidade de esquivar-se desse paradoxo, mas não só. Sabe-se que, no fundo, a LBS não é a panaceia para todos os males, mas auxilia na construção do “Ciclismo São”. Ajuda a distanciar-se do abismo; a abandonar a “Nau dos Loucos”.

Conjugada com outras Bases inovadoras (doenças ocupacionais, saúde digital e cuidados transfronteiriços) a saúde mental ganhará corpo, musculatura e alma para percorrer de forma mais segura as “avenidas novas”, em Lisboa e por todo país. Portanto, preservam-se os interesses dos portugueses e afastam-se os estigmas dos antigos “loucos de todo gênero”.

Em resumo, a Comissão de Revisão do Projeto da LBS construiu seu projeto; o governo e os partidos apresentaram os seus; a grande maioria deles inclui uma base própria para a saúde mental; este artigo, pelas razões supramencionadas vislumbra, modestamente, a necessidade de incluir a base da saúde mental, em local de destaque no ordenamento diante do “alarmante” quadro português nessa matéria.

Com a palavra a AR, o Governo e os especialistas, de preferência com a participação popular nas discussões rumo a um futuro confortável na excelência mental.

 

1 É chegada a hora do povo português evitar o déjà vu da “Nau dos Loucos” (a Narrenschiff)88 e por meio da janela de oportunidade aberta pela discussão do tema no parlamento, promover um “viragem de excelência”, nos próprios muros da cidade, rumo ao “ciclismo dos sãos”, “nas avenidas novas”, a céu aberto, integrados à comunidade e não escorraçados.

2 Cfr. C. MONGE, Contributo para o estudo do Direito da Saúde: a presta o de cuidados de saúde. Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 2002, pp. 11-20. A Autora menciona que a noção adotada “ próxima da proposta por JEAN-MARIE AUBY”. Cfr. J.M. AUBY, Le Droit de la Sant , Paris, 1981, pp. 11-12. A partir daí a Autora envereda-se para o conceito de Direito da Saúde, conceito por si com idêntica dificuldade de definição.

3 Cfr. M. FOUCAULT, História da loucura: na idade clássica. 9.a ed., São Paulo: Perspectiva, 2013, 2.a reimp, pp. 6-7.

4 Organización Mundial de la Salud (OMS). Plan de acción sobre salud mental 2013-2020, disponível em https://www.who.int/mental_health/action_plan_2013/en/ .

5Organización Mundial de la Salud (OMS). Plan de acción sobre salud mental 2013-2020, p. 42. Tradução livre do seguinte texto em espanhol. “La salud mental es un estado de bienestar en el que la persona materializa sus capacidades y es capaz de hacer frente al estr s normal de la vida, de trabajar de forma productiva y de contribuir al desarrollo de su comunidad".

6 Idem, p. 19. Nesse sentido positivo, ou seja, de emoções positivas, como o afeto, sentimentos de felicidade auto-estima e resiliência, o documento aduz que: “Mental health has been variously conceptualized as a positive emotion (affect) such as feelings of happiness, a personality trait inclusive of the psychological resources of self-esteem and mastery, and as resilience, which is the capacity to cope with adversity”. E, prossegue, afirmando-se quais os aspectos contribuem para a ideia de saúde mental positiva: contexto cultural, tipos de personalidade, qualidade de vida, entre outros. Vide pp. 20-21.

7 Os trechos mencionados no texto foram extraídos de World Health Organization (WHO). Promoting mental health: concepts, emerging evidence, practice: summary report / a report from the World Health Organization, Department of Mental Health and Substance Abuse in collaboration with the Victorian Health Promotion Foundation (VicHealth) and the University of Melbourne, 2004, p. 12. disponível em https://www.who.int/mental_health/evidence/en/promoting_mhh.pdf

8 J. M. CALDAS DE ALMEIDA, A saúde mental dos portugueses, Fundação Francisco Manuel dos Santos. Lisboa, 2018, pp. 13-14. Prossegue o autor, num ponto que merece não ser olvidado: “A ausência de doença mental contribui para a saúde mental mas não assegura, por si só, uma boa saúde mental. Por outro lado, uma pessoa pode padecer de uma doença mental, e ter, pelo menos em algumas fases da sua vida, alguma saúde mental”.

9 M. J. QUARTILHO. saúde mental, Estado da arte. Vol. 10. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, p. 5.

10 J. C. LOUREIRO, Pessoa e doença Mental, In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. 81 (2005), pp. 147 e ss. (ressalta a dificuldade de diferenciar saúde e doença mental; na sequência trata da doença mental na visão mitológica, omnicompreensiva e reducionista). Vide, também: P. CORREIA GONÇALVES, O Estatuto Jurídico do Doente Mental com referência à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Lisboa: Quid Juris Editora, 2009, pp. 25-29; (sobre a história interminável da evolução e delimitação do conceito de doença mental).

11 A. C. SANTORO FILHO, Direito e saúde mental, 1.a ed. São Paulo: Verlu Editora, 2012.

12 Após a redação dada pela Lei n.o 13.146, de 2015, designadamente aos artigos 3.o e 4.o do Código Civil de 2002 (que concentra o núcleo da teoria das incapacidades), estes sofreram profunda alteração. Assim, a partir de 2015, no Brasil, apenas o critério etário (menor de 18 anos) determina a incapacidade absoluta. Já o artigo 4o, locus da maioria dos casos de incapacidade (ébrios habituais, viciados em tóxicos, deficientes mentais com discernimento reduzido, excepcionais, sem desenvolvimento completo), com a alteração limitam-se, agora, ao critério etário (entre 16 e 18 anos), aos ébrios habituais e aos viciados em tóxico ou àqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Mas mantém-se a prodigalidade, como causa de incapacidade relativa. In: Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, Código Civil, Presidência da República, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.

13 Vide o teor do artigo: “Art. 26. é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omisSão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. In: Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal, Presidência da República, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm .

14 J. M. CALDAS DE ALMEIDA. A saúde, p. 15.

15 J. M. CALDAS DE ALMEIDA. A saúde, p. 15. Na última situação abordada no texto, o autor exemplifica com o caso de “uma pessoa que tem sintomas de depresSão ou de ansiedade num contexto especialmente difícil da sua vida, mas sem que estes sintomas tenham o grau de severidade ou de duração suficiente para se poder fazer um diagnóstico de doença”.

16 J. M. CALDAS DE ALMEIDA A saúde, pp. 117-122. Nessa obra, o autor descreve a sintomatologia dominante dessas perturbações.

17 J.F. MARCOLAN e C.B. ROSIANI RIBEIRO DE CASTRO, Enfermagem em saúde mental e psiquiátrica: desafios e possibilidades do novo contexto do cuidar, Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, pp. 93-109. Nessa obra constam fenômenos, epidemiologia, classificação geral das substâncias psicoativas (e.g. segundo os seus efeitos predominantes, podem ser classificadas em depressoras, estimulantes ou perturbadoras da atividade mental), termos técnicos relacionados às substâncias psicoativas (como intoxicação, uso nocivo, tolerância, abstinência, dependência e síndrome de dependência).
18 Idem. pp. 111-125. Igualmente descrevem-se etiologia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento.

19 Idem. pp. 127-141. Arrolam-se, nessa parte, os principais aspectos de cada patologia.

20 American Psychological Association (APA), Tópicos de Psicologia, disponível em https://www.apa.org/topics/index . Nesse sítio encontram-se mais de 50 tópicos de psicologia, baseados em pesquisas científicas conduzidas por psicólogos, relacionados a questões que afetam a vida profissional, relacionamentos familiares e bem-estar emocional das pessoas. Entre eles: envelhecimento, Alzheimer, ansiedade, autismo, transtorno bipolar, depresSão, distúrbios alimentares, incapacidade, aprendizado e memória, obesidade, dor, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, esquizofrenia, estresse, suicídio, adolescentes e trauma.

21 MedicinaNet. CID-10. "Transtornos mentais" disponível em http://www.medicinanet.com.br/pesquisa/cid10/nome/transtornos_mentais
.htm
.

22 M. BEAR et al., Neurociências: desvendando o sistema nervoso, 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008, pp. 19-20.

23 Cfr., e.g.: i) Parkinson (1,5 milhões); ii) Alzheimer (50% das pessoas acima de 85 anos, ou seja, mais de 4 milhões); iii) DepresSão (33 milhões, sendo a depresSão a principal causa de suicídio, matando cerca de 31.000 pessoas a cada ano); iv) Esquizofrenia (2 milhões); v) Acidente Vascular Cerebral - AVC (3a causa de mortes nos Estados Unidos, sendo que as vítimas que não morrem – cerca de 530.000 ao ano, quase sempre sofreram sequelas).

24 Ibidem, pp. 19-20.

25 M. BEAR et al., Neurociências: desvendando o sistema nervoso, pp. 19-20.

26 Organização Mundial de saúde (OMS), Integração da saúde Mental nos Cuidados de saúde Primário: uma perspectiva global, Portugal, Outubro 2009, p. 12, disponível em https://www.who.int/eportuguese/publications/Integracao_saude_mental_cuidados_
primarios.pdf
. Sustenta também que: “As perturbações mentais estão presentes em todas as sociedades. Elas criam uma carga pessoal substancial para os indivíduos afectados e as suas famílias, e produzem dificuldades económicas e sociais substanciais que afectam a sociedade no seu todo”. Acrescenta-se que: “Os cuidados primários para a saúde mental promovem o respeito pelos direitos humanos. Os serviços de saúde mental prestados em cuidados de saúde primários minimizam o estigma e a discriminação. Eles eliminam tamb m o risco das violações dos direitos humanos que ocorrem em hospitais psiquiátricos” (pp. 24-25).

27 A Declaração, realizada em 1978, na cidade Alma-Ata, no Cazaquistão, é um relevante instrumento internacional para compreender os cuidados de saúde primários, além de fixar a universalidade do “direito aos cuidados primários de saúde” como um dos principais objetivos dos governos em nível mundial.

28 Quanto aos idosos, o relatório prevê o aumento da população: “A população do mundo está a envelhecer rapidamente. A nível global, o número de pessoas com 60 ou mais anos vai aumentar de 606 milhões em 2000 para 1.9 biliões em 2050. Nos países menos desenvolvidos a população idosa vai quadriplicar de 375 milhões em 2000 para 1,5 biliões em 2050. A taxa de crescimento é mais rápida para os idosos, que têm uma maior probabilidade de sofrer de doenças crónicas e de precisar de serviços de saúde. A sua saúde mental é influenciada pelo seu acesso a serviços de saúde, a educação, emprego, habitação, serviços sociais e de justiça e é também influenciada pela sua protecção em relação a abusos e a discriminação”. Organização Mundial de saúde (OMS). Integração da saúde Mental nos Cuidados de saúde Primário, pp. 25-27.

29 Organización Mundial de la Salud (OMS). Plan de acción sobre salud mental 2013-2020, p. 21, disponível em https://www.who.int/mental_health/publications/action_plan/es/ . No texto traduziu-se apenas a ideia central, de forma literal. A redação completa a seguinte: “Datos científicos e investigación: mejorar la capacidad de investigación y la colaboración universitaria en torno a las prioridades nacionales de investigación sobre salud mental, en particular la investigación operativa que tenga un interés directo para la concepción e implantación de servicios y para el ejercicio de los derechos humanos de las personas con transtornos mentales, lo que incluye la creación de centros de excelencia con criterios claros, teniendo en cuenta en esta labor las aportaciones de todos los interlocutores pertinentes, incluidas las personas con trastornos mentales o discapacidades psicosociales”.

30 Disponível em http://ec.europa.eu/research/health/index.cfm?pg=home .

31 Com algumas alterações, nesse item e até esse ponto, os dados foram extraídos de: D. A. TAVARES OLIVEIRA, Portugal no Quadro da “Estrat gia 2020”: Parceria para inovação na área da saúde mental e Neurociências. Relatório científico apresentado, em 2017, no curso de doutoramento da FDUL (não publicado), pp. 6-9.

32 No texto, consta a tradução livre desse trecho: “In 2018, an estimated 9.1 million people aged over 60 are living with dementia in EU member states, up from 5.9 million in 2000. If the age-specific prevalence of dementia remains the same, ageing populations mean that this number will continue to grow substantially in the future. The overall number of people living with dementia in EU countries is expected to rise by about 60% over the next two decades to reach 14.3 million in 2040, with the oldest people (those aged over 90) accounting for a growing share”. In: Health at a Glance: Europe 2018. State of Health in the EU Cycle, disponível em https://doi.org/10.1787/health_glance_eur-2018-en.

33 Expresso, Saúde mental: Os portugueses são mais vulneráveis ao sofrimento, disponível em http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-03-24-Saude-mental-Os-portugueses-sao-mais-vulneraveis-ao-sofrimento .

34 Expresso, Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações mentais, disponível em http://expresso.sapo.pt/sociedade/um-em-cada-cinco-portugueses-sofre-de-perturbacoes-mentais=f901193 .

35 Jornal de Notícias, Portugal tem a taxa mais elevada de doenças mentais da Europa, disponível em: http://www.jn.pt/sociedade/saude/interior/portugal-tem-a-taxa-mais-elevada-de-doencas-mentais-da-europa-3468885.html .

36 OECD / European Observatory on Health Systems and Policies (2017), Portugal: Perfil de Saúde do País 2017, State of Health in the EU, Paris, disponível em http://dx.doi.org/10.1787/9789264285385-pt.

37 Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e saúde Mental, disponível em http://www.sppsm.org/informemente/guia-essencial-para-jornalistas/perturbacao-mental-em-numeros/ .

38 Resolução da Assembleia da República n.º 133/2010. Diário da República, 1.a série - N.o 234 - 3 de Dezembro de 2010.

39 Resolução da Assembleia da República n.º 133/2010. Diário da República, 1.a série - N.o 234 - 3 de Dezembro de 2010.

40 Tradução livre do original: “I. Soigner et accompagner tout au long de la vie et sur l’ensemble du territoire; II. Favoriser l’adaptation de la soci t aux enjeux des maladies neuro-d g n ratives et att nuer les cons quences personnelles et sociales sur la vie quotidienne; III. D velopper et coordonner la recherche sur les maladies neuro-d g n ratives; IV. Faire de la gouvernance du plan un v ritable outil d’innovation, de pilotage des politiques publiques et de la d mocratie en sant ”. Cfr. République Française, Minist re des Affaires sociales, de la Sant et des Droits des femmes. Plan maladies neuro- d g n ratives 2014-2019, édition DICON – 5-14-100 – Paris, Octobre 2014, p. 9.

41 Despacho n.o 5988/2018. Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da saúde. Diário da República, 2.a série - N.o 116 - 19 de junho de 2018, pp. 17094-170101.

42 Cfr. Relatório da ComisSão de Revisão da Lei de Bases da saúde, “Lei de Bases da saúde da saúde, Materiais e razões de um projeto”, in Cadernos da Lex Medicinae, n.o 3, Centro de Direito Biomédico, Coimbra, 2018, p. 15, disponível em https://www.centrodedireitobiomedico.org/publica%C3%A7%C3%B5es/publica%C3%A7%C3%B5es-online/cadernos-da-lex-medicinae-n%C2%BA-3-lei-de-bases-da-sa%C3%BAde-materiais-e;

43 Diário da República, 1.a série - N.o 156 - 14 de agosto de 2018.

44 Portugal. Assembleia da República. Constituição da República Portuguesa, disponível em https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx.

45 M. J. ESTORNINHO e T. MACIEIRINHA, Direito da saúde, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, p. 37.

46 J. MIRANDA, Curso de Direito Constitucional. Vol. 2: Estrutura do Estado, sistemas políticos, atividade constitucional do Estado, fiscalização de constitucionalidade. Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, p. 204.

47 Idem, p. 206. Para além do número, ressalta-se a “diversidade”. Nesse passo, leciona que “torna-se então possível reduzir a cinco as espécies de leis reforçadas: a) leis de enquadramento; b) leis orçamentais; c) leis de autorização legislativa; d) leis de bases; e) estatutos político-administrativos das regiões autônomas”. Argui, contudo, que deve-se ter atenção ao fato de que “a qualificação de uma lei como reforçada não depende da designação que o legislador lhe confira. Depende da verificação dos requisitos de qualificação constitucionalmente fixados, os quais, têm que ver essencialmente com o objetivo da lei, com as matérias sobre que versa, com a função que pretende exercer e, em alguns casos, complementarmente, com o respetivo procedimento”.

48 Idem, pp. 204-205.

49 J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.a ed. (2.a reimp.). Edições Almedina: Coimbra, 2003, pp. 754-756. Para o desenvolvimento de outros aspectos das leis de bases, e.g. dos vícios, cfr. na mesma obra, pp. 757-761.

50 J. M. SéRVULO CORREIA, Projecto de proposta de lei de bases da saúde, Legislação, Cadernos de Legislação e Jurisprud ncia, INA, Separata n.o 27, Janeiro-Março, 2000. Neste documento, designadamente nas pp. 88 e ss. encontra-se o Plano do Projeto de Proposta de LBS (com 56 artigos, distribuídos por 6 capítulos) e, posteriormente, a partir da p. 93 o desenvolvimento do conteúdo dos artigos em si.

51 Na obra, pp. 31-60, verifica-se que a Proposta dos autores constitui-se de XLIX Bases, dividida em 5 capítulos.

52 52 Despacho n.o 1222-A/2018, do Gabinete do Ministro da saúde. Diário da República, 2.a série - N.o 24 - 2 de fevereiro de 2018, pp. 4108 (2) e 4198 (3).

53 Idem.

54 Idem. No n.o 3 do referido Despacho, fixaram-se quatro fases: 3.1 - Elaboração de um primeiro projeto legislativo; 3.2 - DiscusSão desse projeto com os parceiros institucionais, os representantes dos agentes do setor e ainda as entidades relacionadas, cuja audição a ComisSão considere importante para o bom andamento dos trabalhos; 3.3 - Promoção da discusSão pública do projeto; 3.4 - Entrega do trabalho final”.

55 Para as bases em referência vide Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde – Relatório. Outubro 2018. Anexo - Projeto de Proposta de Lei – 03.09.2018, pp. 1-3. Todas as Bases mencionadas no texto, verificam-se, à partida, no próprio Sumário do Projeto da ComisSão, disponível em https://www.sns.gov.pt/wp-content/uploads/2018/12/Relatorio_Proposta_LeiBases.pdf.

56 Idem, p. 11. O Relatório com o Sumário Executivo foram publicados in J. CARLOS LOUREIRO e A. DIAS PERERIRA e C. BARBOSA (Coord.), “Lei de Bases da saúde da saúde, Materiais e razões de um projeto”, Cadernos da Lex Medicinae, n.º 3, Centro de Direito Biomédico, Coimbra, 2018, disponível em https://www.centrodedireitobiomedico.org/publica%C3%A7%C3%B5es/publica%C3%A
7%C3%B5es-online/cadernos-da-lex-medicinae-n%C2%BA-3-lei-de-bases-da-sa%C3%BAde-materiais-e
, p. 17, onde consta também o argumento mencionado no texto.

57 Cf. “Lei de Bases da saúde da saúde, Materiais e razões de um projeto”, Cadernos da Lex Medicinae, n.o 3, , p. 88.

58 Idem, p. 91.

59 Idem, p. 94.

60 Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde - Relatório, p. 17.

61 Serviço Nacional de saúde (SNS). Proposta de Lei de Bases da saúde, disponível em https://www.sns.gov.pt/noticias/2018/12/13/proposta-de-lei-de-bases-da-saude-2/ . A partir dessa página pode-se aceder ao texto integral da Proposta, em PDF. E dessa fonte consta a Base referente à saúde mental, analisada no corpo desse artigo.

62 Associação dos Estudantes de Medicina. Propostas da ANEM para a Lei de Bases da saúde, disponível em http://anem.pt/noticias/propostas-para-a-lei-de-bases-da-saude . Nesse sítio, acede-se às propostas da ANEM. Caso precisar acessar diretamente aos textos das Propostas, em PDF, basta consultar, respectivamente: ANEM 1, disponível em http://anem.pt/files/documents/anem___planeamento_dos_recursos_humanos_em_sa__de.pdf ; e ANEM 2 disponível em http://anem.pt/files/documents/anem___segredo_do_estudante_de_sa__de.pdf .

63 Projeto de Lei n.o 1029/XIII/4a. Lei de Bases da saúde. Partido Comunista Português, disponível em http://anem.pt/files/documents/proposta_pcp.pdf.

64 Projeto de Lei n.o 914/XIII/3.a. Nova Lei de Bases da saúde. Bloco de Esquerda, disponível em http://anem.pt/files/documents/proposta_be.pdf. Este Projeto, em sua exposição de motivos, revela ter como base o trabalho de “António Arnaut e João Semedo – e o contributo de dezenas de outras (…)”, p. 3. Talvez, por essa razão, não conste, em nenhuma parte alguma do Projeto menção específica à saúde mental, refletindo a omisSão a esse grupo, tal qual na obra dos autores acima referenciada: Salvar o SUS: Uma nova Lei de Bases para defender a Democracia.

65 Projeto de Lei n.o 1065/XIII/4.a. Lei de Bases da saúde. Partido Social Democrata, disponível em http://anem.pt/files/documents/proposta_psd.pdf . Cfr. ainda a exposição de motivos desse Projeto (p. 3).

Projeto de Lei n.o 1066/XIII/4a. Grupo Parlamentar CDS-PP, disponível em http://anem.pt/files/documents/proposta_cds_pp.pdf . Neste Projeto assevera-se que o trabalho realizado pela ComisSão de Revisão da LBS “não pode, sem mais, ser ignorado”; ademais, Após apresentar alguns princ pios que supostamente deveriam constar de uma Lei de Bases, conclui que “todos eles constam do projeto da ComisSão de Revisão da Lei de Bases da saúde e muitos deles foram omitidos na Proposta de Lei apresentada pelo Governo, o que a torna mais concisa, mas claramente pior, atendendo à natureza e fim a que este tipo de Lei se destina” (pp. 1-5).

67 M. REALE, Teoria Tridimensional do Direito, São Paulo, Saraiva, 5.a ed. 1994; 9. tiragem 2014.

68 S. DEODATO, Direito da saúde: coletânea de legislação anotada. 2.a ed. rev. e aum. (Legislação anotada): Edições Almedina, Lisboa, Dezembro, 2017, p. 17.

69 J.J. NOGUEIRA DA ROCHA, Natureza Jurídica das Instituições e Serviços de saúde que Integram o Sistema de saúde Português. In: Direito da saúde e Bioética. Lex, Liboa, 1991, pp. 57 e ss. Nesse estudo, o autor clarifica os sentidos de serviços e instituições, de acordo com a presença ou ausência de personalidade jurídica. Vide também os anexos constante do artigo, pp. 69, 71, 73-74, os esquemas do Sistema e do SNS (serviço público).

70 A. ARNAUT e J. SEMEDO, Salvar o SNS – Uma nova Lei de Bases para defender a democracia. 1.a ed. Porto Editora: Porto, Outubro de 2017, p. 28.

71 Até esse ponto os dados foram extraídos das seguintes fontes: OECD / European Observatory on Health Systems and Policies (2017), Portugal: Perfil de Saúde do País 2017, State of Health in the EU, Paris, pp. 3 e 16, disponível em http://dx.doi.org/10.1787/9789264285385-pt ; OECD / European Observatory on Health Systems and Policies (2017), España: Perfil Sanitario del país 2017, State of Health in the EU, Paris, pp. 3, 6 e 16, disponível em http://dx.doi.org/10.1787/9789264285446-es.

72 Cfr. o texto original em: Senado de Espan~a. Constitucion Espan~ola. Artículo 43, disponível em http://www.senado.es/web/conocersenado/normas/constitucion/detalleconstitucioncompleta/index.html#t 1c3 .

73 J. F. PéREZ GáLVEZ, La Sostenibilidad del Sistema Nacional de Salud. In: La Sostenibilidad del Sistema Nacional de Salud en el Siglo XXI. Juan Francisco Pérez Gálvez (Director). Editorial Comares, S.L.: Granada, 2015, p. 10.
74 M. J. ESTORNINHO, Organização Administrativa da saúde: relatório sobre o programa, os conteúdos e os métodos de ensino, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 91-92.

75 J. F. PéREZ GáLVEZ, La Sostenibilidad, 2015, p. 11.

76 Cfr. os dispositivos mencionados: “(…) Art culo uno. 1. La presente Ley tiene por objeto la regulación general de todas las acciones que permitan hacer efectivo el derecho a la protección de la salud reconocido en el art culo 43 y concordantes de la Constitución. (…)” e “(…) Art culo dos. 1. Esta Ley tendrá la condición de norma básica en el sentido previsto en el artículo 149.1.16 de la Constitución y será de aplicación a todo el territorio del Estado, excepto los artículos 31, apartado 1, letras b) y c), y 57 a 69, que constituirán derecho supletorio en aquellas Comunidades Autónomas que hayan dictado normas aplicables a la materia que en dichos preceptos se regula”. Ley 14/1986, de 25 de abril, General de Sanidad. Publicado en: «BOE» núm. 102, de 29 de abril de 1986, páginas 15207 a 15224 (18 págs.). Agencia Estatal. Boletín Oficial del Estado, disponível em https://www.boe.es/eli/es/l/1986/04/25/14 .

77 M. LEóN ALONSO, La Protección Constitucional de la Salud, 1.a ed. Madrid, La Ley, Enero, 2010, p. 318.

78 Ley 14/1986, de 25 de abril, General de Sanidad, disnponível em https://www.boe.es/eli/es/l/1986/04/25/14

79 Tradução livre do texto da Constituição Espanhola, disponível em http://www.senado.es/web/conocersenado/normas/constitucion/detalleconstitucioncompleta/index.html#t 1c3.

80 Os itens i), ii) e iii) e iv) estão na exposição de motivos do Projeto de Lei n.o 1066/XIII/4.a, do Grupo Parlamentar CDS-PP, pp. 1-5. O desafio do “acentuado envelhecimento que se verificou na população portuguesa nas últimas d cadas”, tamb m fora mencionado na exposição de motivos do Projeto de Lei n.o 1065/XIII/4.a do Grupo Parlamentar do PSD, p. 2.

81 Exposição de motivos do Projeto de Lei n.o 1065/XIII/4.a do Grupo Parlamentar do PSD, p. 4. Nesse documento, o Projeto afirma que recorreu “ao trabalho recentemente produzido pela ComisSão de Revisão da Lei de Bases da saúde, cujos contributos não podem ser ignorados”.

82 Exposição de motivos do Projeto de Lei n.o 914/XIII/3.a, do BE, pp. 2-3.

83 Ley 14/1986, de 25 de abril, General de Sanidad, p. 3.

84 Sobre introdução, evolução, autonomia, objeto, desenvolvimento, organização administrativa e fontes do Direito da saúde, confiram-se as seguintes obras: i) J. SéRVULO CORREIA, Introdução ao Direito da saúde. Direito da saúde e Bioética, Lex, Lisboa, 1991, pp. 41-53; ii) C. MONGE. Contributo para o estudo do Direito da Saúde, 2002, pp. 11-24; iii) M. J. ESTORNINHO. Organização Administrativa da saúde: relatório sobre o programa, os conteúdos e os métodos de ensino, 2008, pp. 95 e ss. sobre o “novo rosto da Administração Pública da saúde em Portugal”, lições 9.a a 19.a; iv) C. MONGE. O direito proteção da saúde e o conte do da prestação de cuidados médicos. Tese de doutoramento na área de especialização de Ci ncias Jur dico-Pol ticas. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2014, pp. 33-60, especialmente sobre os traços gerais do conteúdo da prestação de cuidados de saúde e, depois, acerca do regime comum ao Direito Público e Privado (pp. 60-89); v) M. J. ESTORNINHO e T. MACIEIRINHA. Direito da saúde, 2014, pp. 13-44; vi) A. G. DIAS PEREIRA, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica. Coimbra Editora: Coimbra, fevereiro de 2015, pp. 47-56.

85 Plan de Acción sobre Salud Mental 2013-2020, pesquisável em: https://www.who.int/mental_health/action_plan_2013/en/. No Objetivo 1 pretende-se Reforzar un liderazgo y una gobernanza eficaces en el ámbito de la salud mental. Daí, no item 32 do documento sobre o conteúdo de uma legislação de saúde mental, sustenta que: “tanto si se aborda en un documento legislativo independiente como si está integrada en otras leyes sobre salud y capacidad, debe codificar los principios, valores y objetivos fundamentales de la pol tica de salud mental, por ejemplo estableciendo mecanismos legales y de supervisi n para fomentar los derechos humanos y desarrollar en la comunidad servicios de salud y sociales accesibles”, p. 12. Estabelece, assim, a seguinte: “Meta mundial 1.2: el 50% de los pa ses habrá elaborado o actualizado sus legislaciones sobre salud mental en consonancia con los instrumentos internacionales y regionales de derechos humanos (para el a o 2020)”, justificando que “Las leyes con más de 10 a os de vida pueden no reflejar las novedades más recientes en materia de normas internacionales de derechos humanos y prácticas basadas en la evidencia. En los pa ses con un sistema federado, el indicador se referirá a la legislación de la mayor a de los estados/provincias del país. Las leyes en materia de salud mental pueden ser independientes o integrarse en otras leyes de salud general o discapacidad”, p. 24 e 36.

86 Segundo a Associação Portuguesa de Psicologia da saúde, os números mais recentes apontam para 13,7% da população ativa em Portugal afetada pelo Fenômeno de Burnout, um quadro de esgotamento físico e mental que afeta cada vez mais pessoas

87 D. A. TAVARES OLIVEIRA, Direito Constitucional e Neurociências. Curitiba: Juruá Editora, 2018, pp 207-214.

88 Que, segundo FOUCAULT “teve exist ncia real”, pois existiram “esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros”, principalmente na Alemanha, em Nuremberg, durante a primeira metade do século XV. Cfr. M. FOUCAULT, história da Locucura, p. 9.