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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versión On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.4 no.2 Lisboa nov. 2017

 

 

DIREITO PÚBLICO

Testemunhas de Jeová e a Liberdade Religiosa no séc. XXI: Uma Análise com base no Acórdão Palau-Martinez vs. France

Jehovah's Witnesses and Freedom of Religion in the 21st Century: Examining the significance of the European Court of Human Rights ruling in Palau-Martinez vs. France

 

Tiago Sérgio Cabral 1

Escola de Direito da Universidade do Minho – Campus de Gualtar, 4710-057 Braga. E-mail: tc@tiagosergiocabral.com

 

RESUMO

Partindo do estudo do acórdão Palau-Martinez vs. France, do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos analisaremos os obstáculos e limites à liberdade religiosa no séc. XXI. Indagaremos de forma crítica sobre decisão do Tribunal tendo em atenção a problemática da protecção da liberdade religiosa. Chegaremos à conclusão que o Tribunal ignorou os dados científicos relativos aos malefícios que certas práticas religiosas podem ter em menores com o objectivo de proteger a liberdade de religião. Por fim procuraremos encontrar uma solução alternativa que permita resolver com maior facilidade os inúmeros conflitos existentes entre a liberdade de religião e outros direitos fundamentais e valores relevantes. 

Sumário: 1. Conteúdo Essencial da Decisão. 2. Da matéria de facto subjacente ao caso. 3. Brevíssima introdução ao problema da liberdade religiosa. 4. Resumo sucinto da história e crenças dos Testemunhas de Jeová. 5. Análise da decisão e argumentação do Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos. 5.1. Da violação do artigo 8.º em ligação com o artigo 14.º. 5.1.1. Os contra-argumentos do governo francês. 5.1.2. Análise crítica do problema. 5.1.2.1. Da omissão do artigo 9.º na ligação do artigo 8.º com o artigo 14.º. 5.2.1.2 Do efeito da religião no desenvolvimento humano e do carácter discriminatório da análise abstracta da religião. 5.2.1.3. O problema da colisão entre a liberdade de religião da autora e a liberdade de religião dos menores. 6. Da incoerência do Acórdão Palau-Martinez vs. France em relação outras pronúncias do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. 7. Conclusão.

Palavras-chave: Liberdade de Religião / Discriminação em Função da Religião / Testemunhas de Jeová / Tribunal Europeu dos Direitos Humanos / Transfusões de Sangue e Hemoderivados.

 

ABSTRACT

In this paper, we will explore the barriers and the necessary limitations to freedom of religion in the 21st Century. Our starting point shall the ruling of the European Court of Human Rights in Palau-Martinez vs. France. From the Court’s decision, we shall critically examine the possible legal consequences of religious traditions and beliefs to freedom of religion. Our analysis of the available scientific data exposes negative consequences to the health of the children due to the strict following of the mother’s religious beliefs, fact that was ignored by the Court. Finally, we shall search for an alternative solution for the conflicts between freedom of religion and other fundamental rights and values. 

Summary: 1. Decision’s content. 2. Factual background of the judgment. 3. Brief introduction to the issue of religious freedom. 4. Summary of the history and beliefs of Jehovah's Witnesses. 5. The breach of article 8 in connection to article 14. 5.1.1. The French Government counter-arguments. 5.1.2. Critical analysis of the issue. 5.1.2.1. The omission of article 9 in the connection between article 8 and article 14. 5.2.1.2. Religion’s effect on the human development and the discriminatory nature of an abstract analysis regarding religion. 5.2.1.3. The collision of rights between the mother’s religious freedom and the children’s religious freedom. 6. The inconsistency between the court’s decision in Palau-Martinez vs. France and other European Court of Human Rights’ decisions. 7. Conclusion. 

Keywords: Freedom of Religion / Religious Discrimination / Jehovah's Witnesses / European Court of Human Rights / Blood Transfusions 

 

1. Conteúdo essencial da decisão

No Acórdão Palau-Martinez vs. France, de 16 de Dezembro de 2003 o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) considerou que constituía uma violação do artigo 8.º em ligação com o artigo 14.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) a decisão do Tribunal Nacional (TN) de estabelecer a residência dos filhos com o pai devido ao facto de esta decisão ter sido tomada na base das crenças religiosas da mãe, Testemunha de Jeová.

 

2. Da matéria de facto subjacente ao caso

A autora é uma cidadã francesa nascida em 1963 e à data da decisão residente em Espanha. Em 1983 casou-se, resultando desta união dois filhos nascidos em 1984 e 1989. Em Agosto ou Setembro de 1994 o seu marido abandonou a habitação que partilhavam e passou a coabitar com a amante. Em Dezembro de 1994, a autora pediu o divórcio. O Tribunal de Grande Instance de Nîmes considerou que a culpa do divórcio era inteiramente do ex-marido apesar das alegações deste de que a separação se tinha devido à adesão à religião Testemunhas de Jeová (TdJ) pela autora. Este Tribunal fixou a residência dos menores com a mãe atribuindo ao pai direitos de visita, ficando também decidido que a responsabilidade parental seria exercida de forma conjunta. No final do Verão de 1997, o ex-marido não entregou os menores à autora, ficando estes a residir consigo e com a nova companheira e a estudar na escola Aigues-Mortes. Em 21 de Novembro de 1996, a autora recorreu para o Tribunal de Apelação de Nîmes para resolver esta situação e conseguir uma nova regulamentação das visitas parentais. A autora alegou que o pai teria influenciado os menores para que expressassem o seu desejo de viver com ele e procurou provar que os educava com grande cuidado e que estes podiam participar em qualquer actividade que desejassem. Pediu também a elaboração de um relatório por uma assistente social. O Tribunal de Apelação de Nîmes reverteu a decisão da primeira instância quanto à residência dos menores, fixando-a em casa do pai. Esta pronúncia baseou-se na vontade das crianças, na opinião profissional de um psiquiatra, prova testemunhal e na análise das prescrições religiosas das TdJ. O Tribunal de Cassação confirmou a decisão. Em 20 de Dezembro de 2000, a autora submeteu o caso ao TEDH.

 

3. Brevíssima introdução ao problema da liberdade religiosa

A crença religiosa é provavelmente um dos fenómenos mais antigos que se manifestaram na sociedade humana2/3. Historicamente a compatibilização dos direitos dos crentes das múltiplas religiões tem sido um sério desafio para os Estados de Direito. A solução assenta no Princípio da Laicidade do Estado, que implica a separação entre a igreja e o Estado4 e, por conseguinte a existência dos direitos de liberdade de religião e consciência, e de não discriminação (igualdade) de tratamento entre religiões5. Actualmente é pacífico que o fenómeno religioso deve ser preservado e valorado enquanto expressão da consciência do indivíduo sendo incompatíveis com os ideais do Estado de Direito discriminações em função da religião6. Estes princípios não só se encontram universalmente acolhidos nas tradições constitucionais de uma esmagadora maioria dos Estados de Direito, como fazem parte do leque dos mais importantes princípios/direitos fundamentais do Direito Internacional7.

A liberdade religiosa é uma liberdade de âmbito essencialmente negativo, isto é, o cidadão deve ter direito de abraçar ou não uma religião, mudar a sua convicção religiosa e poder praticá-la sem interferência do Estado. Salvo colisões inconciliáveis com outros direitos o Estado não deve proibir ou constranger a prática religiosa. O Estado deve também, dentro dos limites do razoável8, proporcionar as condições necessárias à prática da religião pelos crentes. A liberdade religiosa possuiu uma dimensão individual referente ao cidadão e uma dimensão colectiva referente às organizações religiosas. Existe também uma dimensão interna que se refere a ter convicções religiosas e uma dimensão externa que corresponde ao direito à manifestação das ditas crenças9. 

Se o recorte teórico destes princípios e conceitos não é tarefa fácil, a sua aplicação prática representa um verdadeiro quebra-cabeças. O problema começa na própria definição de o que é uma religião10 e estende-se até ao problema com que se confrontou o TEDH do que efectivamente constitui uma discriminação injustificada em função da religião11 e o que fazer quando a liberdade religiosa de um individuo entra em colisão com outros direitos ou mesmo com a liberdade religiosa de outro indivíduo.

 

4. Resumo sucinto da história e crenças dos Testemunhas de Jeová

Com origem nos Estados Unidos no séc. XIX, os TdJ paulatinamente espalharam-se por todo o mundo. Em 1884 fundaram a associação “Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania”, que ainda hoje funciona como a sua base de operações com presença em mais de 100 países. 

Acreditam numa interpretação literal da Bíblia. Defendem que vivemos no “fim dos dias” devido à concretização iminente das profecias do apocalipse. Segundo a profecia, após uma grande batalha os governos terrenos serão destruídos e Jesus Cristo estabelecerá o reino de Deus. 

Os TdJ mantêm uma neutralidade completa em relação a todas actividades políticas não concorrendo ou votando para cargos políticos. Consideram, aliás, os poderes terrenos como aliados acidentais de Satã e recusam saudar a bandeira que consideram uma actividade de culto. Apesar disto, são de forma notória cidadãos cumpridores da lei, incumprindo apenas quando esta não entra em conflito com a “lei divina”. Reconhecem também autoridade dos governos nacionais apesar de recusarem o exercício de serviço militar.  

Festividades como o Natal e da Páscoa não são celebrados por se basearem em ritos pagãos. A utilização de tabaco e drogas é estritamente proibida, sendo que o álcool apenas é permitido se consumido em moderação. Rejeitam liminarmente o adultério, a actividade sexual antes do casamento e a homossexualidade. Colocam uma grande importância no valor da família e do grupo. Das mulheres é esperado que cumpram o papel tradicional de donas de casa e mães e dos maridos que as respeitem. Por razões bíblicas as mulheres estão excluídas de posições de liderança. 

Quando doentes, os TdJ procuram tratamento médico recusando as chamadas curas pela fé. No entanto, rejeitam determinados procedimentos médicos como as transfusões sanguíneas e de órgãos.

Esta religião é também marcada pela sua grande actividade de produção literária. Dentre as suas publicações destacam-se pela sua importância as revistas “The Watchtower” e “Awake”, que chegaram a ter uma circulação de mais de 10 milhões de exemplares em 80 idiomas.

Praticam proselitismo agressivamente, o que é motivo de frequentes confrontos com outras religiões e mesmo governos. Esta actividade deu mesmo origem a inúmeras disputas na justiça Europeia e Americana. Outra questão polémica são as limitações impostas pela religião à socialização dos crentes com não-crentes. Os seus fiéis devem evitar a associação com não-crentes pois esta constituirá uma influência negativa nas suas pessoas. Em caso de expulsão (que pode não ser definitiva) ou saída voluntária de um dos membros é usual a cessação de todo o contacto por parte dos restantes membros12.

 

5. Análise da decisão e argumentação do Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos

5.1 Da violação do artigo 8.º em ligação com o artigo 14.º

A autora alega que o TN ao estabelecer a residência dos filhos menores com o pai, após residirem dois anos consigo, viola o artigo 8.º da CEDH em ligação com o artigo 14.º. Sustenta a autora que ao tentar justificar a ingerência nos seus direitos (de acordo com o artigo 8.º n.º 2), o TN se baseou unicamente em alegações feitas pelo seu ex-marido, opiniões de amigos, o parecer de um psiquiatra consultado exclusivamente pelo ex-marido e nas declarações dos filhos, as quais foram segundo a autora obtidas em circunstâncias de validade discutível. Argumenta que o TN analisou a situação em abstracto e apoiado apenas nas provas fornecidas pelo seu ex-marido tomou uma decisão baseada nas suas convicções religiosas com o objectivo de julgar de forma discriminatória as crenças dos TdJ como colectivo. Contesta também a autora que os interesses das crianças tenham sido devidamente acautelados. 

O TEDH deu razão à autora em grande parte das suas alegações. Considerou que o julgamento do TN constituiu uma verdadeira interferência na vida privada e familiar da autora e não apenas uma intervenção judicial regular em caso de divórcio. Mais, considerou que o TN tratou de forma diferente a autora na base de uma análise demasiado severa dos princípios pela qual a sua religião prescreve a educação das crianças. O TEDH rematou com a conclusão de que, apesar de o fim da protecção do interesse das crianças ser legítimo, os meios utilizados para o conseguir pelo TN são desproporcionais13.

 

5.1.1 Os contra-argumentos do governo francês

Antes de proceder à análise da decisão do TEDH vale a pena atentar em alguns argumentos do governo francês (GF). Após declarar que não considera que tenha existido uma interferência na acepção do artigo 8.º n.º 2, o GF concede que caso o TEDH discorde e considere que esta interferência existiu ela foi feita de acordo com a lei (Código Civil), serviu o fim legítimo de protecção do interesse da criança e foi proporcional visto que no caso concreto o interesse dos filhos deve e tem de prevalecer sobre o interesse dos pais. Argumenta que o TN agiu com base em provas concretas e nos testemunhos das crianças, vindo a considerar na senda destes que a educação que lhes estava a ser imposta pela mãe não era compatível com um desenvolvimento saudável. O GF aponta como exemplo o facto de as crianças serem obrigadas a tomar parte de actividades de proselitismo14. O GF considera que não houve um julgamento abstracto da conduta dos TdJ. O TN observou e julgou no caso concreto o efeito que uma observação estrita dos preceitos impostos por esta religião estava a ter nos menores. Por fim, na hipótese de o TEDH considerar que estão preenchidas as condições de aplicação do artigo 14.º, o GF invoca que qualquer distinção feita entre a autora e o marido por motivos religiosos será proporcional e com o fim de proteger o superior interesse das crianças pelos argumentos explicados anteriormente.

 

5.1.2 Análise crítica do problema

5.1.2.1 Da omissão do artigo 9.º na ligação do artigo 8.º com o artigo 14.º

Apesar dos argumentos em contrário do GF parece-nos incontestável que existiu uma ingerência na acepção art.º 8.º da CEDH, resta apenas saber se esta cumpre os requisitos para ser considerada aceitável. Nomeadamente se existe previsão legal e é proporcionalidade. Ao invocar no seu pedido o art.º 8.º a autora obviamente teve de fazer a ligação deste ao art.º 14 da CEDH15. Não havendo discriminação (motivos religiosos) a restrição aos seus direitos seria aceitável de acordo com o art.º 8.º n.º 2 da CEDH. A autora invoca também uma violação do art.º 9.º da CEDH em ligação com o art.º 14.º da CEDH. O TEDH optou por se pronunciar apenas sobre o art.º 8.º em ligação com o art.º 14.º, mas não sobre o art.º 9.º, solução cuja incoerência é fácil de demonstrar. Em abstracto, estando perante uma discriminação em função da religião da autora pelo TN estaríamos também perante uma restrição à liberdade de religião, nomeadamente na sua dimensão externa16 ou da liberdade de manifestação17. 

O TEDH também percebeu isto, mas talvez porque uma manifestação sobre liberdade de religião em sentido estrito seria mais delicada que o caminho seguido pelo TEDH, e certamente faria deste um landmark case optou pela solução supra. No entanto, ainda que não positivada de forma taxativa, a análise do problema das restrições ao direito à liberdade religiosa é central na decisão do TEDH. Vejamos, O TEDH considera que o TN deu excessiva importância à religião da autora tratando os progenitores de forma diferente com base numa análise dura dos preceitos que os Testemunhas de Jeová prescrevem para a educação dos jovens. Segundo este tribunal a análise “abstracta” e “excessivamente dura” não é suficiente para justificar a proporcionalidade da diferenciação de tratamento entre os progenitores (a alegada discriminação). Em suma, para o TEDH existe discriminação, ela não é justificada pois a medida aplicada é desproporcional quando analisados os direitos em conflito mesmo que o fim da defesa do superior interesse dos menores seja legítimo18. A liberdade de religião da autora acaba aqui por “triunfar” sobre os outros direitos em análise, o que na nossa opinião constitui uma decisão incorrecta como explicaremos infra. Por agora, deve ficar esclarecido que o analisado pelo TEDH neste acórdão foi um problema dos limites do direito de liberdade religiosa, mesmo que não o tenho admitido taxativamente. Assim sendo, a nossa argumentação incidirá centralmente sobre este problema.

 

5.2.1.2 Do efeito da religião no desenvolvimento humano e do carácter discriminatório da análise abstracta da religião

De acordo com a autora, o TN fez um julgamento abstracto das convicções religiosas dos TdJ não atendendo à sua situação em concreto. Já o GF defendeu-se afirmando que o que tinha sido analisado era a situação em concreto e caso se entendesse que tinha havido uma distinção devido à religião da autora aquela devia considerar-se proporcional por ter o fim de proteger o interesse da criança. Levanta-se, assim, as seguintes questões: até que ponto deve ser aceite um julgamento em abstracto das convicções religiosas da autora para proteger o interesse dos menores? Poderão os tribunais julgar em abstracto todas as práticas de uma religião de forma a avaliar o possível comportamento dos seus fiéis no futuro? Poderá a conclusão mudar por ter ficado provado que a autora segue de forma estrita a sua religião? Ou em alternativa devemos apenas ter em conta os factos ocorridos e abster-nos de “especular” sobre o futuro?

A primeira opção seria uma violação gritante do princípio da não discriminação em função da religião. Não só seria inaceitável devido a este facto, como também não se revelaria propriamente útil na protecção dos interesses da criança. Numa dada religião, nem todos os crentes seguem os preceitos religiosos de forma absoluta. Resumindo, uma excessiva abstracção não tem absolutamente nenhuma vantagem e apenas representaria uma repressão ao pensamento religioso completamente incompatível com um Estado de Direito. 

Deveremos então incidir apenas sobre os factos concretos e já ocorridos? Esta solução só aparentemente é preferível à anteriormente apresentada. Se, como no caso, existirem provas de que determinado indivíduo segue com grande rigor a sua religião e atende a determinadas prescrições de certo grau de exigência poderemos com um elevado grau de probabilidade prever que no futuro irá cumprir também as prescrições de exigência semelhante. Obviamente que esta abordagem não é infalível. No entanto, quando é necessário proteger outros valores/direitos de grande relevância (o superior interesse da criança in casu), não é possível negar que é perfeitamente justificável e de elevada utilidade prática. Mais, adoptar uma posição em que apenas são analisáveis os factos concretos e já ocorridos poderá deixar desprotegidos os mais fracos que terão que aguardar que o dano efectivamente aconteça.

Não devemos esquecer que os efeitos do seguimento estrito de certos preceitos religiosos são extensos e de elevadíssima importância na vida e futuro dos seus seguidores. A título de exemplo pensemos nas restrições impostas aos Judeus e Muçulmanos que devem preparar os seus alimentos de acordo com as regras kosher e halal respectivamente. Estas regras regulam desde os alimentos que podem ou não podem ser consumidos até à maneira como poderá ser abatido o animal pelo que obrigam os crentes a especial cuidado na altura de escolher os seus alimentos, ainda mais no mundo actual com elevada presença de produtos alimentares processados19. São também comuns as crenças que não proibindo completamente um determinado tipo de alimento restringem o seu consumo em determinadas ocasiões com significado religioso ou prescrevem jejum ocasional. Também em termos laborais a crença afectará profundamente a vida do indivíduo, existem diferentes dias sagrados em que o indivíduo não poderá exercer a sua profissão que variam conforme a religião, poderão existir determinadas constrições ao exercício da sua profissão motivadas por questões de crença. As mais notórias serão as que acontecem no campo militar e médico e no limite poderão existir mesmo algumas ocupações vedadas. As próprias escolhas de indumentária poderão estar limitadas pela religião20, esta limitação pode ser indirecta quando derivada apenas da ética baseada nos valores da sua religião ou directa quando prescrita no livro sagrado ou pelos órgãos superiores na orgânica da religião. Em termos educativos poderá ser fomentado o ensino dos valores religiosos através da catequese ou mesmo aulas específicas em contexto escolar como a educação moral e religiosa existente em Portugal21. Noutros casos poderá também haver um choque entre o programa científico que deve ser ensinado nas escolas e a dogmática religiosa, nos Estados Unidos da América existe um debate aceso sobre o ensino do modelo darwinístico da evolução, uma vez que uma franja radical defende o ensino em paralelo de teorias criacionistas ou de “design inteligente”22. Questões particularmente polémicas são as que colocam em oposição os valores do Estado aos da religião em questões familiares e de sexualidade, vejamos os exemplos da poligamia é que é aceite por diversas religiões, mas liminarmente rejeitada pelos Estados ditos Ocidentais, o divórcio, o casamento e adopção por casais do mesmo sexo, a utilização e distribuição de métodos contraceptivos, a prática de relações sexuais antes do casamento etc. No fundo a religião é muitas vezes essencial à vida do indivíduo e pode moldá-lo das mais diversas formas, algumas positivas outras negativas, algumas têm impacto durante toda a vida e outras apenas em determinados momentos específicos. 

Agora atentemos na seguinte situação hipotética: determinado indivíduo segue uma religião que lhe impõe o dever de jejuar semanalmente, recusar transfusões sanguíneas e recusar a participação em serviço militar. Por ordem de exigência das prescrições consideramos que o jejuar será pouco exigente e fácil de cumprir, a recusa de transfusões sanguíneas será a mais exigente pois pode colocar até em perigo a vida do indivíduo, a recusa do serviço militar encontra-se num ponto intermédio. Ora este fiel desde os 12 anos que cumpre o jejum semanal, aos 18 recusou uma transfusão sanguínea numa situação de perigo de vida, podemos com segurança afirmar que aos 21 anos, após terminar os seus estudos recusará também o serviço militar obrigatório vigente no seu país? Parece-nos que sim. Uma pessoa altamente devota como a do nosso hipotético que já cumpriu prescrições religiosas de maior exigência tenderá também a cumprir as de menor. Agora, caso o nosso indivíduo apenas cumprisse semanalmente o jejum e nunca se tivesse visto numa situação em que precisava desta transfusão sanguínea logo nunca tendo oportunidade de recuar, não teríamos maneira de prever se recusaria ou não o serviço militar pois a recusa deste exigiria muito mais dedicação que o jejum semanal. Na sua versão mais devota, é provável que o nosso indivíduo a ter descendentes os queira educar de acordo com as suas crenças. 

O que tão bem nos demonstra este hipotético é que provado, que o indivíduo segue de forma estrita e rigorosa a sua religião e observa preceitos de determinado grau de exigência, não deverá o tribunal ficar impedido tomar em conta determinadas prescrições da sua religião que são de igual ou menor exigência e que poderão interferir com o bem-estar dos menores (apenas) no futuro, pois é provável que este os vá cumprir. Assim, e apoiados pelas informações que temos sobre autora, podemos deduzir que esta, sendo uma Testemunha de Jeová que pratica de forma rigorosa estrita a sua religião, estando mesmo envolvida em actividades de proselitismo, deverá cumprir, pelo menos, as prescrições religiosas que não representem um grau de exigência superior. No caso temos ainda uma indicação subsequente de que a Autora pretende educar os menores estritamente de acordo com os princípios da sua religião, isto é afirmado por ela própria23. Urge então fazer a análise dos efeitos que estas actividades poderão ter nas crianças.

Posto isto, colocam-se questões sobre inúmeras práticas relacionadas com a religião da autora, nomeadamente o proselitismo tradicional dessa religião, o papel subalterno da mulher, a recusa de serviço militar e transfusões sanguíneas e a existência de eventuais obstáculos à socialização fora do grupo.

O proselitismo consiste na tentativa converter não-crentes. É uma prática controversa e muitas vezes com conotação negativa mas também, com os devidos limites, um aspecto crucial da liberdade religiosa24. Já apontámos supra o facto de os TdJ incitarem os seus seguidores a este tipo de actividades, nomeadamente através da tentativa de conversão porta a porta; também alertámos para o facto de os menores serem obrigados pela autora a participar. Em Kokkinakis vs. Grécia, o TEDH já teve oportunidade de julgar os limites do aceitável no proselitismo. Optou por fazer uma divisão não densificada em proselitismo aceitável e não aceitável (abusivo), sendo que o segundo pode ser restringido, mas sem o primeiro a liberdade religiosa ficaria gravemente afectada25. Não sabemos qual dos tipos de proselitismo praticaria a autora fazendo-se acompanhar dos menores, mas o tribunal deveria ter analisado esta questão com maior seriedade.

Também não nos parece fácil aceitar o papel subalterno da mulher na cultura dos TdJ. Não obstante crenças religiosas, o princípio da igualdade e a igualdade entre sexos é um pilar do Estado de Direito. Perante a possibilidade real dos menores virem a ser educados por uma cultura que desconsidera a importância deste valor o Tribunal deve indagar de forma séria se tal educação não será danosa ao seu interesse e desenvolvimento futuro. 

A recusa do serviço militar26 deverá constituir um problema menor em relação às outras questões que levantamos. É hoje pacífica a existência do direito à objecção de consciência. Significará uma constrição em termos laborais por vedar uma eventual carreira aos menores, mas o seu efeito no desenvolvimento destes será provavelmente neutro ou pelo menos impossível de prever. 

O problema da recusa das transfusões de sangue27 é certamente difícil e por isso profundamente discutido pela doutrina médica e jurídica28. Incontestável é que o tratamento através da transfusão de sangue e hemoderivados é por vezes imprescindível. Os profissionais médicos já evitam ao máximo a utilização deste recurso escasso. Se a sua não utilização em casos em que tal é recusado por adultos capazes já pode levantar dúvidas quando represente um risco/dificuldade acrescida na operação médica, ou quando seja substancialmente mais oneroso para o erário público, quando se trata de menores é impensável29. O facto de o representante legal (progenitor) se manifestar contra pode dificultar o trabalho médico em emergências e terá também consequências futuras uma vez que é elevada a probabilidade de o menor quando se tornar adulto se manifestar também contra este tipo de tratamento. 

Por último, chegamos a uma questão que não tem merecido tanta atenção quando devia: as restrições à socialização fora do grupo dos TdJ. Os crentes são incitados a evitar associações terrenas (worldly associations). A base desta ideia é que este tipo de relações pode causar mal espiritual ou tentação para os crentes. O resultado prático é o desconhecimento parcial ou completo (no caso de crianças criadas no seio da religião) de estilos de vida e ideias alternativas àquelas aprovadas pelo dogma da religião30. Esta restrição aos interesses da criança e ao seu desenvolvimento saudável não deverá ser desconsiderada. A sua análise e ponderação é fulcral para proteger os menores31. Outro factor de grande importância que devemos ter em conta é que devido ao facto de os TdJ recusarem uma série de comportamentos universalmente aceites na sociedade contemporânea e de a expulsão ou saída voluntária implicar a cessação de comunicação com o grupo, é bastante possível que um indivíduo que devido, às restrições que lhe foram impostas apenas confraterniza com outros TdJ caso seja expulso fique completamente isolado (dos membros dos TdJ porque estes cessam a comunicação com o indivíduo pós-expulsão, e de pessoas que não fazem parte desta religião pois nunca teve convivência com elas). 

No caso concreto existe também uma opinião de um profissional médico que foi desconsiderada. Nesta o psiquiatra afirma que “that child C. experiences his mother's prohibitions, via the Jehovah's Witnesses, as distressing and frustrating' and that 'child M. suffers from the religious constraints imposed on him and expressed a wish to live in Aigues-Mortes with his father as far back as the beginning of 1997'”. Se o TEDH tivesse dúvidas da idoneidade deste profissional seria relevante pedir, no mínimo, a submissão dos menores à avaliação de outro. Certo é que os Tribunais Nacionais não viram razões para tais dúvidas. Por princípio o Direito deve saber procurar informação nas outras áreas do conhecimento para informar as suas decisões, assim ignorar, sem razões atendíveis, a opinião de um profissional muito mais capacitado para analisar o estado da psique dos menores que o juiz é desaconselhável. 

Tendo em conta todas estas informações, não seria descabido, em nome do interesse dos menores, esmiuçar devidamente o tratamento passado e provável tratamento futuro dado pela autora aos menores. 

No caso, o seguimento estrito da religião da autora está a ter um impacto negativo - de acordo com a opinião do profissional consultado - no desenvolvimento dos menores. No futuro o impacto poderá ser ainda mais danoso, pela análise das prescrições da religião da Autora, pelo seu seguimento estrito dela que fará prever que a aplique também de forma estrita na educação dos menores, e pela sua própria afirmação que o fará.  

É legítima a condenação aos preceitos educativos da religião da autora e deve ser aceite como argumento válido na ponderação de onde estabelecer a residência dos menores. A conclusão do TEDH de que não existe nenhuma prova concreta e directa da influência da religião da autora no desenvolvimento das crianças parte de uma premissa errada, ignora deliberadamente os estudos científicos feitos em torno desta questão, a opinião do profissional de saúde que as avaliou, a opinião das próprias crianças e furta-se a uma análise séria da religião da autora e do modo como ela a prática o que levaria incontestavelmente às mesmas conclusões a que chegamos. Em suma, o TEDH sacrificou o superior interesse das crianças com vista a proteger de forma manifestamente excessiva o direito à liberdade religiosa da autora.

 

5.2.1.3 O problema da colisão entre a liberdade de religião da autora e a liberdade de religião dos menores

A liberdade religiosa incitará sempre confrontos e colisões dentro de si mesma32. Nestes casos, o desafio é diferente. Até que ponto pode ir a tentativa de conversão de um individuo? Quando é que deixa de prevalecer este elemento fundamental da liberdade de religião do individuo interessado em converter e passa a imperar o direito do individuo de manter a sua religião ou de não possuir nenhuma. É aceitável tentar a conversão porta a porta uma vez, mas porventura já não o será repetir a tentativa semanalmente após receber uma resposta negativa. A linha entre o que é ou não aceitável, na verdade, é muito ténue. O que é pacífico é que ninguém poderá ser obrigado a professar (ou possuir) uma religião que não quer. 

A análise do caso em apreço não ficaria completa sem um pequeno apartado sobre esta questão. À luz da carta escrita por um dos menores e da opinião do psiquiatra, devemos perguntar-nos se o direito dos pais educarem os filhos conforme as suas convicções não foi neste caso ultrapassado. 

Particularmente preocupantes nesta análise são os exemplos das actividades de proselitismo conduzidas pela autora com os menores e os eventuais problemas de socialização fora do grupo para os quais já alertámos supra. Para além das conclusões que já referimos, parece-nos também que, no caso do proselitismo, se este não for devidamente compreendido pelos menores, se estes forem obrigados a tomar parte dele contra a sua vontade33 e se estas actividades estiverem a afectar negativamente o seu desenvolvimento, exceder-se-ão os limites da liberdade religiosa da autora e do seu direito de educar os filhos conforme as suas crenças. Por conseguinte, entrar-se-á no campo de uma violação ao direito de liberdade religiosa dos menores ao lhes ser impingida uma religião contra sua vontade.

Quando à questão da socialização fora do grupo, para além dos outros confrontos e colisões de direitos para os quais chamamos a atenção, parece-nos que caso a autora esteja a restringir contra vontade dos menores a sua socialização com crianças que não sejam TdJ estará de novo a extravasar vastamente os seus direitos a impor as prescrições de uma religião que as crianças não desejam e pela qual estão a ser negativamente afectadas. 

 

6. Da incoerência do Acórdão Palau-Martinez vs. France em relação outras pronúncias do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

O Acórdão Hoffmann vs. Austria é um marco na jurisprudência do TEDH no que concerne à discriminação por motivos religiosos contra os TdJ. À primeira vista, a matéria de facto entre estes dois casos parece idêntica: numa situação de divórcio a custódia dos filhos é entregue ao pai devido ao facto de TN considerar que uma educação segundo os preceitos dos TdJ poderá causar danos no desenvolvimento dos menores. Assim, não é de admirar que a autora procure estabelecer paralelismo entre os dois casos. Contudo, existem alguns pormenores que são vastamente distintos e deveriam ter feito toda a diferença no julgamento do TEDH. 

Em Hoffmann vs. Austria, é dado como provado que os menores têm laços emocionais mais estreitos com a mãe e que separá-los da progenitora poderia causar-lhes danos psicológicos. Esta conclusão é reforçada pela opinião profissional de um psicólogo. No caso Palau-Martinez vs. France, acontece precisamente o inverso. Existe uma carta de um dos menores a manifestar expressamente o desejo de não ver estabelecida a sua residência com a autora e uma opinião de um psiquiatra a atestar que tal poderia causar danos no futuro desenvolvimento das crianças. A decisão do TEDH escolhe ignorar completamente estes factos neste aresto. Já no acórdão Hoffmann vs. Áustria o TEDH admoesta o Supremo Tribunal Austríaco por ignorar as opiniões dos profissionais de saúde. Em Gineitienė vs. Lithuania parece atribuir uma muito maior importância à opinião/vontade da criança34. Não conseguimos explicar o porquê destas incoerências. 

Ademais, não fica provado em Hoffmann vs. Austria que a mãe alguma vez se tenha feito acompanhar pelos filhos em actividades de proselitismo o que foi feito por Palau-Martinez.

Por último, devemos expressar que o acórdão Hoffmann vs. Austria é, na nossa opinião, uma das pronúncias mais infelizes do TEDH. Aliás, as opiniões dissidentes dos Juízes Walsh, e Valticos estão em linha com as preocupações que expressámos supra relativamente ao acórdão Palau-Martinez vs. France e que na sua maioria também aqui são pertinentes. Quando o TEDH afirma que “notwithstanding any possible arguments to the contrary, a distinction based essentially on a difference in religion alone is not acceptable” estabelece um precedente verdadeiramente desastroso. O TEDH confunde distinção / diferenciação com base em comportamentos exigidos por uma religião e atendidos por um crente com discriminação com base na religião. A verdade é que a diferenciação feita pelos TNs teve em conta a liberdade de religião na sua acepção externa que, como sabemos, tem limites. Infelizmente, a pobre escolha de palavras do TEDH levanta a possibilidade de uma interpretação em que comportamentos exigidos por uma religião e atendidos por um crente não podem nunca ser motivo de diferenciação, o que é obviamente absurdo como explicámos supra. Tudo isto levou a um conjunto de abusos do direito à liberdade religiosa que infelizmente o TEDH ainda não teve a coragem de impedir. Os vários erros e omissões que apontamos no julgamento de Palau-Martinez vs. France não são mais que um resultado deste fenómeno.

 

7. Conclusão

Na sociedade multicultural, tecnológica e multirreligiosa em que vivemos são inevitáveis os conflitos e colisões de direitos envolvendo direitos de liberdade religiosa. Uma resolução adequada e justa destes conflitos exige uma visão actualista e proporcional do que é e até onde se estende a liberdade religiosa e de quando existe uma discriminação por motivos religiosos. 

Como já referimos supra, os Estados devem criar as condições necessárias para que os crentes possam manifestar a sua religião, pois sem o seu âmbito externo a liberdade religiosa fica muito aquém estar completa. No entanto, ao interpretar esta exigência não podemos cair no absurdo de afirmar que o Estado deve fazer um esforço excessivamente oneroso em nome da religião, ou que a religião não está sujeita ao escrutínio político e jurídico como todos os outros fenómenos sociais. É de todo falacioso afirmar que este escrutínio é uma discriminação. 

Claro que este é um equilíbrio precário e casuístico onde o julgador será frequentemente confrontado com decisões difíceis. Em Palau-Martinez vs. France somos da opinião que o TEDH preteriu erradamente os direitos dos menores, numa tentativa de assegurar a liberdade de religião da autora e a liberdade de religião no geral. Olhando para o caso em concreto, podemos ver que o interesse dos menores (no presente) apontava inegavelmente para a manutenção da decisão dos tribunais nacionais. Haviam argumentos emocionais que apontavam neste sentido como a maior proximidade dos menores ao pai, argumentos médicos como a opinião de um profissional de saúde no mesmo sentido e até argumentos relacionados com a própria liberdade de religião dos menores que podia não estar a ser respeitada pela autora. Fora isto, haviam também considerações sobre o futuro dos menores que deveriam ter sido ponderadas. O TEDH quis evitar olhar de forma séria e científica para a maneira como a autora praticava a sua religião. Esta é uma lacuna flagrante desta decisão, a sua falta de base científica. O TEDH na sua decisão não analisa a extensa literatura científica que existe sobre determinados comportamentos que a autora pratica e sobre a sua religião em geral. Isto não deve ser aceitável no Direito que não poder “viver” ignorando a realidade onde é aplicado.  

Na verdade, este acórdão não assegura sequer o mínimo de justiça na forma de segurança jurídica, uma vez que não é coerente com outras pronúncias do próprio TEDH em situações semelhantes referidas supra

O TEDH deveria ter aceite a necessidade de restringir os direitos da autora com base, entre outros, no direito à liberdade, dignidade e bem-estar e à própria liberdade de religião dos menores. Ao não o fazer acaba a colocar em cheque o próprio direito à liberdade de religião dos filhos quando estes decidam demonstra-la de forma incompatível com as crenças dos pais. Esta última questão foi completamente desconsiderada de maneira a que o TEDH nem procurou conhecer o grau de maturidade das crianças quando manifestaram a sua vontade de viver com o pai e desconforto com a religião da autora. No fundo em Palau-Martinez vs. France o TEDH decide de forma excessivamente consequencialista, aparentando maior preocupação com o impacto que a sua jurisprudência poderá ter no direito à liberdade de religião em abstracto do que com o caso concreto. Acontece que como consequência disto decide de forma errada no caso em concreto, não protege a liberdade de religião em abstracto e toma uma decisão incoerente o que nada abona a favor da segurança jurídica.

 

NOTAS

1  Mestrando em Direito da União Europeia na Escola de Direito da Universidade do Minho e Investigador no Centro de Estudos em Direito da União Europeia (CEDU).

2 Cfr. PAULO  PULIDO  ADRAGÃO , A Liberdade Religiosa e o Estado , Coimbra, 2002, pp. 13 e ss.         [ Links ]; MALCOLM  EVANS , Religious liberty and international law in Europe,  Cambridge, 1997, p. 1 e ss;         [ Links ] JÓNATAS MACHADO , A Jurisprudência constitucional portuguesa diante das ameaças à liberdade religiosa, Boletim da Faculdade de Direito,  Vol. LXXXII, 2006, pp. 65 e ss.         [ Links ]

3 Actualmente, mais de 83% da população mundial professa uma religião, em Portugal este número é de 93% na população com mais de 15 anos. Cfr. CENTRAL  INTELLIGENCE  AGENCY , The World Factbook . Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/xx.html [Consultado em 11/07/2016]; INSTITUTO  NACIONAL DE  ESTATÍSTICA , Censos 2011 Resultados Definitivos – Portugal , Lisboa, Instituto Nacional de Estatística I.P., 2012, p. 530.

4 Como nos dizem J. J. GOMES  CANOTILHO E  VITAL  MOREIRA  “A secularização do poder político e das instituições do Estado é uma das componentes mais eminentes da herança cultural do princípio republicano” na Constituição da República Portuguesa. Cfr .J.J. GOMES  CANOTILHO  / VITAL  MOREIRA , Fundamentos da Constituição , Coimbra, 1991, p. 89.

5 Cfr. JORGE  BACELAR  GOUVEIA , Direito, Religião e Sociedade no Estado Constitucional , Lisboa, 2012, pp. 25 e ss. Não podemos, contudo, concordar com a opinião expressa pelo autor relativamente à laicidade de matriz francesa em comparação com a norte-americana uma vez que não nos parece que a laicidade francesa veja a igreja como um inimigo ao passo que a laicidade norte-americana nem sempre apresenta uma verdadeira separação entre igreja e o Estado. Como breve suporte a esta afirmação apontamos a secção 1 do artigo 19.º da Constituição do Arkansas que afirma “ No person who denies the being of a God shall hold any office in the civil departments of this State, nor be competent to testify as a witness in any Court.”, a secção 4 do artigo 1.º da Constituição do Texas que afirma “No religious test shall ever be required as a qualification to any office, or public trust, in this State; nor shall any one be excluded from holding office on account of his religious sentiments, provided he acknowledge the existence of a Supreme Being.”, a Constituição da Carolina do Norte que no artigo 6.º sobre a epígrafe “The following persons shall be disqualified for office” dá como primeiro exemplo “First, any person who shall deny the being of Almighty God”, também a Constituição do Tennesee no artigo 9.º afirma “No person who denies the being of God, or a future state of rewards and punishments, shall hold any office in the civil department of this state”. Existem disposições semelhantes em várias constituições de Estados do chamado Bible Belt . Se efectivamente aplicadas estas disposições – dependendo da redacção – poderiam desqualificar não só os ateus, mas em alguns casos todos os crentes de religiões de origens não cristãs. Poderia ser defendido que estas redacções constitucionais estão simplesmente desactualizadas e ultrapassadas na história, no entanto uma sondagem recente da GALLUP  com a pergunta “if your party nominated a generally well-qualified person for president who happened to be ____, would you vote for that person?” aponta para o facto de menos de 60% dos cidadãos estarem dispostos a votar num ateu, apenas 60% num muçulmano, e apenas 72% num cristão evangélico. Estas três crenças são apenas ultrapassadas pelos socialistas como os menos prováveis de conquistarem a simpatia do povo americano. Somos levados assim á conclusão que o prescrito nestas constituições se encontra de acordo com o “espírito do povo”, o que levanta sérias dúvidas quanto ao modelo americano de laicidade. Cfr. GALLUP,  “Support for Nontraditional Candidates Varies by Religion ”, Disponível em:  http://www.gallup.com/poll/183791/support-nontraditional-candidates-varies religion.aspx?g_source=atheist&g_medium=search&g_campaign=tiles [Consultado em 17/03/2016] Sobre a análise sociológica desta questão (ainda que baseada em estatísticas ligeiramente desactualizadas) cfr. PENNY  EDGELL  / JOSEPH  GERTEIS  / DOUGLAS  HARTMANN , Atheists As “Other”: Moral Boundaries and Cultural Membership in American Society, American Sociological Review , Vol. 71, 2006, p. 238 e ss.; LORI  G. BEAMAN,  Freedom of and Freedom from Religion: Atheist Involvement in Legal Cases, in  LORI  G. BEAMAN  / STEVEN  TOMLINS  (ed.), Atheist Identities – Spaces and Social Contexts, New York, 2015, p. 39 e ss. De opinião semelhante à nossa sobre a laicidade francesa cfr. THEODOSIOS  TSIVOLAS , Law and Religious Cultural Heritage in Europe , New York, 2014, p. 24 e ss. De opinião diferente da nossa e de JORGE BACELAR  GOUVEIA considerando que o conceito de liberdade religiosa Norte-Americano é deficiente por pouco amplo  cfr. PAULO  PULIDO  ADRAGÃO , Levar a Sério a Liberdade Religiosa: Uma Refundação Critica dos Estudos sobre o Direito das Relações Igreja-Estado , Coimbra, 2012, pp. 46 e ss.

6 Cfr. JÓNATAS  MACHADO , Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva: Dos Direitos da Verdade aos Direitos dos Cidadãos , Coimbra, 1996, pp. 186 e ss.; J. J. GOMES  CANOTILHO  / VITAL  MOREIRA , op. cit.,  pp. 313 e ss.; JORGE  MIRANDA  / RUI  MEDEIROS , Anotação ao Artigo 13., in JORGE  MIRANDA  / RUI  MEDEIROS , op. cit.,  p. 909 e ss.; JORGE  BACELAR  GOUVEIA , op. cit.,  pp. 24 e ss.; MARIANA  CANOTILHO , Anotação ao Artigo 21., in  ALESSANDRA  SILVEIRA  / MARIANA  CANOTILHO  (coord.), op. cit.,  pp 260. e ss. PATRÍCIA  JERÓNIMO , Anotação ao Artigo 22.º, in  ALESSANDRA  SILVEIRA  / MARIANA  CANOTILHO  (coord.), op. cit.,  pp. 269 e ss.;  MARIANA  CANOTILHO , Igualdade de Oportunidades e Não Discriminação, in  ALESSANDRA  SILVEIRA  / MARIANA  CANOTILHO  /PEDRO  MADEIRA  FROUFE  (coord), Direito da União Europeia :Elementos de Direito e Políticas da União,  Coimbra, Almedina, 2016, pp. 883 e ss.

7 Podemos encontrar referência expressa a estes princípios, a título de exemplo, no artigo 13.º n.º 2 e artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 5.º da Constituição da República Federativa do Brasil, nos art.os  14.º e 16.º da Constituição Espanhola, no artigo 1.º da Constituição Francesa, nos art.os  3.º e 4.º da Constituição Alemã, nos art.os  5.º e 13.º da Constituição Grega, apesar da redacção duvidosa dos art.os  3.º e 14.º da referenciada, no artigo 7.º da Constituição Austríaca, no artigo 19.º. 20.º e 21.º da Constituição Belga, nos art.os  6.º, 13.º e 37.º da Constituição Búlgara, nos art.os  14.º e 40.º da Constituição Croata, nos art.os  18.º e 28.º da Constituição do Chipre, que até define o conceito de “grupo religioso” no seu artigo 2.º, nos art.os  2.º, 12.º e 24.º da Constituição da Eslováquia, nos art.os  7.º, 14.º, 41.º da Constituição da Eslovénia, nos art.os  12.ºe 40.º da Constituição da Estónia, nos art.os  VII e XV da Constituição Húngara, não obstante a referência histórica ao cristianismo e ao Deus Cristão no preâmbulo da referida, no artigo 44.º da Constituição na República da Irlanda, ainda que com uma redacção censurável, nos art.os  3.º, 7.º, 8.º, 19.º da Constituição Italiana, no artigo 99.º da Constituição da Letónia, nos art.os 26.º e 29.º da Constituição da Lituânia, no artigo 2.º do Capítulo I e nos art.os  1.º e 2.º da Parte I do Capítulo II da Constituição da Suécia, na Constituição da Dinamarca na Parte VII n.º 70, não obstante a idade avançada e o especial sistema constitucional deste país, na primeira emenda à Constituição Norte-Americana (Federal), nos art.os  6.º e 11.º da Constituição Finlandesa, nos art.os  9.º e 14.º e no artigo 1.º do Protocolo n.º 12 da CEDH, nos art.os  2.º, 16.º e 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos art.os  10.º, 21.º e 22º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no artigo 2.º do Tratado da União Europeia e no artigo 10.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

8 Muitas vezes os Tribunais interpretam de forma demasiado exigente e excessiva este dever de o Estado proporcionar aos crentes as condições necessárias para a prática da sua religião. A nosso ver muito raramente este implica que o Estado (e muitos menos os privados) deva tratar de forma diferenciada o crente e isentá-lo de determinado dever na sociedade ou dar-lhe determinada benesse por motivos da sua religião, seja ela qual for. Isto é especialmente verdade quando a isenção ou atribuição de benesses a um grande número de indivíduos (mesmo que em abstracto) possa causar danos sociais ou económicos. Também o Tribunal Constitucional recentemente sofreu desta tentação de facilitar o exercício da liberdade de religião no sentido externo de determinado indivíduo quando considerou que uma Procuradora do Ministério Público e uma funcionária de uma empresa privada não teriam de trabalhar ao Sábado por tal ser contra as suas crenças religiosas. Lendo os dois acórdãos podemos concluir com alguma facilidade que o critério aplicado pelo Tribunal Constitucional facilmente se poderá tornar incomportável no futuro, basta para isso que o número de crentes em religiões que se recusam a trabalhar ao Sábado suba em Portugal ou que surja uma nova crença com prescrições semelhantes. Na hipótese puramente académica de o País X ter a religião A, B, C, D, E, G e F em que cada uma delas se encontra proporcionalmente representada e considera o seu dia sagrado de descanso um dia diferente da semana poderemos chegar ao absurdo, segundo o critério postulado pelo Tribunal Constitucional, de o Estado e os privados ficarem onerados a gerir os horários dos seus trabalhadores conforme a sua religião. Claro que isto causaria também problemas com o artigo 41.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 15.7.2014, n.º 545/2014; Acórdão do Tribunal Constitucional, de 15.7.2014, n.º 544/2014. Chamamos também a atenção para a lei da liberdade religiosa que, como analisado melhor infra , apesar da sua redacção feliz comete também alguns excessos. É o caso do seu artigo 14.º que deve ser repensado pelos argumentos supra , especialmente hoje que existem centenas de Pessoas Colectivas Religiosas registadas em Portugal (mesmo que isto não queira dizer que existem centenas de religiões é um dado revelador da pluralidade religiosa que existe actualmente no nosso país).

9 Cfr. J. J. GOMES  CANOTILHO  / VITAL  MOREIRA , Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª Ed., Coimbra, 2014, pp. 607 e ss.; JORGE  MIRANDA  / PEDRO  GARCIA  MARQUES , “Anotação ao Artigo 41.º”, in  JORGE  MIRANDA  / RUI  MEDEIROS , Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ªed., Coimbra, 2007, p. 909 e ss.; SARA  GUERREIRO , As Fronteiras da Tolerância: Liberdade Religiosa e Proselitismo na Convenção Europeia dos Direitos do Homem , Coimbra, Almedina, 2005, pp. 118 e ss.; VITAL MOREIRA , Anotação ao Artigo 10., in  ALESSANDRA  SILVEIRA  / MARIANA  CANOTILHO  (coord.), Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada , Coimbra, 2013, pp. 138 e ss. ; JORGE  MIRANDA , Manual de Direito Constitucional , Vol. II-4,, 3.ª Ed., Coimbra. 2014, p.93 e ss. ; MELANIE  ADRIAN , Religious Freedom at Risk: The EU, French Schools, and Why the Veil was Banned , New York, 2016, pp. 45 e ss. MARCELO  REBELO DE  SOUSA , Anotação ao art. º 2.º, in  MANUEL  LOPES  PORTO  / GONÇALO  ANASTÁCIO (coord.), Tratado de Lisboa: Anotado e Comentado,  Coimbra, 2012, pp. 27 e ss.; BELCHIOR DO ROSÁRIO  LOYA E  SAPUILE , Direito à liberdade religiosa na jurisprudência do TEDH: Alguns Leading Cases, Boletim da Faculdade de Direito,  Vol. LXXXII, 2006, pp.765 e ss.; JOÃO  SEABRA , Liberdade religiosa, Estado laico e religião no espaço público: alguns desenvolvimentos recentes na Europa, in PAULO  PULIDO  ADRAGÃO  (coord.), Atas do I Colóquio Luso-Italiano sobre a Liberdade Religiosa , Coimbra, 2014, pp. 57 e ss.

10 Os riscos de uma definição incorrecta de religião podem ir desde a exclusão das chamadas “novas religiões” ou de religiões de cariz menos convencional até à eventual exclusão de crenças como o ateísmo, o deísmo ou o agnosticismo que não são religiões strictu sensu . Existe assim uma certa cautela pelo legislador nacional e internacional – acertada – em avançar um conceito de religião procurando-se que o aplicador da lei faça uma interpretação o mais lata possível dependendo do caso. É isto que tem feito o TEDH adoptando uma concepção lata de religião e crença. Em Portugal, há que denotar a redacção de qualidade superior da lei da liberdade religiosa que, mantendo o cuidado de não definir um conceito de religião, elenca de forma muito ampla, mas nem por isso imprecisa, um conjunto relativamente completo de direitos individuais e colectivos de liberdade religiosa. Cfr, SARA  GUERREIRO , op. cit.,  113 e ss.; PAULO  PULIDO  ADRAGÃO , A Liberdade Religiosa …, pp. 405 e ss.; JÓNATAS  MACHADO , Liberdade Religiosa numa Comunidade…,  pp. 215 e ss; WDJCIECH  SADURSKI , Moral Pluralism and Legal Neutrality , Berlim, 1990, pp. 167 e ss.; MALCOLM  EVANS , op. cit.,  p.289 e ss.; JÓNATAS  MACHADO , Freedom of Religion: A View From Europe, Roger Williams University Law Review , Vol. 10, n.º 2, 2005, pp. 476 e ss.; RICHARD  RORTY , An ethics for today : finding common ground between philosophy and religion , New York, pp 43 e ss. Argumentando de forma brilhante que a liberdade de religião deve ser vista como um “direito geral” de independência ética e não na sua forma clássica como um “direito especial” cfr. RONALD  DWORKIN , Religion Without God , Massachusetts, 2013, pp. 105 e ss e 128 e ss.

11 Bem nos diz VIEIRA DE  ANDRADE  que para haver uma efectiva discriminação não basta estar presente a religião como qualidade do indivíduo, é também preciso que exista “intenção discriminatória, no sentido de uma diferenciação injustificada”. Para ilidir a dúvida sobre a razoabilidade ou não da diferenciação há que haver uma fundamentação clara e convincente. Voltaremos a esta questão infra  quando analisarmos em concreto os argumentos do TEDH. Cfr. JOSÉ  CARLOS  VIEIRA DE  ANDRADE , Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 5.ª ed., Coimbra, 2012, pp. 261 e ss.

12 ENCYCLOPÆDIA  BRITANNICA , Encyclopedia of World Religions , Singapura, 2006, p. 563.; J. GORDON  MELTON , Encyclopedia of American Religions,  7.ª ed., New York, 2003, pp. 1213 e ss; J. GORDON MELTON , Encyclopedia of Protestantism , New York., 2005, pp. 307 e ss.; DAVID  L. WEDDLE , Jehovah’s Witnesses, in  LINDSAY  JONES  (ed.), Encyclopedia of Religion , Vol.III, 2.ª Ed., New York, 2005, pp. 4820 e ss.; KLAUS  V. LOTTES , Jehovah's Witnesses: A Contemporary Sectarian Community , 1972, pp. 45 e ss. Disponível em: https://macsphere.mcmaster.ca/handle/11375/12222 [Consultado em 17 de Março de 2016] 

13 12  PAUL  M. TAYLOR , Freedom of Religion: UN and European Human Rights Law and Practice , Cambridge, 2015, pp. 269 e ss.         [ Links ]

14 As Testemunhas de Jeová justificam as suas actividades de proselitismo com uma interpretação restrita de algumas passagens bíblicas das quais transcrevemos alguns exemplos ilustrativos: “Portanto, vão e façam discípulos de pessoas de todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do espírito santo” (Mateus 28:19), “ensinando- as a obedecer a todas as coisas que lhes ordenei. E saibam que eu estou com vocês todos os dias, até o final do sistema de coisas” (Mateus 28:20), “Ao irem, preguem, dizendo: ‘O Reino dos céus está próximo” (Mateus 10:7), “Em qualquer cidade ou aldeia em que entrarem, procurem nela quem é merecedor e fiquem ali até partirem. Ao entrarem na casa, cumprimentem a família. Se a casa for merecedora, venha sobre ela a paz que lhe desejam; mas, se ela não for merecedora, que a paz volte a vocês. (Mateus 10:11-13). Sobre esta questão será relevante conferir o site oficial do grupo disponível em:https://www.jw.org/, [Consultado em 11/03/2016] Cfr. WATCH  TOWER  BIBLE AND  TRACT  SOCIETY OF  PENNSYLVANIA , Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada , rev. 2015, New York, 2015, pp. 1356 e 1388. Todas as citações bíblicas serão feitas a esta particular edição por ser a edição oficial das Testemunhas de Jeová.

15 Que como bem diz o TEDH complementa outras prescrições substantivas da CEDH, não tendo existência independente.

16 Toda a discriminação por motivos religiosos pressupõe uma restrição inadmissível à liberdade religiosa. Caso a restrição seja admissível não será mais que uma diferenciação justificada e caso não exista qualquer restrição não existe também discriminação ou sequer diferenciação.

17 A aceitarmos a tese da autora o TN estaria a condicionar a manifestação da sua religião a uma condição inaceitável, a de os filhos deixarem de residir consigo.

18 O princípio da proporcionalidade divide-se em três subprincípios: o princípio da adequação, o princípio da necessidade ou exigibilidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O princípio da adequação diz-nos que os meios utilizados devem revelar-se como adequados em abstracto para a realização do fim. O princípio da necessidade afirma que o meio utilizado na prossecução do fim deve ser o menos oneroso possível para o cidadão. O princípio da proporcionalidade em sentido estrito prescreve que não poderão adoptar-se medidas para alcançar o fim que sejam excessivas ou desproporcionais.

19 Cfr. JOAN  SABATE ´, Religion, diet and research,British Journal of Nutrition , Vol. 92, 2004, pp. 199 e ss.; DANIELE  MATHRAS  et. al., The effects of religion on consumer behavior: A conceptual framework and research agenda, Journal of Consumer Psychology , Vol. 26, n. º2, 2016, pp. 298 e ss.; RENUKA MAHADEVAN  / SANDY  SUARDI , Is there a role for caste and religion in food security policy? A look at rural India, Economic Modelling , Vol. 31., Março de 2013, pp. 58 e ss.; JOHAN  FISCHER , Markets, religion, regulation: Kosher, halal and Hindu vegetarianism in global perspective, Geoforum , Vol. 39, 2016, pp. 67 e ss.; MUHAMMAD  JAHANGIR  et. al., Halal status of ingredients after physicochemical alteration (Istihalah), in Trends in Food Science & Technology , Vol. 47, 2016, pp. 78 e ss.; MUSTAFA  M. FAROUK , Advances in the industrial production of halal and kosher red meat, Meat Science , Vol. 95, n.º 4, 2013, pp. 805 e ss.;

20 É do conhecimento geral a polémica motivada pela lei francesa que proibia a utilização de roupas que tapassem o rosto em público e como essa ordem legal chocava com a indumentária tradicional das mulheres muçulmanas. O TEDH chamado a pronunciar-se sobre esta questão decidiu por maioria esmagadora, e bem, que a lei não representava nenhuma violação dos Direitos Humanos. A mesma decisão foi tomada em caso semelhante na Turquia. Ainda assim, continuam a existir algumas vozes dissonantes na doutrina que apontam várias incorrecções à decisão. Cfr. Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, de 1.7.2014, S.A.S vs. France; Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 4.12.2008, Dogru vs. France; Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, de 10.11.2005, Leyla Ş ahin vs. Turkey; Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, de 15.1.2013, Eweida and Others vs. The United Kingdom. Sobre as opiniões concordantes e divergentes na doutrina relativas à questão da proibição da indumentária tradicional muçulmana cfr. VICENTE  A. SANJURJO  RIVO , Estado Constitucional y derecho a la libertad religiosa: especial atención a la manifestación de símbolos religiosos en el ámbito educativo, Dereito: revista xurídica da Universidade de Santiago de Compostela , Vol. 22, n.º ext, 2013, pp. 653 e ss.; PATRÍCIA  JERÓNIMO , Intolerância religiosa e minorias islâmicas na Europa: A censura do “Islão visível” - os minaretes e o véu - e a jurisprudência conivente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem , in PAULO  PULIDO  ADRAGÃO  (coord.), op. cit.,  85 e ss; PATRÍCIA  JERÓNIMO , Símbolos e símbolos: o véu islâmico e o crucifixo na jurisprudência recente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Scientia Iuridica,  Tomo LIX, n.º 323, Julho-Setembro de 2010, pp.497 e ss.

21 Sobre estas aulas, sejam elas aulas de educação moral e religiosa católica ou de outras confissões, é necessário que o legislador tenha a devida cautela de respeitar os preceitos do artigo 41.º da CRP. Já por duas vezes o legislador nacional e regional optou por condicionar a não permanência nestas aulas a uma cláusula de opt-out  o que viola flagrantemente pelo menos o artigo 41.º n.º 3.º da CRP. Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 27.10.1987, n.º 423/87; Acórdão do Tribunal Constitucional de 28.8.2014, n.º 578/2014. É também necessário assegurar o igual tratamento do Estado a todas as religiões. Cfr. Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, de 18.3.2011, Lautsi vs. Italy. Sobre este problema são também interessantes os argumentos avançados pelo Comité dos Direitos Humanos em Waldman vs. Canada. Cfr. Comunicação Waldman vs. Canada (n.º 694/1996), do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 3 de Novembro e 1999.

22 Os preponentes das “teorias” de “design inteligente” sucessoras das “teorias” criacionistas, que tiveram que se “reinventar” após múltiplas derrotas na justiça norte-americana, procuram desacreditar a teoria da evolução de forma a encontrar um espaço para o ensino das suas “teorias” pseudocientíficas. Para o conseguir utilizam uma série de argumentos falaciosos afastando através de um boneco de palha o termo “teoria” da sua acepção cientifica e atacando-o na sua acepção comum de palpite. Procuram também apontar diversas “lacunas” na teoria da evolução e explorar noções preconcebidas para se furtarem ao ónus da prova cientifico, uma vez que são incapazes de apresentar qualquer suporte empírico para as suas afirmações. De facto, a comunidade cientifica já há muito que provou a ocorrência da evolução, a discussão situa-se apenas em aspectos específicos desta evolução. Mesmo assim nos Estados Unidos da América este debate tem sido bastante controvertido ainda que os Tribunais considerem reiteradamente que o “design inteligente” não é uma ciência. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Norte-Americano, de 19.7.1987; Edwards vs. Aguillard; Acórdão do United States District Court for the Middle District of Pennsylvania, de 20.12.2005, Kitzmiller vs. Dover Area School District; Acórdão do United States District Court for the Central District of California de 28.3.2008, Association of Christian Schools International vs. Roman Stearns (em 12 de Janeiro de 2010 o Ninth Circuit Court of Appeals confirmou a decisão original e em 12 de Outubro de 2010 o Supremo Tribunal Norte-Americano recusou-se a analisar o caso). Sobre esta controvérsia na doutrina (incluindo algumas opiniões que divergem da nossa) cfr. INGO  BRIGANDT , Intelligent Design and the Nature of Science: Philosophical and Pedagogical Points, in  KOSTAS KAMPOURAKIS  (ed.), The Philosophy of Biology: A Companion for Educators , New York, 2013, pp. 205 e ss.; KRISTI  L. BOWMAN , Seeing Government Purpose Through the Objective Observer's Eyes: The Evolution- Intelligent Design Debates, Harvard Journal of Law & Public Policy,  Vol. 29., n. º 2., 2006, pp. 417 e ss.; ANNE  MARIE  LOFASO , Does Changing the Definition of Science Solve the Establishment Clause Problem for Teaching Intelligent Design as Science in Public Schools? Doing an End-Run Around the Constitution, Pierce Law Review , Vol. 4., n. º 2., 2006, pp. 221 e ss.; RICHARD  DAWKINS , The God Delusion , London, 2006, pp. 282 e ss.

23 “Séraphine Palau-Martinez does not deny that she is a Jehovah's Witness or that the two children were being brought up in accordance with the precepts of this religion”

24 Cfr. JÓNATAS  MACHADO , Liberdade Religiosa numa Comunidade… .

25 Cfr. Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, de 23.5.1993, Kokkinakis vs. Grécia . Sobre o proselitismo, a sua importância na religião e alguns dos problemas que coloca cfr. MOSHE HIRSCH , Freedom of Proselytism: Reflections on International and Israeli Law, The Ecumenical Review , Vol. 50, n.º 4, Outubro de 1998, pp. 441 e ss.; RICHARD  W. GARNETT  ,Changing Minds: Proselytism, Freedom, and the First Amendment, University of St. Thomas Law Journal , Vol. 2, n.º 2, 2005, pp. 453 e ss.; PETER  G. DANCHIN , Of Prophets and Proselytes: Freedom of Religion and the Conflict of Rights in International Law, Harvard International Law Journal,  Vol. 49, n.º 2, 2008, pp.250 e ss.; CASEY  JO COOPER , From the Watch Tower to the Acropolis: the search for a consistent religious freedom standard in an inconsistent world, Emory International Law Review , Vol.28., 2014, pp.510 e ss.; PAUL  BICKLEY , The Problem of Proselytism , Londres, 2015, pp. 21 e ss.: SARA  GUERREIRO , op. cit.,  pp. 177 e ss.; JÓNATAS MACHADO , Liberdade Religiosa numa Comunidade...,  pp. 225 e ss.; PAUL M. TAYLOR, op. cit ., pp. 64 e ss.; NIKOS  MAGHIOROS  / CHRISTOS  N. TSIRONIS , Current Debates About Religion and Human Rights in Greece, in  HANS -GEORG  ZIEBERTZ  / GORDAN ČRPIĆ  (ed.), Religion and Human Rights: An International Perspective , New York, 2015, pp. 89 e ss.

26 Algumas das passagens bíblicas na base desta recusa: “Ele fará julgamento entre as nações e resolverá as questões referentes a muitos povos. Eles transformarão as suas espadas em arados, e as suas lanças em podadeiras. Nação não levantará espada contra nação, nem aprenderão mais a guerra” (Isaías 2:4), “Jesus lhe disse então: “Devolva a espada ao seu lugar, a pois todos os que tomarem a espada morrerão pela espada”” (Mateus 26:52), “Eu lhes dou um novo mandamento: Amem uns aos outros; assim como eu amei vocês, amem também uns aos outros. Por meio disto todos saberão que vocês são meus discípulos: se tiverem amor entre si” (João 13: 34,35). Cfr. WATCH  TOWER  BIBLE AND  TRACT  SOCIETY OF PENNSYLVANIA , Tradução do Novo…, op. cit.,  pp. 967, 1384 e 1492.

27 Os Testemunhas de Jeová consideram que o sangue representa a vida e que Deus proibiu expressamente o seu “consumo” que incluí a transfusão. Baseiam esta crença na interpretação das seguintes passagens da Bíblia: “Somente não comam a carne de um animal com seu sangue, que é a sua vida.” (Génesis 9:4), “Se algum homem da casa de Israel ou algum estrangeiro que mora entre vocês comer o sangue de qualquer criatura, eu certamente me voltarei contra aquele que comer o sangue, e o eliminarei dentre seu povo”. (Levítico 17:10), “Pois a vida de todo tipo de criatura é seu sangue, porque a vida está no sangue. Por isso eu disse aos israelitas: “Não comam o sangue de nenhuma criatura, porque a vida de todas as criaturas é seu sangue. Quem o comer será eliminado.”” (Levítico 17:14), “Apenas esteja firmemente decidido a não comer o sangue, porque o sangue é a vida; não coma a vida junto com a carne.” (Deuteronómio 12:23). Cfr. WATCH  TOWER  BIBLE AND  TRACT  SOCIETY OF  PENNSYLVANIA , Tradução do Novo…, op. cit.,  pp. 53, 201 e 300; MICHAEL  D. COOGAN  (ed.), The New Oxford Annotated Bible , Oxford, 2010, pp. 22 e ss.

28 Sobre esta questão cfr. JAMES  W. JONES  / LAURENCE  B. MC CULLOUGH  / BRUCE  W. RICHMAN , A surgeon’s obligations to a Jehovah’s Witness child, Surgery , Vol. 133, n.º 1, 2003, pp. 110 e ss; MALGORZATA RAJTAR , Bioethics and religious bodies: Refusal of blood transfusions in Germany, Social Science & Medicine , n.º 98, 2013, pp. 271 e ss.; HITOSHI  OHTO  et. al., Guidelines for Managing Conscientious Objection to Blood Transfusion, Transfusion Medicine Reviews , Vol. 23, n.º 3, 2009, pp. 221 e ss.; B. BHASKAR  et. al., Comparison of Outcome in Jehovah’s Witness Patients in Cardiac Surgery: An Australian Experience, Heart, Lung and Circulation , Vol. 19., 2010, pp. 655 e ss., MARK  SHELDON , Ethical issues in the forced transfusion of Jehovah’s Witness children, The Journal of Emergency Medicine , Vol.14., n.º 2, 1996, pp. 251 e ss., D. KNAPP VAN  BOGAERT , Ethics and medicine: Jehovah’s Witnesses and the new blood transfusion rules, South African Family Practice , Vol. 55, n.º 1, 2013, pp. 6 e ss., M. GENE SMALLEY , Jehovah’s Witnesses: Help with Bioethical Issues, B. ANDREW  LUSTIG  (ed.), Bioethics Yearbook , Vol. V, New York, 1997, pp 259 e ss.; L.M. SARTESCHI , Jehovah’s Witnesses, Blood Transfusions and Transplantations, Transplantation Proceedings , Vol. 36, n.º 3, 2004, pp. 449 e ss., MANFRED  STABER / NICK  PACE , Jehovah’s Witnesses, The Foundation Years , Vol. 2, n.º1, 2006, pp. 17 e ss., MICHAEL J. NASH  / HANNAH  COHEN , Management of Jehovah’s Witness patients with haematological problems, Blood Reviews,  Vol. 18., 2004, p. 211 e ss., IAN  E YOUNG , Medical Ethics in Relation to Transfusion Medicine, Transfusion Medicine Reviews , Vol. X, n.º 1., Janeiro de 1996, pp. 23 e ss., TOMONORI  ARIGA  / SHIRO  HAYASAKI , Medical, legal and ethical considerations concerning the choice of bloodless medicine by Jehovah’s Witnesses, Legal Medicine,  Vol. V, 2003, p.72 e ss. ZENON  M. BODNARUK  / COLIN  J. WONG / MERVYN  J. THOMAS , Meeting the Clinical Challenge of Care for Jehovah’s Witnesses, Transfusion Medicine Reviews , Vol. 18, n. 2, Abril de 2004, pp. 105 e ss., TOMONORI  ARIGA , Refusal of blood by Jehovah’s Witnesses and the patient’s right to self-determination, Legal Medicine , Vol. 11, 2009, pp. 138 e ss.., JOHN  E. MORRISON  JR  et. al., The Jehovah’s Witness family, transfusions, and pediatric day surgery, International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology , Vol. 38, 1997, pp. 197 e ss., JOHN  E. SNYDER  / CANDACE  C. GAUTHIER , Evidence-Based Medical Ethics: Cases for Practice-Based Learning , New York, 2008, pp. 181 e ss.; OSAMU  MURAMOTO , Jehovah’s Witness bioethics, in  PETER  A. SINGER  / A. M VIENS  (ed.), The Cambridge Textbook of Bioethics , Cambridge, 2008, pp. 417 e ss.; SABINE MICHALOWSKI , Trial and Error at the End of Life—No Harm Done?, Oxford Journal of Legal Studies , Vol. 27, n.º 2, 2007, pp. 260 e ss; SHEELAGH  MCGUINNESS  / MARGARET  BRAZIER , Respecting the Living Means Respecting the Dead too, Oxford Journal of Legal Studies , Vol. 28, n.º 2, 2008, pp. 309 e ss.; Acórdão da Sala Penal do Supremo Tribunal Espanhol de 27.3.1990, n.º 2626/1990.; Acórdão do Superior Tribunal de Justiça HC de 12.8.2014, n.º 268.459;

29 Como bem especificou o parecer do CNECV, que vem ao encontro do artigo 8.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina (CDBM), em casos de perigo eminente de vida o dever de agir decorrente do princípio da beneficência [e o direito à vida do menor] é de maior importância que a vontade dos progenitores. Em casos não urgentes deverá ser requerida providência adequada de acordo com o artigo 1915.º n.º 1 do Código Civil (CC) que geralmente corresponde à entrega provisória da guarda do menor ao profissional ou instituição de saúde. Em casos urgentes mas não de perigo eminente de vida a Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo) prevê um mecanismo mais célere nos seus art.os  91.º e 92.º. Uma questão diferente poderá ser a dos maiores de 16 anos uma vez que o Código Penal (CP) prescreve que o seu consentimento poderá ser eficaz caso possuam o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o prestam. Também a CDBM e o Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM) prescrevem que a vontade dos menores (de todas as idades) seja tomada em conta conforme a sua idade e grau de maturidade. Parece-nos que em caso de perigo eminente de vida o médico deverá continuar a intervir (mesmo que se trate de maior de 16 anos), caso não exista perigo eminente será preciso avaliar casuisticamente a capacidade do menor para consentir ou recusar o consentimento de acordo com a CDBM e o e o CDOM, ainda que a conclusão quase certa seja a de que com menos de 16 anos praticamente nenhum menor terá capacidade ou maturidade para prestar consentimento e entre os 16 e 18 anos em casos de perigo de vida o número de menores com capacidade ou maturidade para consentir continuará a ser bastante baixo. Cfr. Parecer n.º 46/CNECV/05 sobre a objecção ao uso de sangue e derivados para fins terapêuticos por motivos religiosos. Cfr. Cfr. VERA  LÚCIA  RAPOSO , Do ato médico ao problema jurídico: Breves notas sobre o acolhimento da responsabilidade médica civil e criminal na jurisprudência nacional , Coimbra, 2013, pp. 175 e ss, AMORIM  ROSA DE  FIGUEIREDO , Consentimento para o ato médico , Coimbra, 2006, pp. 68 e ss.; SÉRGIO DEODATO , Direito da Saúde,  Coimbra, 2012, pp 138 e ss. MIRIAM  ROCHA  FRUTUOSO , O direito à informação e o dever de informar em contextos de saúde , 2012, pp. 120 e ss Disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/20657/1/Miriam%20Vieira%20da%20Rocha% 20Frutuoso.pdf [Consultado em 17 de Março de 2016]; DANIEL  DOVIGO  BIZIAK , A Recusa de Transfusão de Sangue por Motivos Religiosos, Revista Electrónica da Faculdade de Direito de Franca , Vol. 2, n.º 1, 2010, pp. 11 e ss; J. A. ESPERANÇA  PINA , Ética, Deontologia e Direito Médico , Lisboa, 2013, pp. 157 e ss.; NUALA  KENNY  /JOCELYN  DOWNIE , / CHRISTINE  HARRISON , Respectful involvement of children in medical decision making, in  PETER  A. SINGER  / A. M VIENS  (ed.), The Cambridge Textbook of Bioethics, Cambridge, 2008, pp. 121 e ss.; FERNANDO  DIAS  SIMÕES , A prestação de serviços médicos em portugal. consentimento esclarecido e responsabilidade civil, Dereito: revista xurídica da Universidade de Santiago de Compostela,  Vol. 22, n.º 1, 2013, pp. 2 e ss.; LUÍSA  NETO , Existe um Direito Fundamental à disposição sobre o próprio corpo?, in  MANUEL  CURADO  / NUNO  OLIVEIRA  (org.), Pessoas Transparentes: Questões actuais de Bioética , Coimbra, 2010, pp. 112 e ss.; ANDREA  MOLINELLI  et. al., Legal guardians and refusal of blood transfusion, Blood Transfusion,  Vol. 7., n.º 4, Outubro de 2009, pp. 319 e ss.; YASMÍN MARCANO  NAVARRO , Sentencia de la Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia sobre la transfusión con hemoderivados a pacientes testigos de Jehová, Cuestiones Jurídicas , Vol. II, n.º 2., Julho- Dezembro de 2008, pp. 127 e ss.; Acórdão da sala Constitucional do Supremo Tribunal da Venezuela de 14.8.2008, n.º 1431; Acórdão do Tribunal Constitucional Espanhol de 18.7.2002, n.º 154/2002 (uma decisão francamente infeliz mas que demonstra até onde a influência da religião pode levar uma criança).; Acórdão do Supremo Tribunal Canadiano, de 26.7.2009, A.C. vs. Manitoba; Acórdão do Tribunal Superior de Inglaterra e do País de Gales de 1.8.2014, NHS Trust v Child B and Mr and Mrs B ; Acórdão do Tribunal de Recurso do Ontário, de 30.3.1990, Malette vs. Shulman (uma decisão em que o juiz atribuí um alcance excessivo às directivas antecipadas de vontade com consequências nefastas. Nenhum médico deve abster-se de salvar a vida do paciente quando, como no caso, houverem dúvidas razoáveis sobre a validade e actualidade da manifestação antecipada de vontade. Em caso de dúvida razoável deverá prevalecer o direito à vida. Aliás em situação análoga à deste acórdão seria expectável que qualquer ser humano com o mínimo de consciência ética tomasse a mesma decisão que o médico. A decisão de condenar o profissional de saúde a pagar uma indemnização de $20.000 constituí uma verdadeira psicopatia jurídica por parte do juiz); Acórdão do Tribunal Superior de Inglaterra e do País de Gales, de 7.5.2003, HE vs. Hospital NHS Trust & Anor (acórdão que dá a devida prevalência ao direito à vida e procede a uma interpretação semelhante à ; que sugerimos no acórdão Malette vs. Shulman); Acórdão do Tribunal de Recurso do Estado do Michigan, de 8.7.1991, HE vs. Hospital NHS Trust & Anor; Acórdão do Supremo Tribunal da Pensilvânia, de 2.12.1987, in re estate of Darrell Dorone. A controvérsia à volta da faculdade de consentir (ou não) dos menores já deu até origem a um romance escrito por IAN  MC EWAN . Cfr. IAN MC EWAN , The Children Act , London, 2014. Existe tradução portuguesa da Gradiva com o título “A Balada de Adam Henry”.

30 Cfr. KLAUS  V. LOTTES , op. cit.,  pp.. 181 e ss.; IGOR  J PIETKIEWICZ , op. cit.,  pp. 154 e ss e 160 e ss.;JOSEPH  BLANKHOLM , No Part of the World: How Jehovah’s Witnesses Perform the Boundaries of theirCommunity, The Journal of the Faculty of Religious Studies , Vol. 37, 2009, pp. 197 e ss.

31 A comunidade científica tem estudado com afinco os efeitos do isolamento social nas crianças e os resultados são verdadeiramente assustadores e não devem ser ignorados. Este isolamento pode levar, entre outros, a dificuldades de sono, depressão, esquizofrenia, problemas conjugais, familiares, académicos e laborais, maior susceptibilidade a doenças cardiovasculares, acidentes vasculares-cerebrais e cancro. Cfr. JOHN  SPENCER , The Mental Health of Jehovah's Witnesses, British Journal of Psychiatry , Vol. 126, 1975, pp. 556 e ss ; SARAH  S. KNOX  / KERSTIN  UVNA ¨S -MOBERG , Social Isolation and Cardiovascular Disease: an Atherosclerotic Pathway?, Psychoneuroendocrinology , Vol. 23, n.º 8, 1998, pp. 877 e ss. ; LOUISE  C. HAWKLEY  / JOHN  T. CACIOPPO , Loneliness and pathways to disease, Brain, Behavior, and Immunity , Vol. 17, 2003, pp. 98 e ss. ; LIESL  M. HEINRICH  / ELEONORA  GULLONE , The clinical significance of loneliness: A literature review, Clinical Psychology Review , Vol. 26, 2006, pp. 695 e ss.; JOHN M. ERNST  / JOHN  T. CACIOPPO , Lonely hearts: on loneliness Psychological perspectives, Applied & Preventive Psychology , Vol. 8, n.º 1, 1999, pp. 1 e ss..; PAMELA  QUALTER , Loneliness in Children and Adolescents: What Do Schools and Teachers Need to Know and How Can Help?, Pastoral Care in Education , Vol. 21, n. 2, 2003, pp. 10 e ss., MARTHA  PEASLEE  LEVINE , Loneliness and Eating Disorders, The Journal of Psychology , Vol. 146, n.º 1 e 2, 2012, pp. 243 e ss.; ANGELA  C. JONES  et. al., Changes in Loneliness during Middle Childhood Predict Risk for Adolescent Suicidality Indirectly through Mental Health Problems, Journal of Clinical Child & Adolescent Psychology , Vol. 40, n.º 6, 2011, pp. 818 e ss.; AYHAN  DEMIR  / NURAY  TARHAN , Loneliness and Social Dissatisfaction in Turkish Adolescents, The Journal of Psychology,  Vol. 135, n.º 1, 2001, pp. 113 e ss.; KATHERINE  C. SCHINKA  et. al., Psychosocial predictors and outcomes of loneliness trajectories from childhood to early adolescence, Journal of Adolescence , Vol. 36, 2013, pp. 1251 e ss.; ELIZABETH  A. MAJKA  / JOHN  T. CACIOPPO , Loneliness, in  MARC D. GELLMAN  / J. RICK  TURNER  (ed.), Encyclopedia of Behavioral Medicine , New York, 2013, pp. 1171 e ss.; MALKA  MARGALIT , Lonely Children and Adolescents: Self-Perceptions, Social Exclusion, and Hope , New York, 2010, pp. 5-61.; JOHN  T. CACIOPPO  / WILLIAM  PATRICK , Loneliness: Human Nature and the Need for Social Connection , New York, 2009, pp. 91 e ss.; ADA  P. KAHN  / JAN  FAWCETT , The Encyclopedia of Mental Health , 3.ª ed., New York. Inc., 2008, pp. 201 e ss. Em Portugal o legislador revela-se verdadeiramente sábio quando na lei da liberdade religiosa coloca como limite à liberdade dos pais educarem os filhos conforme a sua religião o “respeito da integridade moral e física dos filhos e sem prejuízo da saúde destes ”.

32 Cfr. RONALD DWORKIN, op. cit., pp. 121 e ss.; PAUL M. TAYLOR, op. cit.,  pp. 55 e ss.: J. H. H WEILER , freedom of religion and freedom from religion: the European model, Maine Law Review , Vol. 65, n. º 2, 2013, pp. 760 e ss.;

33 Poderia invocar-se a que o direito de os pais educarem os filhos conforme as suas convicções religiosas plasmado no artigo 2.º do Protocolo n.º 1 da CEDH (em Portugal também no artigo 11.º da Lei da Liberdade Religiosa e no artigo 1886 do CC) levaria à conclusão de que a vontade dos filhos não deve ser considerada. Tal conclusão deve ser afastada, sistematicamente qualquer ordenamento jurídico que aceite que a vontade da criança deve ser tida em conta para efeitos do consentimento, ou seja que aceite o artigo 6.º da CDBM deverá por maioria de razão aceitar que a vontade do menor deve ser tomada em consideração conforme a sua idade e grau de maturidade em decidir a sua educação religiosa.

34 Neste acórdão Gineitienė  (a mãe) alega que os tribunais nacionais fixaram a residência das suas duas filhas em casa do pai com base na sua adesão ao movimento religioso Osho Ojas,  interferindo na sua vida privada e familiar e discriminando-a pelas suas crenças religiosas. O TEDH não lhe deu razão, e neste acórdão dá um grande enfoque à opinião dos menores que durante o processo mostraram reiteradamente a sua vontade de ficar com o pai.