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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.3 no.1 Lisboa abr. 2016

 

DIREITO PÚBLICO

Algumas reflexões sobre o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Direito a um processo equitativo e a uma decisão num prazo razoável

Some reflections on article 6.º of the European Convention on Human Rights – Right to a fair trial, within a reasonable time

 

Catarina Santos BotelhoI & Manuel Afonso Vaz II

IFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: mvaz@porto.ucp.pt

IIFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: cbotelho@porto.ucp.pt

 

RESUMO

O direito a um processo equitativo é um pilar fundamental de um Estado de Direito. No artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem encontramos um feixe de direitos, que consagra garantias basilares. Na ponderação acerca de uma eventual violação do artigo 6.º pelos Estados Contratantes, o Tribunal de Estrasburgo tem aderido à doutrina da margem nacional de apreciação. Por outro lado, o Tribunal tem igualmente defendido que a violação deste preceito deve ser analisada numa base casuística, que atenda às particularidades do processo em causa. O Estado português tem sido, amiúde, condenado por atraso de justiça, pelo que esta factualidade pode ser interpretada como um apelo à urgência de opções político-legislativas que aperfeiçoem a legislação processual portuguesa, revestindo-a de maior celeridade.

Palavras-chave: direito a um processo equitativo; jurisprudência de Estrasburgo; doutrina da margem nacional de apreciação; análise casuística.

Sumário: 1. Nota introdutória; 2. A garantia de um processo equitativo; 2.1. Fundamentos; 2.2. Âmbito processual; 2.3. Âmbito material. 3. O prazo razoável da decisão; 3.1. Fundamentação; 3.2. Critérios de razoabilidade do prazo; 3.2.1. Complexidade do caso; 3.2.2. Conduta das partes; 3.2.3. Atuação das autoridades competentes; 3.2.4. Atender aquilo que está em causa para o autor em litígio; 4. Aplicação da exigência do prazo razoável

 

ABSTRACT

The right to a fair trial ensures an important respect for the rule of law. Article 6 of the European Convention on Human Rights is a cluster right, which enshrines fundamental guarantees. In weighing about a possible violation of Article 6 by the Contracting States, the European Court of Human Rights has adhered to the doctrine of the national margin of appreciation. On the other hand, the Court has also held that the violation of this rule must be examined on a casuistic basis, which meets the particular process in question. The Portuguese state has been frequently condemned by justice delays. This situation can be interpreted as a call for urgent political and legislative changes to improve the Portuguese procedural law, coating it with greater promptitude.

Key words: right to a fair trial; European Case Law; cluster right; national margin of appreciation doctrine; casuistic analysis.

 

1. Nota introdutória

Não é uma novidade que o Estado português tem sido, amiúde, condenado por violações do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em especial, por atrasos na justiça. Os tempos são, pois, auspiciosos para que se levem a cabo as pertinentes reformas político-legislativas que permitam à legislação processual portuguesa uma resposta mais célere. É de salientar, porém, que, nas últimas décadas, o Estado português tem desenvolvido esforços significativos para minimizar este delicado problema, que, in extremis, poderá atentar contra a própria dignidade da pessoa humana 2. A título exemplificativo, são de mencionar a criação do programa de software Citius”, o investimento em meios de resolução alternativa de litígios (v.g., mediação ou arbitragem), ou mesmo a existência de orientações programáticas para descongestionar os tribunais portugueses3.

É comumente aceite que os atrasos irrazoáveis na obtenção da justiça tornam o sistema de justiça mais vulnerável e provocam nefastos sentimentos de insegurança e de incertezas jurídicas. Esta brevíssima reflexão assume, por conseguinte, o desiderato de chamar a atenção – quer aos órgãos jurisdicionais, quer às instâncias nacionais – das implicações deste artigo 6.º para os Estados partes. Ora, e como teremos oportunidade de desenvolver, os ditames do artigo 6.º da Convenção não são meras exortações retóricas ou estatuições desprovidas de juridicidade. Ao invés, nelas vislumbramos genuínas obrigações positivas para os Estados4.

2. A garantia de um processo equitativo

2.1.Fundamentos

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante CEDH), criada no seio do Conselho da Europa, tem vindo a ser considerada como um dos mecanismos internacionais mais sofisticados e avançados de tutela dos direitos e liberdades fundamentais5. Em boa medida, a CEDH oferece maiores garantias de eficácia do que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, porquanto possui um texto vinculativo para os Estados e consagra um mecanismo específico de reação na hipótese de violação dos direitos consagrados na Convenção.

O artigo 6.º é uma omnibus provision que além de consagrar uma miríade de direitos basilares é igualmente uma condição necessária de um Estado de Direito6. O direito a um processo equitativo é, pois, também um dos pilares fundamentais do Direito Internacional e visa proteger os indivíduos contra tratamentos arbitrários. Este direito encontra consagração expressa em vários diplomas internacionais, a saber: nos artigos 14.º e 15.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, nos artigos 8.º e 9.º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos artigos 7.º e 26.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, e no artigo 40.º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança7.

Desde cedo, o Tribunal de Estrasburgo associou o “direito a um processo equitativo” ao primado do Direito e à sua efetividade, tal como resultam plasmadas no preâmbulo da Convenção8. Em primeiro lugar e em regra, o direito ao processo equitativo e a averiguação da sua violação deverão efetuar-se segundo uma análise casuística, que atenda às particularidades do processo em causa. Nesta sede, dever-se-á perspetivar o processo como um todo, no seu conjunto9. Ainda que a garantia de um processo equitativo perpasse os planos civil e penal, o Tribunal tem entendido que a margem de livre apreciação dos Estados Contratantes deverá ser menos ampla no âmbito do processo penal, em virtude da legalidade estrita própria deste tipo de processo10.

2.2.Âmbito processual

Atualmente, a expressão “direitos e obrigações de carácter civil” não deve ser interpretada literalmente, no sentido de excluir liminarmente o direito a um processo equitativo em processos que tenham lugar perante as jurisdições administrativas e fiscais. De facto, depois de anos de polémica sobre este assunto, o TEDH, no Acórdão Pellegrin v. França, tentou pôr fim a esta incerteza e adotou um novo critério baseado na natureza do dever e responsabilidades do funcionário público. De acordo com este critério, ficariam fora dos direitos e obrigações civis as “disputas entre autoridades administrativas e funcionários que ocupem postos envolvendo a participação no exercício dos poderes conferidos pelo direito público” 11.

Este acórdão foi objeto de algumas críticas e reservas12. Com efeito, no Acórdão Maaouia v. França , o juiz Loucaides, no seu voto de vencido, considerou que a designação “civil” deveria ser interpretada lato sensu, como abrangendo todos os outros direitos que não sejam de natureza penal, o que nos parece, prima facie, defensável, não fosse a crueza dos vocábulos e dos conceitos instrumentos dos juristas13.

2.3.Âmbito material

Mais recentemente, no Acórdão Vilho Eskelinen e Outros v. Finlândia, o Tribunal entendeu que o critério funcional do Acórdão Pellegrin não simplificou o exame da questão da aplicabilidade do artigo 6.º, nem trouxe certeza jurídica aos procedimentos nos quais um funcionário público seja parte 14. Por este motivo, o Tribunal considerou que o critério deveria ser levado mais longe, numa interpretação dinâmica e evolutiva, tendo sustentado que, à partida “nada justificaria subtrair das garantias do artigo 6.º os conflitos laborais (…) com fundamento no caráter especial da relação entre o funcionário e o Estado”15.

Como a própria denominação indica, o processo equitativo será aquele que possibilita a ambas as partes processuais idênticas condições ou mecanismos para tutelarem as suas posições jurídicas e interesses legalmente protegidos16.

Neste domínio, assumem pois especial relevância: (i) o princípio da igualdade de armas; (ii) e o princípio do contraditório. Ambos os princípios estão mutuamente conexionados. Com efeito, de acordo com o princípio da égalité des armes, as partes deverão possuir iguais possibilidades de juntar testemunhas e peritos, e de acesso ao processo. Este princípio foi, pela primeira vez, mencionado no Acórdão Neumeister v. Áustria17. Por sua vez, o princípio do contraditório garante que cada uma das partes possa apresentar a sua prova e a sua argumentação jurídica, assim como lhe seja asseverada a possibilidade de refutar as razões de facto e de direito que tenham sido aduzidas pela outra parte processual18.

Adicionalmente, a exigência da fundamentação e motivação das decisões jurisdicionais integra também um dos elementos do processo equitativo, pois permitirá às partes ter conhecimento da tomada de posição do tribunal sobre a matéria de facto e de direito que aduziram, promovendo-se destarte a transparência e a segurança jurídicas. Um outro afloramento do direito a um processo equitativo é o direito ao silêncio possibilitado às duas partes. Este direito assume uma especial importância no domínio penal, em que ao acusado é garantida a possibilidade de não afirmar nada que possa contribuir para a sua condenação 19.

Regra geral, o direito a um processo equitativo tem sido interpretado no sentido de que ao Tribunal de Estrasburgo apenas competirá monitorizar a sua correta vigência de um ponto de vista procedimental, não devendo entrar em considerações substantivas, isto é, da justeza da decisão judicial em causa 20. Todavia, importa frisar que alguma jurisprudência recente do TEDH tem admitido a violação do artigo 6.º com base numa decisão de um tribunal nacional cujo julgamento do mérito da causa tenha sido manifestamente arbitrária 21.

A publicidade da audiência de julgamento deve ter-se, por regra, como uma envolvente facilitadora do respeito pelas exigências do processo equitativo 22. Existem, contudo, situações especiais que poderão justificar algum cuidado por parte das jurisdições nacionais. É o caso, por exemplo, de processos polémicos, que tenham um elevado impacto na opinião pública e nos media. Os tribunais poderão optar por não admitir a presença contínua dos órgãos de comunicação social, ou por permitir apenas a captação de imagens e não de som.

Outro caso bastante evidente, é a proteção acrescida que deverá ser oferecida a menores de idade, a vítimas de violência psicológica, ou a cidadãos que possuam as suas capacidades emocionais e intelectuais diminuídas, para que consigam participar de forma ativa no processo. Uma outra situação especial pode dar-se em casos de criminalidade organizada. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que não consistia uma violação do artigo 6.º em situações em que os tribunais nacionais se tenham baseado significativamente em testemunhos anónimos, quando existia um sério perigo de represálias para os mesmos 23.

Em suma, o Tribunal de Estrasburgo deixou bem claro que o direito a um processo equitativo “ocupa um lugar proeminente numa sociedade democrática”, pelo que não serão admissíveis interpretações restritivas deste direito24. No entanto, como adiante se reiterará, a normação vertida no artigo 6.º tem uma forte orientação de obrigações de resultado, no sentido de que o que releva é que os tribunais nacionais sejam capazes de cumprir com proficiência os ditames de um processo equitativo, sendo que o modo como levam a cabo essa tarefa tem uma importância secundária25.

Por este motivo, pode considerar-se que o Tribunal de Estrasburgo confere aos Estados uma ampla margem de apreciação quanto ao seu funcionamento concreto; o Tribunal concentra-se mais no resultado dessa atividade, do que no funcionamento em si. Aqui se fará sentir a “doutrina da margem nacional de apreciação”, que, muito sucintamente, é um instrumento através do qual o Tribunal de Estrasburgo delimita aquilo que é próprio de cada comunidade – e que, por isso, poderá ser decidido ao nível estadual – daquilo que, em virtude da sua fundamentalidade, terá de ser necessariamente imposto a cada Estado signatário da Convenção, independentemente da sua cultura específica26.

3. O prazo razoável da decisão

3.1. Fundamentação

Nos nossos dias, assiste-se a uma enorme força expansiva da ideia de que a credibilidade e a firmeza das decisões judiciais se alicerça na sua tempestividade 27. Os atrasos na efetivação da justiça podem conduzir a situações de carência de proteção, pelo que a velha máxima justice delayed is justice denied continua a assumir uma enorme atualidade 28.

Saber se houve um atraso na justiça não é algo a que o TEDH possa responder em abstrato, ou quantificar do seguinte modo: “passados X número de meses ou de anos, se não houver decisão jurisdicional final, o Estado incorrerá, automaticamente, em violação da Convenção”. Pelo contrário, a verificação de atrasos no período de tempo que medeia o dies a quo do dies ad quem, assenta num juízo de razoabilidade, que nunca se poderá alhear das circunstâncias do caso concreto, e com referência a alguns critérios29.

3.2. Critérios de razoabilidade do prazo

Em coerência, o Tribunal de Estrasburgo tem-se socorrido de critérios doutrinais e por si afirmados para aferir da razoabilidade do atraso. Alguma doutrina observa aqui uma certa paradoxalidade na medida em que se, por um lado, o Tribunal não pode ajuizar in abstracto, por outro lado, não abdicou de criar critérios – que necessariamente possuirão um determinado grau de abstração –que o ajudem nesta difícil missão de julgar o atraso na justiça 30.

Entre esses critérios, destacam-se: (i) a complexidade do caso; (ii) a conduta das partes; (iii) a atuação das autoridades competentes no processo; (iv) e o que está em causa para o Autor no litígio31.

3.2.1. Complexidade do caso

A complexidade do caso afere-se através de uma miríade de fatores, tais como as dificuldades probatórias, um elevado número de intervenientes processuais ou até nas situações em que a matéria de facto e/ou de direito revela complexidade técnica32. Independentemente da complexidade do caso, um atraso demasiado longo não será nunca justificado, sob pena de a complexidade relativa do caso poder levar ao esvaziamento da garantia do prazo razoável33.

3.2.2. Conduta das partes

Em certas situações, porém, é a própria conduta das partes, em especial o comportamento daquele que aciona a jurisdição nacional que gera a lentidão processual desencadeadora do atraso de justiça34. Estamos a referir-nos, v.g., às situações em que são utilizadas manobras dilatórias para atrasar o normal desenrolar do processo35. Como resulta óbvio, não pode ser imputado ao Estado requerido o comportamento lesivo do requerente, sob pena de, perdoe-se a simetria, “benefício do infrator” 36.

3.2.3. Atuação das autoridades competentes

A atuação das autoridades competentes é de extrema relevância, uma vez que, cada Estado, nos termos do artigo 6.º da Convenção, está obrigado – sendo esta obrigação de resultado – a consagrar mecanismos de aceleração processual nos seus sistemas jurídicos, que previnam a ocorrência de atrasos significativos37. O que aqui se procura condenar é precisamente a inércia, a atitude de non facere do Estado38.

3.2.4. Atender aquilo que está em causa para o autor em litígio

Por fim, importa igualmente atender àquilo que está em causa para o autor em litígio, em especial as situações de urgência na obtenção de uma decisão judicial, cujo atraso poderá prejudicar gravemente a sua situação pessoal, patrimonial ou profissional 39. Num caso muito recente, o Tribunal condenou o Estado português por interpretar demasiado restritivamente a legislação processual penal portuguesa acerca dos prazos de recurso judicial40.

4. Aplicação da exigência do prazo razoável

A jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo tem vindo, crescentemente, a debruçar-se sobre o conteúdo e alcance do artigo 6.º da Convenção. Esta preocupação questiona, com particular acuidade, o “lugar que ocupa a garantia jurisdicional na arquitetura geral dos direitos fundamentais” 41. É importante referir que a esmagadora maioria dos Estados contratantes da Convenção foram condenados por infração do artigo 6.º, em especial, pela violação do direito a uma decisão num prazo razoável. No cômputo global, a doutrina aponta os tribunais italianos como os que mais frequentemente têm violado o direito a uma decisão num prazo razoável42.

A causa destes atrasos era estrutural, pelo que o Tribunal de Estrasburgo acabou por, na citada decisão, não ceder mais a justificações de excecionalidade dos casos invocados e exigiu que o Estado italiano levasse a cabo as reformas adequadas. Também no Acórdão Lukenda v. Eslovénia o problema do atraso na justiça foi identificado como um “problema sistémico”43. Quando assim é, o labor do Tribunal Europeu toma um sentido positivo e terapêutico que deve ser saudado.

O Estado português foi, amiúde, condenado por situações de atraso na aplicação da justiça44. Ainda, em termos quantitativos, diga-se que das decisões do TEDH que condenaram as várias jurisdições pela violação do artigo 6.º, a maioria dos casos diz respeito à ordem civil45.

A análise dos critérios utilizados para avaliar o prazo razoável não deixa de ter, em situações excecionais, alguma flexibilidade 46. Nestes termos, o Tribunal de Estrasburgo tem demonstrado compreensão perante cenários limite, de severa crise económica ou política, que coloquem os tribunais numa situação de avalanche de processos. O que releva é que a conjuntura não se transforme em norma na realidade da vida jurídica do Estado, mas seja passageira e prontamente resolúvel47.

Importa ressalvar que o direito a uma decisão num prazo razoável abrange a totalidade do processo, inclusive as instâncias de recurso 48. Na verdade, este dever apenas cessa quando a decisão judicial tenha transitado em julgado ou, nas hipóteses em que a decisão careça de um processo de execução, quando tenha sido efetivamente executada49. Por outro lado, o ónus da prova pertence ao Estado contra o qual foi movida a queixa de atraso na decisão, que tratará de justificar as razões que conduziram ao mencionado atraso50.

Chegados a este ponto, somos de opinião que a jurisprudência do TEDH demonstra, de forma lúcida e cristalina, que a preocupação pela forma como os Estados tutelam as situações de urgência transcende a esfera nacional, incumbindo aos Estados organizarem-se para que as suas jurisdições possam garantir a todos o direito a ser julgado num prazo razoável51. De facto, a falta de celeridade das decisões judiciais coloca em causa a própria credibilidade da justiça52. Nesta ordem de ideias, é consabido que a obrigação de julgar em prazo razoável apenas será respeitada, na sua plenitude, se os Estados possuírem uma panóplia de mecanismos aceleradores e, inclusive, de previsão de processos urgentes capazes de salvaguardar os direitos dos particulares em situações especialmente prementes e complexas 53.

 

1 Manuel Afonso Vaz (mvaz@porto.ucp.pt), Professor Catedrático da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa; Catarina Santos Botelho (cbotelho@porto.ucp.pt), Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.
2 Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini, A dignidade da pessoa humana e o prazo razoável do processo: a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana (coord. Jorge Miranda e Marco António Marques da Silva), Almedina, Coimbra, 2009, pp. 1179-1193.         [ Links ]
3 Cf. a Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/1007, de 6 de novembro de 2007, publicada no Diário da República, Série I, n.º 214.
4 Fréderic Sudre, Les "obligations positives" dans la jurisprudence européenne des droits de l'homme, in Revue trimestrielle des droits de l'homme, 23, 1995, pp. 363-384, p. 365,         [ Links ] e Jean-François Akandji-Kombé, Les obrigations positives en vertu de la Convention européenne des Droits de l'Homme – Un guide pour la mise en ouvre de la Convention européenne des Droits de l'Homme , Précis sur les droits de l'homme, 7, Conseil de l'Europe, 2006, Bélgica, pp. 69-70.         [ Links ]
5 A. Leroy Bennett, International Organizations – Principles and Issues, 7.ª ed., Londres, 2001, pp- 235-237,         [ Links ] Jochen von Bernstorf, The Changing Fortunes of the Universal Declaration of Human Rights: Genesis and Symbolic Dimensions of the Turn to Rights in International Law, European Journal of International Law,19-5, 2008, pp. 903-924,         [ Links ] Peter Malanczuk, Akehurst's Modern Introduction to International Law, 8.ª ed., Routledge, 2002, p. 219,         [ Links ] Rosario Tur Ausina, Garantía de Derechos y Jurisdicción Constitucional – Efectividad del Amparo tras la Sentencia Estimatoria, Valencia, 2008, p. 395,         [ Links ] e Steven Greer, The European Convention on Human Rights – Achievements, problems and prospects, Nova Iorque, 2006, pp. 33-41.         [ Links ]
6 Anthony Aust, Handbook of International Law, 2.ª ed., Cambridge, 2010, pp. 223-226,         [ Links ] e Jacobs, White e Ovey, The European Convention on Human Rights, 6.ª ed., Oxford, 2014, p. 247.         [ Links ]
7 Para uma abordagem deste direito no planos do Direito Internacional Humanitário e do Direito Internacional Criminal, cfr. Louise Doswald-Beck, Fair Trial, Right to, International Protection, in Max Planck Encyclopedia of Public International Law, Heidelberg, 2012, pp. 1-11, disponível em: www.mpepil.com, pp. 2-3.         [ Links ]
8 Cfr. o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) Golder v. Reino Unido de 21.02.1975, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
9 Acórdão do TEDH Pélissier e Sassi v. França de 25.03.1999, par. 46, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
10 Acórdão do TEDH Tavirlau v. Roménia de 02.02.2016, pars. 37-41, pesquisável em http://www.echr.coe.int .
11 Acórdão do TEDH de 08.12.1999, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
12 Jacobs, White e Ovey, The European Convention, pp. 263-268.         [ Links ]
13 Acórdão do TEDH de 05.10.2000, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
14 Acórdão do TEDH de 19.04.2007, par. 55, pesquisável em http://www.echr.coe.int. Sobre o tema, cfr. José Luís da Cruz Vilaça, L'article 6 de la Convention Européenne des Droits de l'Homme et son application aux “emplois dans la fonction publique”, in Mélanges en homage à Georges Vabdersanden: promenades au sein du droit européen, Bruylant, 2008, pp. 845-872.         [ Links ]
15 Mais desenvolvidamente, cfr. o par. 62.
16 Cfr. os Acórdãos do TEDH Dombo Beheer B. V.de 27.10.1993, par. 33, e Salov de 06.09.2005, par. 87, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
17 Acórdão do TEDH de 20.11.1989, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
18 Cfr. Ian Cameron, An Introduction to the European Convention on Human Rights, 6.ª ed., Uppsala, 2011, p. 105;         [ Links ] e Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 5.ª ed., Coimbra, 2015, 166-167.         [ Links ]
19 Acórdão do TEDH Bykov de 10.03.2009, par. 92, pesquisável em http://www.echr.coe.int. Sobre o tema, Ana Luísa Pinto, A celeridade no processo penal: o direito à decisão em prazo razoável, Coimbra Editora, Coimbra, 2008.
20 Cfr. o Acórdão do TEDH Anderson v. Reino Unido de 05.10.1999, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
21 Vide os Acórdãos do TEDH Camilleri v. Malta de 16.03.2000; Van Kück v. Alemanha de 12.06.2003, par. 57; e Khamidov v. Rússia de 15.11.2007, par. 174, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int. Para mais desenvolvimentos, cfr. David Harris et al., Law of the European Convention on Human Rights, 3.ª ed., Nova Iorque, 2014, pp. 370-491.
22 Tal como dispõe o artigo 40.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
23 Neste sentido, cfr. os Acórdãos do TEDH Kostovski v. Holanda de 20.11.1989, pars. 42-45; Doorson v. Holanda de 23.03.1996, pars. 152-157; e Van Mechelen e Outros v. Holanda de 23.04.1997, pars. 49-66, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
24 Nos termos do Acórdão do TEDH Perez v. França de 12.02.2004, par. 64, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
25 Cfr. o Acórdão do TEDH Schenk v. Suíça de 12.07.1988, pars. 39-51, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
26 Para mais desenvolvimentos sobre a doutrina da margem nacional de apreciação, a sua defesa e as críticas a que tem sido sujeita, cfr. Catarina Santos Botelho, Quo vadis doutrina da margem nacional de apreciação? O amparo internacional dos direitos do homem face à universalização da justiça constitucional, in Estudos Dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, I, Lisboa, 2011, pp. 341-376,         [ Links ] Eyal Benvenisti, Margin of Appreciation, Consensus, and Universal Standards, New York University Journal of International Law and Politics, 31-4, 1999, pp. 843-854,         [ Links ] Florian Hoffmann e Julie Ringelheim, Par-delà l'universalisme et le relativisme: La Cour européene des droits de l'homme et des dilemmes de la diversité culturelle, Revue Interdisciplinaire D'Études Juridiques, 52, 2004, n.º 52, pp. 109-142,         [ Links ] George Letsas, Two Concepts of the Margin of Appreciation, Oxford Journal of Legal Studies, 26-4, 2006, pp. 705-732,         [ Links ] Howard Charles Yourow,The Margin of Appreciation Doctrine in the Dynamics of European Human Rights Jurisprudence, Londres, 1996,         [ Links ] Ignacio de la Rasilla del Moral, The Increasingly Marginal Appreciation of the Margin of Appreciation Doctrine, German Law Journal, 7, 2006, pp. 611-624,         [ Links ] James A. Sweeney, Margins of Appreciation: Cultural Relativity and the European Court of Human Rights in the Post-Cold War Era , International & Comparative Law Quarterly, 54, 2005, pp. 459-474,         [ Links ] Michael R. Hutchinson, The Margin of Appreciation Doctrine in the European Court of Human Rights, International & Comparative Law Quarterly, 48, 1999, pp. 638-650,         [ Links ] e Mireille Delmas-Marty e Marie-Laure Izorche, Marge nationale d'appréciation et internationalisation do droit: réflexions sur la validité formelle d'un droit commun pluraliste, McGill Law Journal, 2001, pp. 923-954.         [ Links ]
27 Catarina Santos Botelho, A Tutela Directa dos Direitos Fundamentais – Avanços e Recuos na Dinâmica Garantística das Justiças Constitucional, Administrativa e Internacional , Coimbra, 2010, pp. 322-329, p. 326,         [ Links ] e Joaquim Píres de Lima, Considerações acerca do direito à justiça em prazo razoável, Revista da Ordem dos Advogados, 50 (3), 1990, pp. 671-701.         [ Links ]
28 David Schultz, Justice Delayed, justice denied: the fastest gun in the east (or at least on the Supreme Court, Constitutional Commentary, XVI-2, 1999, pp. 213-220, p. 213.         [ Links ]
29 A este propósito, cfr. os Acórdãos do TEDH König v. República Federal da Alemanha de 28.06.1978, par. 99; e Frydlender v. França de 27.06.2000, par. 43, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
30 Cfr. Jean-François Renucci, Droit Européen Des Droits De L'Homme – Contentieux Européen, 4.ª ed., Paris, 2010, pp. 283-289, p. 286.         [ Links ]
31 Cfr. os Acórdãos do TEDH Silva Pontes v. Portugal de 23.04.1994, par. 38, Comingersoll S.A. v. Portugal de 06.04.2000, par. 19, Vad e Outros v. Roménia de 26.11.2013, par. 131, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int. Sobre este tema, cfr. Isabel Celeste Fonseca, A garantia do prazo razoável: o juiz de Estrasburgo e o juiz nacional, Cadernos de Justiça Administrativa , 44, 2004, pp. 43-67, em especial, pp. 58-60, e Ricardo Pedro, Administração da justiça morosa: la storia continua… - Anotação ao acórdão do STA, de 15.05.2013, Proc. N.º 0144/13, Revista da Ordem dos Advogados, 74 (1), 2014, pp. 341-362.
32 Cfr. os Acórdãos do TEDH H. v Reino Unido de 08.07.1987, Katte Klische de la Grange v. Itália de 27.10.1994, e Sodan v. Turquia de 02.02.1016, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
33 Nestes precisos termos, cfr. os Acórdãos do TEDH Mutimura v. França de 08.06.2004, Association “21 December 1989” e Outros v. Roménia de 24.05.2011, par. 142, e Alexandrescu e Outros v. Roménia de 24.11.2015, par. 26, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
34 Acórdão do TEDH Siredzhuk v. Ucrânia de 21.01.2016, par. 58, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
35 Acórdão do TEDH Éditions Périscope v. França de 26.03.1992, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
36 Cfr. o Acórdão do TEDH Erkner e Hofauer v. Áustria de 23.04.1987, par. 68; e o Acórdão Monnet v. França de 27.10.1993, par. 30, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
37 Jean-François Renucci, Droit Européen Des Droits De L'Homme, 2010, p. 287.
38 Acórdão do TEDH Giulio Paderni v. Itália de 25.01.2000, par. 11, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
39 A este propósito, cfr. os Acórdãos do TEDH Obermeier v. Áustria de 28.06.1990; X. v. França de 31.03.1992; Karakaya de 26.08.1994, par. 45; e Niederböster v. Alemanha de 27.02.2003, par. 39, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
40 Cfr. o Acórdão do TEDH Meggi Cala v. Portugal de 02.02.2016, pars. 32-50.
41 Alastair R. Mowbray, The Development of Positive Obligations under the European Convention on Human Rights by the European Court of Human Rights, Oregon, 2004, pp. 97-125, p. 108;         [ Links ] David Harris et al., Law of the European Convention on Human Rights, pp. 370-373;         [ Links ] Frank Meyer, Artikel 6 – Recht auf ein faires Verfahren, in EMRK – Konvention zum Schutz der Menschenrechte und Grundfreiheiten: Kommentar, Munique, 2012, pp. 133-204, pp. 136-137;         [ Links ] Ian Cameron, An Introduction to the European Convention, p. 94;         [ Links ] Iñaki Esparza e José Francisco Etxebarria, Comentario al artículo 6º, in Convenio Europeo de Derechos Humanos – Comentário sistemático, 2.ª ed., Madrid, 2009, pp. 170-256, p. 173;         [ Links ] Jacobs, White e Ovey, The European Convention, p. 268;         [ Links ] Jean-Claude Soyer e Michel de Salvia, Article 6, in La Convention européenne des Droits de L'Homme – Commentaire article par article, 2.ª ed., Paris, 1999, pp. 239-292, p. 240 ;         [ Links ] e Marie-Joëlle Redor, Garantie juridictionnelle et droits fondamentaux, Cahiers de la Recherche sur les Droits Fondamentaux, 1, 2002, pp. 91-101, p. 101.         [ Links ]
42 Cfr., entre tantos outros, o Acórdão do TEDH Botazzi v. Itália de 28.07.1999, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
43 Acórdão do TEDH de 06.10.2005, pars. 93-98, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
44 Cfr., entre outros, os Acórdãos do TEDH Guincho v. Portugal de 10.07.1984, pars. 28-41; Martins Moreira v. Portugal de 26.10.1988, pars. 42-61; Silva Pontes v. Portugal de 23.03.1994, pars. 35-42; Lobo Machado v. Portugal de 20.02.1996, pars. 24-32;Jorge Estima v. Portugal de 21.04.1998, pars. 31-45; Comingersoll S.A v. Portugal de 06.04.2000, pars. 16-25; eAlmeida Garrett, Mascarenhas Falcão e Outros v. Portugal de 10.04.2001, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
45 Iñaki Esparza e José Francisco Etxebarria, Comentario al artículo 6º, p. 237.
46 Ana Salado Osuna, “Reasonable time” in the Administration of Justice: A Requirement of the European Convention of Human Rights (Art. 6.1. ECHR), in Europe of Rights: A Compendium on the European Convention of Human Rights, Leiden, 2012, pp. 176-196.
47 Cfr. o Acórdão do TEDH Baggetta v. Itália de 25.06.1987, par. 24, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
48 Cfr. os Acórdãos do TEDH Khalfaoui v França de 14.12.1999, e Viard v. França de 09.01.2014, par. 38, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
49 Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia, p. 183.         [ Links ]
50 Cfr. o Acórdão do TEDH Ruotolo v. Itália de 27.02.1992, par. 37, pesquisável em http://www.echr.coe.int.
51 Esta preocupação é por demais visível no Acórdão do TEDH Mitev v. Bulgária de 22.12.2004, par. 156, pesquisável em http://www.echr.coe.int. Cfr. Jean-François Renucci, Droit Européen Des Droits De L'Homme, p. 284.         [ Links ]
52 Nestes exatos termos, cfr. os Acórdãos do TEDH H. v. França de 24.10.1989, par. 58, e, mais recente, Scordino v. Itália de 29.03.2006, par. 224, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.
53 Catarina Santos Botelho, A Tutela Directa dos Direitos Fundamentais, p. 329.