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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

On-line version ISSN 2183-184X

e-Pública vol.4 no.2 Lisboa Nov. 2017

 

 

DIREITO PÚBLICO

A natureza jurídica dos crimes de responsabilidade presidencial no direito brasileiro1: lições a partir do impeachment de Dilma Rousseff 

Impeachable offenses in the Brazilian Law of Presidential High Crimes: lessons from the Dilma Rousseff case

 

Rafael Mafei Rabelo Queiroz 2

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Largo de São Francisco, 95, Prédio Anexo, 6º andar, sala 602, Código Postal 01005-010, Centro, São Paulo-SP, Brasil. E-mail: rmrqueiroz@usp.br

 

RESUMO

O artigo enfrenta polêmica surgida no contexto do processo de impeachment presidencial contra Dilma Rousseff no Brasil, em 2016, referente à natureza jurídica dos “crimes de responsabilidade”. Previstos na Constituição de 1988 e definidos na Lei 1.079 de 1950, há um perene debate na história do pensamento jurídico brasileiro, renovado pelos acontecimentos políticos recentes, acerca da natureza jurídica de tais delitos – criminais ou políticos. A questão é relevante porque assume-se que a eventual natureza “criminal” de tais figuras importaria maior estabilidade ao regime presidencial brasileiro. Essa visão foi defendida em opiniões jurídicas e publicações científicas ao longo de 2016, no deslinde do caso Rousseff. Este artigo opõe-se a essa interpretação. Por evidências da história do pensamento jurídico brasileiro, do direito comparado (EUA) e da literatura da ciência política disponível, argumento que “crimes de responsabilidade” são delitos políticos e que sua definição como criminal, além de errada, não ajuda à pretendida estabilidade do regime presidencialista brasileiro. 

Sumário: 1. Introdução: delimitação do problema e sua atualidade; 2. Argumento defendido e seu percurso na estrutura deste artigo; 3. Origens da ambiguidade terminológica: evidências da história e do direito comparado; 4. “Crimes de responsabilidade” presidencial: apreciação dos argumentos em favor de sua natureza estritamente penal; 5. “Crimes de responsabilidade” presidencial e sua natureza política: argumentos favoráveis; 6. O jurídico e o político; 7. Conclusões. 

Palavras-chave: Brasil; impeachment presidencial; crimes de responsabilidade; crimes políticos; direito comparado.

 

ABSTRACT

The article faces an old question of Brazilian Public Law that gained momentum in 2016, amidst the trial and ousting of former Brazilian president Dilma Rousseff. It regards the nature of impeachable offenses [crimes de responsabilidade] in Brazilian Law. Brazilian legal culture has held a century long debate on whether those “crimes” are of a strictly criminal nature, or whether they are political wrongdoings in a broader sense. Many of those who wrote on this topic over 2016 have assumed that holding impeachable offenses to the standard of indictable criminal offenses would bring more stability to Brazil’s presidential regime. This article confronts that opinion. I draw on evidence from the history of Brazilian public law doctrine, from comparative law (USA) and from the current political science literature on the topic to reaffirm that presidential impeachable offenses in Brazil need not be of strictly criminal nature. I seek to show how this view is not only wrong, but it also fails to promote the desired political stability in Brazil’s presidential system. 

Summary: 1. Introduction: defining the problem and its current relevance; 2. My argument and its structure in this paper; 3. Origins of a terminological confusion: historical and comparative evidence. 4. Impeachable presidential offenses: arguments in favor of their strictly criminal nature; 5. Impeachable presidential offenses: arguments in favor of their political nature; 6. The legal and the political; 7. Concluding remark.

Keywords: Brazil; presidential impeachment; impeachable offenses; political crimes; comparative law. 

 

1. Introdução: delimitação do problema e sua atualidade 

As acusações, o julgamento e a condenação de Dilma Rousseff em seu processo de impeachment no ano de 2016 reacenderam debates que dormitavam no Direito Público brasileiro desde o afastamento de Fernando Collor de Mello, em 1992. Uma delas toca à natureza jurídica dos crimes de responsabilidade presidencial. Por determinação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,3 a definição de tais delitos cabe a lei especial, papel cumprido no vigente ordenamento brasileiro pela Lei 1.079/1950.4 Tal lei foi parcialmente recepcionada5 pela ordem constitucional de 1988. 

A disputa em torno da natureza jurídica dos “crimes de responsabilidade”, como são chamadas as figuras delitivas previstas na CRFB e na Lei 1.079, é antiga entre os publicistas brasileiros de nossa história republicana.6 Ela compreende debates travados em esferas políticas, como as comissões de impeachment da Câmara dos Deputados,8 artigos de opinião na imprensa escritos por renomados autores de época,1 além de textos de caráter propriamente doutrinário, publicados como monografias ou artigos de periódicos jurídicos nacionais.9 O debate perpassou todo o século 20 na cultura jurídica brasileira. Já em meados da década de 1960, os trabalhos de maior fôlego sustentavam a natureza puramente política dos crimes de responsabilidade. Entre eles destacava-se Paulo Brossard de Souza Pinto, não só autor da mais completa monografia já publicada sobre o tema,10 como também ministro do Supremo Tribunal Federal em 1992,11 tendo votado em diversas ações no contexto do processo movido contra Fernando Collor de Mello, que buscou, com pouco êxito, alguma proteção no Judiciário. 

O maior consenso doutrinário da década de 1960 não logrou pôr fim à contenda, conforme se depreende do renascimento da disputa na esteira do impeachment de Dilma Rousseff. Durante o ano de 2016, juristas brasileiros de relevo vieram a público sustentar a natureza penal dos “crimes de responsabilidade”. Ainda que esta não tenha sido uma linha central de defesa da Presidente Rousseff, nem encampada em todos os pareceres em sua defesa,12 a matéria jurídica, que parecia pacificada neste quesito, foi remexida. Houve autores que pretenderam limitar o conceito de “crimes de responsabilidade” a estruturas “simétricas” aos crimes comuns, com o fim de afastar “juízos políticos”, de mera conveniência ou oportunidade, dos “juízos jurídicos” que pressupõem uma dogmática análoga à penal.13 

Outros foram explícitos em defender a natureza penal dos “crimes de responsabilidade”, desdobrando daí a necessidade de aplicação subsidiária de dispositivos pertinentes do Código de Processo Penal.14 Finalmente, o principal estudo monográfico sobre o impeachment publicado no contexto da acusação contra a Presidente Rousseff sustentou, em sua primeira edição, a natureza política dos crimes de responsabilidade, mas mudou de posição apenas quatro meses depois, quando uma segunda edição foi lançada, passando a sustentar o caráter estritamente criminal do instituto.15 Esta reviravolta, em tão curto tempo, é indicativa de como a matéria está a merecer contínuas reflexões. 

Tais opiniões vão de encontro não só à mais detida reflexão doutrinária sobre o tema no Brasil, do já mencionado Paulo Brossard,16 como também à quase totalidade da literatura sobre do tema publicada nos Estados Unidos da América,17 inclusive o relatório da equipe técnica elaborado para o processo de Richard Nixon,18 reputado como um dos mais completos estudos já produzido a esse respeito naquele país.19 A comparação com os E.U.A. não é irrelevante porquanto nosso modelo de responsabilização presidencial por delitos políticos foi diretamente importado daquele país, havendo pleno reconhecimento das semelhanças no desenho institucional entre ambos os institutos. Nos casos em que o S.T.F. chegou a debater aspectos do processo de impeachment, a citação a autores e precedentes norte-americanos foi abundante, contemplando desde estudiosos contemporâneos, como Raoul Berger,20 até clássicos do direito constitucional, como Joseph Story21 e John Norton Pomeroy22 - e até mesmo à literatura fundacional da ciência política, como a Democracia na América de Tocqueville23 (um francês empenhado em compreender o desenho institucional daquele país). 

A relevância da discussão acerca da natureza dos “crimes de responsabilidade” – estritamente criminais, ou meramente políticos – impacta o debate jurídico sobre o impeachment presidencial em diversos pontos relevantes. De um lado, dizem respeito à garantia jurídica da estabilidade presidencial, à qual se imaginaria mais protegida caso acusações contra o presidente tivessem de atender a parâmetros criminais para que prosperassem. De outro, respeitam também à natureza das consequências jurídicas afetas à eventual condenação, que teriam de observar, no caso de imputação análoga à criminal, gradações atentas à culpabilidade da conduta e à lesividade de seus resultados. Por fim, depende também da natureza jurídica dos “crimes de responsabilidade” a resposta quanto às formas de integração entre a jurisdição política e a jurisdição ordinária criminal. A exemplo do que ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, o mesmo conjunto de fatos pode levar a desdobramentos tanto no Senado, com um processo de impeachment, quanto no Poder Judiciário, com processos criminais por acusações de violação ao Código Penal ou a leis penais especiais. A considerar-se criminal, ao menos em parte, a conduta apurada no processo que corra perante o Senado, a justiça penal ordinária restará em parte vinculada (em questões de fato), em parte prejudicada (pela proibição da dupla incriminação pela mesma conduta criminosa)24. O desafio aqui enfrentando, portanto, não se trata de mero diletantismo conceitual. 

 

2 . Argumento defendido e seu percurso na estrutura deste artigo 

Defenderei neste artigo a posição de que a doutrina brasileira que logrou prevalecer desde meados da década de 1960, espelhada por Brossard e pelos estudiosos dos E.U.A., está correta: os “crimes de responsabilidade” presidencial que dão ensejo ao impeachment não têm natureza necessariamente penal, em que pese o nome do instituto no Brasil adotar o vocábulo “crime”. Em muitos casos, os “crimes de responsabilidade” podem envolver um ou mais crimes propriamente penais; não obstante, a criminalidade das condutas imputadas como “crimes de responsabilidade”, com todos os paralelos pertinentes à dogmática penal, não é característica necessária à sua configuração. Sustentarei, ao contrário, que a violação que importa afastamento do Presidente da República, no Brasil como nos Estados Unidos, é de natureza essencialmente político-administrativa, sendo seus aspectos penais meramente acidentais. 

Sem prejuízo dessa posição, argumentarei que a preocupação de fundo dos mencionados estudiosos brasileiros que recentemente apontaram a natureza penal dos “crimes de responsabilidade” é procedente e precisa ser enfrentada. Tal preocupação refere-se à necessária atenção à estabilidade presidencial no regime político brasileiro, que pressupõe certo equilíbrio de forças entre Poder Executivo e Poder Legislativo. A disputa sobre a natureza jurídica dos “crimes de responsabilidade” parte da constatação de que o impeachment traz potencial risco a esse equilíbrio caso o Legislativo possa classificar como “crime” presidencial aquilo que bem entender. À luz das características dos processos de impeachment, porém, argumentarei que insistir na suposta natureza penal dos “crimes de responsabilidade” não é meio eficaz de atingir essa almejada estabilidade, naquilo que ela depender de um equilíbrio de forças nos processos de impeachment. Buscarei mostrar também que não há relação necessária entre, de um lado, o correto reconhecimento de que impeachments apenas são cabíveis diante de condutas presidenciais de excepcional gravidade, e, de outro, a insistência em sua suposta característica estritamente penal. 

Sustentarei meu argumento em três etapas. Na primeira, identificarei a origem do problema no pensamento publicístico brasileiro. Mostrarei que o impeachment republicano herdou, por tradição legislativa, uma terminologia jurídica – “crimes de responsabilidade” – que gera confusão quanto à natureza jurídica do instituto. Procurarei mostrar que essa confusão não é exclusiva do Brasil, existindo também nos E.U.A. em relação ao instituto que os inspirou, o impeachment inglês. Na segunda etapa, identificarei os principais argumentos de quem insiste em sustentar a natureza penal dos “crimes de responsabilidade”. Na mesma seção, explicitarei os motivos pelos quais entendo que nenhum desses argumentos é procedente, com apoio em textos de doutrina, em precedentes do S.T.F. e em exemplos comparativos dos E.U.A. Na terceira parte, apresentarei os argumentos pelos quais entendo que prescrever natureza política aos “crimes de responsabilidade” é mais correto em teoria, além de mais vantajoso na prática. Tal vantagem prática, argumentarei, verifica-se à luz do próprio objetivo declarado pela corrente dos que insistem em sua natureza criminal, qual seja, a preservação de estabilidade ao Poder Executivo face ao Poder Legislativo. Ao final, apresento conclusões em formato sintético.

 

3. Origem da ambiguidade terminológica: evidências da história e do direito comparado 

O primeiro obstáculo a ser superado é explicar a nomenclatura do instituto que abarca as impeachable offenses no direito público brasileiro: se “crimes de responsabilidade” não têm natureza criminal (ou penal) no Brasil, por que então ostentam a alcunha de crimes

A explicação remonta à tradição legislativa do Império brasileiro, mais precisamente ao ano de 1827. Foi então que se promulgou o primeiro documento legal a tratar especificamente da responsabilização funcional de membros do Poder Executivo por abusos e desvios no exercício de suas funções políticas. 

Embora o regime imperial estabelecido pela Constituição de 1824 prescrevesse absoluta inimputabilidade jurídica ou política ao Imperador,25 os ministros de Estado não dispunham de equivalente imunidade. Para definir tais responsabilidades, bem como a forma de processá-las e as suas consequências, foi instituída a lei 15 de outubro de 1827. A Constituição de 1824, ao mandar que lei especial os definissem, referiu-se a “delictos” dos ministros, mas a Lei de 1827 veio a falar em “crimes de responsabilidade”, consagrando a expressão de que desde então jamais abrimos mão.26 Fixou também uma técnica legislativa que ainda hoje mantemos, e que nos distancia dos E.U.A.: se naquele país não há estatuto particular que pormenorize as principais ofensas passíveis de impeachment (high crimes and misdemeanors), no direito Brasileiro houve sempre lei especial para definir os delitos de responsabilidade, em acréscimo aos dispositivos constitucionais pertinentes.27 

No cenário da Lei de 1827, falar em “crimes” era próprio. Tecnicamente, as consequências jurídicas das condenações pelos crimes ali definidos tinham de fato natureza penal, em sentido próprio. A lei falava em apuração de “grau de culpa”, o que só tinha lugar no contexto criminal. Sendo máxima a gradação, a pena respectiva seria de “morte natural”; apurando-se em grau médio, de “cinco anos de prisão”, além de outras restrições administrativas em caráter acessório.28 

Essa tradição rompeu-se na república brasileira. Ainda que tenha preservado, por tradição legislativa, o termo “crimes de responsabilidade”, o instituto do impeachment presidencial passou então a constituir-se pela oposição da jurisdição político-administrativa, a cargo do Poder Legislativo, da jurisdição criminal, que permaneceu com o Poder Judiciário.29 A distinção marcava-se não só pela atribuição de competências diferenciadas, mas também pelas consequências jurídicas do impeachment: definidas em dois decretos legislativos do ano de 1892, elas passaram a limitar-se a providências de saneamento político (afastamento imediato) e administrativo (inabilitação para exercício de cargos públicos por prazo determinado).30 Ao contrário da legislação imperial, onde o nome do instituto foi cunhado, não havia sanção de natureza corporal associada à condenação pelo Poder Legislativo. 

O contexto de promulgação da Lei de 1827 também reforça a distinção entre os “crimes de responsabilidade” do Brasil imperial e seus falsos cognatos do período republicano. Como o instituto era muito recente nos E.U.A. e as minúcias de seus contornos não haviam ainda sido definidas por uma prática minimamente frequente,31 restava o paradigma da Inglaterra como inspiração. Embora não tenham sido encontrados quaisquer registros históricos explícitos nesse sentido, é duvidoso que os Estados Unidos, presidencialistas e anti-monarquistas que eram, houvessem inspirado algo no desenho institucional do Império brasileiro. A Inglaterra, ao contrário, era um bem sucedido exemplo de monarquia em vias de constitucionalização e assimilação de práticas parlamentaristas, justamente o modelo de Estado e de governo que o Brasil viria a abraçar após a sua independência.

Na Inglaterra, os impeachments eram criminais, conduzidos perante um grande júri, que era também a casa alta do Parlamento. Eles acarretavam consequências penalmente graves, inclusive a morte.32 Se é verdade que a consolidação da dinâmica institucional parlamentarista diminuiu a necessidade de responsabilização criminal de agentes públicos e levou os impeachments ao ostracismo naquele país, é igualmente verdade que isso só veio a ocorrer a partir de fins do século XVII. Vale dizer, quando da elaboração da Constituição de 1824, era provavelmente o exemplo histórico da responsabilização criminal da Inglaterra dos séculos XIII a XVII, e não a prática de uma república presidencialista neófita e hostil à monarquia como os E.U.A. de então, que nossos primeiros publicistas tinham como inspiração. Os E.U.A. eram, ademais, exceção àquela altura, com seu modelo de responsabilização política cujos contornos não eram ainda minimamente claros: a responsabilização criminal por grandes desvios no exercício de funções públicas era a regra. 

O mesmo não se pode dizer de fins do XIX, quando a constituição republicana de 1891 foi promulgada, prevendo o desenho de impeachment que ainda hoje guardamos. Nesse segundo momento, os Estados Unidos já eram um exemplo consolidado de república presidencialista e os contornos não criminais do impeachment já estavam mais claros pelos diversos casos de sua aplicação naquele país, inclusive contra um presidente.33 Ao prever o controle de grandes desvios de conduta dos presidentes por parte do Poder Legislativo, a legislação republicana já tinha clareza da separação entre jurisdição política e jurisdição criminal no desenho institucional que nos inspirou. Apenas preservou-se o nomen juris, já tradicional no meio jurídico brasileiro. 

 

4. “Crime de responsabilidade” presidencial: apreciação dos argumentos em favor de sua natureza estritamente penal

A interpretação literal vale pouco, como igualmente pouco valeria se os chamados “crimes de responsabilidade” tivessem outro nome. É fundamental submeter cada um dos argumentos favoráveis à tese da natureza penal dos “crimes de responsabilidade” a um honesto escrutínio. É este o objetivo da presente seção. Nas páginas seguintes, apontarei os motivos pelos quais, a meu juízo, eles não resistem satisfatoriamente às críticas mais relevantes, merecendo, por isso, ser abandonados em favor da tese rival – qual seja, a de que os “crimes de responsabilidade” não têm características necessárias dos delitos penais, mas são ilícitos sobretudo políticos.

 

4.1. O Tribunal do Júri como procedimento inspirador 

A primeira razão recentemente invocada para se voltar a sustentar a natureza penal dos “crimes de responsabilidade” aponta que a Lei 1.079 de 1950 teria em mente, como modelo procedimental, o Tribunal do Júri, já que ela invoca um tipo de decisão – “pronúncia” – que não existe em qualquer outro procedimento em nosso direito processual.34 Uma vez que este tipo de tribunal, no Brasil, julga apenas casos criminais (os crimes dolosos contra a vida),35 os crimes de responsabilidade teriam então natureza penal. Este é um dos argumentos, entre outros, invocados por Gallupo36 para sustentar, em revisão da primeira edição de seu livro, a natureza penal dos crimes de responsabilidade. 

O argumento não parece ter a força que o autor lhe empresta, porém. Se é verdade que a decisão de pronúncia, no direito brasileiro, é usada apenas nos processos do tribunal do júri, é preciso perguntar-se o porquê de isso ser assim. É próprio da decisão de pronúncia realizar um juízo preliminar de viabilidade da acusação, inclusive no tocante a provas de sua materialidade e indícios de autoria, guardando, porém, o juízo definitivo de mérito a outra autoridade.37 Por tal razão, a expressão poderá ser propriamente utilizada em todas as circunstâncias em que uma autoridade faça um primeiro controle a respeito de uma questão cujo mérito será resolvido, em definitivo, por outra autoridade. É apenas isso, e não a natureza criminal do objeto do julgamento, que a referência a uma “pronúncia” necessariamente implica. Ir além implica extrair conclusões que não decorrem das premissas. 

Nos processos de impeachment, tal desdobramento – juízo preliminar e decisão definitiva – ocorre pelo desenho de governança concebido desde a época dos processos ingleses, quando a casa legislativa baixa (House of Commons) decidia acusar uma autoridade de uma grave ofensa perante a casa legislativa alta (House of Lords). Com isso, elegia-se tanto um corpo colegiado com autoridade para enfrentar um alto funcionário público acusado de uma falta grave, quanto um outro, de prestígio ainda maior, para decidi-la com independência - seja quanto ao funcionário acusado, seja quanto ao corpo acusador. Uma vez que na casa legislativa baixa a opção de oferecer acusação é ela própria uma decisão, mas sem constituir decisão final de mérito, a aplicabilidade da analogia com a pronúncia é perfeitamente cabível. Mas ela diz respeito, frise-se bem, à característica do processo de tomada de decisão, desdobrado entre duas autoridades distintas em razão da qualidade das pessoas acusadas e da relevância pública dos feitos, e não à natureza jurídica do ilícito que se apura. 

Por isso, mesmo que se aceite que julgamento por júri tenha sido a referência procedimental do rito dos processos de impeachments no Brasil, não se poderia tirar daí firmes ilações quanto à natureza jurídica dos crimes de responsabilidade. Mesmo porque a inspiração procedimental dos processos de impeachment no Brasil vem do direito anglo-americano; e lá, sabidamente, procedimento do júri não tem o estreito cabimento do direito brasileiro, sendo igualmente adotado na jurisdição civil. 

Convém ressalvar que a utilização de procedimentos próprios do Tribunal do Júri não é impertinente. Em comparação com o que hoje se pratica no Brasil, certos aspectos deles emprestados poderiam inclusive melhorar a qualidade deliberativa e o controle dos votos de cada membro do Congresso brasileiro perante a esfera pública. Assim, por exemplo, o desdobramento da acusação em quesitos menores para votação individual, tal qual se faz com os articles of impeachment no procedimento correspondente nos E.U.A.,38 seria vantajosa em comparação com a votação em quesito único (“praticou ou não crime de responsabilidade?”) que hoje se adota no Brasil. Esta técnica, porém, recomenda-se como melhor procedimento para deliberação colegiada a respeito de matérias fática e juridicamente complexas. Dela não se permitiria extrair qualquer conclusão em favor da natureza criminal dos crimes de responsabilidade.

 

4.2. A utilização subsidiária do Código de Processo Penal

A aplicação subsidiária do Código de Processo Penal (doravante, “C.P.P”) nos processos de impeachment é incontestável, porque determinada pela própria Lei 1.079, de 1950. Daí não se permite concluir, como faz novamente Galuppo, que a natureza dos crimes de responsabilidade seria penal por esse motivo. Isso porque o mesmo dispositivo que manda aplicar o C.P.P. manda também que se aplique, subsidiariamente, os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, cujos objetos são inegavelmente político-administrativos. Embora não se possa inferir muita coisa da ordem redacional do artigo legal, vale mencionar que o C.P.P. é o último de todos os diplomas mencionados na lista das fontes subsidiárias ao rito estabelecido pela Lei 1.079.39 

O S.T.F. apreciou recentemente a validade da aplicação subsidiária desses diplomas políticos no caso de Dilma Rousseff, à luz das garantias de defesa inerentes ao processo de impeachment. O tribunal confirmou sua aplicabilidade aos processos em questão, nos seguintes termos:

“[A] aplicação subsidiária do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e do Senado ao processamento e julgamento do impeachment não viola a reserva de lei especial imposta pelo art. 85, parágrafo único, da Constituição, desde que as normas regimentais sejam compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes, limitando-se a disciplinar questões interna corporis”.40 

A previsão de aplicação subsidiária do C.P.P., portanto, não autoriza à conclusão de que a matéria-objeto dos processos de impeachment seja essencialmente criminal. 

 

4.3. A competência exclusiva da União para legislar sobre crimes de responsabilidade 

Um terceiro argumento apresentado em favor da tese de que crimes de responsabilidade seriam ilícitos de natureza penal apoia-se em precedentes do S.T.F. Ele foi defendido por Galuppo e Neves, embora não com base nos mesmos precedentes.41 Segundo ambos os autores, tais julgados fariam concluir que o impeachment tem natureza penal, por indicativo de reserva de competência constitucional. 

Nesse mister, cumpre lembrar que o Brasil adota forma federativa, com repartições de competências legislativas e administrativas entre União, estados e municípios. As reservas legais de competência da União vêm definidas em vários dispositivos da Constituição de 1988, o principal dos quais é o inciso I do artigo 22, que diz ser de competência da União “legislar sobre [...] direito penal [e] direito processual”. 

Para o caso dos crimes de responsabilidade e as regras de seus processos, porém, a reserva legal da União vem inscrita em outro dispositivo, qual seja, o parágrafo único e o caput do artigo 85º da Constituição de 1988: 

“85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal [...] 

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”42 

A simples existência do parágrafo único do artigo 85 da Constituição de 1988 já denota a natureza não penal dos “crimes de responsabilidade” e do processo de impeachment. Na medida em que o inciso I do artigo 22 já guarda à União à competência legislativa em matéria penal e processual penal, se o impeachment e seu processo tivessem essa mesma natureza (penal), o parágrafo único do artigo 85 não precisaria existir. Se existe, é justamente porque os casos que regula não estão contemplados a priori na regra geral do inciso I do artigo 22. Ainda assim, a investigação dos precedentes sobre a matéria pode trazer evidências relevantes a este estudo. 

Tendo em vista essa dualidade de possíveis fundamentos constitucionais, interpretar um precedente do STF como sendo indicativo da natureza penal dos processos de impeachment e dos “crimes de responsabilidade” nesse tópico dependerá, portanto, da identificação do específico dispositivo constitucional ao qual o S.T.F. terá feito menção ao decidir nesse sentido. Apenas a indicação constante e uniforme do inciso I do artigo 22 autoriza que se considere haver jurisprudência no sentido da natureza penal de referidos “crimes”, uma vez que a “lei especial” a que se refere o parágrafo único artigo 85 da Constituição tem sido entendida, sem exceção, como lei federal, pelo óbvio motivo de que disciplina condutas do Presidente da República. 

Com isso em mente, percebe-se que os precedentes invocados por Neves e Galuppo não apresentam entendimentos uniformes. Um deles, a ADI 834-MT, nada diz sobre a reserva de competência da União dever-se à suposta “natureza penal” da matéria. Limita-se a fazer referência a esta como uma das interpretações possíveis para o tema, mas deixa claro que há outra, encampada pelo já citado Paulo Brossard, além de José Afonso da Silva, que divergem da primeira e afirmam tratar-se de matéria política, e não penal.43 O acórdão foge explicitamente de se posicionar sobre a natureza penal dos crimes de responsabilidade: seu objetivo é apenas afirmar a necessidade de lei em sentido estrito para definição desses crimes no nível estadual, sendo vedada sua substituição por decreto-legislativo. 

No outro caso apontado como precedente para suposta posição do S.T.F sobre a natureza penal dos crimes de responsabilidade (ADI 1628-SC), a mesma ambiguidade se repete: há de fato menção ao inciso I do artigo 22 da Constituição de 1988, mas há também remissão ao parágrafo único de seu artigo 85. A questão a ser explicada, portanto, é a razão dessa menção isolada ao inciso I do artigo 22 da Constituição valer como expressão definitiva do entendimento do Supremo Tribunal Federal na matéria, considerando que há outros em sentido diverso.44 À luz dos precedentes citados no julgado e da invocação ao artigo 85 da Constituição, tal referência é até mesmo dispensável como fundamentação decisória para este caso concreto (obiter dictum). Tomar essa menção isolada e desnecessária ao inciso I do artigo 22 da Constituição como representativa do entendimento do tribunal em favor da suposta natureza penal dos crimes de responsabilidade implicaria negligenciar, sem boas razões aparentes, as demais decisões que apontam em sentido diverso. Em todo caso, a culpa será menos dos estudiosos dos julgados e mais do próprio Supremo Tribunal Federal, cujos votos oscilam entre um e outro fundamento normativo sem preocupação de consistência.45 

O problema específico a que se referem ambos os casos, e outros tantos semelhantes julgados pelo Supremo, liga-se aos desenhos dos processos de impeachment dos governadores dos Estados. A linha prevalecente no S.T.F. tem sido a de que a reserva de competência prevista no parágrafo único do artigo 85 impõe que as unidades federadas adotem uma estrutura análoga para a apuração dos crimes de responsabilidade em nível estadual. É o que se tem chamado, no direito constitucional brasileiro, de “princípio da simetria”. Trata-se de um mecanismo próprio de um regime federativo com alto grau de centralização política, como é o caso do Brasil. Há diversas ações que questionam, por esse fundamento, procedimentos previstos nas constituições estaduais brasileiras que não espelham aquele adotado em nível federal. Muitas têm tido sucesso com fundamento no chamado “princípio da simetria”, que nada importa à alegada natureza penal dos “crimes de responsabilidade”.

 

5. “Crimes de responsabilidade” presidencial e sua natureza política: argumentos favoráveis 

A partir desta seção, argumentarei que a interpretação de que os crimes de responsabilidade presidencial são ilícitos de natureza política e administrativa, e não criminal, é preferível àquela exposta no item anterior. Sua superioridade decorre tanto de ela ser mais consistente com a estrutura institucional do impeachment, quanto de sua melhor coesão com o histórico da interpretação doutrinária e jurisprudencial desta questão no Brasil. Ao mesmo tempo, e fazendo coro parcial aos que defenderam as posições que procurei enfrentar nas seções anteriores deste texto, insistirei que essa natureza não autoriza que o sentido dos “crimes de responsabilidade” fique à mercê das conveniências políticas de grupos parlamentares. Sua natureza política não equivale a dizer que as forças políticas devam ter discricionariedade fazer dos “crimes de responsabilidade” qualquer coisa que bem queiram. A esse último ponto, pela relevância que tem, dedicarei um item destacado (n. 6). 

 

5.1. Coerência com precedentes relevantes 

Quando se discute a relação entre os aspectos criminais e políticos de condutas que podem levar a impeachments presidenciais, o caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello é de evidente pertinência. Collor, embora tenha sido condenado e afastado de seu mandato presidencial, foi absolvido das acusações criminais feitas contra ele. Tal ação criminal era baseada nos mesmos fatos que levaram ao seu impeachment.46 

Ao pronunciar-se por ocasião do julgamento Dilma Rousseff no Senado Federal, Collor de Mello, que foi um dos senadores que a julgou, fez questão de lembrar que sua condenação política fora seguida pela absolvição em um julgamento criminal muitos anos depois,47 supostamente mais sensível a provas e análises técnicas. O senador Collor votou pela condenação da presidente Rousseff. 

Se crimes de responsabilidade tivessem natureza criminal, haveria um problema evidente no caso de Collor, por dois motivos. Primeiramente, porque seu julgamento no Senado Federal teria constituído coisa julgada penal, impedindo que fosse novamente julgado pelos mesmos fatos.48 Estaríamos diante de dois juízos criminais grandemente dedicados à apuração dos mesmos fatos, processado perante instâncias únicas e finais (o Senado Federal, no impeachment, e o Supremo Tribunal Federal, na ação penal), com resultados frontalmente divergentes. Condenado no Senado e depois absolvido no Poder Judiciário, Collor de Mello poderia até mesmo buscar reparação pela injustiça sofrida no julgamento que o afastou da Presidência da República. 

Não é o que ocorre, evidentemente. Precisamente pelo fato de que as acusações, os processos e os vereditos em um caso e no outro cuidam de delitos de natureza distinta: no primeiro caso, faz-se juízo de violação de deveres políticos graves; no segundo caso, de violação a deveres criminais, à luz dos parâmetros que lhe são próprios, inclusive do rigor na análise de provas, de aferição de condutas e aferição de culpabilidade. 

Nos E.U.A., de onde importamos a dualidade entre jurisdição política (do Senado) e jurisdição penal (do Poder Judiciário), a clareza quanto a esta distinção impacta até mesmo as regras de análise de provas em casos de impeachment. Enquanto é comum que defensores dos acusados insistam nos parâmetros de análise probatória próprios do direito penal, é majoritária a opinião dos acadêmicos daquele país que se dedicaram ao assunto de que os julgamentos de impeachment não ficam obrigados a segui-los.49 No julgamento do ex-presidente Bill Clinton, por exemplo, o então presidente da Suprema Corte dos E.U.A., William Rehnquist, que presidia os trabalhos, decidiu que os senadores não eram jurados comuns e que sua liberdade na apreciação da acusação, das provas e das evidências dos fatos era maior do que a de um jurado ordinário.50 

Tal interpretação também vai na linha dos estudos sobre os motivos da distinção entre os julgamentos políticos, perante o Senado, e os julgamentos cíveis e criminais, perante o Poder Judiciário, no desenho institucional do impeachment daquele país: os formuladores da Constituição dos Estados Unidos, em 1787, buscavam justamente preservar a independência do Judiciário para o julgamento de ações cíveis e criminais que pudessem derivar das impeachable offenses, ficando o Senado restrito às infrações de natureza estritamente política, e às providências de saneamento aptas a impedi-las (afastamento e eventual inabilitação para ocupação de futuros cargos públicos).51 O precedente da Ação Penal 465 do S.T.F., que absolveu Collor penalmente pelos fatos que levaram à sua condenação Política no Senado, reforça a vigência da mesma distinção no caso do Brasil. 

 

5.2. Consistência com a consequência jurídica primária (afastamento) 

Uma segunda razão pela qual a interpretação da natureza política dos “crimes de responsabilidade” parece preferível está em sua melhor consistência com as consequências jurídicas da condenação. Se hoje o liame entre juízos criminais e penas tipicamente criminais, especialmente a privação de liberdade, já não é firmemente necessário, a implantação do impeachment, tanto nos E.U.A., em 1787, quanto no Brasil, em 1891, deu-se em outro contexto. Naquela altura, só se considerava “criminal” um dever cuja violação implicasse sujeição a uma pena tipicamente criminal, destacadamente a privação de liberdade. Como já foi explicado páginas atrás, a isso se deve a alcunha de “crimes de responsabilidade” aos delitos em questão: durante o regime monárquico independente brasileiro, quando o termo ganhou notoriedade entre nossos juristas, os ministros de estado estavam sujeitos a penas de prisão e morte pelos delitos funcionais que cometessem. No caso do impeachment, passou a haver mero afastamento de cargo público, providência de natureza apenas administrativa que não cumpre tal critério. Que esta opção tenha sido feita àquela altura é também indício de que os ilícitos que levam a um impeachment não tinham natureza de delitos penais desde os desenhos originais do instituto, que ainda seguimos. 

Esta distinção tornou-se mais oportuna diante do resultado do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Conquanto ela tenha sido condenada pelos crimes de responsabilidade dos quais foi acusada, o Senado Federal limitou-se a decretar seu afastamento do cargo. Sua inabilitação para ocupar quaisquer cargos públicos por oito anos, que parecia uma imposição necessária na Constituição de 1988,52 foi afastada: a votação a esse respeito foi destacada da votação da condenação ao afastamento imediato do cargo, não tendo atingido o número de votos necessários.53 Dessa forma, acentuou-se ainda mais o fato de que uma condenação por impeachment não precisa ter qualquer das consequências usualmente associadas a uma condenação criminal, nem mesmo as meramente restritivas de direitos. Ela pode limitar-se a uma medida de saneamento político na mínima intensidade necessária, como foi o caso do julgamento de Rousseff, muito criticado neste aspecto.54 

Há um contra-argumento a esta tese, o qual convém desde logo enfrentar. No caso do impeachment de Fernando Collor de Mello, o então presidente renunciou momentos antes da sua sessão de julgamento no Senado, visando a escapar da provável inabilitação por oito anos que seguiria a sua condenação. A literatura dominante àquela altura no Brasil dizia que a renúncia ao cargo implicava extinção do processo de impeachment.55 Após Collor de Mello apresentar sua renúncia, o presidente do S.T.F., Sydney Sanchez – a quem cumpria a presidência do julgamento de Collor perante o Senado – decidiu submeter ao Plenário do Senado Federal a decisão de prosseguir com o julgamento ou extingui-lo.56 O Senado votou por prosseguir, condenou o então presidente e aplicou-lhe a pena constitucional de inabilitação por oito anos, além do afastamento definitivo do cargo. Estaria aí a prova de que o impeachment não teria natureza de mera medida de saneamento político, mas perseguiria também uma severa privação de direitos do condenado; caso contrário, o afastamento de Collor pela renúncia bastaria, sendo desnecessária sua condenação à inabilitação, como insistiu o Senado. 

Dado que o resultado do julgamento de Dilma Rousseff contradiz essa conclusão, já que consagrou a possibilidade de condenação por crime de responsabilidade sem consequência de privação alguma além do afastamento do cargo, resta buscar outra linha de decisões do S.T.F. com as quais a decisão de Collor seja consistente. Nesse sentido, é possível entender que a ratio do prosseguimento do julgamento de Collor de Mello foi a de que ninguém deve poder escapar de seu julgamento por uma renúncia nos instantes anteriores à sua realização. Prosseguindo nesta linha de raciocínio, sua condenação à inabilitação constitucional teria sido apenas a apreciação do Senado quanto à gravidade de sua conduta ilícita, que envolvia a venalidade da Presidência da República em troca de vantagens indevidas a um operador de lobby de sua íntima confiança - por oposição à conduta de Dilma Rousseff, que carecia de equivalente reprovabilidade moral. Esta mesma linha esteve presente em outros julgamentos, do S.T.F., em casos nos quais a renúncia a cargo público por um réu implicava alterações de competência processual,57 gerando embaraços ao devido exercício da jurisdição. Conquanto isso abra o debate quanto ao momento até o qual a renúncia pode ser exercida sem que seja interpretada como fraude à jurisdição,58 reconhecer essa razão de decidir parece ser mais consistente com uma interpretação compartida da Constituição entre os poderes Legislativo (pelo Senado) e Judiciário (pelo S.T.F.). Igualmente, ela é também consistente com a interpretação doutrinária prevalecente até 2015 a respeito da natureza política dos crimes de responsabilidade no impeachment presidencial. 

 

5.3. Melhor adequação à autoridade encarregada do julgamento (Senado Federal) 

Outra razão pela qual os “crimes de responsabilidade” não parecem ter natureza penal reside no fato de que a Constituição de 1988 conferiu seu julgamento a um órgão não jurídico, e sem possibilidade de revisão judicial. O modelo repete o dos E.U.A., onde também as casas políticas ficam amplamente encarregadas da investigação, acusação, processo de conhecimento e julgamento do presidente por impeachable offenses. Se, no Brasil e nos Estados Unidos, os legisladores constituintes tivessem intencionado escolher instituições políticas como competentes para conduzir julgamentos técnicos em matéria criminal, haveríamos de reconhecer que ambas teriam feito péssimas escolhas. 

Deputados e senadores jamais serão juízes ou jurados.59 Eles não guardam deveres elementares a jurados, como não antecipação de veredito sobre a causa, nem de juízes, como não manifestação sobre ações em curso.60 Não ficam reclusos durante o julgamento. Ao contrário, é da natureza de seus cargos dar publicidade a suas razões. É esperado que seus vereditos se confundam com juízos de conveniência eleitoral e com cálculos políticos de curto e longo prazo. Não é razoável supor que os idealizadores institucionais do impeachment ignorassem esse dado elementar e intuitivo ao dar-lhes a competência para julgamento de um presidente. 

Senadoras e senadores têm, claro, o dever de julgar com justiça: devem deferência aos fatos provados e às razoáveis interpretações das leis e da Constituição – como, de resto, espera-se que também o façam no restante de sua atuação parlamentar. Ademais, a Constituição de 1988 diz que ao Senado cabe não uma simples tomada de votos sobre a acusação contra o presidente, mas seu “julgamento”.61 Tal expressão espelha o ideal de um veredito quanto a fatos provados e sua possível significação legal, mas não implica qualquer reconhecimento de que “crimes de responsabilidade” sejam delitos criminais.

 

6. O jurídico e o político 

O último argumento a ser oferecido em favor do ponto de vista defendido neste artigo é talvez o mais importante de todos. Embora este artigo venha insistindo no erro em se considerar que “crimes de responsabilidade” teriam natureza criminal, ele se alia a essa visão em uma relevante questão de princípio: o reconhecimento de que as ofensas autorizadoras do impeachment, medida drástica e traumática para a autoridade que a sofre e para o país que a vivencia, devem ser de grande gravidade política. 

Ao contrário do que sugerido pelo deputado Gerald R. Ford na fracassada tentativa de impeachment contra a William Douglas, juiz da Suprema Corte dos E.U.A., os “crimes de responsabilidade” não podem ser “qualquer coisa que a maioria do Congresso queira em um dado momento histórico”.62 No Brasil, como nos E.U.A., jamais foi intenção da Constituição deixar o mandato presidencial ao sabor da discricionariedade parlamentar. A insistência do caráter penal dos “crimes de responsabilidade” talvez se explique por aí, já que o direito penal é rígido e restritivo na consideração do que seja, para si, um “crime”: há exigências de ordem formal (legalidade e taxatividade estritas), substantivas (existência de conduta lesiva, via de regra dolosa, ilícita, imputável e reprovável) e processuais (ampla defesa com direito a recursos, elevado ônus de prova, presunção de inocência etc.). Tais requisitos, talvez, servissem de obstáculos a acusações frívolas e atentatórias à estabilidade do mandato conquistado pelo voto popular, razão pela qual valeria a pena insistir em seu caráter criminal. 

O argumento aqui defendido, de que os “crimes de responsabilidade” não são necessariamente criminais, e sim essencialmente políticos, parece mais adequado também nesse sentido, com uma condição: que venha acompanhado do requisito qualitativo de grande gravidade da conduta. Tal magnitude deve ser pressuposta a quaisquer ofensas que se pretenda passíveis de impeachment, como venho sustentando. Com isso, é possível inclusive sustentar que fatos de relevância penal inequívoca podem não ter a necessária gravidade para implicar afastamento presidencial. Em face de nossa legislação criminal volumosa, que muitas vezes criminaliza questiúnculas de importância relativamente menora, tal salvaguarda é importante. Nessas circunstâncias, a tese aqui defendida será mais protetiva, e não menos, da integridade presidencial em face de abusos eventuais do Poder Legislativo. A questão-chave será sempre determinar se a conduta imputada ao presidente, preencha ela ou não os requisitos de um delito criminal em sentido estrito, manifesta gravidade tal que a única forma eficiente de enfrentá-la seja o drástico afastamento pelo processo de impeachment

Esse caminho cria um espaço argumentativo para que se evite um impeachment indevido quando haja uma situação provada de inequívoca relevância criminal, mas de gravidade questionável para implicar afastamento presidencial. Foi precisamente o que se deu no julgamento do ex-presidente dos E.U.A. Bill Clinton, em 1999. Recordemos: a principal acusação que pesava contra Clinton era de obstrução à justiça. Ela fundava-se em ele haver mentido sob juramento ao negar que mantivera relações sexuais com uma estagiária da Casa Branca. Havia registros públicos de seu depoimento negando fatos cuja ocorrência parecia cada vez mais provada. Eram convincentes as evidências de que Clinton cometera crime de perjúrio, um ilícito de natureza pública em seu país. 

Para os juristas norte-americanos que se dedicaram ao estudo de seu caso, com uma exceção,63 o fato de que a relevância penal da conduta de Clinton fosse incontestada não autorizava a conclusão de que ela era grave o suficiente para autorizar seu afastamento. A síntese desse consenso é bem expressa por Michael Gerhardt: “nem todos os crimes definidos em leis penais demonstram inaptidão para o exercício do cargo. [...] Ademais, algumas atividades não criminais [...] podem ser impeachable offenses”.64 

Ronald Dworkin opôs-se ao afastamento de Clinton argumentando que um crime fiscal tampouco seria suficiente para esta medida extrema: 

“Presidentes podem fazer muitas coisas ruins, mas que não os tornam perigos constitucionais. Eles podem se mostrar moralmente desapontadores, pessoas que não queremos que nossas crianças copiem. Eles podem fraudar seu imposto de renda, um crime nada trivial, ou podem mentir sob juramento, o que é tão mau quanto. Essas falhas podem esperar pela história, e devem ser julgadas apenas quando o presidente deixar seu cargo”.65 

Para Dworkin, exemplos de condutas com a necessária gravidade seriam “subverter o uso da força pública de modo ilegal”, “perseguir inimigos políticos com ato ilegais”, “receber suborno”, ou ainda “mandar soldados à guerra em troca de vantagens pessoais”.66 

Cass Sunstein, à época, chegou a sugerir que um homicídio cometido pelo presidente não seria suficiente para seu afastamento: 

[Na Constituição dos E.UA.] «não se fez referências a crimes privados, tais como homicídio (murder) e lesões corporais (assault). Neste particular, não estamos autorizados a ler além do seu silêncio; é possível que os constituintes (Framers) considerassem alguns desses crimes como “high Crimes and Misdemeanors”. Mas os debates fortemente sugerem que o modelo do impeachment voltava-se aos abusos de larga escala de uma função pública».67 

Sunstein não foi o único que sustenta que crimes privados – isto é, não ligados essencialmente à natureza dos deveres do cargo presidencial – não estão no escopo dos impeachments.68 Jake Rakove argumentou que, mesmo que a natureza dos impeachable offenses não seja estritamente criminal, a gravidade política das condutas que o autorizam deve ser de grande monta, reservando-se esta medida para casos extremos e graves: “[...] o impeachment presidencial deve permanecer um remédio para ser empregado apenas em casos extremamente sérios e inequívocos, em que tenhamos um alto grau de confiança de que a conduta em questão se encaixe perfeitamente, e sem qualquer ambiguidade, dentro dos parâmetros de uma definição convincentes; onde o insulto ao sistema constitucional seja de fato grave, e no qual haja forte consenso bipartidário de que o impeachment é apropriado”.69 

Aproveitando essas lições para o caso brasileiro, elas apontam para a conclusão de que a previsão formal das diversas condutas da Lei 1.079 de 1950 não deve dispensar um juízo material sobre sua necessária gravidade vis-à-vis a excepcionalidade e seriedade de um afastamento presidencial. Tal gravidade, insisto, há de ser maior do que aquela que baste para a imputação de um ilícito criminal comum. Vale lembrar que os deveres cujas desobediências implicam crimes da Lei 1.079 de 1950 são de natureza pública e inerente ao ofício presidencial. Nessa qualidade de crimes análogos aos cometidos contra a Administração Pública por funcionário público, em que a integridade moral do cargo presidencial seria tida como necessariamente tutelada, é pouco provável que se admitisse relativização quanto à sua significância,70 de modo que a prova do fato sugeriria a conveniência da condenação – ainda mais em se tratando de um presidente, de quem se espera sempre maior deferência mesmo às menores questiúnculas legais. Qualquer mínima suspeita de conduta penalmente relevante implicaria, por corolário, justa causa para processos de impeachment

É importante lembrar que a Lei 1.079, que define os crimes de responsabilidade, tipifica crimes de modo quase convidativo a processos aventureiros de impeachment. É o caso de seu artigo 9º, que prevê ser crime de responsabilidade a conduta de “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Quem vivenciou crises políticas entre Poder Executivo e Poder Legislativo no Brasil não terá dificuldades para enxergar que um dispositivo como esse poderia ser invocado para promover a indevida interrupção de um mandato presidencial, ou mesmo para ameaçá-lo em troca de ganhos políticos de curto prazo. 

Há que se concluir esta seção com uma advertência: nós, juristas, não devemos superestimar a capacidade do direito para o cumprimento da missão de conferir estabilidade política ao presidencialismo brasileiro em tempos de crise. Primeiramente, porque tal fenômeno têm determinantes institucionais que vão além da interpretação jurídica, como mostra sua insistente recorrência nas diversas democracias neófitas da América Latina.71 Em segundo lugar, e especialmente, porque o principal mecanismo institucional para se impedir abusos na utilização do instituto tem aplicação falha no caso brasileiro: a exigência de maiorias parlamentares altamente qualificadas para instauração do processo e condenação funciona melhor em países com pequeno número de partidos, como os E.U.A., onde a existência de apenas dois partidos relevantes praticamente impõe consenso bipartidário para que se recorre à drástica interrupção do mandato presidencial. No Brasil, ao contrário, a fragmentação partidária é extrema: na Câmara dos Deputados, há 26 partidos com assento na casa. Embora os tamanhos das bancadas sejam variáveis, a tarefa de construção de um “escudo legislativo”672 fiel é mais complexa e mais custosa para o governo. Embora nenhuma interpretação doutrinária tenha o condão de impedir articulações partidárias e abusos de qualquer sorte, a teoria que insista na elevada gravidade política pressuposta aos “crimes de responsabilidade” daria parâmetros para constrangimento público e desgaste político de quem se dispusesse a promover, tomando emprestada a expressão de Dworkin, esse “tipo de golpe”.73 

 

7. Conclusões 

Neste breve estudo, desenvolvi um dos temas relevantes a essa dogmática. Busquei mostrar que a interpretação de que “crimes de responsabilidade” têm natureza penal, e que portanto seria necessário o cumprimento de requisitos próprios da dogmática penal para sua caracterização, é tecnicamente errada. Argumentei, ainda, que ela tampouco é eficaz para os fins de estabilização política a que se propõe. Em seu lugar, defendi que os crimes de responsabilidade presidencial têm natureza jurídica de delitos eminentemente políticos, ainda que possam, às vezes, apresentar traços próprios de delitos criminais, a exemplo da corrupção passiva. Ao mesmo tempo, sustentei que sua caracterização pressupõe grande gravidade da conduta ilegal do presidente. Tal gravidade pode ser inclusive superior àquela exigida para a caracterização de crimes comuns. 

Juristas brasileiros passaram a maior parte do século XX lamentando a inefetividade do impeachment no Brasil. Raul Chaves o tinha como inútil.74 Lauro Nogueira, sem pudores, o chamou de “uma piada”.75 O diagnóstico da época para a ineficácia do instituto foi feito por juristas, que não tinham qualquer treinamento senão o de ler e interpretar textos legais. Suas hipóteses oscilavam entre defeitos na definição dos crimes de responsabilidade, o que levou à promulgação de um estatuto com um rol enorme de delitos de definição muito vaga (Lei 1.079 de 1950);76 e constrangimentos à livre atuação do Congresso, o que levou à ascensão de uma doutrina defensora de seu poder absoluto em definir como “crime de responsabilidade” aquilo que o juízo político predominante assim entendesse.77 

A literatura acerca dos determinantes institucionais dos impeachments latino-americanos é hoje mais rica. Ela identifica múltiplos fatores que contribuem para a era das presidências fracassadas no continente.78 Ao contrário das hipóteses dos juristas brasileiros do século XX, nenhuma delas inclui características da redação dos dispositivos legais ou interpretações doutrinárias para seus conceitos centrais como relevantes para tanto. Se assim é, por que insistir em uma leitura jurídica do problema, como fiz neste texto? 

Em primeiro lugar, porque tal abordagem responde às inquietações próprias da cultura jurídica brasileira sobre o assunto, as quais foram fartamente discutidas nas páginas antecedentes. Em segundo lugar, tal abordagem ajuda a construir algo que os juristas seguem devendo a nossa comunidade política: uma boa dogmática do impeachment no Brasil, que diga quando ele é ou não cabível, sem se perder na afirmação, tão evidente quanto sem utilidade, de que o processo tem características tanto políticas quanto jurídicas. Se um discurso normativo a esse respeito não chega a ser determinante para o sucesso ou insucesso de uma tentativa desses processos, onde as forças políticas de fato têm grande importantância, ele é seguramente relevante ao menos para uma análise crítica de sua legitimidade. 

Com exceção do clássico livro de Paulo Brossard, a maior parte dos demais trabalhos jurídicos sobre impeachment foram produzidos sob condições de produção inadequadas, no calor do momento de processos em curso e em condições de tempo pouco favoráveis à serena reflexão científica. O fim do processo contra Dilma Rousseff, longe de indicar a irrelevância da produção na matéria, aponta, ao contrário, para um horizonte favorável a seu estudo ponderado e refletido. 

Ainda quando se mostre legalmente adequado e politicamente conveniente, uma interrupção de mandato em um regime especialista não se compara ao voto de desconfiança que derruba um gabinete presidencialista. Impeachments presidenciais são traumas democráticos. Implicam traumas políticos à comunidade, além de consequências pessoais desagradáveis às pessoas contras os quais são efetivados. Nas hipóteses restritas em que seu cabimento for pertinente, é dever da comunidade jurídica fornecer à opinião pública um enquadramento claro de seu marco legal, como, neste trabalho, procurei fazer em relação à natureza jurídica dos “crimes de responsabilidade”.

 

NOTAS

1 Este texto foi escrito durante minha estada com o visiting research fellow na American University em Washington DC, no Center for Latian American and Latino Studies. Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP) pelo apoio que tornou possível este período de pesquisa. Na ocasião, tive a oportunidade de travar discussões sobre as ideias aqui contidas com os professores Matthew Taylor (American University), Marcio Cunha Filho (candidato doutoral na UnB), Gilberto Rodrigues (UFABC) e especialmente Fabio Kerche (Fundação Casa de Rui Barbosa), a quem agradeço profundamente pela franqueza e inteligência dos debates. Durante o segundo semestre de 2016, ministrei duas disciplinas relacionadas a este tema no curso de graduação da Faculdade de Direito da USP. Muitas das ideias aqui desenvolvidas foram moldadas pelos debates com minhas alunas e meus alunos, a quem deixo também meus agradecimentos. Uma primeira versão deste texto foi submetida a discussão pública no seminário “Pós-Debate”, do programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da USP. Agradeço às sugestões e críticas recebidas na oportunidade, muitas das quais foram incorporadas ao texto, nas pessoas dos organizadores do evento, Mario Augusto e Túlio Jales. 

2 Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre pela mesma instituição. Endereço profissional: Largo de São Francisco, 95, Prédio Anexo, 6º andar, sala 602, Código Postal 01005-010, Centro, São Paulo-SP, Brasil. Correio eletrônico: rmrqueiroz@usp.br.  

3 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, parágrafo único do artigo 85º, pesquisável em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Doravante “CRFB”. 

4 Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, pesquisável em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm.

5 Nos termos do que decidiu o Supremo Tribunal Federal (doravante “STF”) no curso do processo de impeachment de Dilma Rousseff, dispositivos que impunham natureza acusatória ao processo e julgamento dos crimes de responsabilidade presidencial não foram recepcionados pela vigente CRFB. Nesse sentido, ADPF 378 MC do STF de 16.03.2016, disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10444582.

6 O Brasil adotou a forma republicana de governo apenas em 1889, optando por regime político presidencialista. Somente neste contexto é que a discussão sobre os “crimes de responsabilidade”, figura jurídica à época já existente no direito nacional, conectou-se à figura do impeachment presidencial e à discussão sobre o regime jurídico de responsabilização do chefe do Poder Executivo. Para um aprofundamento dos problemas ligados à transição dos “crimes de responsabilidade” desde o regime monárquico até o republicano, v. item 3, adiante. 

7 V. o parecer da Comissão de Impeachment da Câmara dos Deputados que em 1901 rejeitou prosseguimento a denúncia formulada contra o então presidente Campos Salles, disponível em: A Semana por um Óculo, Dom Quixote, 20.07.1901, p. 3. Tal documento aponta a natureza política dos deveres presidenciais e, por consequência, do juízo sobre sua reprovabilidade. 

8 Nas páginas do jornal de que era editor, Rui Barbosa vinha à carga com o mesmo tema, desta vez no contexto da crise política que opunha o Congresso Nacional e o presidente Floriano Peixoto. Sua opinião, que usava a teoria constitucional dos EUA para defender a natureza política dos crimes de responsabilidade, foi expressa em editorial do Jornal do Brasil, do qual era redator-chefe, em: Theoria do Impeachment, Jornal do Brasil, 07.06.1893, p 1. 

9 O primeiro trabalho científico publicado sobre o tema no Brasil apontava o caráter político dos crimes de responsabilidade presidencial: GABRIEL LUIZ FERREIRA, O impeachment do presidente é uma simples medida política? Revista O Direito, 29, 1904, p. 469. A opinião oposta, insistindo na natureza estritamente criminal dos “crimes de responsabilidade”, era defendida à época por Pedro Lessa, lente da Faculdade de Direito de São Paulo e ministro do STF. Em seu voto no julgamento do HC 4116, em 1916, Lessa sustentou que “o impeachment, na legislação federal, não é um processo exclusivamente político, mas um processo criminal de caráter judicial”, razão pela qual apenas à União caberia competência para definir condutas criminosas e o respectivo rito processual (apud Cᴀʀʟᴏꜱ B. Hᴏʀʙᴀᴄʜ, Memória Jurisprudencial: Ministro Pedro Lessa, Brasília-DF, 2007, p. 117). Em posição de meio termo, João Barbalho, importante constitucionalista da primeira geração republicana do Brasil, não chegou a defender explicitamente a natureza criminal dos “crimes de responsabilidade”, mas insistia que o processo de sua apuração deveria respeitar os rigores de um processo criminal (JOÃO BARBALHO, Constituição Federal Brasileira – Comentários, Rio de Janeiro, 1924, p. 282-3.) 

10 PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO, O Impeachment, Porto Alegre, 1965, 63;         [ Links ] RAUL CHAVES, Crimes de Responsabilidade, Salvador, 1960, p. 102. 

11 Doravante, S.T.F. 

12 Pedro Serrano, um dos professores que emitiu opiniões a pedido da defesa de Dilma Rousseff, sustentou a natureza político-administrativa das infrações definidas na Lei 1.079. Nesse sentido, v. PEDRO SERRANO, Parecer Jurídico, p. 22. 

13 Juarez Tavares / Geraldo Prado, Parecer, 26.10.2015.  

14 THOMAS DA ROSA BUSTAMANTE, Parecer Jurídico: O Processo de Impeachment e as Esferas de Autorização pela Câmara dos Deputados. Limites e Possibilidades de Controle Judicial, 12.04.2016. 

15 MARCELO CAMPOS GALUPPO, Impeachment: o que é, como se processa e por que se faz, 2ª ed, Belo Horizonte, 2016, p. 43. No prefácio desta segunda edição, o autor informa que, “depois de dois meses de reflexão” posteriores à primeira edição, convenceu-se “de sua natureza penal”, bem como que a Lei 1.079/1950 tinha por modelo procedimental o tribunal do júri, instituição que, no Brasil, julga apenas matéria criminal (p. 15). 

16 V. nota de rodapé nº 10, retro. 

17 V. CHARLES L. BLACK JR., Impeachment: A Handbook, New Haven-CT, 1974, p. 33; JOHN LABOVITZ, Presidential Impeachment, New Haven-CT, 1978, p. 119 e ss.; MICHAEL J. GERHARDT, The Federal Impeachment Process: A Constitutional and Historical Analysis, Chicago, 2000, p. 104; H. LOWELL BROWN, High Crimes and Misdemeanors in Presidential Impeachment, Nova York, p. 118-120; RAOUL BERGER, Impeachment: the Constitutional Problems, Cambridge-MA, 1973, pp. 78-85. 

18 COMMITTEE ON THE JUDICIARY, HOUSE OF REPRESENTATIVES, Constitutional Grounds for Presidential Impeachment. Report by the Staff of the Impeachment Inquiry, 02.1974., p. 22. 

19 COMMITTEE ON THE JUDICIARY, HOUSE OF REPRESENTATIVES, Constitutional Grounds for Presidential Impeachment: Modern Precedents. Report by the Staff of the Impeachment Inquiry, 02.1998. A equipe técnica que trabalhou no caso Bill Clinton na Câmara dos Deputados limitou-se a atualizar o relatório da equipe do caso Richard Nixon após reconhecer que aquele documento havia se tornado “uma das fontes mais importantes e mais citadas quanto aos fundamentos do impeachment” (p. 2).  

20 MS 21.564 do STF de 10.09.1992, p. 184, disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85552.

21 Story, além de sempre frequentemente lembrado nos julgamentos de impeachment, teve seu livro de direito constitucional norte-americano traduzido para o português em 1893 e publicado em Minas Gerais, para servir de manual para o estudo do Direito Constitucional da Constituição de 1891 até que os juristas brasileiros atualizassem as obras que haviam produzido para a Constituição do Império de 1824. V. JOSEPH STORY, Comentários à Constituição dos Estados Unidos, última edição (1891), traduzida e adaptada à Constituição Federal Brasileira pelo Dr. Teóphilo Ribeiro, Belo Horizonte, 1894. 

22 Pomeroy foi apontado por muitos juristas brasileiros, inclusive o mais célebre de todos eles, Rui Barbosa, como o maior constitucionalista dos EUA a jamais ter escrito sobre este tema (v. Theoria, Jornal do Brasil, 07.06.1893, p. 1) 

23 MS 21.564 do STF de 10.09.1992, p. 176. A referência a uma única ocorrência é meramente ilustrativa, já que as menções a Tocqueville são muitas. 

24 A aceitar-se a natureza penal da conduta e do processo de impeachment, a condenação no Senado, instância única e última, implicaria coisa julgada material, porque decisão condenatória de efeitos imutáveis. Conforme ensina Gᴜꜱᴛᴀᴠᴏ Hᴇɴʀɪǫᴜᴇ Bᴀᴅᴀʀó, “com a coisa julgada material, o objeto do processo não [pode] voltar a ser discutido em outro processo envolvendo as mesmas partes sobre os mesmos fatos. É o que se denomina eficácia negativa da coisa julgada” (Processo Penal, 4ª ed., São Paulo, 2016, p. 335). Daí o cabimento de exceção de coisa julgada (inciso V do artigo 95 do C.P.P.) contra qualquer novo processo que se propusesse a discutir, ainda que em outra esfera de jurisdição, os mesmos fatos em face do mesmo acusado. 

25 Dizia o 99º artigo da Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824: “A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Ao mesmo tempo, seu artigo 134º mandava que uma “lei particular” especificasse “a natureza dos delitos” imputáveis a ministros de Estado no exercício de suas funções, assim como “a maneira de proceder contra eles”. Pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm.

26 “Todos os senadores são Juízes competentes para conhecerem dos crimes de responsabilidade dos Ministros e Secretários de Estado, e Conselheiros de Estado, e aplicar-lhes a lei” (Lei de 15 de outubro de 1827, artigo 21º, pesquisável em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38389-15-outubro-1827-566674-publicacaooriginal-90212-pl.html.

27 Nos E.U.A. a Constituição limita-se a falar em “treason, bribery, and other high crimes and misdemeanors” (Seção 4ª do artigo II da Constituição dos Estados Unidos da América, de 17.09.1787, pesquisável em https://www.congress.gov/constitution-annotated/). Apenas a traição (treason) é definida na própria Constituição, que silencia, entretanto, sobre as demais figuras, que são tentativamente definidas pela doutrina, por precedentes (notadamente de impeachments de juízes federais) e por relatórios oficiais como os dos grupos técnicos de assessoria aos comitês judiciários do Congresso. 

28 Lei de 15 de outubro de 1827, parágrafo 3º do artigo 1º.  

29 Dizia o artigo 53 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que vigeu desde 1891 até 1934: “O Presidente dos Estados Unidos do Brasil será submetido a processo e a julgamento, depois que a Câmara declarar procedente a acusação, perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, e nos de responsabilidade perante o Senado”. Pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm.

30 Assim dizia o artigo 2º do Decreto 30 de 1892, que regulamentou os crimes de responsabilidade em seu aspecto material: “[os crimes de responsabilidade]serão punidos com a perda do cargo somente ou com esta pena e a incapacidade para exercer qualquer outro, impostas por sentença do Senado, sem prejuízo da ação da justiça ordinária, que julgará o delinquente segundo o direito processual e criminal comum”. Pesquisável em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-30-8-janeiro-1892-541211-publicacaooriginal-44160-pl.html.

31 Até 1827, houve apenas três processos de impeachment nos E.U.A. em nível federal, contra Blount, Pickering e Chase. Para uma lista dos casos históricos em nível federal, v. MICHAEL J. GERHARDT, The Federal Impeachment Process, 2000, cap. 1.         [ Links ] 

32 Para uma análise do declínio do uso do impeachment na Inglaterra principalmente após a era Stuart, v. BERGER, Impeachment, 1973, pp. 53-73; JACK RAKOVE, Statement on the Background and History of Impeachment, George Washington Law Review, v. 67, p. 683 ss. 

33 Em 1868, Andrew Johnson, o sucessor de Lincoln, sofreu impeachment na Câmara, mas acabou absolvido no Senado, por um único voto. Os detalhes e o contexto do processo contra Johnson são contados de forma brilhante em Mɪᴄʜᴀᴇʟ Lᴇꜱ Bᴇɴᴇᴅɪᴄᴛ, The Impeachment and Trial of Andrew Johnson, New York, 1999.  

34 Artigo 80 da Lei 1.079, de 1950, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm.

35 Alínea d, inciso XXXVIII, do artigo 5º da CRFB, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.

36 GALUPPO, Impeachment, 2016, p. 41. 

37 Badaró, referindo-se ao específico contexto do procedimento penal do júri no Brasil, afirma que “a pronúncia é uma decisão interlocutória, de cunho processual, que considera viável a acusação e determina que o acusado seja submetido a julgamento pelo júri popular” (Bᴀᴅᴀʀó, Processo Penal, p. 665).  

38 A votação por quesitos (articles) é adotada desde sempre. Não há grande preocupação dos estudiosos em explicar-lhe a origem ou a utilidade, que ninguém contesta. A respeito, v. T. J. HALSTEAD, An Overview of the Impeachment Process, Library of Congress Research Service, 2005, p. 3. A explicação de Gerhardt sugere que o procedimento foi tirado das práticas inglesas anteriores. V. GERHARDT, Federal Impeachment, p. 26. 

39 Artigo 38 da Lei 1.079, de 1950: “Art. 38. No processo e julgamento do Presidente da República e dos Ministros de Estado, serão subsidiários desta lei, naquilo em que lhes forem aplicáveis, assim os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, como o Código de Processo Penal. ”  

40 ADPF 378 do S.T.F., de 17.12.2016, p. 8, pesquisável em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=10444582.

41 GALUPPO, Impeachment, 2016, p. 43; NEVES, Parecer, 2015, p. 35. O primeiro autor vale-se da ADI 1628-SC do STF, de 2006; o segundo apoia-se na ADI nº 834 MT, de 1999. 

42 Parágrafo único e caput do artigo 85º da Constituição de 1988, com destaques meus. 

43 ADI 834, de 1999, fls. 18. Um dos pontos-chave deste caso era que a legislação estadual combatida, que definia crimes de responsabilidade no âmbito da unidade federativa, não havia sido introduzida por lei em sentido formal, e sim por decreto legislativo. Trata-se, portanto, de um precedente pouco relacionado à questão aqui enfrentada. Pesquisável em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=266557.

44 Para exemplo de julgado que fundamentam a reserva de competência da União no artigo 85, parágrafo único, e não no art. 22, I, da CRFB, veja-se a ADI 2220, de 2011, pesquisável em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=1609913.

45 Convém mencionar que a matéria é sumulada pelo S.T.F., com efeitos vinculantes. Trata-se da antiga súmula 722, convertida em Súmula Vinculante 46. Verificando-se o histórico de casos indicados como precedentes à edição da súmula, nota-se que falta consistência quanto ao fundamento constitucional da norma editada pelo tribunal. No ARE 810812 AgR, por exemplo, um dos precedentes invocados remete ao parágrafo único do artigo 85; por outro lado, a ADI 1440-SC, de 2014, remete a ambos os dispositivos. A maior parte dos julgados na matéria caminha para o sincretismo de indicar tanto o parágrafo único do artigo 85, quanto o inciso I do artigo 22, como fundamentos de decidir. 

46 AP 465 DF do STF, 24.04.104, pesquisável em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=272694519&tipoApp=.pdf.

47 O pronunciamento integral do senador Fernando Collor de Mello na ocasião pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=hsFgBYHYDNs.

48 Conforme já afirmado na nota 24, retro. 

49 Veja-se, por todos, GERHARDT, The Federal Impeachment Process, 2000, p. 40-41.  

50 A decisão de Rehnquist foi provocada por uma intervenção do senador Tom Harkin (Partido Democrata, estado de Iowa). Segundo a interpretação dos senadores à época, tal decisão implicava reconhecimento de que eles estavam autorizados a proferir seus vereditos levando em consideração questões de fato e de direito, mas também do “bem comum”. O senador Robert Toricelli (Partido Democrata, Nova Jersey), afirmou que a decisão assegurava que os senadores pudessem “levar em consideração questões de interesse nacional mais amplo”. Clinton, convém recordar, era julgado por ter mentido sob juramento para ocultar um caso extraconjugal, o que configuraria crime de perjúrio. A liberdade de levar em consideração questões de interesse nacional permitia que os senadores votassem pela sua absolvição não obstante os fatos criminais relevantes estivessem razoavelmente provados. Para a decisão e os pronunciamentos dos senadores na ocasião, v. A Ruling: Avoid the Use of ‘Jurors’, The Philadelphia Inquirer, 01.16.1999. 

51 LABOVITZ, Presidential Impeachment, 1978, p. 11.  

52 Parágrafo único do artigo 52º da Constituição de 1988, com destaques meus: “funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. 

53 O Senado Federal tem 81 assentos. São necessários 2/3 de votos pela condenação pela procedência do pedido acusatório, vale dizer 54 votos. Houve 61 votos pela condenação de Dilma Rousseff e seu imediato afastamento do cargo. Porém, na votação destacada para decidir sobre a perda de direitos políticos por oito anos, houve apenas 42 votos favoráveis à procedência do pedido. Para o placar e um relato sobre a votação desmembrada da condenação e da inabilitação, v. Renan e PT articularam salvaguarda para Dilma, Folha de S. Paulo, 01.09.2016, p. A6. 

54 O reconhecimento de que assim se tenha reconhecido no caso de Dilma Rousseff não implica concordância de minha parte com a decisão tomada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski. Segundo reportou-se à época, a decisão teria sido orientada por servidor da Mesa-Diretora do Senado Federal, que, em entrevista jornalística, explicou seu entendimento. (Servidor que orientou fatiamento do impeachment diz que medida segue lei, Folha de S. Paulo, 02.09.2016, p. A6.)  

55 Destacadamente, Pᴀᴜʟᴏ Bʀᴏssᴀʀᴅ ᴅᴇ Sᴏᴜᴢᴀ Pɪɴᴛᴏ: “Tão marcante é a natureza política do instituto que, se a autoridade corrupta, violenta ou inepta, em uma palavra, nociva, se desligar definitivamente do cargo, contra ela não será instaurado processo e, se iniciado, não prosseguirá. O término do mandato, por exemplo, ou a renúncia ao cargo trancam o ‘impeachment’ ou impedem sua instauração. Não pode sofrê-lo a pessoa que, despojada de sua condição oficial, perdeu a qualidade de agente político. Não teria objetiva, seria inútil o processo.” (O impeachment, 1965, p. 131-2.) 

56 Para um relato deste momento do julgamento pelo próprio presidente do S.T.F. à época, v. FERNANDO DE CASTRO FONTAINHA et al., História Oral do Supremo (1998-2013), v. 5: Sydney Sanches, Rio de Janeiro, 2015, p. 124-126. 

57 S.T.F., AP 396-RO, 26.06.2013. 

58 Por minha interpretação do precedente da AP 396-RO, a renúncia ocorrida após o caso ser pautado para julgamento implicará tentativa de manipulação de instâncias e não determinará alteração de competência processual. 

59 THOMAS R. LEE, The Clinton Impeachment and the Constitution: Introduction to the Federalist Society Panel, BYU Law Review, nº 4, 1999, p. 1105. 

60 Inciso III do art. 36 da Lei Complementar 35, de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura), pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp35.htm.

61 Inciso I do artigo 52º da Constituição de 1988, com destaques meus: “Compete privativamente ao Senado Federal: I- processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente nos crimes de responsabilidade”. 

62 No original, extensamente: “What, then, is an impeachable offense? The only honest answer is that an impeachable offense? The only honest answer is that an impeachable offense is whatever a majority of the House of Representatives considers it to be at a given moment in history.” (apud Bᴇʀɢᴇʀ, Impeachment, 1973, p. 53, nota 1).  

63 RICHARD A. POSNER, An Affair of State: The Investigation, Impeachment and Trial of President Clinton, Cambridge-MA, 2000. 

64 GERHARDT, Federal Impeachment Process, 2000, p. 106. No original: “not all statutory crimes demonstrate unfitness for office. [...] Moreover, it is equally obvious that some noncriminal activities [...] may constitute nonindictable, impeachable offenses”. 

65 RONALD DWORKIN, A Kind of Coup, New York Review of Books, 14.01.1999. 

66 DWORKIN, A Kind of Coup, 14.01.1999.  

67 CASS SUNSTEIN, Impeaching the President, University of Pennsylvania Law Review, v. 147, nº 2, 1998, p. 289. Mais adiante em seu trabalho (p. 305), Sunstein concede, porém, que um presidente homicida ou estuprador geraria grandes desconfortos e prejuízos à reputação do cargo. 

68 BROWN, High Crimes, 2010, pp. 120-123. 

69 RAKOVE, Statement, p. 685 

70 Nesse sentido, AgRg no RESP 1275835-SC do Superior Tribunal de Justiça, 11.10.2011: “não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa”. Pesquisável em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1096475&num_registro=201102121160&data=20120201&formato=PDF.

71 O mais completo estudo nesse sentido ainda é o de Aɴíʙᴀʟ Péʀᴇᴢ-Lɪñáɴ, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, Cambridge, 2007. 

72 A expressão (“legislative shield”) é de Péʀᴇᴢ-Lɪñáɴ, Presidential Impeachment, 2007, passim.  

73 DWORKIN, A Kind of Coup, 14.01.1999. 

74 RAUL CHAVES, Crimes de Responsabilidade, Salvador, 1960, p. 102. 

75 LAURO NOGUEIRA, O Impeachment, Especialmente no Direito Brasileiro, Fortaleza, 1947, p. 79. 

76 É ilustrativa, nesse sentido, a apresentação da justificativa do projeto de lei que se transformaria na Lei 1.079 de 1950, feita por Raul Pilla em 1948 (Anais do Senado, v. XVIII, sessões de Junho de 1948, pp. 285 ss.). 

77 Estes são os pilares da doutrina de Brossard, somados à postulação da absoluta falta de jurisdição do S.T.F. sobre qualquer aspecto dos processos de impeachment. Votando, como ministro do tribunal, nos casos relativos a Collor de Mello, Brossard sempre restou vencido mesmo quando o tribunal se permitiu conhecer de recursos para fazer reparos mínimos ao procedimento do julgamento. Brossard jamais foi enfático em reconhecer parâmetros de grande gravidade como necessários aos crimes de responsabilidade. Em seu favor, porém, há que se ponderar que o problema durante o seu tempo de vida, especialmente de vida parlamentar (foi deputado nas décadas de 1950 e 1960), era o oposto do que hoje tememos existir: presidentes tinham amplos poderes e poucos controles, e a possibilidade de o Poder Legislativo constranger presidentes com a ameaça efetiva de um impeachment era desprezível. 

78 PÉREZ-LIÑÁN, Presidential Impeachment, Cambridge, 2007. Para uma versão breve de análise semelhante, v. KATHRYN HOCHSTETLER, Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul, Lua Nova: Revista de Cultura e Política, nº. 72, 2007, pp. 09-46, pesquisável em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452007000300002.