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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.4 no.2 Lisboa nov. 2017

 

 

DIREITO PÚBLICO

O conceito de dividendo numa perspectiva transfronteiriça de repartição de rendimentos no mcocde: relação com o direito ao lucro

The concept of dividend in a cross-border perspective of income distribution in oecd model convention: Its relation with right to profit

 

João Ricardo Catarino 1   Hugo Rodrigues 2

1 - (ISCSP) Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas - Universidade de Lisboa. Centro de Administração e Políticas Públicas, Polo Universitário, Alto da Ajuda -Rua Almerindo Lessa, 1300-663, Lisboa, Portugal. E-mail: jcatarino@iscsp.ulisboa.pt

2 - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa - ISCAL – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa. E-mail: hrod_86@hotmail.com

 

RESUMO

Lucros e dividendos, apesar de algumas caraterísticas partilhadas, são realidades diferentes sob vários aspetos. Tomando como ponto de partida o artigo 10.º da Convenção Modelo da OCDE (doravante MCOCDE), este estudo observa a repartição reditícia derivada da distribuição de dividendos nos casos em que a entidade distribuidora e a entidade beneficiária se localizem em jurisdições diferentes.
Estuda-se, ainda, o processo de formação do dividendo, sobre a ótica da participação social e da deliberação societária, como critérios de associação ao lucro, em que sejam gerados, distribuídos e recebidos por entidades localizadas em jurisdições diferentes. Sem prejuízo de uma origem comum, são, justamente, as diferenças entre os dois conceitos, sobretudo ao nível do momento subsequente da constituição do dividendo, que justificam uma repartição tributária desigual, atribuindo-se uma competência genérica de tributação à jurisdição de localização da entidade beneficiária, no caso dos dividendos, sendo que a sujeição dos lucros ocorrerá no Estado onde os mesmos sejam gerados.

Palavras-chave: Lucros, dividendos, estabelecimento estável, jurisdição fiscal

 

ABSTRACT

Profits and dividends, despite some shared characteristics, are different realities under various aspects. Taking as its starting point Article 10 of the OECD Model Convention, this study looks at the redistribution of dividends in cases where the distributing entity and the beneficiary entity are located in different jurisdictions.
The process of formation of the dividend, on the perspective of social participation and corporate deliberation, as criteria of association with profit, in which they are generated, distributed and received by entities located in different jurisdictions, is also studied. Although they share a common origin, it is precisely the differences between the two concepts, above all at the moment of the dividend creation, that justify an unequal distribution of taxes, with a general taxation right being attributed to the jurisdiction of the entity's beneficiary, in the case of dividends, while the profits will be taxed in the State in which they are generated.

Keywords: Profits, dividends, permanent establishment, fiscal jurisdiction

 

1. Introdução - O dividendo nos termos do artigo 10.º do MCOCDE: distinção entre entidade distribuidora e beneficiária (repartição subjetiva)

A distribuição de dividendos, quando efetuada entre entidades situadas em jurisdições diferentes, pode gerar situações de concorrência do poder de tributar. O MCOCDE procura dirimir os conflitos que dela resultam, quando os dividendos sejam pagos / devidos por entidade distribuidora e beneficiária, localizadas em jurisdições diferentes.

Consideram-se dividendos, na aceção do MCOCDE, as distribuições de lucros feitas aos acionistas ou aos sócios pelas sociedades de capitais (comerciais). Do ponto de vista do acionista, os dividendos são um rendimento do capital na sua qualidade de acionistas. Ora, o MCOCDE não consagra o princípio da tributação exclusiva dos dividendos quer no Estado de que o beneficiário é residente, quer no Estado de que a sociedade que os paga é residente. A regra geral é, antes, a da repartição do poder de tributar. Esta, porém, apresenta contornos que neste estudo procuramos dilucidar.

Para o efeito importa, por isso, dissecar os contornos que enformam as sobreditas “transferências”, por via de uma abordagem ao artigo 10º do Modelo de Convenção da OCDE (MCOCDE), que constitui o modelo de referência geral, onde constam as regras, relativas ao tratamento fiscal dos aludidos dividendos3

Configurando as retenções na fonte4 o mecanismo primordial de tributação dos dividendos pelo país de origem desses rendimentos5, GIUSEPPE CORASANITI6 considera que o encadeamento proposto pelo MCOCDE formula, nos termos genéricos do artigo 10º, nº 2, uma pretensão cumulativa repartida entre o Estado da Fonte e a jurisdição de residência (tax sharing)7. Segundo o autor, o que resulta da distribuição potestativa do mesmo artigo é, no seu âmago, a renúncia a uma delimitação de competências entre jurisdições que tome, por matriz, a referência ao país da fonte8. O ponto de partida do preceito é o ordenamento do beneficiário, sendo a extensão ao Estado da origem uma mera cambiante da regra geral9

Mas o que mais se destaca na clivagem dogmática que perpassa as diferentes competências atribuídas a cada um dos Estados envolvidos, é a sua base de sustentação, amparada na conceptualização da figura do dividendo enquanto realidade autónoma do lucro gerado pelas sociedades de capitais, para efeitos de tributação. Uma observação diversa desta seria incompatível com a metodologia proposta pelo MCOCDE, que alinha a pretensão originária da tributação num Estado diverso daquele onde o rendimento é gerado (artigo 10.º n.º 2, estado da fonte).

A tributação, nestes termos, ocorre porque se considera que o dividendo é uma realidade autónoma, destacada da sua entidade produtora, sendo este o fundamento essencial que permite o seu tratamento fiscal diferenciado. Opção diversa em matéria de repartição do poder de tributar é feita na MCOCDE no caso dos rendimentos obtidos por estabelecimento estável cujos lucros, por inerência, apurados na jurisdição da fonte, são nela tributados. 

Como se vê, os fundamentos tradicionais associados à dinâmica dos dois tipos de ganhos são muito diversos10. Ora, toda a estrutura do artigo 10º do MCOCDE, corrobora esta distinção. Desde logo, NESTOR CARMONA FERNÁNDEZ11 chama a atenção para a concepção de uma competência limitada no Estado da fonte, cingida aos restritos parâmetros do n.º 2. Já RICHARD VANN12 adianta que a razão primária para os denominados withholding taxes teria em mente a criação de um incentivo fiscal ao reinvestimento, em prejuízo da repatriação imediata dos dividendos. Seria um fundamento apenas pertinente quando observado do ponto de vista do accionista maioritário, que detivesse o controlo sobre a política de distribuição de dividendos. No entanto, mesmo essa posição é fragilizada quando comparada com jurisdições que, simplesmente, adoptam um sistema de isenção no que respeita à tributação dos dividendos na origem. Ainda segundo este autor, o fiel da balança estaria, verdadeiramente, na definição de residência estabelecida pela jurisdição, nos casos de dupla tributação económica (mormente através do método de isenção, que promove a ablação desses ganhos do rendimento tributável da empresa beneficiária, sem prejuízo do crédito de imposto incidir directamente sobre o imposto pago no Estado da fonte)13

Seja como for, nenhuma das perspetivas supra afasta a percepção do dividendo enquanto realidade diferenciada da entidade originária. Trata-se, antes, de uma interpretação concordante com a construção que destaca a proeminência da movimentação, conexa ao dividendo, alheada do país da sua procedência. Aliás, conforme distingue ALBERTO XAVIER14, a competência residual do país da fonte em tributar os dividendos provenientes de entidades residentes não prejudicaria a incidência, nessa mesma jurisdição, dos lucros apurados pela empresa distribuidora. Ora, falamos de uma delimitação objectiva promovida pelo regime convencional, que tomaria por referência a natureza do facto tributário. 

Mais propriamente, e seguindo ainda o autor, todas as convenções celebradas mostram que as disposições relativas ao artigo 10.º são apenas aplicáveis aos “dividendos distribuídos”, por contraste com os lucros que deram origem aos dividendos pagos, a serem dirimidos na esfera da sociedade distribuidora (é uma realidade que reflecte, na prática, a estrutura desenhada no 3, do n.º 2 do artigo 10.º do MCOCDE). 

Também, neste particular, e ainda posicionados sobre o tratamento conferido aos rendimentos apurados no Estado da fonte, o sistema instituído marcaria, segundo ALBERTO XAVIER, uma fissura entre o entendimento pugnado para os “lucros distribuídos e os lucros realizadospela pessoa colectiva, que seriam distintos, não pela forma integrada da sua tributação, mas antes pela incidência subjectiva subjacente às duas qualificações. Ou seja, os primeiros seriam tributados na esfera do sócio, ao invés dos segundos, sujeitos a imposto na sociedade distribuidora.

Tanto mais, a noção de beneficiário efetivo (beneficial owner), que percorre de modo transversal o artigo 10.º do MCOCDE15, concretiza uma válvula de segurança de um sistema que traz à colação a tributação na fonte, o que significa que a competência originária pertence ao Estado de destino dos dividendos e, por inerência, à empresa beneficiária residente. 

As divergências na interpretação do conceito de beneficiário efetivo posicionam-se no critério que deverá servir de mediação entre a entidade distribuidora e a beneficiária, se esta acede ao dividendo de forma direta ou indireta, através de um intermediário. Nesta sede, parece-nos que é possível distinguir duas possíveis aproximações ao conceito16: uma primeira decorreria da própria menção à noção de pagamento, inserta nas disposições do artigo 10.º17. Neste caso, o elo de ligação entre a entidade distribuidora e a entidade receptora seria, precisamente, o ato de pagamento dos dividendos. EKKEHART REIMER18 descreve este encadeamento de uma forma relacional. 

Ora, se o beneficiário efectivo será aquele que, conjugadamente, recebe e dispõe dos rendimentos de forma discricionária, então a entidade que esteja adstrita a reencaminhar este pagamento, por força de uma relação jurídica em que actue on account of someone else, for someone else ou on behalf of someone else estaria afastada do conceito19. O mesmo autor define uma fórmula simples para conferir esta ligação, e que consiste na indagação sobre quem é o titular da ligação mais próxima com o pagamento dos dividendos. Esta conexão directa permite intuir, desde logo, uma repartição bem definida e separada entre as duas entidades. Assim, o dividendo perfila-se como o correspondente técnico ao pagamento, que, tal como a origem e o destinatário, é assumida como realidade totalmente diferente, embora imediata, do lucro apurado.

Neste ponto, e introduzindo agora a segunda alternativa, ADRIAN WARDZYNSKI20 adverte para as limitações consequentes de um alinhamento que concentre a interpretação do conceito de dividendo numa observação linear, designadamente no aspecto material da imputação directa do dividendo à entidade directamente endereçada21. Segundo este autor, esta redução do conceito de dividendo ao expediente do pagamento afastaria do escopo da norma (artigo 10.º n.º 2 MCOCDE), o escrutínio sobre os eventuais expedientes evasivos, potencialmente fomentados pela tentativa de acesso a benefícios que, quando verificadas as entidades que verdadeiramente tomariam parte no traçado tomado pelos dividendos, não preencheriam os pressupostos delimitados para o devido enquadramento22

Ora, perante esta conceptualização restritiva do conceito de dividendo, o autor conclui que um sistema gizado nestes termos seria, materialmente, um regime de “attribution of income rule rather than an anti-avoidance rule”23

Não perfilhamos esta visão redutora. Com efeito, parece-nos que o artigo 10.º do MCOCDE tem também preocupações anti evasivas. Ora, compreende-se melhor a orientação anti- abusiva do modelo de convenção da OCDE quando nos focamos no cerne da orientação nela dada. Esta assenta num padrão que privilegia a substância sob a forma da operação em apreço, ou seja, assenta numa racionalidade económica dos agentes intermediários24. A sua afinidade com o entendimento formal seria meramente complementar. Assim, a ponderação do substrato legal inerente a cada transacção parece ser importante e parte de um exame mais abrangente, que passaria em análise toda a miríade de relações que fossem estabelecidas dentro do âmbito de distribuição dos dividendos que concretamente estiver em causa. Recuperando o pensamento de EKKEHART REIMER25, a questão a colocar será a de saber quem merece ou deve receber os dividendos. 

Um aspecto importante a reter tem que ver com a perspectiva que deverá presidir à qualificação do beneficiário efectivo dos dividendos distribuídos. Conforme refere SORAYA RODRÍGUEZ LOSADA26, o conceito em causa é um denominador subjectivo, enquadrado na competência cumulativa de tributação entre o Estado da fonte e o da residência. Neste contexto, a aferição da entidade beneficiária serviria como padrão concorrente e inclusivo, na sua relação com a vertente objectiva, corporizada pelo próprio dividendo. Por outras palavras, a designação do beneficiário efectivo, bem como a sua localização, marcariam os ditames de incidência de imposto sobre os dividendos. 

Sendo certo que a autora considera o entendimento restrito como o paradigma mais aceitável, ou seja, a cláusula serviria apenas como meio de imputação de rendimentos, designadamente como forma de obviar às eventuais situações de simulação concretizadas através da interposição da figura de um agente ou de um representante. Isso significaria sempre, segundo SORAYA RODRÍGUEZ LOSADA, que a ponderação seria realizada a partir de análise puramente técnica ou legal, nomeadamente perante uma revista à realidade fáctica e contratual manifestada, e das consequentes ilações daí advenientes, demarcada de forma particular sobre a obrigação de posterior transmissão dos dividendos27.

Para além da percepção sobre a natureza da cláusula do beneficiário efectivo, importa ter presente que o último posicionamento é finalisticamente ordenado à imputação de rendimentos. Neste domínio, é indiferente perceber a entidade à qual sejam atribuídos esses ganhos, mas é, tão-somente, mister cuidar que o crivo da cláusula do beneficiário efectivo pressupõe uma revista ao contexto das figuras que se movimentam no circuito do dividendo. Se, em última análise, a avaliação redunda na entidade mandante do agente ou representante, ou se a análise económica impõe uma imputação a outra figura, ou mesmo se, após uma ponderação sobre o beneficiário efectivo, resultar que falamos de uma entidade que, substancialmente, não se perfila como um residente estabelecido noutra jurisdição que não aquela onde têm origem os dividendos, na verdade, a indagação sempre finda no encontro da entidade beneficiária dos rendimentos e na sua respectiva jurisdição. 

Parece-nos, assim, que as divergências entre os diversos entendimentos são, na sua essência, e na funcionalidade proposta por cada um deles, uma questão de qualidade e amplitude de método. Dito de outra forma, qualquer uma das posições é instrumental para a verificação da entidade à qual se deverão imputar os dividendos28.

No seguimento do que vem dito, pensamos que é possível dar um passo em frente. Assim, parece-nos que o n.º 4 do artigo 10.º do MCOCDE, não é mais que uma definição, direccionada ao esclarecimento das consequências, em sede de distribuição de dividendos, derivadas da detenção de participações sociais por parte de estabelecimentos estáveis29

Ora, BARBARA HALLER30 frisa, precisamente, que o encadeamento proposto pela aludida norma (nº 4 do artº 10º) adota uma solução conciliatória com a lógica do artigo 7.º, n.º 7 (actual n.º 4) do MCOCDE. Densificando, o último preceito derroga a previsão genérica que consta no artigo 7.º, o qual, conforme supradito, centraliza a incidência do imposto no Estado da fonte, por referência aos lucros provenientes da actividade do estabelecimento estável localizado nesse país. Ora, o artigo 7.º, n.º 4 dirime este arquétipo, ao apontar para as restantes (utilizando a nomenclatura da autora) distributive rules, na forma de modelos de repartição de rendimentos entre as diversas jurisdições. Justamente, os artigos 10.º, 11.º e 12.º do MCOCDE (dividendos, juros e royalties) estabelecem regras de partilha de competências entre Estado da fonte e de residência31. BARBARA HALLER descortina no artigo 10.º, n.º 4 (conjuntamente com os seus congéneres, artigos n.º 11.º, 4.º e 12.º, n.º 3) uma “restauração” do princípio associado à agregação de lucros ao estabelecimento estável, bem como da tributação no Estado da fonte, decorrente da qualificação dos dividendos como lucros do estabelecimento estável, quando oriundos das participações sociais detidas pelo último. A autora nota que as orientações assentam no pressuposto que não estamos, verdadeiramente, perante uma transacção que extravase os limites territoriais do Estado de origem dos dividendos, quando observada a solução na perspetiva de o estabelecimento estável configurar uma mera extensão da empresa residente noutro país. 

Ainda segundo BARBARA HALLER, a racionalidade intrínseca desta solução delimitaria a imputação deste género de rendimentos a uma empresa localizada na jurisdição da fonte dos dividendos. Não existiria qualquer subversão dos princípios, conforme supra exposto, mas apenas uma adequação do conceito à realidade do estabelecimento estável, porquanto o beneficiário efectivo não deixaria de ser a empresa residente noutro país, mas que, por via do seu dimensionamento no Estado da fonte (materializado no “mero” estabelecimento estável), veria a tributação desses ganhos efectuar-se com base no pressuposto da residência na jurisdição de origem32.       

Parece-nos assim claro que a necessidade de existência de um mecanismo que decompõe o encadeamento subjectivo do dividendo, encontra o seu fundamento na dissociação entre distribuidor e beneficiário, em contraponto com a natureza das situações gizadas ao nível dos lucros apurados pelo estabelecimento estável, que agrega esta matriz identitária na mesma entidade.

 

2. O processo de formação do dividendo: a participação social e a deliberação societária como critérios de associação ao lucro societário

Analisada que foi, no ponto anterior, a perspetiva subjetiva do problema (lógica de tributação da entidade beneficiária, quando localizada em jurisdição diferente da fonte), importa averiguar agora se ela está em sintonia com a perspetiva objetiva que neste ponto passamos a analisar, qual seja a de saber se, à luz dos vários critérios possíveis, lucro e dividendo devem ser fiscalmente tratados como se fossem a mesma realidade. Detendo o olhar sobre a conceptualização do dividendo, mormente na acepção do seu tratamento fiscal, importa trazer à discussão, novamente, a análise de ALBERTO XAVIER33. O autor resume o entendimento convencional, no que tange ao confronto entre a solução delineada para os dividendos e para os rendimentos imputados aos estabelecimentos estáveis, através de um ensaio antagónico entre as duas realidades. 

Mais propriamente, o estabelecimento estável institui um marco que afasta a tributação isolada e analítica dos ganhos auferidos no estrangeiro por um residente, através do mecanismo de retenção na fonte, impondo uma incidência complexiva e sintética, traduzida no conceito de lucro de empresa. Trata-se de uma operação que ALBERTO XAVIER denomina de “princípio da absorção. Na prática, e ainda seguindo o autor, a atribuição de um determinado rendimento ao estabelecimento estável, consubstancia a sua perda de autonomia em relação aos restantes ganhos que são a sua origem, numa perspectiva a que a realidade dos dividendos não é alheia34.

Lançado o mote, MARJAANA HELMINEN35 debruça-se sobre as peculiaridades de interpretação do conceito de dividendo, mormente no capítulo da sua interacção com os vários normativos de referência, no que a autora denomina de “legal institution of dividend. Sumariando o entendimento, temos que a delimitação legal da noção de dividendo surgiria na decorrência da construção do que a autora apelida de normas constitutivas36. Falaríamos de preceitos que congregam uma matriz de comandos assentes, numa primeira linha, em pressupostos processuais e de definição de competências. 

Neste enfiamento, e tal como a própria denominação indicia, teríamos os preceitos ordenadores dos sujeitos e dos procedimentos necessários à criação do dividendo. Este procedimento merece-nos um tratamento mais desenvolvido, adiante. Numa segunda linha, e sempre no âmbito de enquadramento do conceito fiscal de dividendos, surgiriam então as normas de qualificação. Em traços gerais, a autora entende que estas são regras direcionadas à definição dos elementos preponderantes da ideia de dividendo. O carácter estrutural destes ditames seria evidenciado pelas suas finalidades subjacentes, mais propriamente no agrupamento das situações que visam o enquadramento legal do conceito. MARJAANA HELMINEN qualifica estes elementos, a nosso ver bem, como as variáveis determinantes que permitem afirmar que um dividendo deve ser pago e delimitado para efeitos fiscais como rendimento de capitais. Em suma, parece-nos possível concluir que os preceitos sob apreço focalizam a individualidade da noção de dividendo, enquanto conceito destacado das restantes realidades tributárias, como é o caso dos lucros.

Detalhando mais o raciocínio, a autora indica que a ideia de “distribuição” surgiria sempre entrosada com qualquer forma unívoca de transferência de activos para os accionistas, sem o correspondente retorno para a entidade pagadora, despoletada a partir de uma reunião deliberativa dos diferentes shareholders. Ora, o nivelamento das situações passíveis de concorrer para este conceito deve decorrer do direito societário, enquanto disciplina que regula a possibilidade do emprego dos ganhos da empresa na satisfação dos interesses dos accionistas. Sendo certo que o ordenamento fiscal estaria alicerçado nestes últimos preceitos, MARJAANA HELMINEM indica que a possível divergência dos parâmetros tributários seria uma mera resultante da natureza da sua abordagem. 

Concretizando, parece possível considerar que o tratamento fiscal dado aos dividendos deve promover uma perspectiva equitativa por relação com operações económicas alternativas que alcancem o mesmo substrato ou fim económico. Estas, segundo a autora, poderão destoar do sentido tradicional da distribuição de dividendos, tanto na definição do seu significado (as denominadas distribuições irregulares)37, como na conciliação desse conteúdo na sua interacção com as putativas jurisdições que, em concreto, possam ser abrangidas por transferências (alternativas) deste género.

Neste particular, tanto o dividendo como o lucro do estabelecimento estável comungam da mesma origem da sua constituição. Partindo da evidência demonstrada por MARJAANA HELMINEM, ou seja, das disparidades nos vários ordenamentos no que respeita ao enquadramento dos dividendos, bem como da sua génese alheia ao nosso ordenamento, o denominador comum, no país da fonte, é o que resulta do conceito adotado no MCOCDE38. O artigo 10.º, n.º 3 abriga uma perspectiva (exemplificativa) do conceito que denota uma preponderância sobre a contextualização da ideia de acção39. O 24 dos Comentários ao artigo 10.º, n.º 3 do MCOCDE é estruturante nesse sentido, ao estipular que o padrão de referência respeita à distribuição de lucros procedentes da titularidade de acções, numa sociedade anónima. Em rigor, a noção de dividendo associada ao preceito corresponde a qualquer participação que confira o direito a participar nos lucros da sociedade, e que, simultaneamente, não revista a natureza de um crédito constituído entre a entidade titular e a sociedade distribuidora. 

Participação Social e alheamento da natureza creditícia, quando observados na conformação de um título que confira o direito de participação nos lucros de uma sociedade, são dois dos três patamares de análise enunciados por KLAUS VOGEL40, que delimitam a qualificação de um determinado rendimento na previsão do artigo 10.º, n.º 341. O desdobramento derradeiro da norma, segundo o autor, materializa-se na solução inclusiva preconizada na sua parte final, ao abarcar todos os ganhos sobrevindos de outras partes sociais, que perfilhem do mesmo tratamento preconizado para os rendimentos derivados de acções, no Estado de que é residente a entidade distribuidora42.

Neste ponto, é possível elucidar que a interacção do binómio participação social /distribuição de lucros é o ditame proeminente na densificação da noção de dividendo, cabendo, no mesmo escopo, as demais participações sociais em função do seu eventual tratamento equiparado à configuração da acção no país da origem deste tipo de rendimentos.

Desde logo, o enquadramento afasta uma delimitação fundada nas figuras concebidas no nosso direito societário43. O raciocínio provém da natural verificação que o dividendo, mais propriamente a sua estruturação, é um processo dirimido de modo externo ao nosso ordenamento44. Contudo, não é despiciendo observar que a relação entre o denominado direito ao lucro e o direito ao dividendo, não materializa uma associação de significados simbiótica. Não importa enunciar, na presente sede, a minúcia dogmática conexa ao tema, e que merece mais adequado tratamento no ramo científico do direito societário, mas julgamos pertinente a ponderação acerca da conformidade dos dois conceitos, designadamente na vertente destacada dos seus elementos.

Na medida da delimitação encetada pela doutrina comercial, num ensaio que prima pela transversalidade dos seus conteúdos (ou seja, que não cinge o seu perímetro de análise à realidade fiscal), e em linha com a parametrização de MARJAANA HELMINEM, supra referida, que posiciona a disciplina como ponto de partida da padronização tributária, FILIPE CASSIANO DOS SANTOS45, individualiza, precisamente, no plano societário, mormente ao nível da relação dos sócios face aos lucros, dois meandros distintos: o direito ao lucro e o direito ao dividendo deliberado. Sobre o primeiro, e ainda na esteira do autor, a noção enquadra o direito reconhecido a todos os sócios participarem na distribuição de lucros apurados na sequência do exercício da actividade social46. No concreto falamos da prerrogativa atribuída aos sócios que consubstancia o acesso à quota de liquidação ou a participação no lucro de exercício47.

O direito ao dividendo distribuído materializa a colocação em prática da ideia precedente: a de que a designada prerrogativa surge na sequência de uma deliberação de distribuição de lucros aos sócios, após a assembleia de aprovação de aprovação de contas. No entendimento de FILIPE CASSIANO DOS SANTOS, a deliberação concretiza a abstração que é o mero “direito de socialidade” ao lucro. 

Neste particular PEDRO PAIS DE VASCONCELOS48, não deixa de frisar o mesmo ponto decisivo na distinção até agora encetada. Segundo o autor, é certo o apuramento do lucro em termos anuais, como modo de responder às exigências fiscais neste domínio. Contudo, no capítulo da sua distribuição, a questão é enquadrada no campo da autonomia privada, cabendo aos respectivos estatutos a concretização dos seus pressupostos. É uma óptica alheada de qualquer automatismo na transferência de montantes entre sociedades, marcando um imperativo decisório que permite uma medida de associação entre os dois conceitos. Deste modo, é pertinente reter neste domínio, como resultado da percepção que nos vem da dogmática societária, o distanciamento e a complementaridade entre os dois elementos, especialmente quando observado o direito ao dividendo, enquanto momento originado a partir do lucro societário, mas posicionado a jusante dessa realidade. É desta mesma dialéctica que surge a necessidade do acto de deliberação, vista como condicionante da constituição do dividendo. 

Nesta equação, a participação social surge como cânone ordenador entre lucro e dividendo. A propósito, transcreve-se a padronização encetada por COUTINHO DE ABREU49: «A participação social é definível como o conjunto unitário de direitos e obrigações actuais e potenciais do sócio»50. Seguindo ainda o autor, a titularidade da participação social significa, por inerência, a constituição da posição de sócio, enquanto dimensão do agregado de obrigações e deveres atribuídos ao seu titular51. De entre o feixe de direitos contidos na figura, COUTINHO DE ABREU agrupa estas prerrogativas na medida das finalidades visadas: (1) os direitos de participação nas deliberações sociais ou nos órgãos de administração e fiscalização; e (2) os direitos patrimoniais, nos quais avultaria o direito a quinhoar nos lucros ou à quota de liquidação52

A tradução prática destas atribuições revela-se, conforme demonstra PEDRO PAIS DE VASCONCELOS53, na denominada parte social, entendida como densificação específica de cada tipo societário, e que surge na sequência da necessidade de distinguir as figuras do sócio e da sociedade, desenhada na sequência da personificação autónoma dos dois conceitos, materializando o elo de conexão entre as duas ideias e constituindo-se como o objecto da participação social, no que respeita à parametrização da sua titularidade, transmissão e oneração.

Neste aspecto, é possível começar a delimitar os paralelismos com a linha aduzida no MCOCDE. Com efeito, o modelo pugnado nesta sede é, de acordo com o foi dito, a participação social subjacente à sociedade anónima, ou seja, a ação54. Recuperando o nosso anterior raciocínio, o paradigma centra-se na dicotomia estabelecida entre acção e distribuição do lucro societário. Ora, dentro dos aludidos direitos, designadamente na vertente patrimonial, contabiliza-se o direito a quinhoar nos lucros55. Neste ponto, importa apenas salientar, quanto ao respectivo conteúdo, que o dividendo surge como resultado final da sequência de atos que principia com o apuramento do lucro societário, e é imediatamente precedida da correspondente deliberação distributiva56, materializando o excurso necessário a garantir a finalidade emergente da actividade social, ou seja, a lucratividade comercial57

Neste ponto, é mister atender que estamos perante a noção ampla que subjaz ao conceito de lucro. Com efeito, e recorrendo às referências de FÁTIMA GOMES58, o lucro distribuível toma, como padrão, o resultado positivo do exercício anual, deduzido das eventuais obrigações estipuladas na respectiva lei, ou da decorrência da deliberação dos sócios. A estes valores podem ser acrescentadas outras realidades, como as importâncias retidas na sociedade, ou seja, as suas reservas ou os lucros acumulados de resultados transitados, de exercício findos não aplicados. 

No fundo, o que define o substrato dos montantes susceptíveis de uma deliberação distributiva, são os resultados presentes, ou transactos, isto é, as quantias derivadas da política de autofinanciamento da empresa. Ao dividendo surgido do primeiro conjunto, a autora designa de “dividendo em sentido estrito” e ao segundo, de “dividendo em sentido amplo”. Concretizando a exposição, o dividendo é a parte social, nas sociedades anónimas, que estabelece o eixo de ligação do sócio ao lucro, e que substancializa o binómio acção/lucro distribuído, que funda o entendimento do conceito de dividendo constante do artigo 10.º, n.º 3 do MCOCDE. De realçar, ainda, o esteio comum que serve de amparo ao apuramento, tanto do lucro fiscal como do lucro societário, qual seja, a contabilidade da sociedade. 

Importa contudo particularizar que a parte social da sociedade anónima trata da génese do dividendo. A noção é, conforme referido, uma realidade diferenciada do direito ao lucro, constituída a montante do processo deliberativo. COUTINHO DE ABREU59 fala de um verdadeiro “direito ao dividendo”, ou seja, da determinação e materialização de um direito do sócio. Não obstante, a mesma lógica afasta o conceito do perímetro de outras prerrogativas societárias. 

Na senda destes autores, o direito ao dividendo é um direito de crédito sobre a própria sociedade, que equipara o sócio titular a um qualquer terceiro credor. A natureza do dividendo é, deste modo, na terminologia utilizada por COUTINHO DE ABREU, um direito extra corporativo, alheado de vontade deliberativa societária, que não o pode condicionar o restringir, sem prejuízo de consubstanciar a sua origem60. Deste modo, e no que é essencial ao nosso estudo, é clara a demarcação entre o direito ao lucro e o direito ao dividendo, observável através da inserção e exclusão de cada uma das ideias na esfera societária, respectivamente. 

Como vimos, a estrutura do MCOCDE é sensível a esta bipartição, ao dispensar um tratamento diferenciado ao dividendo, reconhecendo-lhe, desta forma, um figurino autónomo. É uma conclusão em que seguimos a linha de MARJAANA HELMINEN, ao sublinhar que o entendimento fiscal é, neste particular, estribado na dogmática do direito comercial, de onde resulta a distinção entre as duas noções: lucro e dividendo.

Sem embargo, é mister distanciar a compreensão creditícia associada ao dividendo dos restantes direitos de crédito que poderão emergir da atividade prosseguida pela sociedade. Para MANUEL LUCAS DURÁN61 entraríamos no campo da delimitação negativa do termo, parametrizado nos limites interpretativos do MCOCDE, ou seja, afastado dos ditames que possam resultar das legislações internas62. Esta autonomia seguiria, segundo o autor, uma orientação basilar e distintiva, no que concerne ao crédito derivado do dividendo: o crédito emergente do direito ao dividendo seria oriundo da remuneração de capital terceiro ao invés do capital próprio. Por outras palavras, o tratamento destes casos encontraria o seu enquadramento no artigo 11.º do MCOCDE, em detrimento do artigo 10.º. 

É interessante notar que a dissociação das duas noções advém, numa primeira linha de análise, da sua proveniência. Retendo as considerações do autor, o MCOCDE circunscreve os limites do financiamento próprio e alheio ao critério da assunção do risco empresarial63. Mais propriamente, a apreciação redunda num julgamento apriorístico incidente sobre a sustentação da garantia da dívida. Escudados no raciocínio de MANUEL LUCAS DURÁN, fica claro que não integram o conceito de dividendo quaisquer quantias recebidas pelo beneficiário que tenham que ser devolvidas e reembolsadas com juros, num prazo anteriormente convencionado.

A mesma solução vale para todos os casos em que o crédito tenha que ser devolvido com juros, ainda que tenha a sua origem num instrumento financeiro do tipo dos elencados no artº 10º, nº 3 do MCOCDE (acções e demais partes sociais elencadas no preceito), mormente nos termos da cláusula residual que incorpora na noção todos os rendimentos advindos de outras partes sociais, sujeitas ao mesmo regime fiscal das acções. FEDERICO GIULIANI64 previne que o mesmo preceito impõe uma compreensão orientada para a interpretação contida no ordenamento do país da fonte65. Contudo, o autor denota que, em termos práticos, a proliferação de conceptualizações, derivadas das respectivas leis comerciais, em torno do conceito, potencia situações conflituantes, sobretudo ao nível da jurisdição de residência, tanto da parte das respectivas administrações fiscais, como das eventuais decisões jurisdicionais emergentes dos correspectivos litígios judiciais. Dito de outra forma, nos casos em que o Estado da residência não aceite a caracterização jurídica do pagamento realizada no país da fonte, essa situação poderá redundar na negação de qualquer mecanismo de eliminação da dupla tributação económica (ou seja, do instituto inscrito na norma do nosso artigo 51.º do CIRC). 

De forma a ultrapassar estas dificuldades, FEDERICO GIULIANI advoga que o MCOCDE procede a uma uniformização na equiparação das figuras que poderão concorrer para a noção de acção aceite no artigo 10.º, n.º 3 (da qual o dividendo seria uma mera consequência do exercício daí adveniente). Na sequência, o autor postula que a melhor aproximação a esta terceira alternativa seria, no fundo, proceder a uma síntese das duas primeiras hipóteses, tanto mais possibilitada pela expressão “outros”, que remeteria, precisamente para as concepções precedentes. 

Segundo FEDERICO GIULIANI, estes direitos equiparáveis a acções deveriam advir dos denominados corporate rights, em oposição aos mere debt-claims. O juízo incorpora a mesma lógica pensada para o afastamento dos direitos de crédito do domínio do conceito de dividendo estatuído no artº 10º, nº 3, ou seja, os casos em que o titular do direito não partilha dos riscos da actividade da sociedade, não poderão ser subsumidos ao escopo do preceito66.

Esta posição torna claro o cerne da figura do dividendo, para efeitos do artigo 10.º, n.º 3, traduzindo o núcleo dos direitos patrimoniais até ao momento dissecados (recorde-se, direito a quinhoar nos lucros). Precisando, parece claro que todos os ganhos que sejam susceptíveis de serem associados a uma participação social, que confira prerrogativas a um direito genérico ao lucro derivado da actividade social da empresa, gizados em consonância com a lei societária do país da fonte67, deverão concorrer para o preenchimento do conceito68.  

Chegados a este ponto, avivamos a essencialidade da ideia associada ao dividendo, qual seja, a sua matriz distinta da base lucrativa, isto é, do lucro. No entanto, o perfil da figura é traçado através de um modelo que concretiza o dividendo através da deliberação, organizada em função das partes sociais/acções que cada titular detenha na sociedade anónima.

 

Conclusões

Parece poder concluir-se no sentido de que MCOCDE formula, nos termos algo genéricos do artigo 10.º, n.º 2, uma competência geral de tributação do Estado de localização da entidade beneficiária.

Há, assim, uma renúncia à delimitação de competências entre jurisdições que tome, por matriz, a referência ao país da fonte. Na linha do que KLAUS VOGEL admite, parece correto considerar que a ótica do preceito é o ordenamento da entidade beneficiária, sendo a extensão ao Estado da origem uma mera cambiante da regra geral. Compreende-se, dentro desta dinâmica, que o dividendo seja percecionado como uma realidade autónoma, destacada da sua entidade produtora, sendo este o fundamento essencial que permite o seu tratamento fiscal diferenciado.

Alguns autores consideram que este modelo de tributação do dividendo assenta numa razão primária comum aos denominados “withholding taxes”, que teria em mente a criação de um incentivo fiscal ao reinvestimento, em prejuízo da repatriação imediata dos dividendos. Esta é uma interpretação concordante com a construção que destaca a proeminência da movimentação, conexa ao dividendo, alheada da sua fonte (o país da sua procedência).

Por outro lado, a noção de beneficiário efetivo (“beneficial owner”), concretiza uma válvula de segurança de um sistema que traz à colação a tributação na fonte, o que significa que a competência originária pertence ao Estado de destino dos dividendos e, por inerência, à empresa receptora. Sem prejuízo, a indagação sempre finda no encontro da entidade beneficiária dos rendimentos e na sua respectiva jurisdição, não prejudicando a lógica inerente ao artigo 10.º, do MCOCDE, qual seja, a atribuição de competência de tributação ao Estado de localização da entidade beneficiária.

Assim, de acordo com o “princípio da absorção”, o estabelecimento estável institui um marco que afasta a tributação isolada e analítica dos ganhos auferidos no estrangeiro por um residente, impondo uma incidência complexiva e sintética, traduzida no conceito de lucro de empresa (uma dinâmica semelhante à existente para a tributação dos rendimentos auferidos por entidades residentes).

Ora tanto o dividendo como o lucro do estabelecimento estável comungam da mesma origem da sua constituição, ou seja, do aludido lucro de empresa. Todavia, só para o primeiro a doutrina aponta as seguintes características cumulativas: participação social e alheamento da natureza creditícia, uma vez deliberado. Com efeito, a participação social e a deliberação societária são pressupostos de associação ao lucro societário. O direito ao dividendo distribuído materializa a colocação em prática da ideia precedente: a de que a designada prerrogativa surge na sequência de uma deliberação de distribuição de lucros aos sócios.

De facto, o dividendo, ao contrário do lucro, surge como resultado final da sequência de atos que principiam com o apuramento do lucro societário, e é imediatamente precedida da correspondente deliberação distributiva, materializando o excurso necessário a garantir a finalidade emergente da actividade social, ou seja, a lucratividade comercial.

A estrutura do MCOCDE é sensível a esta bipartição, ao dispensar um tratamento diferenciado ao dividendo, reconhecendo-lhe, desta forma, um figurino autónomo. Todos os ganhos que sejam susceptíveis de serem associados a uma participação social, que confira prerrogativas a um direito genérico ao lucro derivado da atividade social da empresa, gizados em consonância com a lei societária do país da fonte, deverão concorrer para o preenchimento do conceito.

 

NOTAS

1 Investigador integrado na Universidade de Lisboa, Centro de Administração e Políticas Públicas http://capp.iscsp.ulisboa.pt/, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Doutor em Ciências Sociais na especialidade de Administração Pública pela Universidade de Lisboa. Professor de Fiscalidade, de Finanças Públicas e Direito Financeiro no ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa e no ISCAL – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa. Membro de diversas Comissões de Reforma do sistema fiscal português (IVA (1986); IRS, IRC (1989), Impostos sobre o Património (2003/2004) e do IRS - Imposto sobre o rendimento das pessoas físicas (2014).

2 Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Mestre em Fiscalidade pelo ISCAL – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa do IPL – Instituto Politécnico de Lisboa.

3 As razões do nosso enfoque prendem-se, exclusivamente, e conforme sobredito, pelo âmbito abrangente que o instrumento gizado no seio do Comité dos Assuntos Fiscais proporciona, tanto na dogmatização dos conceitos, como na segmentação sobre a interacção dessas noções, num plano que, em consonância com a nossa investigação, abarca menções que contactam com referências transnacionais. 

4 Conforme elucida Giuseppe Corasaniti, Dividendi, interessi, canoni e plusvalenze nel modello OCSE, in Corso di diritto tributario internazionale, Padova, 2002. p. 485, a retenção na fonte é apenas um dos meios desenhados para corresponder à competência de tributação do Estado da fonte. O autor enuncia que nada impede o recurso ao tradicional sistema de autoliquidação societário, vigente nos impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas. A retenção na fonte apenas se perfila como um método mais eficiente de pagamento do imposto, impondo sobre a entidade distribuidora e residente essa obrigação. No mesmo sentido, veja-se o 18 dos Comentários ao MCOCDE.

5 No mesmo sentido, Klaus Vogel, On double taxation conventions: a commentary to the OECD-, UN- and US model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to german treaty practice, third edition, London, 1999, pp. 581-585. O autor esclarece que o artigo 10º efetua uma divisão de competências de tributação entre os Estados de Residência e da Fonte. Os pressupostos ínsitos à disposição delimitariam os critérios apriorísticos que deveriam presidir a qualquer metodologia de eliminação de dupla tributação económica, sendo que os parâmetros delineados no artigo 23.º-A e B, do MCOCDE, surgiriam como consequência necessária do imposto suportado a montante. O que KLAUS VOGEL diferencia é, essencialmente, os dois patamares de referência que compõe os elementos caracterizadores da distribuição de dividendos, mormente o artigo 10.º, como paradigma para a jurisdição da fonte, e os métodos de crédito de imposto ou isenção, para o ordenamento do país da residência. No mesmo sentido, veja-se o 21 dos Comentários ao artigo 10.º do MCOCDE.

6 Cfr. Dividendi, interessi, pp. 482-483.

7 No mesmo sentido Nestor Carmona Fernández, Dividendos, in Convenios Fiscales Internationales y Fiscalidad de la Unión Europea, Valencia, 2012, p. 350.

8 No plano oposto, acerca da possibilidade de repatriação dos prejuízos apurados em filiais localizadas em jurisdição distinta daquela onde se situe a entidade-mãe, veja-se Joao Ricardo Catarino / Hugo Rodrigues, Da natureza “final” dos prejuízos transfronteiriços na jurisprudência do TJUE: O princípio da simetria aplicado aos estabelecimentos estáveis e filiais, E-pública Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 3 nº 2 Novembro, 2016, pp.85-99.

9 E que cumpre um desiderato essencialmente político. GIUSEPPE CORASANITI observa que a maior ou menor extensão das prerrogativas do Estado da fonte, advém da tensão proveniente da dicotomia estabelecida entre os países tradicionalmente exportadores ou importadores de capital, sendo que os últimos verão os seus intuitos mais enquadrados, naturalmente, numa ampliação das competências de tributação do país da fonte. É uma conclusão que segue a linha dos Comentários ao artigo 10.º, mormente no seu 6. Dispõe a orientação que será mais consentânea com a natureza dos dividendos, enquanto rendimentos de capitais mobiliários, uma perspectiva de tributação na esfera do Estado do beneficiário. Contudo, uma solução unívoca é, ainda no plano dos mesmos Comentários, irrealista. Ora a dialéctica intuída por GIUSEPPE CORASANITI ajuda a compreender as razões do alargamento à jurisdição da fonte.

10 Richard Vann, General Report, in Trends in company/shareholder taxation: single or double taxation? Cahiers de Droit Fiscal International. Amersfoot, Vol.88a, 2003. p. 45, elucida que a tributação dos dividendos, conjuntamente com os lucros derivados da exploração de navios ou aeronaves de tráfego internacional, são as excepções a um sistema internacional que assume uma tendência de concentração de todas as prerrogativas fiscais no Estado da fonte/estabelecimento estável.  

11 Cfr. Dividendos, pp. 350-351.

12 Cfr. General Report, pp. 51-53.

13 O que não retira a importância da redução do impacto das taxas no país da fonte, no plano do planeamento fiscal das empresas envolvidas. Paulus Merks, Dividend withholding tax planning techniques: part 1, in Intertax, 2011, Vol. 39, issue 10, pp. 460 e ss, e Dividend withholding tax planning techniques: part 2, in Intertax, 2011, Vol. 39, issue 11, pp. 526 e ss, observa que a valorização da participação social é mensurada a partir dos resultados apurados após a determinação do imposto a pagar. Ora, falamos de uma variável que agrega a totalidade do impacto fiscal associado aos rendimentos que possam advir das posições dos accionistas. Nesse sentido, é possível esquematizar uma pró-actividade “privada”, vocacionada para a redução da porção tributária despendida na origem dos dividendos. PAULUS MERKS agrupa o que designa de dividend withholding tax planning techniques em dois conjuntos que partilham esteios comuns. Os primeiros adoptariam uma série de transacções funcionalizadas, tão-somente, a reduzir ou eliminar a incidência no país da fonte. Sintetizando uma matéria de notória complexidade, e que transcende o âmbito do nosso estudo, porquanto entramos no intricado universo do planeamento fiscal, as estratégias encetadas passariam por uma primeira distribuição isenta em função da entidade beneficiária. Neste âmbito, o autor destaca a existência de uma entidade intermediária, corporizada através das holdings e dos estabelecimentos estáveis, que partilhariam as particularidades de serem entidades dominadas pela empresa residente, bem como da sua localização no país sociedade pagadora. Adstritas à percepção dos dividendos por estas entidades, seria necessária a existência de um sistema de eliminação da dupla tributação económica interna, conjugada com um sistema de reporte que prevê a isenção de tributação no país da fonte. No caso dos estabelecimentos, a aplicação de uma taxa pela distribuição de lucros seria evitada, logo à partida, pelo enquadramento da figura no artigo 7.º, ao invés do artigo 10.º, ambos do MCOCDE. A holding seria um veículo que permitiria a entidade beneficiária aceder a todos os benefícios negados a accionistas minoritários, nomeadamente no confronto das alíneas a) e b), do artigo 10.º n.º 2 (ou mesmo, no contexto europeu, o enquadramento na directiva mães e filhas exigiria uma participação mínima na entidade distribuidora, como forma de obviar ao mecanismo da retenção na fonte no país de sociedade pagadora, que seria, igualmente, cumprido pela interposição de uma entidade intermediária detida pelo residente beneficiário). A par destas medidas “formais” de planeamento fiscal, e ainda seguindo a exposição do autor, haveria uma diferente padronização deste género de técnicas, visionada a partir de uma verdadeira mutação das actividades das entidades envolvidas. O contraponto com os precedentes cenários estaria, precisamente, na derivação para o cerne substantivo, em prejuízo da centralização do enfoque sobre as operações gizadas com vista à diminuição da tributação no Estado da fonte. A título de exemplo, uma primeira alternativa surgiria a partir da “migração” da entidade pagadora ou beneficiária a favor de países em que não fosse estipulada uma previsão tributária na fonte dos dividendos, ou apenas a transferência para jurisdições com regimes convencionais, celebrados entre os Estados correspondentes, mais favoráveis a este género de incidências. Outro método associado a estes parâmetros “substantivos” redundaria no denominado dividend stripping. A metodologia conexa a estes movimentos passaria por uma transferência temporária das participações sociais de uma empresa residente no Estado A, detidas por uma entidade sediada no Estado B, a favor de uma sociedade localizada no mesmo Estado B. Interligada com esta transmissão, estaria o pagamento de um fee (uma remuneração pela privação da detenção das participações sociais), em termos materialmente idênticos à disponibilização dos dividendos, mas que beneficiaria de uma qualificação e tratamentos diverso. A final, as aludidas participações retornariam ao accionista originário.  

14 Cfr. Direito Tributário Internacional, 2ª ed. actualizada reimpressão, Coimbra, 2014, p. 652. 

15 Mais propriamente os artigos 10.º, n.º 2, 4.º e 5.º, bem como os artigos 11.º, n.º 2 e 4, e 12.º, n.º4, todos do MCOCDE.

16 Cfr. Ekkehart Reimer, How to conceptualize beneficial ownership, in Beneficial Ownership: Recent Trends, Amsterdam, 2013, pp. 253 e ss.

17 De tal modo, que Adrian Wardzynski, The 2014 update to the oecd commentary: a targeted hybrid approach to beneficial ownership, in Intertax, Vol. 43 issue 2, 2015. pp. 179 e ss, apelida este entendimento de “legal approach”.

18 Cfr. EKKEHART REIMER, How to conceptualize beneficial, pp. 259 e 260.         [ Links ]

19 É a mesma lógica que se inclui no 12.1 dos Comentários ao artigo 10.º, do MCOCDE. Desde logo, a mera transferência de rendimentos para agentes ou mandatários, não encontraria previsão para qualquer tipo de redução ou isenção no Estado da fonte. Dito de outra forma, a residência noutro Estado que não aquele que corresponda à jurisdição da entidade que procede à distribuição dos dividendos, não encontra uma correspondência automática com o conceito de beneficiário efectivo. A observação abstrai do seu âmbito a simples propriedade formal, no sentido do elenco das putativas situações que advenham de qualquer limitação à titularidade do direito sobre os ganhos, ou seja, que tornem o beneficiário imediato um «mero fiduciário ou administrador que age por conta das partes interessadas».  

20 Cfr. The 2014 update to the oecd commentary, pp. 182-184.

21 Cfr. EKKEHART REIMER, How to conceptualize beneficial, pp. 256-257, coloca a questão do ponto de vista da possibilidade de existência de uma pluralidade de beneficiários da distribuição dos dividendos. Apesar de conceder na circunstância da letra do MCOCDE não indiciar a possibilidade de individualizar uma série de beneficiários efectivos, para o autor, não seria menos verdade que uma visão compreensiva do circuito do dividendo permitiria entender o contexto das entidades envolvidas, ultrapassando as condicionantes associadas à natureza parametrizada de cada transferência monetária, que apenas poderia personalizar um designado receptor.  

22 Soraya Rodríguez Losada, La interpretación jurisprudencial del concepto de beneficiario efectivo en el ambito internacional, Crónica Tributaria, nº 149, 2013, pp.188-189, elucida sobre o arquétipo internacional que caracteriza este tipo de condutas, comummente designadas de treaty shopping, diligencia no sentido de diminuir, ou mesmo exonerar, as pretensões do país da fonte através do enquadramento numa convenção que, caso contrário, não seria aplicável. Ora, consistindo o abuso numa actuação que afecta o campo de incidência subjectivo, a funcionalização deste tipo de comportamentos encontra o seu denominador comum na interposição de um residente (conduit company) num Estado terceiro, que tenha celebrado uma convenção com país de origem dos rendimentos.    

23 O sistema formal remonta as suas origens aos primórdios da conceptualização da noção de beneficiário efectivo. ADRIAN WARDZYNSKI, The 2014 update to the oecd commentary, pp. 180-182, e Richard Vann, Beneficial ownership: what does history (and maybe policy) tell us, in Beneficial Ownership: Recent Trends, Amsterdam, 2013, pp. 281 a 296, sintetizam os fundamentos históricos do entendimento, posicionados no período da introdução do conceito, ou seja, aquando da revisão do MCOCDE de 1977, através de um olhar sobre as propensões britânicas à época da elaboração do documento. Concretizando, os intuitos do Reino Unido passariam pela transposição da cláusula de beneficiário efectivo, celebrada nos termos da Convenção celebrada com os Estados Unidos, em 1966, e alicerçada no pressuposto de que a noção apenas visaria alhear as figuras receptoras de dividendos, juros ou royalties, que actuassem por conta de outra entidade (agentes ou representantes), bem como da densificação do contexto de pagamento associado à distribuição de dividendos. Ora, estes dois pressupostos seriam as variáveis concretizadoras que permitiriam eximir o Estado da fonte da pretensão exclusiva de tributação dos dividendos. Seria neste particular, segundo ADRIAN WARDZYNSKI, que residiriam os anseios do Reino Unido, ao permitir o afastamento da tributação no país de origem, por via de redes de agentes e representantes ao dispor de uma determinada entidade (o que, para o autor, não seria, mesmo na ponderação histórica da noção, uma visão incompatível com outro tipos de estruturas, cujo desiderato serviria o mesmo fim intermediário, sem a dita representatividade formal). Dos dois aspectos perpassa, tal como observa RICHARD VANN, uma interpretação meramente formal dos meandros que regem este tipo de transferência, logo pela imputação do pagamento a um receptor, que só não será directa se, pelo exame aos contratos ou outros instrumentos legais, resultar que esses rendimentos deverão obrigatoriamente ser direccionados a uma outra entidade. Não foi uma posição isenta de controvérsia, mormente da parte Francesa e Americana, assente no paradigma da convenção Franco-Helvética de 1966, que procurava cruzar os elementos atinentes à propriedade aparente, com uma óptica económica do termo (na perspectiva de uma revista administrativa mais abrangente que a mera observação da detenção de participações sociais). Ainda dos Estados Unidos, a referência dos 25%, presentes no artigo 10º, nº 2 alínea a) do MCOCDE, seria uma recondução implícita a uma matriz anti-abusiva, na compreensão de uma genuína relação de proximidade entre as entidades envolvidas. Mas, mais do que as tensões políticas subjacentes à génese da ideia, este exercício histórico encontra a sua utilidade no lastro, ainda actual, dos posicionamentos tradicionais associados à figura do beneficiário efectivo. 

24 Cfr. ADRIAN WARDZYNSKI, The 2014 update to the oecd commentary, p. 185. O 12, dos Comentários ao artigo 10.º do MCOCDE, adere ao mesmo sentido, ao inferir que a expressão ”pagos… a um residente”, serve um escopo clarificador da noção de beneficiário efectivo, mormente pela supressão da ideia de uma imediata renúncia do Estado da Fonte aquando da distribuição de dividendos a um residente noutra jurisdição.

25 Cfr. How to conceptualize beneficial, p. 257.

26 Cfr. La interpretación jurisprudencial del concepto, pp. 184-187.

27 Na verdade, SORAYA RODRÍGUEZ LOSADA, La interpretación jurisprudencial del concepto, p. 189, não descortina qualquer diferença na cláusula do beneficiário efectivo para as restantes técnicas de transparência fiscal dirimidas no artigo 1.º do MCOCDE. A visão expansiva do conceito só encontraria espaço em face do diminuto recurso a este tipo de soluções nos textos convencionais.

28 Jonh Avery Jones, The beneficial ownership concept was never necessary in the model, in Beneficial Ownership: Recent Trends, Amsterdam, 2013, pp. 333-339, advoga, inclusivamente, que o conceito de beneficiário efectivo nunca foi necessário no MCOCDE. O raciocínio seria mais singelo, passando por uma tributação imediata na esfera do receptor do rendimento, independentemente de ser, ou não, o verdadeiro titular desse ganho. Como exemplo, o autor enuncia caso dos agentes residentes que, mesmo actuando por conta de outrem, seriam sempre sujeitos a imposto pelas regras internas de incidência. No Estado da fonte, eventuais situações abusivas seriam evitadas a partir da aplicação da 2ª parte do artigo 4.º, n.º 1 do MCOCDE, ou seja, a criação de uma entidade intermediária, em que a totalidade dos seus rendimentos sejam provenientes de origens derivadas do país da fonte, veria o seu estatuto de residente comprometido para efeitos de aplicação da respectiva convenção.  

29 É um sentido que difere do preceituado no n.º 5, do mesmo artigo 10.º. Com efeito, dispõe a referida norma sobre o movimento precisamente inverso, mas ponderado à luz da particularidade das entidades não residentes. Precisando, o disposto visa apartar qualquer tipo de equivalência sobre o tratamento a conferir à eventual distribuição de lucros, quando cotejados com o preceituado para os dividendos. O 34, dos Comentários ao artigo 10.º, é elucidativo acerca do entendimento, ao renegar as eventuais pretensões tributárias do Estado da fonte, baseadas na simples circunstância dos lucros das sociedades não residentes serem realizados no seu território. O estabelecimento estável entra, naturalmente, nesta equação, porquanto corporiza uma das manifestações do não residente numa outra jurisdição. Ora, para além da matriz subjectiva distintiva, que fundamenta a disparidade de tratamento, no Estado da fonte, entre entidades residentes e não residentes, os reflexos na incidência objectiva são, também eles, notórios. O que o MCOCDE nos diz é, simplesmente, que lucros e dividendos não representam a mesma realidade, ou seja, que a origem dos rendimentos não encontra equivalente na sua consequência. À parte da discussão sobre a rejeição anti-abusiva da tributação, por imposição de uma limitação à tributação extra-territorial dos dividendos, visível, sobretudo, na proibição de qualquer comportamento que corporize uma retenção na fonte na jurisdição da origem dos lucros (o que não significa que não possam ser aplicadas, pelo país da residência, regras sobre sociedades estrangeiras controladas, na medida em que o artigo 10.º, n.º 5 preconiza um modelo relativo à tributação no país da fonte, conforme aduzido no 37), julgamos que é, ao invés, premente dirimir que a disposição, para além do seu parâmetro diferenciador relativamente à comparação entre o dividendo e o lucro que o origina, alinhando-se, neste aspecto, com os restantes preceitos do artigo 10.º do MCOCDE, assume uma posição particular na definição do confronto entre a situação desenhada para os estabelecimentos estáveis e as entidades autónomas, porquanto prescreve a supressão de qualquer pretensão tributária pelo país da fonte, no momento da repatriação dos lucros apurados na sua jurisdição. A solução é apenas mais um reflexo da distinção que temos vindo a evidenciar, e que surge na sequência da tributação dos lucros a montante da fase da sua distribuição, por contraponto com os dividendos, cujo momento de incidência é coincidente, no país da fonte, com a sua constituição, que, por sua vez, ocorre em simultâneo com a distribuição.

30 Cfr. Barbara Haller, The permanent establishment proviso 10 (4), 11 (4), 12 (3) and 21 (2) MC, in Permanent Establishments in International Tax Law, Wien, 2003. pp. 229 e ss.

31 Aliás, o artigo 12.º esboça um padrão que prevê, exclusivamente, a tributação no país da residência.

32 A cláusula do beneficiário efectivo serve, ainda neste âmbito, o propósito anti abusivo inverso, ou seja, impõe a ponderação sobre o eventual afastamento da tributação dos dividendos na esfera do estabelecimento estável. Nestor Carmona Fernandez, Dividendos, in Convenios Fiscales Internationales y Fiscalidad de la Unión Europea, Valencia, 2012, pp. 352-354, esclarece que a incidência no Estado da fonte, por via do estabelecimento, exige que a detenção das participações sociais esteja associada à sua actividade prosseguida nesse país. Ora, esse nexo relacional com o estabelecimento estável, em detrimento da empresa mãe situada noutra jurisdição, far-se-ia nos exactos moldes desenhados no artigo 7.º do MCOCDE, averiguando-se da propriedade económica através de uma análise funcional, alicerçada na ponderação dos respectivos benefícios e riscos. Deste modo, evitar-se-ia o incentivo à transferência fictícia de acções para estabelecimentos estáveis, criados com o único fito de gozar das eventuais condições mais benéficas propiciadas pela tributação no Estado da fonte. É uma conclusão que sumariza os ditames aduzidos nos 31 e 32 dos Comentários ao artigo 10.º MCOCDE, ao qual acresce, ainda da mesma ordem, a negação do princípio da atracção do estabelecimento estável. Pormenorizando esta temática, BARBARA HALLER, The permanent establishment proviso, pp. 240 e ss, clarifica que o aludido 31, não seria um referente esclarecedor acerca da conexão deste tipo de rendimentos ao estabelecimento estável, mormente quando observado os seus ditames: “Se forem obtidos de participações que façam parte do activo do estabelecimento estável ou estiverem efectivamente ligados de outro modo a esse estabelecimento”. Da letra dos Comentários, bem como da estrutura do Modelo, a autora previne que as similitudes com o disposto no artigo 22.º, n. º 2 são manifestas. Nesta linha, a concretização do entendimento sobre o “património constituído por bens mobiliários que fazem parte do activo do estabelecimento estável” redundaria na densificação do conceito de business property. Sempre da autora, e em face da ausência de qualquer orientação sobre os elementos constitutivos da noção no MCOCDE, tão pouco o recurso aos preceitos internos seria o expediente mais apropriado, em face do carácter residual deste tipo de soluções. A subsidiariedade daria lugar a uma interpretação própria e uniforme, alicerçada na averiguação sobre disponibilidade dos direitos que estariam na origem dos rendimentos de capital (dividendos, juros e royalties). O raciocínio, na especificidade dos dividendos, significaria a titularidade das participações sociais, ou, mais propriamente, na atribuição da competência tributária à jurisdição onde esteja localizada a entidade proprietária desses direitos. Contudo, e ainda na esteira de BARBARA HALLER, o requisito “efectivamente ligados”, ou business property, exigiria uma ponderação mais elaborada que a simples ligação formal das participações sociais ao estabelecimento estável. As duas noções confluiriam numa percepção substancial de análise, materializada a partir da observação económica da detenção dos direitos. Ora, o artigo 7.º, n.º 2 do MCOCDE seria um auxiliar adequado para a repartição deste tipo de pretensões, mormente na dissociação entre o acervo pertencente ao estabelecimento estável e à empresa mãe, preconizado através do princípio da plena concorrência.   

33 Cfr. Direito Tributário Internacional, p. 662.

34 É interessante observar, neste particular, que ALBERTO XAVIER utiliza uma nomenclatura mais enquadrada na definição da estrutura dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Neste âmbito, Xavier de Basto, IRS: incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra, 2007, pp.23-25, explicita que o sistema sintético vigente e consagrado no nosso IRS redunda, a final, numa tributação única dos ganhos auferidos, por contraponto a uma eventual proliferação de diversos impostos, gizados em consonância com a natureza das fontes dos diferentes rendimentos. Se é sobre o rendimento global que se determina o imposto final, não é menos verdade que o englobamento dos distintos ganhos perspectiva uma proveniência individualizada, no que concerne à incidência dos rendimentos imputados às pessoas singulares. Ainda do autor, o método de tributação sintético não coíbe a possibilidade de determinação do rendimento a tributar de forma analítica, corporizando, deste modo, a justificação para a definição das várias categorias de rendimentos a tributar. A metodologia seguiria uma matriz funcional, tendo em atenção a impossibilidade de conceptualizar uma noção de rendimento abrangente, desvirtuando o necessário cuidado que as particularidades de cada tipologia/categoria, mormente ao nível da determinação do rendimento colectável. Nestes termos, é entendível o paralelismo que ALBERTO XAVIER realiza com a situação parametrizada entre os lucros atribuídos ao estabelecimento estável e os dividendos distribuídos a uma entidade residente. O paradigma é idêntico tanto no país da fonte como no Estado de destino, onde a consideração do lucro do estabelecimento estável é apreciado de modo compreensivo, sem diferenciação de qualquer dos seus elementos constitutivos, ao contrário dos dividendos que são “categorizados” de modo destacado de qualquer conjunto reditício.   

35 Cfr. Marjaana Helminen, The international tax law concept of dividend, Alphen aan Den Rijn, 2010, pp. 55 e ss.         [ Links ]

36 O outro agrupamento individualizado pela autora redundaria nas normas de regulação. O contraponto das duas definições seria evidenciado pela natureza das regras em questão. Enquanto os preceitos de regulação seriam determinados na base da dicotomia estabelecida entre permissão e proibição, as previsões constitutivas fundariam o seu cerne na determinação das transacções que seriam, ou não, consideradas como dividendos.  

37 Já em 1980, Antonio Lovisolo, Il sistema impositivo dei dividendi, Padova: Cedam, 1980, pp.59 e ss, chamava atenção para as denominadas distribuições ocultas de dividendos. Não se ocupa o nosso estudo de uma matéria que centra o seu cerne numa observação anti-abusiva, mas cumpre elucidar que o escopo do artigo 10.º transcende a mera formalidade associada à noção. O autor adverte que a constituição do dividendo oponível exige uma grandeza real e certa. Sobre o contraponto, materializado numa eventualidade fictícia, ANTONIO LOVISOLO esclarece que, numa primeira hipótese, a distribuição poderá assentar num balanço falso ou não validamente aprovado (na designação do autor, estaríamos perante uma distribuzione irregolare). Mas à margem desta alternativa, ou seja, fora do domínio de referência do balanço (ou em discordância com o mesmo), a construção de uma situação dissonante ocorre a partir do confronto entre a definição encetada pela entidade distribuidora, e a sua eventual desconformidade quando analisada à luz das utilidades advenientes ao sócio. O 32 dos Comentários ao artigo 10.º descreve as situações passíveis de serem enquadrados no conceito a partir de qualificação encetada no país de residência da entidade distribuidora, mormente na consideração da transferência de um determinado montante como dividendo, mesmo nas situações em que a deliberação societária não é observada, designadamente perante a ausência de uma assembleia-geral de distribuição de lucros. Revendo o alinhamento do autor, a noção traduz uma natureza informal, associada a um comportamento permissivo da sociedade, que visa proporcionar um vantaggio ao sócio, sem exigência de qualquer contrapartida adequada. Peter Harris, Corporate tax law: structure policy and practice, Cambridge, 2013, pp. 215 e ss, parte do mesmo informalismo aduzido, ou seja, que a condicionante associada à existência do dividendo cinge-se, simplesmente, à existência de acções e de retribuições a favor dos seus titulares. O autor adverte que este tipo de condutas são finalisticamente direccionadas a desvirtuar a alocação directa de rendimentos, no âmbito da relação estabelecida entre sócio e sociedade, sob a forma de pagamentos provenientes do primeiro ao segundo. Para PETER HARRIS, os grandes conjuntos de situações potencialmente passíveis de inserção nesta temática, isto é, os contornos referentes à densificação do conceito de pagamento, transcenderia a mera transferência monetária a favor do sócio. A realidade abrangente do dividendo fiscal chegaria a todas as formas de benefícios proporcionados ao sócio, nos quais se contariam a transferência ou cedência temporária de qualquer tipo de activo, a extinção ou redução de responsabilidades do sócio perante a sociedade, ou através da prestação de serviços proporcionados pela sociedade.

38 É, aliás, um ponto igualmente sinalizado pelos Comentários ao artigo 10.º, mais propriamente no seu 23. O MCOCDE indica que, em face da diversidade de entendimentos que proliferam nas mais variadas jurisdições, a definição completa e consensual do termo afigura-se prejudicada. Ora, o artigo 10.º, n.º 3 reveste uma natureza meramente exemplificativa, compilando as hipóteses mais comuns de serem enquadradas no escopo da noção de dividendo.  

39 Stef Van Weeghel, Dividends (article 10 oecd model convention), in Source versus Residence: Problems arising from the allocation of taxing rights in the tax treaty law and possible alternatives, Wien, 2008. pp. 63-68, adverte para o âmbito pouco esclarecedor e abrangente da estrutura do artigo 10.º, no que concerne à definição do conceito de dividendo. O autor concede nas dificuldades existentes ao nível da uniformização da construção de uma noção que abarque a multiplicidade de situações previstas nos diversos ordenamentos, mas essa circunstância redundaria numa profunda imprecisão acerca da densificação dos casos passíveis de serem enquadrados como dividendos. A título de exemplo, STEF VAN WEEGHEL aponta as situações híbridas, em que a margem de apreciação poderá culminar na qualificação dos montantes envolvidos como remunerações de divida ou capital. Perante as dificuldades práticas do modelo gizado, profícuo no desenho de situações de dupla tributação ou dupla não tributação, o autor propõe uma solução técnica mais desataviada, que passaria pela concentração de incidência numa figura compreensiva. STEF VAN WEEGHEL intui que seriam, potencialmente, mais comuns os casos de dupla tributação. A conclusão adviria da situação delineada, tanto no país da fonte como na residência, mormente nas disparidades interpretativas discorridas nos Estados em concreto. O autor exemplifica com o caso do país da fonte qualificar a percepção de um determinado montante como juro e o país de residência como dividendo. Desde logo, na jurisdição de origem de pagamento, as taxas de tributação destoariam consoante a natureza do rendimento (o denominado withholding tax). Mas mais gritantes seriam as dissonâncias no país da residência, porquanto as situações deste género culminariam, em última análise, na renúncia do Estado da entidade beneficiária em eliminar a respectiva dupla tributação destes montantes. A lógica assentaria, precisamente, na desconformidade gerada a partir da qualificação como juro ou rendimento na jurisdição da fonte, sem a relativa correspondência, em termos de qualificação, no país de residência. Ora, nesta hipótese, o autor adverte que, se a jurisdição de residência procede à determinação de um determinado rendimento como dividendo, e o Estado da fonte estabelece que a mesma quantia deverá ser tratada a título de juros (ou vice-versa), o país da residência não irá proceder à eliminação da dupla tributação, porque não identifica qualquer afinidade com o imposto pago no país da fonte. STEF VAN WEEGHEL propõe, ao invés, uma uniformização no tratamento. A matriz da eventual solução partiria do lastro idêntico a estas situações, ou seja, da respetiva natureza enquanto rendimentos de capitais, de modo a concentrar, numa mesma figura, todas as hipóteses que partilhem deste mesmo desiderato.

40 Cfr. On double taxation conventions, p.649.

41 No mesmo sentido Manuel Lucas Duran, La tributación de los dividendos internacionales, Valladolid, 2000, p.183.

42 A este propósito, KLAUS VOGEL indica que o artigo 10.º, n.º 3 difere do preceito inscrito na norma do artº 3º, nº 2 do MCOCDE. Sendo certo que as duas regras perfilham soluções residuais, preconizando alternativas interpretativas que reportam o cerne da análise para as legislações nacionais dos Estados Contratantes, não é menos verdade, como aponta o autor, que a orientação do artigo 10.º, n.º 3 postula a conformação com as disposições contidas na jurisdição de residência da entidade distribuidora, ou seja, no país da fonte de rendimento, apartando qualquer qualificação à luz do ordenamento do Estado da residência, possibilidade que seria concebida se observado o artigo 3.º, n.º 2. 

43 O MCOCDE defende uma inclinação genérica para a aceitação, por parte do Estado da residência, da qualificação concebida pelo Estado da fonte, em conformidade com a sua legislação interna. Nesse sentido, veja-se o 32.1 dos Comentários ao artigo 23.º.

44 KLAUS VOGEL, On double taxation conventions, p. 648, esclarece que o âmbito de aplicação da regra do artigo 10.º, n.º 3 é direccionado ao Estado de fonte. As repercussões no país de residência surgem enquanto consequência indirecta da qualificação de um determinado rendimento como dividendo, efectuada no país de origem. A verificação conjunta dos 31, 47 e 58 dos Comentários ao artigo 23.º, são sintomáticos deste entendimento, ao afirmarem o paradigma da tributação cumulativa das duas jurisdições, no que concerne aos dividendos, mas estatuindo que os instrumentos à disposição do Estado de residência resultariam das metodologias de eliminação de dupla tributação, designadamente através do método de isenção ou de imputação. Neste ponto, o artigo 23.º-A, n.º 2 do MCOCDE admite a particularidade dos Estados Contratantes pautarem a sua actuação, de modo genérico, pelo modelo de isenção, mas aplicando ao repatriamento dos juros e dividendos percebidos pelos residentes, o método de imputação pelas quantias cobradas na fonte pelas taxas inscritas nos artigos 11.º e 10.º, respetivamente. 

45 Cfr. A posição do accionista face aos lucros de balanço: o direito do accionista ao dividendo no código das sociedades comerciais, Coimbra, 1996, pp. 20 e ss.

46 A este propósito, Paulo Tarso Domingues, Capital e património sociais, lucros e reservas, in Estudos de direito das sociedades, 9ª edição, Coimbra, 2008, pp. 220-223, esclarece que o lucro de exercício é uma medida que reflecte o diferencial positivo entre o património social líquido da sociedade no final de um determinado ano económico, com o correspondente montante constante no início do mesmo referente temporal, ou seja, do excedente patrimonial criado nesse ano, enquanto realidade derivada dos resultados correspondentes. Precisamente, o cálculo dessa quantia é determinado em função dos montantes apurados na demonstração de resultados, ou seja, da relação entre rendimentos e gastos, inscrito na rubrica Resultado líquido do período (o autor escreve à época do POC, onde a rubrica equivalente tomava a denominação de Resultados do Exercício).À noção contrapõe-se o intitulado lucro periódico ou de balanço, que agrupa os acréscimos patrimoniais acumulados pela sociedade, contabilizados desde o início da actividade até à data da elaboração do balanço, e que se traduz na diferença entre o património social líquido total, com a soma do capital social e das reservas indisponíveis. É um conceito que melhor se coaduna com a riqueza distribuível da sociedade, porquanto, e ainda seguindo ao autor, acaba por afastar qualquer vínculo de indisponibilidade aos montantes oriundos destas variáveis. A relação dos dois conceitos com a dinâmica associada à distribuição de lucros aos sócios será adiante discorrida.         

47 Pedro Pais De Vasconcelos, A participação social nas sociedades comerciais, 2ª edição, Coimbra, 2006, pp. 69 e ss, elucida que os dois direitos são elementos que compõe a parte activa da posição jurídica do sócio. Dentro deste agrupamento, o autor subdivide estas atribuições em poderes patrimoniais e poderes administrativos (o autor prefere esta nomenclatura, enquanto forma de distanciamento da noção autónoma de direitos, porquanto percepciona estas realidades como partes integrantes do direito subjectivo global do sócio, não lhes reconhecendo autonomia fora desse âmbito, sendo, ao invés, funcionalizados às utilidades desse direito). Aos últimos, estaria ínsita, em termos genéricos, a habilitação para tomar parte na organização da sociedade. O autor realça, neste prisma, a possibilidade de participar na assembleia, de votar, e de ser investido em cargos sociais. Num outro padrão, entrariam os aludidos poderes patrimoniais, que assentariam a sua essência nas finalidades subjacentes à recepção de dinheiro pelo sócio. Este parâmetro é fundamentalmente definido pelo poder de participar no lucro. Seria dentro desta categorização que acharíamos o poder de cobrar o dividendo e à quota de liquidação. A esta bifurcação de significados estaria ínsita a diferença entre o lucro intermédio e final, que teriam a sua origem nos momentos de apuramento do lucro, determinadas em função dos períodos anteriores ou posteriores à liquidação da sociedade e pagamento do passivo, respectivamente. É mister destacar o reconhecimento que o autor vota à natureza diferenciada do processo de formação do lucro e do dividendo, mas que não omite a origem sequencial e conexa das duas realidades.      

48 Cfr. A participação social, p.86.

49 Cfr. Curso de direito comercial: Vol. II, Das sociedades, Coimbra, 2002, p. 205.

50 No mesmo sentido Alexandre Soveral Martins / Maria Elisabete Ramos, As participações sociais, in Estudos de direito das sociedades, 9ª edição, Coimbra 2008, p. 131.

51 Sobre a discussão em torno das respectivas perspectivas que observam a natureza da participação social como um leque conjunto de direitos e obrigações, ou seja, que intui a ideia na acepção da posição jurídica do sócio, como advoga COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, p. 218, ou, ao invés, na conformidade da observação de PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, A participação social, pp. 366 e ss, que perfila uma abordagem finalística dos elementos que compõem o direito subjectivo global do sócio, ou seja, como meros poderes ou posições jurídicas, em ambos casos, o debate não afasta a possibilidade de análise individualizada dos elementos que enformam a situação genérica do sócio perante a sociedade, independentemente de esse exame partir da verificação atomística de cada direito autónomo, ou, antes, na revista diferenciada de cada poder concorrente do direito genérico de cada sócio. Aponte-se, contudo, que a possibilidade de uma ponderação direccionada a cada um dos componentes dessa posição jurídica/direito subjectivo não significa a possibilidade de separação desses elementos da referência abrangente que é a participação social do sócio (situação que não contende com a eventual oneração dessas realidades). A título de exemplo, Oliveira Ascensão, As acções, in Direito dos Valores Mobiliáios, vol. II, Coimbra, 2000, p.87, exemplifica com a impossibilidade de alienação do direito de voto, “de modo a que um pertencesse a acção e a outro o voto”. Em consonância, Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, Coimbra, 2009, pp. 124-129, nega qualquer possibilidade de destaque do direito de voto.  

52 Em rigor, o autor enuncia, igualmente, os intitulados direitos de controlo, onde figurariam os direitos de informação e os direitos de acção judicial. É uma distinção igualmente aceite por PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores mobiliários, pp. 133-134, mas que serve, no entendimento do autor, como delimitação das realidades que poderão ser negociadas de forma autónoma e destacada em relação do valor accionista. Os direitos de conteúdo patrimonial seriam susceptíveis de enquadramento neste ideário, nos quais se somariam o direito ao dividendo deliberado e o direito à subscrição preferencial em aumento de capital, por contraposição aos direitos de conteúdo político, nomeadamente os direitos à informação e ao voto.   

53 Cfr. A participação social, pp. 373-375.

54 Na terminologia do nosso ordenamento, e seguindo a exposição de ALEXANDRE SOVERAL MARTINS / MARIA ELISABETE RAMOS, As participações sociais, pp. 134-135, as partes sociais das sociedades em nome colectivo são denominadas de partes sociais (cfr. artigo 176.º do CSC); nas sociedades em comandita, as participações dos sócios comanditados são apelidadas de parte do sócio (veja-se o artigo 469.º, n.º 2 do CSC), revestindo a mesma nomenclatura as participações sociais dos sócios comanditários nas sociedades em comandita simples (artigo 475º do CSC). Por seu lado, nas sociedades em comandita por acções, as participações dos sócios tomam a designação de acções. Finalmente, por referência às sociedades por quotas, a participação social é, justamente, a quota do sócio (artigo 219.º do CSC).

55 Corresponde à regra geral estatuída no nosso artigo 21.º, n.º 1 alínea a) do CSC. 

56 No nosso ordenamento, veja-se o preceito genérico do artigo 31.º, n.º 1 do CSC, bem como a norma específica para as sociedades anónimas, no artigo 294.º do CSC.

57 Conforme indica P. PAIS DE VASCONCELOS (2006:71), o lucro da sociedade, embora não necessário, é típico, em resultado do preceito contido no artº 980º do CC. Aliás, neste ponto, P. TARSO DOMINGUES (2008: 226 a 228) chama a atenção para o limite negativo associado, qual seja, a proibição do pacto leonino, que traduz a proibição de exclusão do sócio participar nos lucros e perdas da sociedade, no seguimento da previsão dos artigo 994.º do CC, e 22.º, n.º 3 do CSC. 

58 Cfr. Fátima Gomes, O direito aos lucros e o dever de participar nas perdas nas sociedades anónimas, Coimbra, 2011, pp. 44 e 246 e ss.         [ Links ]

59 Cfr. Coutinho de Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. V, Coimbra, pp. 251-253.         [ Links ]

60 FILIPE CASSIANO DOS SANTOS, A posição do accionista, pp. 24-28, conclui no mesmo sentido, ao afirmar que a assembleia de distribuição de lucros, imediatamente posterior à deliberação de aprovação do balanço, transforma um mero direito de socialidade num direito de crédito ex novo do accionista em face da sociedade, mas de natureza sui generis, em face da sua conexão com a qualidade de sócio. Mesmo face ao direito interno, o autor esclarece que o artigo 31.º, n.º 2 do CSC, não significa uma derrogação deste princípio, designadamente nos casos de perdas ulteriores à deliberação de distribuição de lucros aos sócios, que prejudiquem a preservação do capital social e das reservas, porquanto estaríamos perante uma mera suspensão da exigibilidade do crédito, até ao momento em que o pagamento não contenda com o preceito do artigo 32.º do CSC. Contudo, o autor concede ao não perspectivar uma rigidez estanque do direito de crédito associado ao dividendo, ou seja, é a origem social do conceito que ordena a sua cedência perante o imperativo que tutela a garantia dos restantes credores da sociedade, e que se encontra ínsito à ideia do capital social. Acerca da procedência social do dividendo, PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores mobiliários, pp. 124-129, coloca o enfoque sobre a representação da acção enquanto valor mobiliário, ou seja, como pólo centralizador de direitos subjectivos, que mais não seriam que a concorrência unitária de uma série de situações passivas e activas. Cada uma dessas situações jurídicas activas seria denominada de direito inerente. Uma categoria que incluiria os dividendos (o artigo 55.º, n.º 3 do CVM fornece-nos outros exemplos). O valor mobiliário corresponderia a «um esquema de representação de situações jurídicas complexas», que seriam determinados a partir de uma característica indissociável: a sua cindibilidade. Ainda seguindo a exposição do autor, o destaque destes direitos inerentes seria a circunstância determinante que afastaria a sua acessoriedade em relação ao valor principal.

61 Cfr. La tributación de los dividendos, pp. 183 e ss.

62 Sobre a solução destes casos dentro do escopo do MCOCDE, o autor exemplifica com as retribuições disponibilizadas a trabalhadores e membros dos conselhos de administração. Estas situações não seriam solucionadas dentro dos limites da definição de dividendo, preconizada no artigo 10.º. Ao invés de benefícios distribuídos, a inserção deste tipo de pagamentos seria contabilizada como gastos na sociedade, e veriam a sua natureza reditícia melhor alinhada no conceito de salário, ou de pagamentos a membros de conselho de administração, ou seja, dentro dos pressupostos insertos nos artigos 15.º e 16.º, do MCOCDE, respectivamente.

63 Em rigor, o autor individualiza mais dois sinais distintivos, que não permitiriam que a percepção de uma determinada quantia fosse explicada no âmbito dos pressupostos concebidos para a noção de dividendo: um primeiro diria respeito às consequências posicionadas a jusante da concepção das figuras do juro e do dividendo, designadamente a susceptibilidade dos primeiros serem dedutíveis, sob a forma de gastos, na entidade beneficiária. KLAUS VOGEL, On double taxation, p. 651,         [ Links ] escreve, a este propósito, que o risco em causa comporta dois possíveis desfechos relacionados com a detenção da participação social: a perda (total ou parcial) dos recursos investidos, ou o incremento dos activos pertencentes à sociedade. Ora, o autor repara que o marco distintivo, do ponto de vista da empresa, entre as obrigações emergentes da participação social dos sócios e dos credores figura-se, precisamente, ao nível da vinculação dos momentos de pagamento. Com efeito, o financiamento, por parte da sociedade, com base na emissão de obrigações ou na contracção de empréstimos, equivale à imposição de satisfazer o crédito, independentemente das vicissitudes a que a empresa for sujeita, e mesmo, se necessário for, através da prioridade sobre as retribuições a realizar aos sócios, ou, inclusivamente, pela subtracção dos montantes veiculados ao capital social. Estas obrigações reduzem a capacidade de solvibilidade fiscal, justificando a possibilidade de dedução deste tipo de pagamentos na esfera da sociedade, ao contrário da distribuição de lucros, que não diminui essa mesma aptidão; o segundo parâmetro, enunciado por MANUEL LUCAS DURÁN, e que entronca com o sobredito, diria respeito à quantificação, à partida, da remuneração do capital mutuado ou investido, respectivamente. No que concerne ao investimento do sócio, a remuneração associada seria díspar, em função da rentabilidade da empresa e da sua política de distribuição de dividendos. Já a retribuição dos juros dos credores seria previamente estipulada, numa base fixa, variável (indexada a índices variáveis, como a EURIBOR), ou que reflicta uma medida intermédia entre as duas possibilidades, mormente através da estipulação de um critério objectivo para a remuneração de um juro fixo, e uma outra retribuição variável, funcionalizada a um critério dessa natureza.

64 Cfr. Article 10 (3) of the OECD model and borderline cases of corporate distributions, Bulletin for International Taxation, Amsterdam, vol. 56 n.º 1, 2002, pp. 11-14.

65 O que conduz à derrogação, no caso dos dividendos, da norma ínsita ao artigo 3.º, n.º 2 do MCOCDE.

66 No mesmo sentido KLAUS VOGEL, On double taxation, p. 651. O autor resume este agrupamento à contracção de empréstimos e emissão de obrigações, ou seja, às situações em que ao crédito em apreço se encontra associado o pagamento de um juro. É um princípio coerente com a exclusão dos rendimentos provindos das obrigações convertíveis em acções, estipulada no 24 dos Comentários ao artº 10º. Seguindo a exposição de COUTINHO DE ABREU, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, pp. 886 e 949- 952, estes títulos são, tipicamente, obrigações, que materializam faculdades alternativas para o credor, consubstanciadas no direito de exigir o pagamento correspondente, ou, ao invés, de impor a conversão da obrigação num outro valor mobiliário. Precisamente, no momento da sua maturidade, e no caso de não se optar pela conversão, as obrigações convertíveis seguem exactamente o mesmo percurso das obrigações em geral, ou seja, é imposto o reembolso pelo capital e correspondentes juros. Só a partir do exercício do direito de conversão é possível concluir que a constituição de uma participação social, sob a forma de acções, quadra os pagamentos originados dessa titularidade à figura do dividendo. No nosso ordenamento, o respectivo regime encontra-se plasmado nas normas dos artigos 365.º e ss, do CSC.   

67 A circunstância de a qualificação do dividendo competir sempre e exclusivamente ao país de residência, não é isenta de controvérsia. Josef Schuch / Erik Pinetz, The definition of dividends, interest, royalties and capital gains, in The OECD Model Convention and its Update 2014, Amsterdam, 2015, pp.5- 8, esclarecem que a previsão do artigo 10.º, n.º 3 MCOCDE, que associa o país de residência da entidade que distribui os dividendos, enquanto referência na interpretação da movimentação dos lucros entre sociedades, é conexa, tão-somente, à última parte do preceito, ou seja, apenas aos “rendimentos derivados de outras partes sociais sujeitos ao mesmo regime fiscal que os rendimentos de acções”. Desde logo, os autores advertem que uma exegese contrária tornaria inútil as outras partes da norma (bastaria a simples remissão para a qualificação encetada pelo país da fonte). JOSEF SCHUCH / ERIK PINETZ advogam, ao invés, que a hermenêutica primeira e essencial ao conceito de dividendo decorreria, ao invés, e conforme já salientado na nossa exposição, da menção que percorre o artigo 10.º, n.º 3 do MCOCDE, ou seja, o corporate right (os direitos advenientes da detenção de acções ou instrumentos equiparados). Neste âmbito, os autores propõem uma referência transversal a qualquer exercício interpretativo. O dito corporate right estaria sempre conexo à detenção de uma participação social numa sociedade, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 alínea b), do MCOCDE. Cumprido este pressuposto, a verificação deveria ainda obedecer a mais três critérios: o direito derivado da detenção da participação social deverá ser apartado de qualquer natureza creditícia; não deverá ser diminuído em função da distribuição de lucros; e deverá reflectir um entrepeneurial risk. O posicionamento do Estado da Fonte não constitui condição prévia (ou mesmo privilegiada) para a observação destes elementos. Para os autores, os elementos decalcados da lei doméstica da jurisdição de origem, relevariam apenas na qualificação dos ditos direitos extravagantes à detenção de acções, mas, mesmo assim, sujeitos ao mesmo regime fiscal. JOSEF SCHUCH / ERIK PINETZ ainda advertem que esta remissão da última parte do artigo 10.º, n.º 3, seria consequência das enormes disparidades encontradas entre as diversas previsões nacionais sobre este tipo de instrumentos procurando-se, nesta solução, uma tentativa de obviar a entendimentos díspares, porquanto seria impossível, nestas situações, delinear um modelo comum interpretativo.       

68 É neste circuito que se movimentam todas as figuras que incorporem, nos seus elementos, a possibilidade de aceder à distribuição de benefícios derivados da actividade da empresa. MANUEL LUCAS DURÁN, La tributación de los dividendos, pp. 195-196, sumariza o enquadramento, falando de uma noção com uma amplitude suficiente para englobar todas as situações passíveis de serem observadas à luz de uma participação que reflicta um direito na actividade social da empresa, mas que, ao mesmo tempo, não seja disciplinada noutras partes do MCOCDE (como os casos de rendimentos advenientes de participações detidas por trabalhadores ou membros do conselho de administração, artigos 15.º e 16.º, respetivamente), não revele uma imanência creditícia, e, sobretudo, que se encontre associado à possibilidade de receber ganhos numa eventual distribuição de benefícios. KLAUS VOGEL, On double taxation, pp. 652 a 654, aceita a mesma lógica, ao advogar que apenas os property rights são passíveis de enquadramento no conceito de dividendo inserto no artigo 10.º do MCOCDE. É da praticabilidade deste princípio que o autor intui que as acções preferenciais sem voto poderão encontrar o seu domínio de inserção neste conceito, em face da secundarização dos direitos de controlo na definição do artigo 10.º. É o espaço de eleição do que a nossa doutrina comercial habitualmente designa por acções preferenciais. Não trata o nosso estudo de um extenso aprofundamento da matéria, mas as linhas gerais do instituto ajudam a compreender a delimitação dos rendimentos oriundos dessas figuras na ideia fiscal de dividendo. Com efeito, OLIVEIRA ASCENSÃO, As acções…, pp. 67 e ss, esclarece que estes tipos de configurações societárias moldam a sua composição através do agrupamento de certos direitos extravagantes à compreensão ordinária, comummente atribuída às acções. Por outras palavras, falamos da categorização de acções, estabelecida em função da outorga dos respectivos direitos especiais. No que nos ocupa, interessam-nos as acções que conferem uma vantagem em matéria patrimonial (precisamente, as aludidas acções preferenciais). No nosso ordenamento, pontificam as acções preferenciais sem voto (artigos 341.º a 345.º do CSC) e as acções preferenciais remíveis (artigo 345.º do CSC). Nos dois casos existe a possibilidade de ablação do direito de voto, em contrapartida da atribuição de um privilégio patrimonial, quando comparados com as restantes acções ditas ordinárias. Ora, também nestes casos, a preponderância da vertente reditícia compõe a parametrização destas realidades no âmbito do dividendo concebido no artigo 10.º. Ou, melhor dito, os ganhos derivados de participações sociais que comunguem deste tipo de alinhamento no país da fonte, serão enquadrados na densificação gizada para o conceito de dividendos. O paralelismo entre a concepção destas realidades com as figuras plasmadas no MCOCDE é bem marcado na inclusão das denominadas acções e bónus de fruição, no texto do artigo 10.º, n.º 3. Seguindo a exposição de KLAUS VOGEL, On double taxation pp. 652-654, e MANUEL LUCAS DURÁN, La tributación de los dividendos, pp. 215 e 216, o entendimento internacional acerca destes conceitos, agrega as diversas alternativas enquanto realidades subsumíveis às noções de joissance shares e joissance rights, respectivamente. Quanto às primeiras, não haverá muito a acrescentar, senão que partilham da mesma preponderância dos direitos patrimoniais no conjunto dos seus elementos, em detrimento da componente participativa na sociedade. No que concerne aos segundos, a densificação do termo surge associada às diversas formas concernentes à mera fruição dos benefícios derivados da actividade social. Dito de outra forma, deparamo-nos perante casos em que o direito social ao lucro não é titularizado por uma acção. Por esse motivo, não é uma temática eximida de uma polémica doutrinal, porquanto a falta desse título impossibilita a mensuração de uma medida aplicável à partilha do activo, aquando da dissolução da sociedade. Nesse sentido, KLAUS VOGEL advoga que qualquer direito que não possibilite ao beneficiário quinhoar na liquidação da empresa, não poderia subsumir-se à definição do artigo 10.º, n.º 3. Por seu lado, MANUEL LUCAS DURÁN defende que a amplitude abrangente e inclusiva do preceito, não seria atentatória de uma prerrogativa que permitisse, apenas, o acesso aos lucros de exercício. Para além disso, MANUEL LUCAS DURÁN infere que a posição de KLAUS VOGEL esvazia de conteúdo prático o conceito.