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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.5 no.1 Lisboa jan. 2018

 

 

DESTAQUE

“A experiência do Município de Lisboa na gestão e valorização de bens públicos”

"The experience of the municipality of Lisbon in the management and valorisation of public goods"

 

António Inácio Furtado0  

Câmara Municipal de Lisboa, Edifício Campo Grande, n.º 25, Bloco A, 3º Andar - 1749-099 Lisboa,. E-mail: antonio.furtado@cm-lisboa.pt

 

RESUMO

O repensar e aprofundar permanente do instituto da gestão patrimonial, adequando-o ao ambiente histórico, administrativo e socioeconómico;

O paradigma da rentabilização e valorização dos bens públicos enquanto recurso essencial para a rigorosa prossecução do interesse público e das políticas públicas.

A coerência das decisões em matéria patrimonial e a fixação de um quadro estratégico de referência.

A exigência de uma gestão patrimonial, pública ou privada, suportada em planeamento estratégico capaz de potenciar o valor dos ativos.

A necessidade de mudança da cultura organizacional e da concordante reforma do Estado e do seu modo de funcionamento; Poderes de gestão dos bens públicos atribuídos a quem em cada caso concreto tenha as melhores condições para obter a mais ampla satisfação do interesse público em todas as suas dimensões.

A colaboração e a cooperação interadministrativas enquanto alternativa aos poderes verticais da hierarquia, tutela e superintendência, mas também modos de excelência para assegurar a unidade de atuação da Administração e de tornar mais eficaz o exercício das competências próprias.

Os pilares e eixos da “dinâmica da gestão patrimonial” do Município de Lisboa e as experiências mais relevantes, quer através de programas próprios, quer de ações suportadas na colaboração e na cooperação interadministrativas

 

Palavras-Chave: Valorização * Rentabilização * Ativos Públicos * Gestão Patrimonial Pública * Planeamento Estratégico * Mudança de Cultura Organizacional * A Cooperação e a Colaboração Interadministrativas * Pilares da Gestão Patrimonial no Município de Lisboa.

 

ABSTRACT

The rethink and deepen Management Institute's permanent endowment, adapting it to the historical, administrative and socio-economic environment.

The paradigm of monetization and valuation of public goods while essential resource for the rigorous pursuit of the public interest and of public policy.

The consistency of decisions regarding property and the establishment of a strategic framework of reference.

The requirement of a public or private asset management, supported in strategic planning able to enhance the value of the assets.

 

Keywords: Public Assets * Management Public * Asset Monetization * Planning Organizational Culture change * Strategic cooperation and collaboration Interadministrativas * Asset Management * Pillars in the municipality of Lisbon.

 

Sumário

A. Introdução; B. A Gestão do Património Imobiliário do Município de Lisboa; 1. O Acervo Patrimonial do Município de Lisboa; 2. A cultura organizacional e os fundamentos da gestão do património imobiliário municipal; 3. A experiência vivida e as dificuldades sentidas; C. Desafios para uma melhor gestão dos bens públicos; 1. A cooperação interadministrativa e a gestão transversal dos ativos imobiliários públicos; 2. A codificação do regime jurídico da gestão dos bens públicos e o futuro Regulamento do Património Imobiliário do Município de Lisboa.

 

A Gestão do Património Imobiliário do Município de Lisboa

O Município de Lisboa detém na sua esfera jurídica um muito relevante acervo patrimonial, dispondo no seu domínio privado de 5.551 edifícios, a que correspondem 28.493 unidades autónomas (não se usa a designação de frações autónomas porque em algumas situações a propriedade horizontal não está constituída), dos quais 607 edifícios estão afetos ao funcionamento de equipamentos públicos de diferente natureza (sociais, culturais e desportivos), 332 têm utilização predominantemente não habitacional e 824 edifícios com utilização habitacional, para lá de 2.360 edifícios em bairros municipais residenciais, a que correspondem 23.544 U.A.

O Município de lisboa é ainda proprietário de 2.000 lotes ou parcelas de terreno, parte no domínio público, para lá de coproprietário de 1.428 edifícios e de 1.311 unidades autónomas dispersas.

A Direção Municipal de Gestão Patrimonial tem por missão a administração e gestão deste património, com exceção daquele que está afeto a uso habitacional, gerindo neste momento cerca de 4.500 contratos de base patrimonial, com um volume financeiro anual global de € 9.5 milhões de euros.

Foi tendo esta realidade patrimonial como universo de estudo que em 2010 começámos a trabalhar, no sentido de identificar as formas de atuação administrativa que melhor poderiam servir a valorização e rentabilização do património municipal e, fundamentalmente, sobre a visão estratégica mais apta a concretizar tal desiderato, permitindo a colocação do património ao serviço das políticas públicas e dos cidadãos em geral.

A primeira das questões colocadas foi a de saber se pretendemos uma gestão patrimonial com carácter instrumental, flutuando nos seus pressupostos em razão dos objetivos que a cada momento os programas políticos fixam como prioritários (financeiros, urbanísticos, ou outros), ou se, pelo contrário, a assumimos como um pilar estratégico da atuação do Estado e dos entes públicos em geral, com modelo e referenciais de gestão próprios, bem sabendo que historicamente a primeira das visões sempre predominou, com a organização administrativa do Estado a refletir isso mesmo.

Deverá ser suprimido este 6º parágrafo no seu todo o conteúdo da reflexão que encetámos, aqui partilharei o que considero mais relevante.

O instituto da gestão patrimonial tem que ser permanentemente repensado e aprofundado no seu conjunto, adequando-o ao ambiente histórico, administrativo e socioeconómico, que, indiscutivelmente, cada vez mais propende e obriga à rentabilização e valorização dos bens públicos, assumidos como recurso essencial para a rigorosa prossecução do interesse público.

O património imobiliário do Estado, em especial aquele que integra o seu domínio privado, e, consequentemente, o regime jurídico que lhe subjaz, tem de assumir cada vez mais um relevo indiscutível no âmbito da sua atividade, não apenas a nível económico e financeiro, mas também como suporte fundamental das políticas públicas.

A rentabilidade dos ativos imobiliários é muito sensível à qualidade da atividade que é despendida na sua gestão. Contrariamente ao que é válido para outros segmentos do mercado, uma estratégia passiva de “esperar para ver” tende a ser mal sucedida, com graves prejuízos, mesmo que não imediatamente identificáveis.

Consentir ou tolerar, ainda que por omissão, que um determinado ativo imobiliário se não valorize, se e quando as condições exógenas o permitiam fazer, é tão danoso para o interesse público como fazer uma alienação ou oneração sem respeito pelo formalismo legal ou abaixo do valor de mercado, pese embora estas situações possam ser mais mediáticas e sindicáveis.

A gestão patrimonial exige uma atuação suportada em planeamento estratégico, competente, dinâmica, interativa, com meios de atuação e reação rápidos, em razão das condições internas e externas, capaz de potenciar o valor dos ativos, o que se não consegue sem afastar alguns estigmas e preconceitos ideológicos ainda existentes a propósito das condições de atuação das entidades públicas nos diferentes segmentos de mercado.

Legalidade, rigor, transparência, eficiência, eficácia e racionalidade económica não devem corresponder a um padrão de atuação exclusivo do setor privado, mas também se não podem traduzir em conservadorismo, imobilismo e inflexibilidade.

Conceitos como, mercado, investimento, valorização, rentabilização e mais-valia, por exemplo, não podem de imediato ser associados e uma visão neoliberal, opacidade, ilegalidade, e por isso mesmo contraditórios com a lógica de desenvolvimento social e satisfação do interesse público, impondo-se que os entes administrativos os assumem como fundamentais para que aquele mais plenamente seja alcançado.

Urge não menorizar a capacidade dos servidores públicos para desenvolver uma atuação qualificada e competente, cuidando para tanto de dotar as organizações dos meios e recursos necessários para o seu melhor desempenho. Uma administração pública forte e centrada no essencial, moderna, competente e qualificada, será sempre condição de um melhor serviço à causa pública.

Neste enquadramento, impõe-se também que o Estado, legislando menos e com mais qualidade, avance para a codificação do regime jurídico da gestão dos bens públicos.

Esta questão é tão mais relevante quanto é certo que o Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, apenas parcialmente se aplica aos Municípios e que a sua atuação ao nível da gestão patrimonial se desenvolve e concretiza através de formas jurídico-privadas, embora, como sabemos, não do mesmo modo que os particulares o fazem nas relações entre si, consequência das vinculações jurídico-públicas da atividade de direito privado da administração pública.

O princípio da especialidade das pessoas coletivas públicas, mesmo quando atua sobre as formas de direito privado, terá sempre como limite intransponível de licitude o da subordinação ao interesse público, que recorta a extensão da sua capacidade jurídica e a legitimidade e competência pública dos seus órgãos.

A coerência das decisões em matéria patrimonial deverá decorrer da fixação de um quadro estratégico de referência e de um programa estruturante aí alicerçado, permitindo antecipar e justificar objetiva e racionalmente as opções concretamente tomadas pela gestão, em homenagem aos princípios da eficácia, eficiência, transparência, racionalidade económica e boa gestão pública.

No Município de Lisboa, assumimos a gestão patrimonial como estratégica, com algumas das principais orientações políticas expressas no programa de governo da cidade a estarem suportadas e a concretizam-se por essa via, com especial enfâse na dinamização de processos de reabilitação e regeneração urbana, reconquistando população e empresas para o território municipal, no desenvolvimento de modelos geradores de recursos financeiros para uma gestão equitativa do património municipal, apostando num papel regulador entre a oferta e a procura e num equilíbrio entre habitação própria, arrendamento, comércio e serviços, enfim, respondendo às funções sociais do Município e colocando os ativos imobiliários ao serviço da Cidade.

O quadro legal produzido na última década para reger o ordenamento do território, o urbanismo, a edificação e a reabilitação urbana, tem vindo a aumentar a capacidade dos municípios intervirem na política de solos e na gestão do património público e privado, a compasso com a diversificação dos instrumentos ao seu dispor para alcançar uma maior coesão social e territorial.

Esta tendência, que se deverá acentuar, é também reveladora que, para além da gestão ativa do seu próprio património, os municípios têm um crescente poder regulador sobre o mercado imobiliário, incluindo a promoção urbanística e a utilização do património imobiliário privado, bastando referir, a título de exemplo, que, hoje, 92% do território municipal está considerado como ARU e enquanto tal abrangido pelo direito legal de preferência nas transmissões a título oneroso, estabelecido pela Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto.

É no quadro concetual que se acaba de apresentar que o Município avançou para a elaboração de um Regulamento do Património Imobiliário que vai ao encontro destas ideias e acaba por traduzir a necessidade de uma codificação, desta feita à escala municipal, o que foi por nós assumido como um imperativo de gestão, no cumprimento de mais uma etapa do processo de especialização e densificação da gestão do património imobiliário municipal, conferindo caráter normativo e densificando muitos dos princípios e práticas que temos vindo a desenvolver e aplicar nos últimos cinco anos, ao mesmo tempo que se disciplinam ex-novo outros segmentos da atividade de gestão patrimonial municipal.

O projeto de Regulamento de Património Imobiliário do Município de Lisboa foi aprovado sem votos contra em reunião de Câmara do dia 30 de novembro de 2016 e 12 de abril de 2018, tendo depois, nos termos da lei, sido sujeito a consulta pública, aguardando-se agora a sua aprovação final pela Câmara e pela Assembleia Municipal.

A todos convido para uma apreciação do documento, esperando que no seu enquadramento possamos vir a ter uma mais competente, qualificada e partilhada gestão dos ativos imobiliários do Município de lisboa e uma otimizada gestão dos contratos de base patrimonial e das relações que estabelecemos com os particulares.

Perante este olhar sobre o que deverá ser e para que deverá servir o património municipal, foram por nós consagrados cinco grandes objetivos a que se subordina a estratégia e a dinâmica da gestão do património imobiliário municipal, a saber:

 

1) Afetar o património próprio ao cumprimento dos diferentes programas setoriais, quantificando e evidenciando de modo transparente os benefícios sociais que se pretendem alcançar para a Cidade e garantindo a médio e longo prazo a função social do Município;

 

2) Assegurar um papel regulador no mercado fundiário e imobiliário, por intervenção direta ou indireta, com uma participação ativa na definição das diferentes políticas, designadamente, fiscal, gestão urbanística, infraestruturas, transportes, acessibilidade em geral e prevenção de riscos;

 

3) Dotar o Município de uma reserva fundiária e acautelar a sua sustentabilidade na perspetiva do longo prazo, gerando recursos e oportunidades para recompor o universo da propriedade imobiliária do Município e acomodar em condições não especulativas a execução de futuros programas de iniciativa municipal;

 

4) Apostar na rentabilização e valorização dos ativos imobiliários municipais, canalizando os não estratégicos que a cada momento estejam disponíveis para a obtenção de recursos financeiros que diversifiquem a estrutura da receita municipal e assegurem uma gestão equitativa e sustentável do património no seu todo;

 

5) Contribuir ativamente para a dinamização de processos de reabilitação e regeneração urbana, garantindo um equilíbrio entre oferta e procura e um balanceamento de usos adequado às necessidades de desenvolvimento da cidade;

 

O pleno desenvolvimento dos objetivos anteriormente identificados só se alcança através da concretização de uma “dinâmica da gestão patrimonial”, que se estrutura em cinco grandes pilares, a saber:

 

a) Desenvolvimento e aprofundamento do cadastro predial da cidade, com a identificação, tratamento e separação clara entre os bens que integram o domínio público e o domínio privado municipal;

 

b) Agregação dos ativos municipais do domínio privado em dois regimes distintos: “Regime de Execução” (domínio privado disponível), subordinado a uma lógica de disponibilidade, rentabilização e valorização, e “Regime de Gestão Condicionada” (domínio privado indisponível), afeto ao cumprimento de necessidades próprias presentes ou futuras e sujeito a mecanismos de boa gestão e administração, possibilitando uma transição flexível entre os dois universos sempre que razões de mercado e, ou, de interesse público o justifiquem;

 

c) Exigência que todas as operações patrimoniais se subordinem ao princípio da onerosidade e sejam suportadas em avaliação de mercado, com todos os atos de disposição ou oneração de património a decorrerem de processos abertos à concorrência;

 

d) Criação de um ciclo virtuoso entre alienação de ativos que não sejam fundamentais para o cumprimento das missões, nem tenham elevado potencial de valorização, e novas aquisições de imóveis estratégicos, com impossibilidade de afetação das receitas das alienações à satisfação de despesas correntes;

 

e) Na consignação de parte substancial da receita das alienações de património ao Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística de Lisboa, para o efeito criado nos termos do previsto no n.º 4 do artigo 62º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio (lei dos solos) e da Deliberação n.º 43/CM/2015, de 28 de janeiro, tendo em vista suportar encargos com as obras identificadas no seu artigo 5º.

 

De janeiro de 2016 até outubro de 2017 foram alocados a este Fundo Fundo € 39,8 milhões de euros, que serão destinados a:

- Manter e reforçar as infraestruturas urbanísticas;

- Adquirir terrenos ou edifícios para usos públicos;

- Realizar obras de conservação e manutenção do edificado e do tecido urbano degradado;

- Construir, manter, remodelar ou beneficiar edifícios municipais e áreas de uso público.

Assim, esquematicamente:

 

 

 

 

 

É também no desenvolvimento desta dimensão estratégica da gestão patrimonial que surge a criação de programas específicos de valorização e rentabilização do património municipal, com uma pluralidade de contratos incidentes sobre ativos disponíveis, incluindo através da colaboração e da cooperação interadministrativas, bem como o programa de alienações em hasta pública, subordinado ao cumprimento de objetivos concretos e ao desenvolvimento de um programa de novas aquisições estratégicas.

O recurso a uma panóplia de formas jurídicas de atuação sobre os ativos imobiliários permitiu que entre 2012 e 2016 a receita resultante da alienação de património imobiliário municipal atingisse um total de 471 milhões de euros, 271 milhões dos quais correspondentes ao acordo com o Governo para transmissão da propriedade dos terrenos do Aeroporto, tendo cerca de 49% (236.572.000€) sido aplicado na redução da dívida de médio e longo prazo, sobretudo entre 2012 e 2014, com 51% (246.228.000€) a serem utilizados para novas aquisições de prédios e terrenos, porque estratégicos ou necessários para assegurar necessidades futuras, como por exemplo os terrenos da antiga e para a futura Feira Popular de Lisboa, a antiga Ala Sul da Manutenção Militar, ou os cinco prédios da Praça do Município, neste caso para futura concentração dos serviços naquele local, assim reduzindo encargos com rendas.

Partilhando apenas algumas das experiências mais relevantes que neste contexto temos vivido no Município de Lisboa, quer através de programas próprios, quer de ações suportadas na colaboração e na cooperação interadministrativas, justificam-se alguns breve apontamentos.

 

Programa Reabilita Primeiro e Paga Depois

Num momento fortemente recessivo da economia e em que a degradação e abandono de muitos imóveis no casco histórico da cidade era uma evidência, o programa Reabilita Primeiro e Paga Depois teve por base a utilização de património municipal não estratégico para atingir dois objetivos fundamentais, a saber, alavancar a economia a partir da fileira da construção e potenciar as condições de reabilitação e requalificação do edificado através do investimento privado.

Entre 2013 e 2017, através de hasta pública, foram colocados neste programa 116 imóveis, com fichas urbanísticas que enquadravam as condições de reabilitação e fixavam prazos máximos para o efeito, dando a possibilidade aos adquirentes de comprarem sem necessidade de efetuar na data da escritura o pagamento do preço, que só é exigível no momento em que venham a colocar os ativos no mercado, mas sempre tendo por limite a data imperativamente fixada para a conclusão das obras. Quando o pagamento é feito a pronto existe uma redução de 10%, quando diferido, existe um simples compromisso bancário sem encargos para o particular, ficando o Município no entretanto com uma reserva de propriedade.

Os 116 imóveis alienados renderam ao Município cerca de € 35 milhões de euros, sendo que, e mais importante do que a receita, permitiram alcançar os objetivos do RPPD. Nesta data, 25 dos imóveis têm as obras de reabilitação concluídas, 78 estão com obra em curso, 99 têm projetos aprovados, estando os restantes 17 com projeto em elaboração, para o que foi fundamental a criação de uma “via verde” urbanística.

Fora do programa Reabilita Primeiro e Paga Depois, mas articulado com este, foram entre 2013 e 2017 alienados 77 prédios do património disperso não estratégico, gerando uma receita de € 127 milhões de euros.

 

Programa de Arrendamento para Apoio ao Comércio Local

Com o objetivo de travar o processo de desertificação do centro histórico da cidade e de dinamizar o arrendamento para comércio local, o Município colocou no mercado 29 imóveis sua propriedade até então desocupados ou subaproveitados, também através da realização de hasta pública, cometendo aos particulares a realização de pequenas obras de requalificação ou adaptação dos espaços às suas necessidades.

O valor total anual das rendas destes imóveis ascende hoje a € 360.000,00 contribuindo também de modo significativo para a dinamização das comunidades locais.

É hoje claro que o desenvolvimento destes programas esteve na base do processo de inversão da tendência do imobiliário na cidade de lisboa, com firme aposta na reabilitação do edificado.

 

Estação Sul e Sueste e Doca da Marinha

Intervenientes:

Município; Ministério das Finanças; Ministério do Planeamento e Infraestruturas; Ministério do Mar; Administração Porto de Lisboa; Transtejo; Infraestruturas de Portugal.

Objetivo:

Recuperar o edifício classificado da estação sul e sueste e os painéis de azulejos do arquiteto Cottinelli Telmo, libertando para fruição pública todo o espaço da Doca da Marinha, permitindo uma interligação com o novo espaço do Campo das Cebolas e a continuação do passeio público marítimo entre o Cais do Sodré e o novo Terminal de Cruzeiros.

Operação:

Estação sul e sueste e zona adjacente são desafetadas do domínio público ferroviário, sendo feita pela DGTF ao Município a cedência de utilização pelo prazo de 50 anos, com a contrapartida de ser a CML a suportar todos os encargos com o projeto, no valor de € 3M; Armada sai da Doca da Marinha, sendo transferida em melhores condições para a Doca de Santos, com parte do edifício do Terminal Fluvial do Terreiro do Paço a ser de utilização partilhada pela Armada e pela Transtejo, o mesmo acontecendo com os atuais pontões; APL denuncia concessão com a Transtejo e esta faz o mesmo com os seus subconcessionários

 

Lisboa - SNS Mais Próximo

Intervenientes:

Município; Ministério da Saúde; ARSLVT; Ministério das Finanças; DGTF

Objetivo:

Cooperação entre Município e ARSLVT para que até 2020 sejam construídos e requalificados 14 novos Centros de Saúde na cidade de lisboa.

Operação:

O Município cede os terrenos e ou edifícios para a construção/instalação dos centros de saúde, elabora os projetos e lança os procedimentos de contratação pública para a realização das obras; A ARSLV elabora os programas funcionais, instala as unidades de saúde, acompanha o desenvolvimento dos processos. O Município será ressarcido dos custos em que incorrer com os terrenos atribuídos e obras realizadas, preferencialmente através da transferência de património do Estado.

 

Manutenção Militar – Hub Creativo do Beato

Intervenientes:

Município; Exército; Ministério da Defesa e Ministério das Finanças

Objetivo:

Transformar a ala sul da antiga Manutenção Militar num grande polo de empreendorismo e desenvolvimento tecnológico, com criação de um núcleo museológico de arqueologia industrial, ancorando o processo de requalificação e regeneração de toda a zona oriental da cidade.

Operação:

Manutenção Militar liberta o espaço, deixando o acervo que integrará o Núcleo de Arqueologia Industrial, promovendo-se a desafetação do domínio público militar. Património entra na gestão da DGTF, que promove uma cedência de utilização ao Município pelo prazo de 50 anos. A contrapartida financeira de € 7.1 milhões de euros é canalizada para o Exército, para investimentos em várias outras infraestruturas carenciadas.

O efeito multiplicador destes investimentos, muito especialmente o da Manutenção Militar que é o que se encontra em mais avançado estádio de desenvolvimento é bem evidente na análise da evolução do mercado imobiliário nas freguesias do Beato e Marvila entre 2014 e 2017 e nas condições de desenvolvimento social e económico, sendo interessante verificar como foram já valorizados outros imóveis propriedade do Estado, mesmo sem que tenha ocorrido qualquer intervenção nos mesmos, ou até em situações em que continuam subaproveitados, encerrados e em acelerada degradação.

Se dúvidas existissem quanto às vantagens para o interesse público em reforçar as condições para uma gestão transversal dos bens públicos, suportada na Colaboração e na Cooperação Interadministrativas, a experiência vivida com estes projetos é muito elucidativa. Reforçar as condições de gestão transversal dos bens públicos, suportada na colaboração e na cooperação interadministrativas, é condição de otimização da gestão, valorização e rentabilização dos ativos imobiliários públicos no seu conjunto.

Sendo princípios reguladores não atributivos, a colaboração e a cooperação constituem modos de excelência de assegurar a unidade de atuação da Administração e de tornar mais eficaz o exercício das competências de cada entidade.

A atuação conjunta de duas ou mais entidades públicas para permitir o êxito de uma missão que releva no âmbito das atribuições ou competências de apenas uma delas, como se verifica na colaboração, ou atuando conjuntamente com outras entidades administrativas para a resolução de um problema ou para a realização de um investimento que se enquadra nas atribuições ou competências de todas elas, como acontece na cooperação, é sempre fundamental para uma melhor gestão dos bens públicos.

Impõe-se criar condições para que as entidades públicas, da administração direta e indireta do Estado, não atuem de costas voltadas, fechadas sobre si próprias e focadas no seu próprio processo, mas sim em conjunto e orientadas para uma lógica de resultado, que, no limite, será sempre o de prestar um melhor serviço à causa pública.

A colaboração e a cooperação têm de estar para lá de simples emanações do dever geral de cooperação e de lealdade institucional entre entidades públicas, aliás, consagrado constitucionalmente, e não devem estar presentes no discurso político como meros chavões e figuras de retórica; Ao contrário, têm de ser assumidas como modos de assegurar a unidade de atuação da Administração e de tornar mais eficaz o exercício das competências próprias, funcionando também como uma alternativa aos poderes verticais decorrentes da hierarquia, da superintendência e da tutela.

Não é benéfico para o interesse público que tenhamos uma visão e uma atuação fragmentada do património público, desde logo porque tal esquece que a sua plena valorização, rentabilização e boa gestão estão bastas vezes intrinsecamente relacionadas, direi mesmo que condenadas a uma estratégia de conjunto.

Que sentido faz que um ente público esteja a promover em determinada área da sua jurisdição ações potenciadoras do valor dos seus ativos e, consequentemente daqueles que estão num perímetro de proximidade, quando os entes proprietários desses ativos não colaboram empenhadamente, ou, pior, tomam decisões contrárias ao nível da gestão, como por exemplo promovendo alienações em momento anterior à produção do efeito multiplicador daqueles investimentos, por isso mesmo em condições manifestamente desfavoráveis, ou abstendo-se da devida reabilitação dos imóveis sob sua gestão?

Mais do que um problema de vazio ou insuficiência legal, a questão passa por uma mudança de cultura organizacional e pela concordante reforma do Estado e do seu modo de funcionamento.

O que a experiência revela é que às recentes e positivas evoluções do Código do Procedimento Administrativo e do Código dos Contratos Públicos não corresponde essa mudança de atitude por parte das organizações, sempre mais preocupadas consigo próprias e com “o processo” do que no resultado final a obter para o interesse público.

Muito mais importante que uma lógica de marcação de território e disputa sobre poderes de titularidade e gestão dos bens públicos é que tais poderes sejam atribuídos a quem em cada caso concreto tenha as melhores condições para obter a mais ampla satisfação do interesse público em todas as suas dimensões.

 

 

NOTAS

0 António Inácio Furtado, Direção Municipal de Gestão Patrimonia, Câmara Municipal de Lisboa. - antonio.furtado@cm-lisboa.pt.