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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

On-line version ISSN 2183-184X

e-Pública vol.4 no.2 Lisboa Nov. 2017

 

 

ENERGIA

Biocombustíveis: a caminho de uma "sociedade de reciclagem"1

Biofuels: towards a "recycling society"

 

Carla Amado Gomes 2   Jorge Silva Sampaio 3

1 - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Alameda da Universidade - Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa – Portugal. E-mail: carlamadogomes@fd.ulisboa.pt

2 - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Alameda da Universidade - Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa – Portugal. E-mail: jorgesilvasampaio@fd.ul.pt

 

RESUMO

A transição para uma sociedade hipocarbónica prescrita pelo Acordo de Paris obriga a alterações profundas no domínio dos combustíveis para o sector dos transportes (responsável por cerca de 40% das emissões de gases com efeito de estufa). Após a análise dos prós e contras dos biocombustíveis alimentícios, passa-se em revista o quadro eurocomunitário sobre a matéria, para então se abordar o enquadramento da produção de biocombustíveis em Portugal. No final, deixam-se algumas pistas de evolução quanto à produção de biocombustíveis num futuro próximo.

Sumário: 0. Biocombustíveis: revolução ou involução? 1. A matriz eurocomunitária; 1.1. A Directiva 2003/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Maio; 1.2. A Directiva 2009/28/CE, de 23 de Abril; 1.2.1. Os critérios de sustentabilidade ambiental; 1.2.2. Os critérios de sustentabilidade social; 1.3. A Directiva 2009/30/CE, de 23 de Abril; 1.4. A Directiva 2015/1513/UE, de 9 de Setembro; 1.5. Biocombustíveis e Política Agrícola Comum (PAC); 2. O Direito nacional; 2.1. A obrigação de incorporação de biocombustíveis; 2.2. A produção de biocombustíveis em Portugal: panorama geral; 2.3. Em especial, a valorização de resíduos para produção de biocombustíveis: breve referência ao(s) regime(s) de licenciamento; 2.4. O futuro dos biocombustíveis 

Palavras-chave: biocombustíveis; critérios de sustentabilidade; produtos agrícolas; resíduos 

 

ABSTRACT

 The transition towards a hipocarbonic society which the Paris Agreement points out determines deep changes regarding biofuels in the transportation sector (40% of GHG emissions come from that sector). After presenting the pros and cons of biofuels made from feedstocks, we will go through the European framework on the subject, and from then on we proceed to the analysis of biofuel production in Portugal. In the end, some clues will be left concerning biofuel production in the near future. 

Summary: 0. Biofuels: revolution or involution? 1. A Eurocommunity matrix; 1.1. Directive 2003/30/EC of the European Parliament and of the Council of 8 May; 1.2. Directive 2009/28/EC, of 23 April; 1.2.1. The criteria of environmental sustainability; 1.2.2. The criteria of social sustainability; 1.3. Directive 2009/30/EC, of 23 April; 1.4. Directive 2015/1513/EU of 9 September; 1.5. Biofuels and the Common Agricultural Policy (CAP); 2. National law; 2.1. The obligation to incorporate biofuels; 2.2. The production of biofuels in Portugal: overview; 2.3. In particular, waste recovery for the production of biofuels: a brief reference to the licensing regime(s); 2.4. The future of biofuels 

Keywords: biofuels; sustainability criteria; feedstock; waste

 

0. Biocombustíveis: revolução ou involução? 

Biocombustível ou agrocombustível é o combustível de origem biológica não fóssil, fabricado ou a partir de produtos vegetais como a cana-de-açúcar, a soja, o milho, a beterraba, ou a partir de resíduos florestais, ou a partir de algas. O produto da transformação destes produtos em combustível faz variar o tipo de biocombustível, sendo os mais conhecidos a biomassa, o bioetanol, o biodiesel e o biogás. 

A razão porque estas fontes de energia vêm ganhando importância desde o final do século XX prende-se com a alternativa que constituem face aos combustíveis fósseis, nomeadamente no plano da alegada redução de emissão de CO2, que faz deles uma poderosa arma na luta contra o aquecimento global. Porém, não só esta conclusão foi desde muito cedo posta em causa, como também as contraindicações dos biocombustíveis têm sido intensamente sublinhadas. 

Na verdade, por um lado, e além da redução da emissão de CO2 para a atmosfera, a produção de biocombustíveis: incrementa a segurança energética (dos Estados que não têm fontes fósseis), por se tratar de fontes renováveis; dinamiza economias agrícolas, criando postos de trabalho directos e indirectos (transporte); constitui uma forma de reciclagem de resíduos, agrícolas, florestais e industriais. Em contrapartida, e por outro lado, o cultivo de produtos afectos à produção de biocombustíveis: compete com a agricultura tradicional para alimentação, gerando insegurança alimentar; implica a transformação de terrenos florestais em terrenos agrícolas, causando desflorestação, bem como a reconversão de zonas húmidas, prejudicando a biodiversidade; porque é praticada em larga escala, usa fertilizantes químicos à base de nitrogénio que, de uma banda, afectam a qualidade da água e, de outra banda, libertam óxido de nitrogénio, um gás 300 vezes mais impactante no aquecimento global do que o dióxido de carbono; também devido à larga escala de produção, os biocombustíveis provocam a realocação de recursos hídricos relevantes para consumo humano a essa produção agrícola4.

É muito comum aludir-se a biocombustível de “primeira geração” como aquele que é produzido a partir de matéria-prima alimentar — via que se pretende abandonar. Os de “segunda geração” correspondem aos que resultam da transformação de matéria residual (usualmente óleos alimentares usados e gordura animal, mas também biomassa florestal) — via em que se aposta actualmente. Estas duas categorias são consideradas como biocombustíveis convencionais, abrindo-se progressivamente a investigação aos combustíveis de “terceira geração”, obtidos a partir de biomassa de algas, com a conversão microbiana, mas também a partir da própria utilização de CO2 como matéria-prima. 

O argumento da concorrência entre biocombustíveis e alimentos, num mundo em vertiginosa escalada demográfica, é porventura o mais forte no sentido de desaconselhar a sua disseminação, logo seguido das objecções ambientais. No entanto, na vertente da transformação de resíduos agrícolas e florestais, e outros, a via dos biocombustíveis parece ser mais consensual, uma vez que não implica reconversão de terra agrícola e contribui para a reutilização de materiais que são considerados resíduos e detritos5. Acresce que as próprias alterações climáticas parecem estar a induzir um decréscimo da produção dedicada de materiais afectos a tal produção, afectando a capacidade produtiva em zonas semi-áridas (África, sobretudo), nas quais há mais espaço potencialmente utilizável para essa actividade6. Além de que o embaratecimento do preço do petróleo em razão das técnicas de extracção a partir da fracturação hidráulica tem contribuído para alguma desaceleração — malgrado os imperativos de descarbonização resultantes da entrada em vigor do Acordo de Paris, em Novembro de 2016. 

O entusiasmo inicial suscitado pelos biocombustíveis, depressa atalhado pelas dúvidas que a sua proliferação levanta, está bem retratado na evolução do regime europeu, fortemente conformador do quadro normativo português. Detenhamo-nos brevemente sobre ele.

 

1. A matriz eurocomunitária 

Na União Europeia, a primeira referência a biocombustíveis regista-se na estratégia gizada no Conselho Europeu de Gotemburgo, de 15 e 16 de Junho de 2001, tendente à adopção de medidas de promoção do desenvolvimento sustentável, entre as quais o incremento da utilização de biocombustíveis. Meses mais tarde, na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, Sobre combustíveis alternativos para o transporte rodoviário e sobre um conjunto de medidas destinadas a promover a utilização de biocombustíveis7, a Comissão sublinhou a necessidade de reduzir as emissões de CO2 no sector dos transportes através da introdução de alternativas ao petróleo, elegendo três vertentes: os biocombustíveis, o gás natural e o hidrogénio. Estas alternativas deveriam ocupar pelo menos 5% do mercado de combustíveis em 2020.

Estes são os pontos de partida para a evolução normativa que em seguida se passa em revista.

 

1.1. A Directiva 2003/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Maio 

O marco normativo pioneiro nesta matéria é a Directiva 2003/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Maio — conhecida por directiva green fuels. Conforme se afirmava no seu Considerando 4, “O sector dos transportes é responsável por mais de 30% do consumo final de energia na Comunidade e encontra-se em expansão, tendência que, tal como acontece com as emissões de dióxido de carbono, deverá acentuar-se”. Ora, “Uma utilização mais intensa de biocombustíveis nos transportes faz parte do pacote de medidas necessárias para dar cumprimento ao protocolo de Quioto e de qualquer pacote de políticas para o cumprimento de novos compromissos nesta matéria”, complementava o Considerando 6. 

A directiva continha uma enunciação não exaustiva dos biocombustíveis no artigo 2º (dentro de um género definido como ”o combustível líquido ou gasoso para transportes produzido a partir de biomassa” — desde o bioetanol ao biodiesel, passando pelo óleo vegetal puro produzido a partir de plantas oleaginosas). Pressentia-se a sensibilidade das instituições eurocomunitárias à necessidade da promoção da investigação e desenvolvimento tecnológico neste domínio, bem como o imperativo de avaliação dos seus impactos, positivos e negativos, no volume de emissões para a atmosfera (cfr. o Considerando 24). A questão dos custos não era ignorada, abrindo-se a porta à criação de incentivos fiscais e outro tipo de apoios mobilizadores da produção de biocombustíveis (veja-se o Considerando 19). 

Do conteúdo regulatório da directiva, sublinhamos três pontos: 


    i.) o apelo à colocação nos mercados de uma proporção mínima de biocombustíveis e outros combustíveis renováveis, por parte dos Estados-membros (nº 1 do artigo 3º); 

    ii.) a avaliação de impactos ambientais dos biocombustíveis introduzidos, dando prioridade aos que revelarem a melhor relação custo/eficácia, sem deixar de atentar nas vertentes competitividade e segurança de abastecimento (nº 4 do artigo 3º); 

    iii.) a imposição de rotulagem específica nos postos de venda, sempre que a percentagem de biocombustível misturada com derivados do petróleo exceder um determinado nível (nº 5 do artigo 3º). 

     

Os “valores de referência” fixados na directiva correspondiam a uma quota de mercado de 2% para os biocombustíveis em 2005, e de 5,75% em 2010. A Comissão constatou, em 2006, que a quota não fora além dos 1,4% na generalidade dos Estados membros. Na Estratégia da União Europeia no domínio dos biocombustíveis8, a Comissão reconheceu que os transportes são responsáveis por 1/5 das emissões de gases com efeito de estufa, insistindo na percentagem de 5,75% em 20109. Para tal, deveria ponderar-se a revisão da directiva em torno dos sete eixos políticos delineados pela referida Estratégia



    i) Estimular a procura de biocombustíveis, nomeadamente os de segunda geração, produzidos a partir de biomassa; 

    ii) Aproveitar os benefícios ambientais, prevendo que a utilização de biocombustíveis possa contar para os objectivos de redução das emissões de CO2 pelos parques automóveis. 

    iii) Desenvolver a produção e distribuição dos biocombustíveis através do apoio proporcionado pelo Fundo de Coesão, especialmente no que toca à conversão da biomassa, elegendo-a em objectivo da política de coesão e de incentivo ao desenvolvimento rural; 

    iv) Promover a oferta de matérias-primas, potenciando efeitos da reforma intercalar da PAC de 2003; 

    v) Melhorar as oportunidades comerciais, sem prejudicar nem os interesses dos produtores dos Estados-membros, nem dos parceiros comerciais da União Europeia. Para tanto, a Comissão procurará prosseguir negociações equilibradas com os países produtores de etanol. No que respeita aos fluxos comerciais actuais, a Comissão manterá condições de acesso do bioetanol importado ao mercado que não sejam menos favoráveis do que as previstas nos acordos comerciais actualmente em vigor; 

    vi) Apoiar os países em desenvolvimento, através de programas de acção que estimulem a produção de biocombustíveis pelos países menos desenvolvidos como forma de desenvolvimento limpo e de erradicação da pobreza nas zonas rurais, por força da criação de emprego e do rejuvenescimento do sector agrícola; 

    vii) Apoiar a investigação e o desenvolvimento quer através de iniciativas lideradas pelo sector privado (Plataforma Tecnológica dos Biocombustíveis, promovida pelo sector industrial), quer através da estrutura de financiamento comunitária. A proposta de 7º Programa-Quadro (2007–2013) prioriza a investigação no domínio dos biocombustíveis, apostando no reforço da competitividade da indústria europeia nesse sector. 

Eram estes os dados disponíveis à data do Conselho Europeu de Bruxelas de 2007, que inaugurou uma nova era na política energética europeia.

 

1.2. A Directiva 2009/28/CE, de 23 de Abril 

A segunda directiva das energias renováveis10 começou a ser forjada no Conselho Europeu de Bruxelas, de 8/9 de Março de 2007, no qual se introduziu a noção de Política Energética Europeia (Energy Policy for Europe, EPE), entrelaçando soberania estadual e solidariedade na realização do mercado interno. De acordo com o ponto 28 das Conclusões da Presidência, a política energética europeia orienta-se em função de três objectivos, a saber: o incremento da segurança de abastecimento; o fortalecimento da economia europeia e produção de energia a preços competitivos; e a promoção do desenvolvimento sustentável e prossecução do combate às alterações climáticas. 

É nesta Cimeira que nasce o já famoso soundbyte dos 20%: 20% de produção de energia a partir de fontes renováveis até 2020 (10% para biocombustíveis); 20% de redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2020; 20% de ganhos em eficiência energética até 2020. O Plano de Acção para a Energia que acolhia o objectivo dos três 20s, redundou na aprovação do Pacote Clima-Energia, o qual, para o que mais directamente interessa ao nosso excurso, inclui a nova directiva sobre energias renováveis e biocombustíveis (Directiva 2009/28/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril). O seu efeito multiplicador gerou ainda, entre outros, uma nova directiva sobre resíduos (Directiva 2008/98/CE, de 19 de Novembro), que estabelece uma hierarquia para o tratamento de resíduos a qual potencia a utilização múltipla e a recuperação daqueles por valorização energética (nomeadamente, através da co-incineração), bem como o Regulamento 66/2010, de 25 de Novembro de 2009, que alarga o universo de produtos susceptíveis de merecer o rótulo ecológico comunitário11

Realce-se que os diplomas incluídos no Pacote foram ainda aprovados ao abrigo das bases de competência da política ambiental (e da consolidação do mercado interno). Só em Dezembro de 2009 a União Europeia (que substituiu a Comunidade Europeia) passou a contar, formalmente, com uma Política Energética Comum, sediada no Título XXI do renomeado Tratado de Roma, doravante identificado como Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (=TFUE). A inscrição deste novo Título é fruto da progressiva constatação da natureza da energia enquanto mercadoria e da importância da livre comercialização desse bem no mercado interno12. Mas ela resulta mais directamente do entrelaçamento entre gestão dos recursos energéticos e redução das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera, tendo a União, como vimos, assumido um papel de liderança nesse contexto. 

A Directiva 2009/28/CE pretende substituir inovatoriamente as directivas green electricity e green fuels (de 2001 e 2003, respectivamente) revogando, com efeitos a partir de 1 de Abril de 2010, a maior parte do articulado de qualquer uma delas. Destacaremos algumas das inovações trazidas pelo novo regime, começando pelas gerais (ou seja, aplicáveis à produção de electricidade e de biocombustíveis) ─ A. ─ e continuando com as específicas para a matéria dos biocombustíveis ─ B.

A. Inovações de carácter geral: 


    i.) Estabelecimento de um horizonte temporal pós-Quioto (2020), que vinca bem a autosuficiência da ecopolítica energética da União; 

    ii.) Fixação de uma quota mínima de 20% de energia produzida a partir de fontes renováveis para 2020, que deixa de ser "indicativa" (cfr. o artigo 3 da directiva 2001/77 e o artigo 3 da directiva 2003/30) e passa a ser vinculativa nos termos do Anexo I/B (cfr. o artigo 3) ─ embora se não cominem sanções para os Estados que não consigam cumprir os objectivos13

    iii.) Entrelaçamento entre a produção de energia a partir de fontes renováveis e a promoção de medidas de eficiência energética (cfr. os Considerandos 17/18, e o artigo 13/4); 

    iv.) Criação de um mercado europeu de certificados verdes, a partir da identificação do volume de energia renovável produzida por garantias de origem, a implementar através de transferências estatísticas controladas pelos Estados (cfr. os artigos 6 e 7); 

    v.) Apelo à cooperação entre Estados-membros entre si, e entre Estados-membros e terceiros Estados com vista à aquisição de energia produzida a partir de fontes renováveis, a consumir na União (cfr. os artigos 7 a 10). 


B. Inovações em sede de biocombustíveis:


    i.) Fixação de uma quota mínima de 10% de biocombustíveis utilizados pelo sector rodoviário de cada Estado-membro – veja-se o artigo nº 4 do artigo 3; 

    ii.) Diferenciação entre biocombustíveis e biolíquidos: são todos produzidos a partir de biomassa e têm fins energéticos, mas só os primeiros (líquidos ou gasosos) são adstritos ao sector dos transportes e por isso só eles são considerados para efeito do cômputo dos 10% [cfr. as alíneas h) e i) do artigo 2]; 

    iii.) Fixação de regras especiais para o sector da aviação relativamente ao cômputo do consumo final bruto de energia (e, reflexamente, do cômputo dos 10%/20%), com regras definidas no artigo 5 ─ que passa por uma indexação geral a um valor de 6,18%, reduzindo-se para 4,12% nos casos de Chipre e Malta, por serem regiões insulares14

    iv.) Estabelecimento de um método de cálculo do impacto ambiental do uso de biocombustíveis, que pondera tanto a redução de emissões derivada da substituição de combustíveis fósseis como o eventual acréscimo de emissões decorrente da alteração de uso dos solos agrícolas (cfr. o artigo 19)15

    v.) Definição de critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis para efeitos de cômputo da quota de 10%, quer sejam produzidos na União Europeia, quer em Estados não membros – cfr. o nº 1 do artigos 5 e os artigos 17 e 18.


Parece-nos particularmente interessante o entrelaçamento de políticas tecido pela directiva neste âmbito. Com efeito, e na sequência da Estratégia da União Europeia no domínio dos biocombustíveis a que aludimos supra (1.1.), vemos que a questão da reconversão energética no sector dos transportes envolve simultaneamente a Política Agrícola Comum (doravante PAC: cfr. o Título III do TFUE), a política ambiental (cfr. o Título XX do TFUE), a protecção dos direitos fundamentais das pessoas (no que toca à saúde) e dos trabalhadores (no plano das condições de trabalho) e as relações externas da União (cfr. a alínea f) do nº 2 do artigo 21 do Tratado da União Europeia, e o Título III do TFUE). 

Um outro aspecto que merece ser enfatizado é o da tentativa de controlar "o lado negro da força" dos biocombustíveis. A acesa controvérsia, científica e política, em torno desta técnica complementar de alimentação do sector dos transportes, levou a União a estabelecer critérios de sustentabilidade particularmente detalhados no tocante à produção de matérias-primas que sirvam de suporte ao seu fabrico. Estes critérios, contudo, já mereceram críticas podendo, dependendo da perspectiva, ser considerados insuficientes, do ponto de vista ecológico (fundamentalmente por não se preverem sanções para os Estados/entidades que obtiverem fornecimentos de Estados que não aplicam os critérios); ou proteccionistas, do ponto de vista desenvolvimentista (por constituírem entraves à comercialização de matérias-primas para transformação em biocombustíveis). 

 

1.2.1. Em especial, os critérios de sustentabilidade ambiental

Devemos começar por realçar a sujeição da opção de produção e utilização de biocombustíveis, em geral e por um lado, à filtragem necessária da avaliação de impacto ambiental (Directiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente16) ou da avaliação de incidências ambientais (Directiva 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio ─ conservação de habitats naturais de fauna e flora), bem assim como à informação em matéria de ambiente (Regulamento 1367/2006, de 6 de Setembro, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente). No plano da avaliação de impacto ambiental, veja-se o nº 2 do artigo 4 da Directiva 85/337/CE e o Anexo II/1 para o qual remete17; no tocante à avaliação de incidências, confronte-se o nº 3 do artigo 6 da Directiva 92/43; e no que concerne à informação sobre ambiente, leia-se o disposto na subalínea ii) da alínea d) do nº 2 do artigo 2 do Regulamento 1367/2006 (definição de "informação sobre ambiente"). 

Por outro lado, cumpre realçar que a combinação de biocombustíveis com combustíveis fósseis traz problemas técnicos e sanitários, regulados na Directiva “Qualidade dos Combustíveis”, na qual se estabelecem limites aplicáveis à percentagem de etanol, éter e outros produtos oxigenados na gasolina — v. infra, 1.3.

No plano ambiental em sentido amplo, devemos considerar as interferências do cultivo de produtos afectos à produção de biocombustiveis, por um lado, com a protecção da biodiversidade (i.) e, por outro lado, com a luta contra as alterações climáticas (ii.). 


i.) Quanto à relação entre biocombustiveis e protecção da biodiversidade, a directiva avança diversos critérios de sustentabilidade que se prendem com a proibição de proveniência das matérias-primas afectas a transformação de terrenos ricos em biodiversidade, tal como descritos no nº 3 do artigo 17 (floresta primária e outros terrenos arborizados; zonas designadas para protecção da natureza; zonas designadas para a protecção de espécies ou sistema raros, ameaçados ou em risco de extinção ─ a menos que se comprove que a produção das referidas matérias-primas não afectou os referidos fins de protecção da natureza; terrenos de pastagem ricos em biodiversidade). 

Além disso, o 3º do nº 7 do mesmo dispositivo determina que os países produtores, sejam membros da União Europeia ou países terceiros, devem ter ratificado e aplicar o Protocolo de Cartagena sobre biossegurança, na medida em que a introdução no meio de espécies geneticamente manipuladas deve estar regulamentada, e a Convenção sobre o comércio internacional de espécies da fauna e flora selvagens ameaçadas de extinção (CITES), cujos habitats podem ser perturbados pelo avanço das plantações de matérias-primas com vista à produção de biocombustiveis.


ii.) Já no tocante à interrelação da produção de biocombustiveis com as medidas de combate às alterações climáticas, para lá do arco óbvio entre reconversão energética e estas últimas, a directiva adianta ainda, nos nºs 4 e 5 do artigo 17, um específico critério relativo ao cultivo destas matérias-primas em terrenos ricos em carbono ─ ou seja, que tivessem o estatuto de: zonas húmidas; zonas continuamente arborizadas; e terrenos com extensão superior a 1 hectare com arvores de mais de 5 metros de altura e um coberto florestal entre 10% a 30% (ou árvores que possam alcançar esse limiar) em Janeiro de 2008, e o perderam entretanto. Neste caso, pretende-se evitar que culturas que visam reduzir emissões provoquem, pela sua implantação em terrenos ricos em carbono, a libertação deste (ou o agravamento daquela libertação) para a atmosfera e, consequentemente, um contra-efeito (cfr. também o Considerando 70 do Preâmbulo). 

Acrescente-se que, de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, a redução de emissões de gases com efeito de estufa através da produção de biocombustiveis deve ser de, pelo menos, 35% ─ até 2017. A partir desta data, a redução deve ser de 50% e no ano seguinte, de 60%, a partir de biocombustiveis provenientes de instalações que tenham entrado em funcionamento a partir de 1 de Janeiro de 2017 ou depois dessa data.

 

1.2.2. Os critérios de sustentabilidade social

O nº 7 do artigo 17 da Directiva consigna uma segunda categoria de critérios de sustentabilidade: sociais. Estes parâmetros fazem parcialmente eco das preocupações manifestadas em Abril de 2008 pelo relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, o suíço Jean Ziegler, ao condenar veementemente o incentivo à produção de biocombustiveis por esta estar a provocar reflexamente um aumento inusitado do preço dos cereais para alimentação, bem como a suprimir terras à produção agrícola para alimentação humana. O preceito dispõe, com efeito, sobre a necessária monitorização do impacto da procura destas matérias-primas nos planos social e económico, quer da União Europeia, quer dos países com quem convenciona o fornecimento. O último parágrafo do nº 7 do artigo 17 fixa o prazo de apresentação do primeiro relatório da Comissão Europeia sobre este impacto no ano de 2012, devendo ser avançadas medidas correctivas, "nomeadamente se existirem elementos que atestem que a produção de biocombustiveis tem um impacto considerável sobre o preço dos géneros alimentícios". 

Para além desta preocupação genérica com a priorização dos objectivos alimentares sobre os energéticos, a directiva não esquece a salvaguarda das condições de trabalho dos trabalhadores recrutados para as plantações de matérias-primas afectas à produção de biocombustiveis. Para evitar alegações de cumplicidade com más práticas ou acusações de ‘colonialismo ecológico’, os vários travessões do 2º do nº 17 do artigo 17 vinculam os Estados produtores de matérias-primas à ratificação e aplicação de diversas Convenções adoptadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho ─ no seio da qual existe um comité de peritos que elabora relatórios anuais sobre a aplicação das convenções pelos Estados ratificantes. 

A obrigação de vinculação a estes instrumentos é um imperativo de coerência quer com as directrizes de conduta da União Europeia no plano externo ─ cfr. o nº 5 do artigo 3, e a alínea b) do nº 2 do artigo 21 do Tratado da União Europeia, nos quais se ancora a União nos princípios universais de respeito pela dignidade humana e dos direitos fundamentais das pessoas ─, quer no plano interno ─ leiam-se as disposições em sede de política social da União Europeia, maxime as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 153 do TFUE, nas quais se estabelece que a União apoiará e complementará a actuação dos Estados-membros no sentido da melhoria do ambiente de trabalho no que tange a salvaguarda da saúde e higiene dos trabalhadores, em especial, e das condições de trabalho, em geral. 


Em suma, a fixação destes critérios, tanto dos ambientais como dos sociais, evoca a figura dos "blood diamonds", usados para financiar guerras. A lógica dissuasora é idêntica, uma vez os biocombustiveis produzidos à margem destas directrizes não serão considerados para preencher o mínimo de 10% imposto no artigo 3/4 da directiva18. Nas palavras da Directiva 2009/30/CE, de 23 de Abril (que alterou a Directiva 98/70/CE sobre a qualidade dos combustíveis), estes critérios visam definir uma espécie de reserva moral dos cidadãos europeus quanto à utilização de matérias-primas provenientes de áreas ecologicamente frágeis ou cuja exploração seja feita à custa da dignidade humana (cfr. o Considerando 11)19

 

1.3. A Directiva 2009/30/CE, de 23 de Abril

A Directiva 98/70/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel, teve sobretudo preocupações ambientais, no sentido de contribuir para a redução da poluição atmosférica nos Estados-membros, incrementando a protecção da saúde e do ambiente. Esta Directiva foi alterada pela Directiva 2003/17/CE, de 3 de Março, cujo principal objectivo residia em regular a comercialização de gasolina sem chumbo e muito particularmente estabelecer limites à introdução de enxofre neste combustível, tendo em consideração aspectos sanitários e ambientais. Finalmente, a Directiva 2009/30/CE, de 23 de Abril, teve por desígnio disciplinar a mistura de biocombustíveis com combustíveis tradicionais (leia-se: fósseis), em estreita articulação com a Directiva 2009/28/CE, já descrita. 

As principais inovações da Directiva de 2009 face ao texto de 1998 foram: 



    i) a afirmação da necessidade de redução das emissões de CO2 decorrentes de combustíveis em pelo menos 10% até 31 de Dezembro de 2020, sendo que pelo menos 6% dessa redução deveria resultar da introdução de biocombustíveis (com acréscimo eventual de outra redução de 2% decorrente de mecanismos de sequestro de carbono e disseminação do carro eléctrico, e de ainda mais 2% resultante da compra de créditos de carbono à sombra do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, no quadro do Protocolo de Quioto) — nº 2 do artigo 7A; 

    ii) a reprodução dos critérios de sustentabilidade presentes na Directiva 28/2009/CE, no artigo 7B, bem assim como os imperativos de verificação do cumprimento dos mesmos (artigo 7C) e do cálculo das emissões de gases com efeito de estufa produzidas pelos mesmos (artigo 7D); 

    iii) a introdução de obrigações de incorporação de biocombustiveis nos combustíveis tradicionais pelos fornecedores (nº 2 do artigo 3, e nº 1 do artigo 4, para gasolina e diesel, respectivamente), bem como a necessidade de monitorizar as emissões de gases com efeito de estufa por eles produzidas (bem como as emissões produzidas pelas fontes de electricidade utilizadas, no caso dos carros eléctricos — artigo 7A/1);

    iv) a fixação de limites de mistura entre combustíveis fósseis e biocombustíveis, nos Anexos I, II e III.



Este quadro deve ainda completar-se com a menção à Decisão da Comissão 2011/13/UE, de 12 de Janeiro, na qual se vem estabelecer regras sobre determinados deveres de informação a acatar pelos operadores económicos que fornecem biocombustiveis e biolíquidos. A Decisão precisa que, quando haja materiais utilizados no fabrico de biocombustiveis consistentes em biomassa obtida a partir de terrenos agrícolas degradados recuperados, e bem assim quando uma gestão agrícola melhorada permita medir a acumulação de carbono em terrenos produtores de materiais afectos à produção de biocombustiveis, esses aspectos merecem bonificação, à luz do regime inscrito no Anexo III, parte C, da Directiva 2009/28/CE. 

 

1.4. A Directiva 2015/1513/UE, de 9 de Setembro

A Directiva 2015/1513/UE constitui a última alteração às directivas 28/2009 e 30/2009 (na verdade, à Directiva 98/70/CE) e incide quase totalmente sobre a questão dos biocombustíveis. Sublinha-se desde já que esta Directiva tem termo de transposição fixado em 10 de Setembro de 2017. 

A principal preocupação espelhada na Directiva reside no aprofundamento dos factores de ponderação dos benefícios da produção de biocombustiveis — com a inerente afectação de solo que tal operação traduz — no confronto com os custos, sociais e ambientais, envolvidos. A concorrência entre cultivo de fontes de biocombustíveis e culturas alimentícias, de um lado e, de outro lado, o custo carbónico da alocação de terras a culturas energéticas, fazem hesitar a política de intensificação do uso de biocombustíveis — pelo menos em certas circunstâncias. A Directiva de 2015 vem trazer à ponderação da bondade da opção pelos biocombustiveis, além dos custos directos da alocação de terras a culturas energéticas, os seus custos indirectos, ou seja, os custos carbónicos envolvidos na intensificação de culturas alimentícias nos solos já disponíveis e na disponibilização de novos solos para estas20. Na verdade, os dados disponíveis permitem equacionar a hipótese de os custos directos e indirectos da realocação de terras de culturas alimentícias ao cultivo de biocombustiveis anularem, em parte ou mesmo no todo, os ganhos em emissões de CO2 promovidos pela opção por estes (cfr. o considerando 5 do Preâmbulo da Directiva). 

A melhor via para evitar este resultado traduz-se, por um lado, na inclusão dos custos indirectos nos critérios de sustentabilidade, o que porventura travará algumas novas explorações (o considerando 4 refere a necessidade de salvaguardar expectativas de produtores já no mercado). Por outro lado, exorta-se ao desenvolvimento da investigação científica no sentido de intensificar a produção de biocombustiveis a partir de resíduos e algas, indutores de significativos ganhos no plano da redução de emissões, realizados a partir de materiais que não estão em competição com géneros alimentícios e que, por isso, não importam em custos nem directos nem indirectos relativos à transformação de solo agrícola. 

Este caminho aponta para o aprofundamento da “sociedade de reciclagem” já anunciada pela versão inicial da Directiva 2009/28/CE, com afectação de resíduos de biomassa provenientes de explorações agrícolas, silvícolas, de aquacultura e de actividades piscatórias ao fabrico de biocombustíveis. A Directiva de 2015 aposta na intensificação desta via, com progressivo abandono da afectação de culturas alimentícias a fins energéticos (cereais, culturas ricas em amido, culturas açucareiras e oleaginosas) e, paralelamente, adita-lhe todo um conjunto de novas fontes quer no plano de resíduos não orgânicos (industriais), quer no plano de resíduos urbanos mistos, quer no plano dos óleos usados e outros materiais21 — cfr. o novo Anexo IX da Directiva 2009/28/CE, introduzido pela Directiva de 2015. As novas fontes aí descritas deverão ver o seu valor energético majorado em dobro para os efeitos da realização do objectivo de 10% de biocombustiveis em 2020, passando a constituir 3% daquele objectivo, sendo o limite de utilização dos materiais alimentícios fixado em 7%. 

 

1.5. Biocombustíveis e Política Agrícola Comum (PAC) 

No plano da agricultura, a Reforma Intercalar da PAC de 2003 fixou, num Capítulo especialmente dedicado ao apoio às culturas energéticas, a concessão do valor de 45,00/hectare, até um máximo de 1.500.000 hectares22, aos agricultores que se dedicassem à produção de fontes de biocombustíveis (por relação com o elenco enunciado na Directiva 2003/30). Para se candidatarem a este auxílio, os agricultores necessitavam de provar a existência de um contrato de compra e venda com uma empresa transformadora (salvo se eles próprios procedessem à operação de transformação dos agroprodutos em biocombustiveis) ─ cfr. os artigos 88 a 92 do Regulamento do Conselho 1782/2003, de 29 de Setembro. 

Este incentivo, expressamente ligado à directiva green fuels, surtiu os seus objectivos. A aplicação do regime teve início em 2004, quando a superfície abrangida totalizava 0,31 milhões de hectares, tendo aumentado expressivamente nos anos seguintes (atingindo 2,84 milhões de hectares em 2007, valor que pela primeira vez esgotou o orçamento previsto para os apoios). 

O sucesso ditou o fim dos apoios: como pode ler-se no Considerando 42 do Regulamento do Conselho 73/2009, de 19 de Janeiro (que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, e que revogou o Regulamento 1782/2003), 


    "O Regulamento (CE) nº 1782/2003 estabeleceu um apoio específico para as culturas energéticas, com vista a contribuir para o desenvolvimento do sector. Dada a recente evolução no sector da bioenergia, nomeadamente a forte procura de tais produtos nos mercados internacionais e a introdução de objectivos vinculativos para a parte da bioenergia nos combustíveis totais até 2020, já não há motivos para conceder um apoio específico às culturas energéticas". 


Deste regulamento constam, todavia, regras de "boa-conduta agrícola" (e ambiental), obrigatórias e facultativas, que a cultura de matérias-primas a transformar em biocombustíveis deve observar, nos termos do nº 6 do artigo 17 da Directiva, que remete para o nº 1 do artigo 6 e para o Anexo III daquele regulamento. 

No que toca às florestas, a Acção-chave 4 do Plano de Acção da União Europeia para as Florestas23 dispõe sobre a promoção da utilização de biomassa florestal para a produção de energia, que revela um interesse acrescido na medida em que potencia o aproveitamento de restos de madeira cuja recolha serve simultaneamente finalidades energéticas, de segurança florestal e de empregabilidade. A execução desta Acção-chave está estreitamente interligada ao Plano de acção Biomassa24, no qual se concluía que cerca de 35% da madeira produzida na União Europeia fica por aproveitar, devendo ser canalizada para a indústria dos biocombustíveis (ponto 5.1.). 

Cumpre sublinhar ainda que a decisão do Conselho 2009/61/CE, de 19 de Janeiro (que altera a Decisão 2006/144/CE, relativa às orientações estratégicas comunitárias de desenvolvimento rural no período de programação 2007-2013), manda rever as orientações estratégicas em sede de desenvolvimento rural, exortando os Estados-membros, nomeadamente, a promover acções-chave de apoio ao investimento no sector florestal para alcançar "formas mais inovadoras e mais sustentáveis de transformação de biocombustível" (cfr. o Anexo). 

A perda de apoios provenientes do Fundo de Coesão à reconversão agrícola com vista à produção de biocombustíveis deixou os agroprodutores reduzidos aos incentivos nacionais, fiscais e de outra natureza25

 

2. O Direito nacional

A produção e comercialização de biocombustíveis foi pela primeira vez regulada através do Decreto-Lei 62/2006, de 21 de Março, que transpôs para a ordem interna a Directiva 2003/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Maio. Como esta não fixava qualquer meta vinculativa, os efeitos foram escassos, quer no plano da produção (interna), quer no plano da comercialização. Este estado de coisas alterou-se com a entrada em vigor da Directiva 2009/28/CE, na medida em que aí, como vimos, se fixa a meta de 10% de utilização de biocombustíveis em veículos de circulação rodoviária até 2020. 

O legislador nacional assimilou esta nova meta no Decreto-Lei 117/2010, de 25 de Outubro, que revogou quase totalmente o Decreto-Lei 62/2006 [o artigo 33º do Decreto-Lei 117/2010 ressalvou da revogação os artigos 6º (introdução no consumo e controlo de origem) e 7º (pequenos produtores dedicados) do Decreto-Lei 62/2006, de 21 de Março]. Vamos assinalar os aspectos de maior relevo do Decreto-Lei 117/2010 no que toca à obrigação de incorporação, para depois analisarmos a questão da produção de biocombustíveis por operadores portugueses26. Diga-se desde já que esta produção, no que para o plano agrário releva, se divide entre a produção agrícola de materiais destinados à transformação em biocombustíveis — fundamentalmente disciplinada na Portaria 8/2012, de 4 de Janeiro —, regime que só se encontra em vigor desde 1 de Julho de 2014, devido a sucessivos atrasos relativos à emissão de títulos comprovativos da produção de biocombustíveis compatíveis com os critérios de sustentabilidade; e a produção de biocombustíveis a partir de resíduos de biomassa florestal, cujo enquadramento se encontra vertido no Decreto-Lei 5/2011, de 10 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis 179/2012, de 3 de Agosto, e 166/2015, de 21 de Agosto27 — a qual, no entanto, não tem ainda expressão no lote de títulos emitidos pela autoridade nacional28

Já no que tange a produção de biocombustíveis a partir da valorização de resíduos, está fundamentalmente em causa o regime plasmado no Decreto-Lei 178/2006, de 5 de Setembro (com última alteração pelo Decreto-Lei 71/2016, de 4 de Novembro: cfr. o artigo 22ºA), que aprovou o Regime Geral da Gestão de Resíduos, substancialmente alterado pelo Decreto-Lei 73/2011, de 17 de Junho (=RGGR)29. É neste quadro que se movimentam as operações de produção de biocombustíveis a partir de resíduos que não sejam biomassa florestal, nomeadamente a partir de óleos alimentares usados30, conforme o disposto no Decreto-Lei 267/2009, de 29 de Setembro — fonte com significativa expressão em Portugal31

 

2.1. A obrigação de incorporação de biocombustiveis 

O Decreto-Lei 117/2010, de 25 de Outubro (com última redacção introduzida pelo Decreto-Lei 69/2016, de 3 de Novembro), regula presentemente a obrigação de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis pelos fornecedores, como a seguir se indica: 


    i) Obrigação de incorporação, pelas entidades que introduzam combustíveis no mercado, de percentuais (relativos às quantidades totais de combustíveis que introduzam) correspondentes a: 

    “a) 2011 e 2012 — 5,0 %; 
    b) 2013 e 2014 — 5,5 %; 
    c) 2015 e 2016 — 7,5 %; 
    d) 2017 e 2018 — 9,0 %; 
    e) 2019 e 2020 — 10,0 %” (cfr. o nº 1 do artigo 11) 

    ii) Obrigação de incorporação, relativamente ao biodiesel, de 6,75% até final do ano de 2014 (nº 1 do artigo 28º); 

    iii) Consagração da figura do “pequeno produtor dedicado” (prevista no artigo 7º do Decreto-Lei 62/2006), ou seja, aquele que faça “um aproveitamento de resíduos ou detritos igual ou superior a 60%, em massa, da matéria-prima consumida na instalação para a produção de biocombustíveis na instalação para projectos de aproveitamento de resíduos ou detritos”, beneficiando este produtor de isenção do pagamento de imposto sobre combustíveis (ISP)32 — cfr. o artigo 19º; 

    iv) Emissão de títulos de biocombustíveis (TdB), válidos por dois anos, comprovativos da incorporação de uma tonelada equivalente de petróleo (tep) em biocombustível substituto de gasolina, do gasóleo ou de outros combustíveis (artigo 13.º), transaccionáveis através de uma plataforma electrónica (artigo 17.º); 

    v) Obrigação de prestação, pelo incorporador, de informação sobre o cumprimento dos critérios de sustentabilidade (cfr. os artigos 4º, 7º e 8º) na produção do biocombustível e sobre a origem do mesmo, como pressuposto da emissão do TdB (artigo 16.º); 

    vii) Verificação trimestral do cumprimento das obrigações de incorporação pela Entidade Nacional para os Mercados dos Combustíveis, E.P.E. (ENMC)33 — nº 3 do artigo 24º; 

    viii) Atribuição, ao Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia, I.P. (LNEG), da competência de verificação do cumprimento, pelo produtor, dos critérios de sustentabilidade, criando um registo de produtores e realizando as inspecções necessárias (artigo 20º); 

    ix) Obrigação de os produtores apresentarem requerimento, até 15 de Dezembro, junto do LNEG, com a previsão das quantidades que lhes pretendam ver atribuídas no ano seguinte, provando a capacidade instalada (artigo 30º). A quebra desta obrigação, salvo se for anunciada até 15 de Abril de cada ano, faz incorrer o produtor na obrigação de compensação, conforme previsto no nº 2 do artigo 24º e no nº 4 do artigo 30º. 

 

2.2. BA produção de biocombustíveis em Portugal: panorama geral

O Decreto-Lei 117/2010 estabelece, no nº 3 do artigo 10º, que são produtores de biocombustíveis “quaisquer entidades que produzam biocombustível e que estejam registadas na ENMC — Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis, E. P. E. (ENMC, E. P. E.), para efeitos do cadastro nacional centralizado do Sistema Petrolífero Nacional (...)”. Por seu turno, o Regulamento de funcionamento da entidade coordenadora do cumprimento dos critérios de sustentabilidade, aprovado em anexo à Portaria 8/2012, de 4 de Janeiro (=RFECCS), desdobra estes produtores entre produtores do regime geral — com capacidade instalada superior a 20.000 toneladas/ano —, pequenos produtores dedicados e os restantes — ou seja, os produtores do regime geral com capacidade instalada inferior a 20.000 toneladas/ano [cfr. as alíneas l), m) e o) do RFECCS]. 

Deve sublinhar-se que qualquer produtor de combustível a partir de biomassa ou de resíduos desta ou outros, pode vender o biocombustível a um incorporador; mas este só terá interesse em lho adquirir se cumprir os critérios de sustentabilidade descritos na Directiva 28/2009/CE e plasmados nos artigos 7º e 8º do Decreto-Lei 117/2010 — além de que qualquer produtor deverá cumprir estes critérios para poder beneficiar da isenção de ISP. Ora, para se poder candidatar a produzir lotes de biombustíveis que valham a emissão de TdB, os produtores devem efectuar um registo prévio junto da Entidade coordenadora do cumprimento dos critérios de sustentabilidade (ECS) — que, como sabemos, é o LNEG —, nos termos do artigo 4º do RFECCS34, registo esse que pode ser recusado, cancelado ou suspenso por essa Entidade, nos casos previstos no nº 8 do mesmo artigo.

O registo tem a validade de um ano, automaticamente renovável (nº 10 do artigo 4º do RFECCS). É devida uma taxa única de registo que varia consoante o produtor seja do regime geral ou de outro (nº 1 do artigo 12º do RFECCS), além de uma taxa de verificação dos critérios de sustentabilidade que varia consoante o tipo de matérias primas que está na base do lote de biocombustível entregue (nº 3 do artigo 12º do RFECCS). 

Cada lote de biocombustíveis produzidos de acordo com os critérios de sustentabilidade vai merecer a atribuição de TdB pela ECS, que sofre uma majoração em dobro no caso de as matérias primas provirem de resíduos, detritos, material celulósico não alimentar ou material lenho-celulósico — 2TdB/tep, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 14º do Decreto-Lei 117/2010. Porque a sustentabilidade dos materiais geradores de biocombustíveis cultivados em Portugal se constrói, em espelho com as directivas 2009/28 e 2009/30, em dois níveis — ponderando o nível de emissões de CO2 e o impacto nos solos e na biodiversidade —, pode haver bonificações associadas aos TdBs atribuídos caso as matérias-primas provenham do uso agrícola de terrenos degradados ou fortemente contaminados (cfr. o nº 9 do artigo 8º do RFECCS), ou da utilização de técnicas de gestão agrícola melhorada (cfr. o nº 10 do artigo 8º do RFECCS), sempre suportadas na prova documental desses factos. 

Os produtores deverão entregar à ECS relatórios anuais que atestem o cumprimentos dos critérios de sustentabilidade em toda a cadeia de valor na produção dos biocombustiveis. Tais relatórios deverão ser validados por uma entidade verificadora independente, acreditada pelo Instituto Português de Acreditação — nº 1 do artigo 10º do RFECCS —, salvo se apresentarem um certificado validado por um regime voluntário reconhecido pela União Europeia (cfr. o nº 10 do artigo 10º)35

Recorda-se que, até ao dia 15 de Dezembro de cada ano, os produtores deverão apresentar, junto da ECS, requerimento com a previsão das quantidades que lhes pretendam ver atribuídas no ano seguinte. Se por alguma razão produzirem menos do que o anunciado, deverão compensar os TdBs em falta, pagando uma multa de 2.000€ por cada um (nº do artigo 24º do Decreto-Lei 117/2020), ou compensando no trimestre seguinte à razão de 1,5TdB por TdB em falta (nº 2 do artigo 24º do Decreto-Lei 117/2010). Também poderão recorrer ao mercado de títulos para os adquirir, devendo ponderar a melhor opção em termos de custo. Todas as transacções deverão ser comunicadas à ENMC no prazo de cinco dias (nº 1 do artigo 17º do Decreto-Lei 117/2010). 

 

2.3. A valorização de resíduos para produção de biocombustíveis: breve referência ao regime de licenciamento 

A importância da valorização de resíduos no contexto da transição para uma segunda geração de combustíveis e para um modelo de ‘sociedade de reciclagem’ justifica a autonomização deste ponto, dedicado ao RGGR. O RGGR consagrou um regime procedimental geral aplicável ao licenciamento de operações de gestão de resíduos36. Este regime geral deve ser articulado com os regimes procedimentais especiais37, sem prejuízo das necessárias especificações e derrogações em virtude da particular natureza dos resíduos sujeitos a operações de gestão38, e cumulativamente com regimes acessórios, quando aplicáveis39

Esta articulação é hoje feita mediante o regime do Licenciamento Único de Ambiente (“LUA”), que foi aprovado pelo Decreto-Lei 75/2015, de 11 de Maio. Este regime foi concebido com o objectivo de simplificar, harmonizar e articular os vários regimes de licenciamento no domínio do ambiente, e traduz-se num procedimento de emissão de um Título Único Ambiental (“TUA”), que condensa todos os actos de licenciamento no domínio do ambiente, incluindo toda a informação relativa aos requisitos aplicáveis ao estabelecimento ou actividade em matéria de ambiente. 

Tecidas estas breves considerações, cumpre agora proceder à descrição sucinta do quadro do regime geral de licenciamento das operações de gestão de resíduos, tendo especialmente em mente as operações de valorização de resíduos. 

Deve começar por realçar-se que o pedido de licenciamento destas operações é apresentado obrigatoriamente em suporte informático por meios electrónicos (excepto peças desenhadas), através do balcão único electrónico de serviços, acompanhado de declaração comprovativa de autenticidade. Todas as comunicações entre entidades licenciadoras e requerentes são levadas a cabo por meios electrónicos, o que encontra justificação numa intenção geral de desmaterialização dos procedimentos administrativos, que perpassa hoje todo o Direito Administrativo. 

As entidades licenciadoras (“EL”) das operações de gestão de resíduos estão indicadas no artigo 24º do RGGR. Assim, define-se a Autoridade Nacional de Resíduos (na actualidade, a Agência Portuguesa para o Ambiente, I.P. [“APA”]) como entidade competente para licenciamento de operações efectuadas em instalações referidas no anexo I do Decreto-Lei 69/2000, de 3 de Maio (actualmente, Decreto-Lei 151-B/2013, de 31 de Outubro: regime jurídico da avaliação de impacto ambiental = RAIA). Por sua vez, as Autoridades Regionais de Resíduos (actualmente, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional [“CCDR”]) têm competência para as demais situações que envolvem operações de gestão de resíduos, bem como para casos de operações de descontaminação dos solos. 

No que toca ao controlo prévio das operações de gestão de resíduos, o legislador consagrou três possibilidades: (i) procedimento de licenciamento normal; (ii) procedimento de licenciamento simplificado; e (iii) isenção de licenciamento. Vejamos sumariamente em que consiste cada uma delas. 


    i) Procedimento de licenciamento normal 

Em primeiro lugar, nos termos do nº 1 do artigo 23º do RGGR, “[a] actividade de tratamento de resíduos está sujeita a licenciamento por razões de saúde pública e de protecção do ambiente, nos termos do presente capítulo”. Ou seja, o regime geral de licenciamento de operações de gestão de resíduos aplica-se ao tratamento de resíduos e, por conseguinte, também a parte das operações de valorização de resíduos para produção de bioresíduos. 

Verifica-se nestas operações de gestão de resíduos a marcha procedimental normal — como regra geral, o pedido de licenciamento deverá ser entregue nos serviços da entidade licenciadora, observados os termos descritos no artigo 31º-A do RGGR, concretamente no que concerne à articulação com a avaliação de impacto ambiental. Além disso, importa também referir que o licenciamento se decompõe em cinco fases: 


    (a) iniciativa e instrução do requerimento (cfr. o artigo 27.º do RGGR); 
    (b) consulta a entidades (cfr. o artigo 28.º do RGGR); 
    (c) comunicação favorável (cfr. o artigo 29.º do RGGR); 
    (d) instrução subsequente (e vistoria) (cfr. o artigo 30.º do RGGR); e, finalmente, 
    (e) decisão final (cfr. o artigo 31.º do RGGR). 

Passemos em revista cada uma destas fases. 

a) O requerimento inicial deverá conter os elementos instrutórios descritos na Portaria 1023/2006, de 20 de Setembro, integrando, nomeadamente, (i) a descrição da operação a realizar, (ii) a localização geográfica da instalação, (iii) o projecto de instalação (memória descritiva), (iv) as peças desenhadas, e (v) outros elementos tidos pelo requerente como relevantes para a apreciação do pedido. 

A apresentação do requerimento inicial implica, da parte da EL, a notificação de todos os contra-interessados (pessoas cujos direitos ou interesses possam ser violados) nominalmente identificáveis, nos termos do nº 1 do artigo 110º do Código do Procedimento Administrativo. Seguidamente, a EL procede ao controlo de suprimento oficioso, no prazo de 10 dias, podendo, por uma única vez, solicitar informações ou elementos complementares aos apresentados no requerimento da licença40. Caso se proceda à notificação para suprimento instrutório do requerimento, o requerente tem 60 dias para juntar os elementos em falta, sob pena de indeferimento liminar do pedido41

b) A EL procede de seguida à consulta de entidades externas. A consulta deverá ser realizada no prazo de 10 dias após recepção do pedido ou, em caso de suprimento instrutório deste, da recepção dos elementos adicionais42. Cumpre realçar, no que aos pareceres externos respeita, a cominação de um prazo de 15 dias contados a partir da promoção da consulta para emissão dos mesmos, sob pena de serem automaticamente considerados favoráveis. De modo a provar tal facto e beneficiar do mencionado regime favorável, o requerente pode solicitar à EL uma certidão de promoção de consulta de entidades. Se aquela certidão não for emitida pela EL no prazo de 10 dias contado a partir do pedido, o requerente dispõe das seguintes possibilidades: (i) promover directamente as consultas às entidades, (ii) solicitar ao Tribunal que promova essa consulta ou (iii) intentar acção de condenação à promoção da consulta a entidades. 

c) No que concerne à comunicação favorável, deve começar por notar-se que, nos termos do artigo 58.º do Código do Procedimento Administrativo — que consagra o princípio do inquisitório —, a EL tem ao seu dispor um alargado leque de alternativas instrutórias no presente contexto. Não fazendo uso destas prerrogativas, a EL comunica ao requerente, no prazo de 30 dias após a recepção do pedido ou de elementos adicionais solicitados, sob pena de nulidade do acto de licenciamento: (i) a conformidade do projecto com os princípios da gestão de resíduos e planos de gestão de resíduos aplicáveis; (ii) o cumprimento das normas técnicas previamente estabelecidas pelo projecto (cfr. os artigos 20º a 22º); e (iii) as condições impostas pela EL e pelas entidades consultadas ao eventual deferimento43-44

Decorrido o prazo de 30 dias, dispõe o requerente da faculdade de notificar a EL para proceder à comunicação no prazo de 8 dias, sob pena de, para todos os efeitos, se considerar uma comunicação favorável tácita. A comunicação favorável é válida pelo prazo de 2 anos45

d) No que toca à instrução subsequente, mais concretamente à vistoria, sublinhe-se que a câmara municipal territorialmente competente apenas pode emitir decisão sobre o pedido, de licença ou comunicação prévia, relativo à realização de operações urbanísticas – em princípio, mas não necessariamente, de construção da instalação para o tratamento de resíduos —, após a emissão da comunicação favorável da entidade licenciadora relativa ao projecto a que se refere o n.º 1 do artigo 29.º (cfr. o artigo 41º-B do RGGR). 

e) Finalmente, realizada a vistoria (ou a verificação favorável tácita), a decisão final é proferida pela EL no prazo de 10 dias. Se, por alguma razão, não for emitida decisão final, o requerente notifica a EL para o fazer, no prazo de 8 dias, sob pena de deferimento tácito da licença de gestão de resíduos. Em qualquer caso, sendo a decisão final emitida, o requerente recebe o alvará de licença e pode dar início à actividade pretendida. 

A licença estabelece os termos e condições para a realização da actividade de gestão de resíduos e é válida pelo período fixado — o que será discricionariamente determinado pela EL à luz das particularidades do caso concreto — o qual, ainda assim, não pode ser superior a 5 anos (cfr. o nº 2 do artigo 33º do RGGR). É ainda de notar que a licença caducará no caso de o operador não iniciar a respectiva operação de gestão de resíduos no prazo de um ano a contar da data da sua emissão (cfr. o nº 1 do artigo 39º do RGGR). 

Entre outros, os elementos constantes do alvará de licença são os seguintes: (i) identificação do titular; (ii) tipo de operação de gestão, normas técnicas aplicáveis e método de tratamento utilizável; (iii) indicação exacta dos resíduos abrangidos (código LER); (iv) condições a que se encontram sujeitas a licença e as operações de acompanhamento e controlo da actividade; (v) identificação do responsável técnico pelas operações; (vi) prazo de validade da licença; e (vii) as consequências do incumprimento da licença. 

Por fim, resta observar que o deferimento do pedido de licenciamento implica para o operador diversas vinculações como, a título ilustrativo, o dever de inscrição obrigatória no SIRER (integrado no SIRAPA), o qual deve ocorrer no prazo de um mês após o início da actividade ou do funcionamento da instalação ou do estabelecimento46


    ii) Procedimento de licenciamento simplificado 

Nos termos do nº 1 do artigo 32º do RGGR, o legislador consagrou ainda um regime de licenciamento simplificado. Com efeito, estabeleceu-se que ficam sujeitas à emissão de licença no âmbito de um procedimento simplificado, que deverá ser analisado e decidido no prazo reduzido de 30 dias pela entidade licenciadora, as seguintes operações (seleccionámos as que relevam para o tema em análise): Armazenagem e triagem de resíduos em instalações que integram sistemas de gestão de fluxos específicos; Valorização de resíduos realizada a título experimental destinada a fins de investigação, desenvolvimento e ensaio de medidas de aperfeiçoamento dos processos de gestão de resíduos, por um período máximo de 6 meses, prorrogável até 18 meses; Valorização de resíduos inertes, de betão e de betuminosos. 


    iii) Isenção de licenciamento 

Para terminar, resta mencionar que foram igualmente previstas situações de isenção de licenciamento. Em qualquer caso, a regra é a de que todas as operações de tratamento de resíduos se encontram prima facie sujeitas a licenciamento. São aqui incluídas, portanto, também as operações de tratamento que se realizem em instalações móveis. Dito isto, resulta cristalino que as isenções de licenciamento se apresentam como excepcionais relativamente à regra de controlo prévio das operações de gestão de resíduos. 

As excepções neste âmbito dividem-se em (i) excepções tout court ao licenciamento (i.e., actividades permitidas) e em (ii) excepções condicionadas ao enquadramento por normas técnicas aprovadas através de Portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente (cfr. o artigo 20º do RGGR)47

De uma banda, encontram-se tout court isentas de licenciamento as operações de valorização energética (cfr. as alíneas a) a d) do nº 4 do artigo 23.º do RGGR) e as operações de valorização não energética (cfr. a alínea e) do nº 4 do artigo 23.º do RGGR); de outra banda, regista-se a isenção de licenciamento, desde que devidamente enquadradas por normas técnicas, no que toca às operações de valorização descritas nas alíneas e) do nº 4 do artigo 23.º, e a) e b) do nº 5 do artigo 24.º do RGGR. 

 

2.4. O futuro dos biocombustíveis 

Segundo dados do relatório anual da ECS de 2014, foram em Portugal emitidos 295.948 TdB, que subiram para 395.855 em 201648. Os três tipos de biocombustíveis presentes no mercado português são o FAME49, produzido localmente por produtores de regime geral e por pequenos produtores dedicados, e os HVO50 e bio-ETBE, provenientes de importação. Dos 295.948 TdB emitidos, cerca de 16.000 correspondem a biocombustíveis produzidos a partir de resíduos não agrários (gordura animal e óleos alimentares usados), o que lhes vale uma bonificação. 

No nosso país, há sete produtores em regime geral e onze pequenos produtores dedicados. A produção revela-se, todavia, manifestamente inferior às necessidades impostas pela obrigação de cumprimento das vinculações europeias51 — cenário que se repete, de resto, na generalidade dos Estados-membros52. A falta de incentivos, por um lado (o único incentivo é a isenção de ISP), e a escassez de terrenos, por outro lado, justifica este quadro. O que significa que o recurso à importação constitua, presentemente, a solução para colmatar as falhas53

Com a Directiva 2015/1513/UE, que traz o reforço do apelo à substituição da utilização de materiais alimentícios por resíduos, biológicos e industriais, o panorama poderá porventura, alterar-se — recorde-se que a directiva dispõe que 3% dos 10% de percentagem de biocombustíveis deve ser obtido a partir de materiais não alimentícios —, tornando-se Portugal mais autosuficiente neste campo54

A Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social europeu e ao Comité das Regiões — Estratégia Europeia de Mobilidade Hipocarbónica55 reforça a lógica da Directiva de 2015, e vai mesmo mais além, apontando já para o salto de terceira geração, com investimento significativo em investigação em biocombustíveis avançados. Citando do seu texto, “As perspetivas das fontes de energia alternativas com baixo nível de emissões diferem entre os vários modos de transporte. A gama mais vasta de opções está atualmente disponível para os veículos de passageiros e autocarros, e as soluções são bastante óbvias para o transporte ferroviário através da eletrificação. A médio prazo, os biocombustíveis avançados serão particularmente importantes para a aviação, bem como para os camiões e as camionetas. O gás natural deverá passar a ser cada vez mais utilizado como uma alternativa aos combustíveis navais no transporte marítimo e ao gasóleo em camiões e camionetas. O seu potencial pode ser aumentado de forma significativa com a utilização do biometano e do metano sintético (tecnologias de produção regenerativa de gás)56

Uma outra via de incremento das reduções de emissões no sector dos transportes é a mobilidade eléctrica no sector rodoviário, que tem vindo a crescer, fruto do incentivo concedido pelo Fundo Ambiental à aquisição de veículos novos 100% eléctricos (2.250,00€ por pessoa), criado pela Lei do Orçamento de 2017 (cfr. o artigo 181º da Lei 42/2016, de 28 de Dezembro)57, bem como da aprovação de um Quadro de Acção Nacional para desenvolvimento de combustíveis alternativos e implantação de infraestruturas (cfr. o Decreto-Lei 60/2017, de 9 de Junho). Este incremento vai ao encontro da proposta da Comissão para a revisão das Directivas Renováveis e Eficiência Energética, plasmadas na Comunicação Clean Energy for all Europeans (COM (2016) 860 final, de 30 de Novembro de 2016) — na qual se retoma a aposta na investigação sobre métodos de fabrico de biocombustíveis de terceira geração58

A transição deverá ser, no entanto, o mais tranquila possível. A Comissão recorda o patamar de 7% como limite de utilização de materiais alimentícios para fabrico de biocombustiveis para os sectores rodoviário e ferroviário até 2020, precisamente para não quebrar intoleravelmente expectativas de investimento. Como pode ler-se na Proposta de alteração da Directiva Energias Renováveis, incluída no Pacote Clean Energy for all Europeans, “A redução progressiva dos biocombustíveis produzidos a partir de produtos alimentares e a sua substituição por biocombustíveis mais avançados concretizará o potencial de descarbonização do setor dos transportes. Contudo, aquando da determinação da progressividade da redução dos biocombustíveis convencionais, é importante não prejudicar retrospetivamente os modelos de negócio incentivados pela atual diretiva. Por conseguinte, a proposta de uma trajetória que reduza progressivamente a quota de biocombustíveis convencionais destina-se a evitar ativos abandonados e perdas de postos de trabalho indesejadas, tendo simultaneamente em conta os importantes investimentos passados que foram efetuados até à data, e também está em consonância com uma implantação realista dos biocombustíveis avançados no mercado”. 

Este desígnio surge depois concretizado no novo 4º do nº 1 do artigo 7º da Directiva Energias Renováveis, subindo para 3,8% em 2030 e não obstando a que os Estados estabeleçam objectivos mais ambiciosos. Ora, precisamente antecipando estas mudanças, alguns Estados membros anunciaram já a intenção de proibição de comercialização de veículos a gasolina ou gasóleo num horizonte muito próximo (a França, por exemplo, contempla concretizar a proibição até 2040, como medida inserida no novo plano de luta contra as alterações climáticas, apresentado pelo novo Ministro da Ecologia no início de Julho; o Reino Unido acaba de anunciar o mesmo). A aviação, contudo, continua a merecer restrições à incorporação de biocombustiveis, mas o sector não é alheio às preocupações de redução de emissões de CO2. A indústria da aviação comercial, sob a égide da Organização da Aviação Civil (Agência da ONU), tem procurado gizar estratégias de eficiência energética (com aparelhos mais eficientes e rotas de voo optimizadas), bem como desenvolver novos métodos de produção de combustíveis alternativos, como é o caso dos combustíveis hidrotratados59

A revolução, ainda que tranquila, está, portanto, em marcha. É caso para dizer que, no domínio dos biocombustíveis, já nem o céu é o limite... 


Lisboa, Julho de 2017

NOTAS

1 Uma versão inicial deste texto serviu de base à aula leccionada pela primeira autora na Pós Graduação de Direito Agrário e Sustentabilidade, realizada na FDUL, no ano lectivo de 2016/2017, sob coordenação da Profª Doutora Rute Saraiva e do Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (a quem se agradece o convite). A importância da valorização de resíduos na transição para a segunda geração de biocombustíveis impôs um aditamento, da autoria do Dr. Jorge Silva Sampaio, incluído no ponto 2.3.

2 Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Investigadora do Centro de Investigação de Direito Público (CIDP).
Professora Convidada da Faculdade de Direito da Universidade Católica portuguesa (Porto) 

3 Assistente Convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 
Investigador do Centro de Investigação de Direito Público (CIDP) 
Assessor do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional

4 Cfr. MADHU KHANNA et alli, Sustainability of food, energy and environment with biofuels, Perspectives in Agriculture, Veterinary Science, Nutrition and Natural Resources, nº 28, 2009, pp. 1 ss; YUCHENG CAO/ LUCJAN PAWLOWSKI, Effect of biofuels on environment and sustainable development, Ecological Chemistry and Engineering S, 2013/4, pp. 799 ss.  

5 A FAO, aproveitando o Dia Mundial das Florestas 2017, veio difundir um apelo à utilização da biomassa como fonte de produção de energia (elecricidade). Este apelo provocou forte reacção de várias ONGAs, na medida em que pode conduzir a um aproveitamento em larga escala de recursos florestais, não circunscritos a resíduos, fomentando a desflorestação e a desafectação da madeiras de qualidade à produção de mobiliário. Cfr. a página da FAO http://www.fao.org/international-day-of-forests/en/, bem como a reacção da ZERO: http://zero.ong/zero-alerta-para-riscos-do-uso-generalizado-da-biomassa-florestal-para-a-producao-de-energia/.

6 Cfr. Towards sustainable production and use of resources: assessing biofuels, UNEP, 2009, p. 16.  

7 COM (2001) 547 final. 

8 COM(2006) 34 final, de 8 de Fevereiro de 2006: Estratégia da União Europeia no domínio dos biocombustíveis. 

9 Ver o Livro Branco “A política Europeia de transportes no horizonte 2010” — COM(2001) 370 final, de 9 de Setembro de 2001.  

10 A primeira directiva — green electricity directive — foi a Directiva 2001/77/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro. 

11 Cfr. BARBARA POZZO, Le politiche comunitarie in campo energetico, RGd'A, 2009/6, pp. 841 ss, 871 ss.         [ Links ]  

12 Hoje claramente assumida, como política partilhada, no artigo 4º, nº 2, alínea i), do TFUE, e já reflectida na Directiva 2009/72/CE, de 13 de Julho, que estabelece regras comuns para o mercado interno da energia. 

13 Ausência que não tolhe, no entanto, o recurso à acção por incumprimento (artigos 258º ss do TFUE), uma vez que os objectivos revestem carácter vinculativo e não meramente indicativo.  

14 Como se explica no Considerando 33, apesar de a aviação representar uma quota muito expressiva no consumo final bruto de energia, as actuais restrições tecnológicos e regulamentares impedem o uso comercial de biocombustíveis nesse sector. Daí que se tenha optado por estabelecer uma isenção parcial (diferenciada).  

15 Como se explica no Considerando 33, apesar de a aviação representar uma quota muito expressiva no consumo final bruto de energia, as actuais restrições tecnológicos e regulamentares impedem o uso comercial de biocombustíveis nesse sector. Daí que se tenha optado por estabelecer uma isenção parcial (diferenciada).  

16 Com última alteração pela Directiva 2014/52/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril. 

17 Do qual constam as seguintes alíneas: 
"(…) 
b) Projectos de reconversão de terras não cultivadas ou de zonas seminaturais para agricultura intensiva; 
c) Projectos de gestão de recursos hídricos para a agricultura, incluindo projectos de irrigação e de drenagem de terras; 
d) Florestação inicial e desflorestação destinada à conversão para outro tipo de utilização das terras". 

18 A Comissão Europeia aprovou Guidelines para orientar a aplicação destes critérios pelos Estados-membros — Communication from the Commission on the practical implementation of the EU biofuels and bioliquids sustainability scheme and on counting rules for biofuels (2010/C 160/02), publicada no JOCE de 19 de Junho de 2010.  

19 Anote-se a alteração da Directiva 98/70/CE em conformidade com os parâmetros de sustentabilidade definidos na Directiva 2009/29/CE — vejam-se os artigos 7A, 7B e 7C, introduzidos pela Directiva 2009/30/CE. 

20 Cfr. RICHARD PLEVIN et alli, Greenhouse gas emissions from biofuels’ indirect land use change are uncertain but may be much greater than previously estimated, Environmental - Science & Technology, 2010, pp. 8015 ss.  

21 Conforme explicam JASON HILL, ERIK NELSON, DAVID TILMAN, STEPHEN POLASKY, e DOUGLAS TIFFANY, “Nonfood feedstocks offer advantages for these three energetic, environmental, and economic criteria. Switchgrass (Panicum virgatum), diverse mixtures of prairie grasses and forbs, and woody plants, which can all be converted into synfuel hydrocarbons or cellulosic ethanol, can be produced on agriculturally marginal lands with no or low fertilizer, pesticides, and energy inputs. For cellulosic ethanol, combustion of waste biomass, such as the lignin fractions from biomass feedstocks, could power biofuel-processing plants. Although gains may be somewhat tempered by higher transport energy requirements, higher energy use for construction of larger and more complex ethanol plants, and possibly greater labor needs, resultant NEB ratios may still be superior to 4%” — Environmental, economic, and energetic costs and benefits of biodiesel and ethanol biofuels, PNAS, nº 30, 2006 ( http://www.pnas.org/content/103/30/11206.full).

22 Valor que seria progressivamente reduzido caso a superfície ultrapassasse este máximo.

23 Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre um plano de acção da União Europeia para as florestas – COM (2006) 0302 final, de 22 de Dezembro de 2006.  

24 Adoptado na Comunicação da Comissão COM(2005) 628 final, de 7 de Dezembro de 2005.  

25 Note-se que a Comissão Europeia, em Comunicação sobre Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014-2020 (2014/C 200/01), de 28 de Junho de 2014, aceita que possa haver auxílios de Estado à produção de biocombustíveis (que reúnam os critérios de sustentabilidade); porém, isso, só deverá acontecer “quando o auxílio for concedido a instalações de produção de biocombustíveis em sítios cuja produção resultante for superior a 150.000 toneladas («t») por ano”— cfr. o Ponto 2. Auxílios ao ambiente e à energia sujeitos a notificação (p. 10). 
Ressalte-se ainda o que se afirma a pag. 24: (112) “Tendo em conta a sobrecapacidade existente no mercado de biocombustíveis a partir de alimentos, a Comissão irá considerar que não se justificam os auxílios ao investimento em capacidades novas e existentes para esses biocombustíveis. Todavia, são permitidos os auxílios ao investimento para efeitos de conversão de centrais de biocombustíveis a partir de alimentos em centrais de biocombustíveis avançados, a fim de cobrir os custos dessa conversão. 
Com exceção deste caso específico, os auxílios ao investimento em biocombustíveis só podem ser concedidos a biocombustíveis avançados”. A Comissão acrescenta que os auxílios a combustíveis obtidos a partir de materiais alimentícios, gerados nas centrais acima descritas, não poderão estender-se em nenhum caso para além de 2020.

26 Insista-se em que biocombustíveis se distinguem de biolíquidos. Estes são “combustíveis líquidos para fins energéticos, com excepção dos destinados aos transportes, incluindo produção de electricidade, aquecimento e arrefecimento, produzidos a partir de biomassa” — alínea c) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei 117/2010.  

27 Cfr. o Relatório da ENMC de 1 de Fevereiro de 2017, relativo à produção de biocombustíveis em 2016 — http://www.enmc.pt/pt-PT/atividades/biocombustiveis/indicadores/emissao-de-titulos-de-biocombustiveis/.

28 É incerta a capacidade de progressão deste regime, na medida em que o novo quadro legal de centrais de biomassa para produção de electricidade e de energia eléctrica e térmica, ao contemplar apoios aos produtores, pode desviar a biomassa agrícola, a biomassa florestal residual e a biomassa resultante de culturas energéticas da transformação em biocombustíveis — cfr. o Decreto-Lei 64/2017, de 12 de Junho. 

29 Que procedeu à transposição da Directiva 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro. 

30 Aqueles que constituem ‘resíduos’ de acordo com a definição constante da alínea u) do artigo 3º do Decreto-Lei 178/2006, de 5 de Setembro. 

31 Sobre esta fonte de biocombustíveis, veja-se RITA MAFALDA GUERREIRO CARRAPATO, Produção de biodiesel a partir de óleos alimentares usados por via alcalina: o caso de estudo da FCT-UNL, Dissertação apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, para obtenção do Grau de Mestre em Energia e Bioenergia, disponível aqui: https://run.unl.pt/bitstream/10362/4995/1/Carrapato_2010.pdf. O regime deste tipo de produção encontra-se hoje disciplinado no artigo 7º do Decreto-Lei 62/2006, de 21 de Março, conforme redacção dada pelo Decreto-Lei 206/2008, de 23 de Outubro (recorde-se que o artigo 7º foi ressalvado na revogação operada pelo Decreto-Lei 117/2010, como se realçou supra no texto), lido em conjugação com o RGGR (cfr. o artigo 22ºA) e com o regime específico de gestão de óleos alimentares usados (Decreto-Lei 267/2009, de 29 de Setembro). 
Com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei 206/2008, o legislador pretendeu dar um sinal de incentivo à recolha selectiva de óleos usados para reciclagem. Com efeito, o artigo 7º passa a integrar na categoria de produtores dedicados “a autarquia local, o serviço ou organismo dependente de uma autarquia local, e a empresa do sector empresarial local, tal como definida no nº 1 do artigo 2º da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que, cumulativamente: 
a) Tenha uma produção máxima anual de 3000 t de biocombustível; 
b) Tenha a sua produção com origem no aproveitamento de matérias residuais, pelo menos em parte de óleos alimentares usados oriundos do sector doméstico; 
c) Coloque toda a sua produção em própria frota ou, a título não oneroso, em frotas de autarquias locais ou dos respectivos serviços, organismos ou empresas do sector empresarial local, ou, ainda, de entidades sem finalidades lucrativas”. 
A possibilidade de dispensa, prevista no nº 3, deve considerar-se tacitamente revogada porque tal opção foi afastada do RGGR na revisão que o diploma sofreu em 2011.  

32 Nos termos do nº 1 do artigo 90º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (Decreto-Lei 73/2010, de 21 de Junho, com última alteração introduzida pela Lei 42/2016, de 28 de Dezembro), os pequenos produtores dedicados beneficiam desta isenção até ao limite de 40.000 toneladas/ano. 

33 Por força da restruturação e redenominação da Entidade Gestora de Reservas Estratégicas de Produtos Petrolíferos, E.P.E., pelo Decreto-Lei 165/2013, de 16 de Dezembro, que passou a denominar-se «ENMC – Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, E.P.E.» e a desempenhar competências em sede de biocombustíveis [cfr. a alínea c) do artigo 3º]. 

34 Existe um Manual de apoio aos produtores disponível na página da ECS: http://www.lneg.pt/download/8505/MANUAL_v25082014V2.pdf.

35 Segundo o Relatório anual da União Europeia sobre biocombustíveis para 2016, existem 19 regimes voluntários reconhecidos pela União Europeia — https://gain.fas.usda.gov/Recent%20GAIN%20Publications/Biofuels%20Annual_The%20Hague_EU-28_6-29-2016.pdf.

36 Sobre o regime geral de licenciamento, cfr. PEDRO MONIZ LOPES, Licenciamento de Operações de Tratamento de Resíduos, Margem de Livre Apreciação Administrativa e Precariedade do Acto Final, João MIRANDA et. al., Direito dos Resíduos, Lisboa, 2014, pp. 119 ss.  

37 Sobre os regimes especiais de licenciamento, veja-se JORGE SILVA SAMPAIO, Regimes Especiais de Licenciamento de Resíduos, João MIRANDA et. al., Direito dos Resíduos, Lisboa, 2014, pp. 144 ss.  

38 Sem pretensões de exaustividade, refira-se serem os casos dos resíduos especialmente perigosos, dos resíduos radioactivos e explosivos ou resíduos de extracção mineral, e ainda dos resíduos agrícolas animais ou vegetais. 

39 O licenciamento de operações de gestão de resíduos não dispensa igualmente, como resulta dos artigos 41º e ss do RGGR, (i) o licenciamento ambiental de instalações de tratamento de resíduos sujeitas ao regime de prevenção e controlo integrados da poluição (Decreto-Lei 127/2013, de 30 de Agosto); (ii) o licenciamento de operações urbanísticas constante do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, com última alteração pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 2 de Outubro); (iii) a obtenção do título de utilização de recursos hídricos, sempre que o mesmo seja exigível nos termos da Lei da Água (Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, com última alteração pela Lei 44/2017, de 19 de Junho) e do Regime de Utilização dos Recursos Hídricos (Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de Maio, com última alteração pelo Decreto-Lei 44/2012, de 29 de Agosto); (iv) o licenciamento industrial (Decreto-Lei 169/2012, de 1 de Agosto: Sistema da Indústria Responsável, com última alteração pelo Decreto-Lei 73/2015, de 11 de Maio); e (v) o licenciamento da actividade pecuária, disciplinado no Decreto-Lei 81/2013, de 14 de Junho. 

40 Por aplicação da alínea c) do nº 1 do artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo ao presente contexto procedimental, trata-se de dias úteis. 

41 É de sublinhar que a EL pode promover uma conferência instrutória, na qual deverão ser abordados todos os aspectos considerados necessários para a boa decisão do pedido e, bem assim, se tidos por relevantes, solicitados elementos instrutórios adicionais em face das especificidades do objecto do licenciamento, o que pode desde logo justificar-se por imperativos de imparcialidade.  

42 Acresce que a audição de entidades não se encontra limitada às enunciadas, uma vez que resulta do nº 1 do artigo 28º do RGGR, o dever de audição das “entidades que devam pronunciar -se no âmbito do procedimento de licenciamento”. 

43 Conforme estabelece o nº 5 do artigo 29º do RGGR, “são nulos os actos que autorizem ou licenciem a realização de qualquer projecto relativo a operações de gestão de resíduos sem que tenha sido previamente emitida a comunicação favorável a que se refere o n.º 1 do presente artigo ou verificada a produção do deferimento tácito nos termos previstos no número anterior.” 

44 Não pode deixar de se referir que, nos casos de procedimentos de licenciamento de operação de gestão de resíduos que decorrem em simultâneo com o procedimento de avaliação de impacto ambiental, a comunicação favorável apenas poderá ocorrer, nos termos do nº 4 do artigo 31º-A do RGGR, após ser emitida Declaração de Impacto Ambiental favorável ou condicionalmente favorável, o que parece mostrar-se extensível, por analogia, aos casos em que seja emitida declaração de dispensa ou ocorra deferimento tácito (assim, cfr. PEDRO MONIZ LOPES, Licenciamento de, p. 133). Caso seja emitida Declaração de Impacto Ambiental desfavorável, a comunicação será forçosamente de indeferimento.  

45 Não é claro a partir de que momento deve ser contado o prazo de dois anos: se a partir da data da emissão da comunicação, ou se da data da notificação daquela ao requerente. Recorrendo-se ao critério da data da emissão adoptado no diploma (cfr. o nº 1 do artigo 39º do RGGR, referente ao prazo de caducidade da licença, se não se iniciar a actividade licenciada), em termos sistemáticos e por identidade de razões, parece ser de contar o prazo de dois anos a partir da emissão da comunicação favorável (cfr. Pedro MONIZ LOPES, “Licenciamento de...”, p. 134).  

46 A informação registada compreende origens discriminadas dos resíduos, quantidade, classificação e destino discriminados dos resíduos, identificação das operações efectuadas, identificação dos transportadores, e ainda a manutenção de registo por período mínimo de três anos.  

47 Sobre este ponto, cfr. PEDRO MONIZ LOPES, Licenciamento de, pp. 127 ss.  

48 Panorama da produção e importação de biocombustiveis em Portugal – ano de 2014 : disponível aqui: http://www.lneg.pt/download/9816/Panorama%20ECS%202014%20Biocombustiveis%20no%20Mercado%20Nacional.pdf. Estes dados diferem dos veiculados no Relatório anual da ENMC já citado na nota 24: neste, para 2014, o número de TdB emitidos é de 301.092; para 2015, de 388.213; e para 2016, de 395.855. 

49 O FAME é o biocombustível produzido a partir de óleos vegetais virgens, de colza (na Europa), de soja e de palma, a partir de óleos alimentares usados, e de gordura animal, através de um processo químico chamado transesterificação. 

50 O HVO é um biocombustível que resulta do hidrotratamento dos óleos vegetais, gordura animal ou óleos alimentares usados, desenvolvido como uma alternativa ao processo de transesterificação, o processo convencional para produção de biodiesel. Este processo é um modo de produzir biodiesel com um elevado grau de compatibilidade com a logística dos combustíveis existentes. O hidrotratamento produz hidrocarbonetos puros (apenas carbono e hidrogénio) que apresentam menos problemas de compatibilidade para os motores.  

51 Ainda assim, Portugal é o nono Estado na lista dos maiores produtores de biodiesel da União Europeia, com registo de 282 milhões de litros/ano. A Alemanha ocupa o primeiro lugar da lista, com 2.859 milhões de litros/ano. Espanha é o maior produtor de bioetanol da Europa, que recorre, para este biocombustível, à importação do Brasil — fonte: http://biofuel.org.uk/europe.html

52 Cfr. LUÍS FILIPE BARRADAS MENDES, Produção de biodiesel, situação atual e perspetivas futuras, Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Energia e Bioenergia, Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, 2015, p. 13 — disponível aqui: https://run.unl.pt/bitstream/10362/15458/1/Mendes_2015.pdf

53 Sobre a importação de biogás através de redes transfronteiriças e a liberdade de circulação de mercadorias (biocombustíveis), veja-se o Acórdão do TJUE de 20 de Junho de 2017, proc. C-549/15.  

54 Esta é também a conclusão a que chegam YUCHENG CAO/ LUCJAN PAWLOWSKI, Effect of, no contexto geral.

55 COM(2016) 501 final , de 20 de Julho de 2016.

56 Estratégia Europeia de Mobilidade Hipocarbónica, p. 5-6. A Comissão acrescenta, na pag. 11, que “No que respeita à energia para os transportes, os mercados tradicionais de energia com base em combustíveis fósseis diminuirão, abrindo-se novas oportunidades de oferta de alternativas hipocarbónicas. Por conseguinte, as atividades de investigação devem centrar-se também em biocombustíveis e combustíveis sintéticos avançados, que são importantes para a descarbonização da atual frota de transportes rodoviários e para os setores que possam permanecer, pelo menos parcialmente, dependentes dos combustíveis líquidos, como a aviação”.  

57 A que acresce o compromisso de aquisição de 1200 veículos eléctricos para a frota do Estado até 2019 (artigo 185º da Lei do Orçamento). 

58 “The development of advanced alternative fuels for transport will be encouraged through a blending mandate on fuel suppliers, while food-based biofuels will progressively reduce their contribution to the EU's renewables target. Supporting the electrification of transport is another new key objective of the electricity market framework and will be strengthened by provisions related to retail electricity markets”. 

59 Na 39ª Assembleia da Organização, que teve lugar em Montreal, entre 27 de Setembro e 6 de Outubro de 2016, foi aprovado o Carbon Offset and Reduction Scheme for International Aviation (CORSIA), ao qual já aderiram 71 Estados cujas emissões no plano da aviação comercial representam 78% das emissões totais — cfr. https://www.icao.int/environmental-protection/Pages/market-based-measures.aspx.