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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versión On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.3 no.1 Lisboa abr. 2016

 

DIREITO PÚBLICO

A responsabilidade civil da Administração por atos administrativos afetados por vícios externos e a eventual relevância negativa do comportamento lícito alternativo

The Administration civil liability for administrative acts affected by external illegalities and the potential negative relevance of the lawful alternative conduct

 

Débora Melo FernandesI

IFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: deboramfernandes@gmail.com

 

RESUMO

No presente artigo aborda-se a temática da responsabilidade civil da Administração pela prática de atos administrativos em violação de normas formais, procedimentais ou orgânicas. A análise a que aqui se procede parte da constatação de que, na quase totalidade das vezes em que foi chamado a pronunciar-se sobre o tema, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu pela exoneração da responsabilidade da Administração pelos danos resultantes de tais atos, com fundamento na circunstância de que o ato anulado, depurado do vício externo que o afeta, seria renovável, não exigindo, porém, que o ato tenha sido efetivamente renovado nem que ainda o possa vir a ser. Através do presente artigo, a Autora indaga se se afigura de iure condito possível, e em que medida, responsabilizar a Administração por danos decorrentes da emissão de atos administrativos afetados por vícios externos, bem como procura identificar as situações e condições em que poderá ser conferida relevância negativa a um comportamento lícito alternativo da Administração, consubstanciado na renovação hipotética ou efetiva do ato administrativo anulado.

Palavras-chave: responsabilidade civil da Administração; atos administrativos afetados por vícios externos; relevância negativa do comportamento lícito alternativo; normas de proteção; dano autónomo.

Sumário: 1. Introdução; 2. Binómio ilegalidade externa/ilicitude; 3. Nexo de causalidade, dano indemnizável e cálculo do dano; 4. Ónus de alegação e ónus da prova do resultado do comportamento lícito alternativo hipotético; 5. Síntese conclusiva: os casos de invocabilidade da relevância negativa do comportamento lícito alternativo.

 

ABSTRACT

This article concerns the theme of the civil liability of the Administration due to issuing administrative acts in breach of formal, procedural or organic rules. The analysis set forth herein is based on the finding that in almost every case in which the Supreme Administrative Court decided on the issue it concluded that the Administration should not be liable for the damages arising from such acts, on the grounds that the annulled act, once its external illegality has been removed, would be renewable, failing, however, to demand that the annulled act has been actually renewed or that it might be so. Through this article, the Author discusses if it is possible de iure condito to hold the Administration liable for damages arising from the issuance of administrative acts affected by external illegalities and to what extent that might be done, and seeks to identify the situations and conditions in which negative relevance may be attributed to a lawful alternative conduct of the Administration, substantiated in the hypothetical or actual renewal of the annulled act.

Key words: civil liability of the Administration; administrative acts affected by external illegalities; negative relevance of the lawful alternative conduct; theory of standard protection; autonomous damage.

 

 

1. Introdução

O tema da responsabilização da Administração pela prática de atos administrativos afetados por vícios externos 1 apresenta-se como campo fértil para um estudo analítico do instituto da responsabilidade civil extracontratual por facto da função administrativa. Assim é porque nele se entrecruzam, com especial delicadeza, questões que se situam na fronteira entre vários dos pressupostos da responsabilidade civil administrativa2, sob a forma da relevância negativa ( i.e., desresponsabilizante) do comportamento lícito alternativo3.

O presente artigo parte da constatação do seguinte dado: na quase totalidade das situações em que o problema se colocou 4, o Surpemo Tribunal Administrativo (doravante “STA”) concluiu no sentido da irresponsabilidade da Administração pelos danos resultantes de atos anulados com fundamento em vícios externos5. Na esmagadora maioria desses casos, e independentemente das oscilações quanto ao respetivo enquadramento dogmático (que uma vezes é situado no plano da ilicitude e outras no do nexo de causalidade/dano indemnizável6), aquele Tribunal assumiu normalmente como pressuposto das decisões prolatadas a constatação de que o ato anulado, depurado do vício externo que o afeta, seria repetível ou substituível por outro com o mesmo conteúdo (em suma, renovável), não cuidando de exigir que o ato tenha sido efetivamente renovado nem que ainda o possa vir a ser. Por outras palavras, a jurisprudência funda quase sempre as suas decisões (no sentido da exoneração da Administração) na presunção da existência de um processo causal hipotético (um comportamento lícito alternativo)7 que, a ter-se verificado, teria permitido à Administração afetar negativamente a esfera do destinatário do ato sem que tal configurasse um dano ou prejuízo gerador de responsabilidade civil.

O dilema fundamental posto por esta constatação é, assim, o de saber se se afigura de iure condito possível, e em que medida, responsabilizar a Administração por danos que poderia ter licitamente causado ab initio, bem como, eventualmente, por um dano autónomo, não patrimonial, resultante da violação, em si mesma, de normas formais, procedimentais ou orgânicas. Em especial, interessa-nos descortinar as situações e condições em que poderá ser conferida relevância negativa a um processo causal hipotético: o comportamento lícito alternativo8 (aqui se incluindo não só o comportamento efetivo – a renovação do ato –, mas também o hipotético – a mera renovabilidade do ato) 9. Para este efeito, propomo-nos, no presente artigo, analisar o tratamento que ao tema tem sido dispensado pela jurisprudência e doutrina nacionais, fazendo-o através das três lentes por que o mesmo tem sido observado: (a) a do binómio ilegalidade externa/ilicitude, (b) a do nexo de causalidade ou dano juridicamente relevante e (c) a do cálculo do dano indemnizável. Percorrendo estes caminhos, cremos estar em condições de responder ao desafio fundamental que deixámos enunciado.

2. Binómio ilegalidade externa/ilicitude

I. Historicamente, ainda na vigência do (agora revogado) Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, discutia-se, entre nós, se qualquer desconformidade do ato administrativo à lei e ao direito equivalia ao preenchimento do pressuposto da ilicitude. Procedendo a uma leitura articulada dos artigos 2.º e 6.º daquele diploma, a quase totalidade da doutrina nacional10 defendia, então, que a violação de preceitos jurídicos não era, por si só, fundamento bastante para responsabilizar civilmente a Administração, exigindo a ofensa de direitos subjetivos ou de disposições legais destinadas a proteger os interesses materiais do lesado (teoria das normas de proteção ou Schutznormtheorie)11. A jurisprudência do STA assumia também esta posição de princípio 12.

Com a aprovação do novo regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (doravante “RJRCEE”) pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro13, que revogou aquele velho diploma de 1967, o n.º 1 do respetivo artigo 9.º veio clarificar, na senda do entendimento já genericamente aceite, que a mera violação, pela Administração, de normas jurídicas não constitui per se um ilícito civil, sendo sempre necessário verificar se dessa violação resulta ou não a ofensa de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos. O novo diploma consignou, assim, de forma clara, a dimensão subjetiva do pressuposto da ilicitude14, aproximando, dessa forma, o regime da ilicitude por facto da função administrativa dos quadros do direito civil cf. artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil (doravante “CC”)15.

II. Apontando, porém, o foco da nossa análise para o tipo de vício ou norma violada pelo ato ilegal, constatamos que a unanimidade se desvanece.

De facto, aos que, na doutrina, defendem que a violação de normas instrumentais/formais (por oposição a normas substantivas/materiais) 16 não constitui, em caso algum, ato ilícito, por não visarem aquelas a proteção de interesses materiais dos particulares, cuja esfera jurídica sempre poderia ter sido afetada por ato (expurgado do vício externo) com conteúdo decisório idêntico 17, opõem-se os que não afastam do conceito de ilicitude a violação de normas de índole instrumental, por considerarem inserir-se no escopo ou fim de proteção destas (também) interesses subjetivos dos destinatários do ato administrativo anulado com fundamento na sua infração18. Para a doutrina que perfilha a segunda das posições enunciadas, a renovabilidade/renovação do ato não é uma questão que assuma relevo no plano da ilicitude, mas sim nos domínios do nexo causal ou do cálculo da indemnização19.

Na jurisprudência do STA existe, de igual forma, uma summa divisio que se resume aos termos enunciados no parágrafo anterior e contrapõe os arestos que negam a existência de ilicitude – por as normas violadas não visarem tutelar posições jurídicas subjetivas dos particulares20, por a ilegalidade não influir no sentido da decisão21 ou, ainda, por o vício não implicar a sua “inutilização decisória” 22 – aos acórdãos que aceitam que as ilegalidades formais, procedimentais e orgânicas preenchem o conceito amplo de ilicitude, concluindo pela eventual relevância excludente de responsabilidade do comportamento lícito alternativo não neste plano, mas no do nexo causal23.

Por fim, o Tribunal Constitucional (doravante “TC”), através do seu acórdão n.º 154/2007 (proc. n.º 65/02) 24, veio tomar posição no debate. Contrariamente à corrente favorável à relevância desresponsabilizante da renovabilidade do ato no plano da ilicitude, o Tribunal afirmou, numa situação em que estava em causa um ato anulado por falta de fundamentação sem que se tivesse verificado a respetiva renovação, que “não é compatível com o artigo 22.º da Constituição uma interpretação do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48.051 que exclua sempre e em qualquer caso a responsabilidade do Estado por danos verificados na sequência de um acto administrativo anulado por falta de fundamentação, quando a sentença anulatória não for executada e não for praticado novo acto, sem o vício que determinou a anulação, com o fundamento de que se não verifica nunca o pressuposto da ilicitude do acto”. Acrescentou o TC que “isto se diz sem embargo de se não excluir a possibilidade de o pedido de indemnização vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil”, não afastando, por conseguinte, a eventual relevância negativa do comportamento lícito alternativo noutra sede. Seja como for, para o TC, a absoluta insusceptibilidade de ressarcimento desses danos, sempre e em qualquer caso, não permite cumprir a função primacial do instituto da responsabilidade civil (função ressarcitória ou reparatória), pelo que a interpretação da norma nesse sentido é inconstitucional.

Em acórdão recente – o acórdão n.º 83/2014 (proc. n.º 203/13)25 –, o TC clarificou que o seu entendimento é genericamente aplicável à violação de quaisquer normas instrumentais, aludindo expressamente a um “princípio da indemnizibilidade dos danos decorrentes de ilegalidades meramente formais que viciem os atos de autoridade da Administração”.

III. Na doutrina, cumpre destacar o pensamento de margarida cortez, Autora que, inserindo-se na corrente que nega a existência de ilicitude, censura a tese contrária por assentar “numa valorização exagerada do direito das formas”26. Segundo esta Autora, “se, para a melhor doutrina, se deve reconhecer ao juiz a faculdade de «aproveitar» os actos administrativos anuláveis por vícios de forma quando houver a certeza de que uma vez anulado o acto formalmente viciado viria a ser praticado outro com idêntico dispositivo, por maioria de razão se deve afastar qualquer julgamento positivo sobre a ilicitude destes actos, porquanto é evidente que, sob o ponto de vista substancial, eles são irrepreensíveis” 27. Para a Autora, quando a Administração invoca “uma causa virtual fundada num comportamento lícito alternativo, ela não está a fazer mais do que contestar a ilicitude do comportamento inicial”28. Discordamos, porém, deste entendimento por quatro razões essenciais.

Primeiramente, pensamos que as normas instrumentais cumprem uma função essencial enquanto comandos retores da atuação da Administração, relevando sobremaneira no âmbito da sua margem de livre decisão29. Negar ou enfraquecer esta função é conferir uma desvalorização exagerada, para empregar a expressão usada pela Autora, ao direito das formas. Não se trata, afinal, de defender a forma pela forma, mas a forma como meio de proteção e realização da substância e, por esta via, de defesa das posições jurídicas subjetivas dos particulares – trata-se de prestar o devido tributo à função garantística deste tipo de normas30.

Em segundo lugar, dificilmente se poderá enjeitar que o sentido da decisão administrativa tomada a final é (ou, pelo menos, pode ser) afetado pelo curso do procedimento e pelos trâmites observados, pela informação recolhida e aportada ao procedimento e pelo órgão que a adotou, sendo certo que a interligação indelével entre aquele sentido e estes últimos aspetos se adensa à medida que se avança em direção ao âmago da margem de livre decisão 31. De facto, à medida que nos aproximamos do coração da discricionariedade administrativa, torna-se praticamente impossível destrinçar, com rigor, onde termina a violação de uma norma instrumental e onde principia o desrespeito por uma norma substantiva32 (maxime nos casos de falta de fundamentação). Frequentemente, aliás, a circunstância de a forma/formalidade/norma de competência não ter sido regularmente observada impedirá mesmo que se saiba se o conteúdo do ato é ou não legal 33; é dizer, se o mesmo é repetível ou substituível por outro com o mesmo conteúdo. Acresce que, por uma multiplicidade de razões, a Administração pode não querer renovar o ato ou até não estar em condições (jurídicas ou fáticas) de o fazer. Destarte, é, aliás, de algum modo surpreendente que o STA, em muitos dos arestos analisados, se baste com a mera renovabilidade em potência do ato, sem cuidar de exigir a efetiva renovação do mesmo ou, pelo menos e em certos casos (de que daremos nota adiante), a comprovação, por parte da Administração, de que, depurado do vício, o ato teria tido o mesmo conteúdo34. Pelo contrário, é ao autor da ação que invariavelmente se exige a comprovação de que, sem o vício externo, o ato anulado teria, afinal, outro conteúdo. Esta abordagem do problema, nas hipóteses em que estão em causa situações opositivas do particular35, é, do nosso ponto de vista, metodologicamente incorreta, posto que a mera anulação com fundamento em vício externo não é, de forma alguma, sinónimo de que o ato invalidado foi ou será renovado. Voltaremos a este aspeto adiante.

Em terceiro lugar, parece-nos que se incorre num equívoco ao invocar o princípio do aproveitamento do ato administrativo como argumento a favor da exoneração, como regra geral, da responsabilidade da Administração em situações de ilegalidade externa. Com efeito, se o argumento é plausível – e tendemos, aliás, a concordar com ele, por uma questão de unidade e coerência do sistema – nas hipóteses em que o ato não é contenciosamente anulado 36, ele é já manifestamente imprestável naquelas situações em que o ato (normalmente discricionário) é efetivamente anulado por um tribunal, dado não ter sido possível determinar (rectius, demonstrar – da perspetiva da Administração interessada na manutenção do ato) que o ato, sem o vício externo, teria tido o mesmo conteúdo. Acontece, porém, que é para este tipo de casos que mais importa encontrar uma solução adequada, visto que, de um ponto de vista estatístico, é deles que os tribunais (quase)37 exclusivamente têm tratado.

Em quarto e último lugar, ao enquadrar a relevância do comportamento lícito alternativo no pressuposto da ilicitude, parece estar a confundir-se duas realidades distintas: a lesão do bem juridicamente protegido pela norma violada (que integra o pressuposto da ilicitude) com o prejuízo ressarcível (que, enquanto sinónimo de prejuízo avaliável em termos patrimoniais que é objeto de reparação ou compensação, integra o pressuposto do dano) 38. Ora, ainda que se possa, em tese, admitir a exoneração de responsabilidade por inexistência de prejuízo ressarcível, crê-se não ser de aceitar que não haja lugar a conduta ilícita, atendendo à natureza de normas de proteção (da generalidade) das normas instrumentais.

IV. Pela nossa parte, pensamos, em suma, que, ainda que não bastando, sempre e em qualquer caso, a mera ilegalidade do ato para se poder afirmar a existência de um ato ilícito39, o preenchimento do pressuposto da ilicitude também não poderá ter-se por necessária e automaticamente afastado quando esteja em causa a violação de uma normal instrumental.

De facto, independentemente do debate sobre a natureza da posição subjetiva conferida aos administrados por normas desse tipo (direito subjetivo/interesse legalmente protegido) a que aqui não nos podemos entregar40, não duvidamos, como antes assinalámos, de que a generalidade de tais normas (pelo menos todas quantas tenham, e nas situações em que tenham, capacidade invalidante do ato 41) visam proteger também interesses materiais dos particulares, assumindo uma função instrumental em face destes42. A sua violação está, por conseguinte, abrangida pelo conceito de ilicitude acolhido no n.º 1 do artigo 9.º do RJRCEE, interpretado em conformidade com o artigo 22.º da CRP, posto que nem um nem outro circunscrevem a responsabilidade da Administração à violação de posições jurídicas subjetivas substantivas, abarcando, ao invés, as situações de desrespeito pelas posições jurídicas subjetivas instrumentais. Enfim, “a lei não exclui a ilicitude formal”, como se lê, inter alia, no acórdão do STA de 19.06.1992 (proc. n.º 30582)43.

Além disso, importa ter presente que a atuação agressiva da Administração com base num ato inválido (e postumamente anulado com eficácia ex tunc) é uma atuação sem título, ilegítima. “Nestes casos existe portanto não só uma ilicitude instrumental, mas também uma verdadeira ilicitude material, porquanto a posição jurídica material do particular está a ser directamente lesada pela execução de um acto administrativo inválido, e, porque inválido, incapaz de conferir suporte jurídico a essa ingerência”44. Trata-se de uma constatação que decorre, com meridiana clareza, das mais elementares exigências do princípio da legalidade como fundamento e limite da atuação administrativa. Aliás, no seu acórdão de 12.05.2007 (proc. n.º 1214/05), o STA reconheceu expressamente que as normas que impõem os deveres de fundamentação e de audiência prévia “não se destinam a tutelar unicamente os seus interesses processuais do particular …, antes se podendo ver, também, tais preceitos, ainda que indirectamente, como reportados à posição jurídico-material do Autor, assim sendo possível identificar a violação das posições jurídicas subjectivas de responsabilização das normas em causa …, daí que as ilegalidades em causa … se não situem puramente na zona de protecção instrumental”.

Registe-se, por fim, que a opção pelo tratamento da questão no plano da ilicitude tem uma consequência prática importante que não é, a nosso ver, compaginável com a irretroatividade dos atos administrativos renovadores de conteúdo ablativo que resulta da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 156.º do novo Código do Procedimento Administrativo (doravante “CPA”)45nem tão-pouco com as situações em que o ato anulado não vem sequer a ser renovado, podendo sê-lo, ou vem a ser substituído por outro de conteúdo não lesivo para o particular. De facto, rejeitando-se a existência de ato ilícito, ficará, por princípio, totalmente excluída a ressarcibilidade de quaisquer danos. Ora, esta conclusão contraria, por um lado, o disposto na mencionada disposição do novo CPA que implica que o lesado seja indemnizado, nas situações em que o seu interesse material é de conteúdo opositivo, pelos danos sofridos in medio tempore (i.e., os ocorridos desde a adoção do ato ilegal até à sua renovação) não apagados ou reparados pelo ato renovador46. Por outro lado, pensamos que, nos casos em que não ocorra de todo a renovação do ato anulado ou em que este venha a ser substituído por outro de conteúdo contrário ou diverso (já não lesivo), a indemnização deverá, por regra, cobrir não apenas os danos medio tempore provindos da falta de disponibilidade do bem durante o período em causa, mas também, em determinadas condições, os que consistam na perda definitiva do bem, objeto do direito ou interesse do lesado, o que não é logicamente compatível com a asserção de que não existe ato ilícito47.

3. Nexo de causalidade, dano indemnizável e cálculo do dano

I. Entre a jurisprudência e a doutrina administrativistas é aceite que o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano (exigência implícita no n.º 1 do artigo 7.º do RJRCEE – “danos que resultem de ações ou omissões”) deve ser analisado de acordo com os parâmetros comuns do instituto da responsabilidade civil e, designadamente, com as teorias da causalidade adequada48 e do escopo de proteção da norma 49. Estas teorias (ditas normativas) visam equilibrar os resultados, por vezes injustos, a que se chegaria por via da teoria (naturalística) da conditio sine qua non50, procurando fornecer coordenadas para uma delimitação material adequada do dano indemnizável51.

Segundo afirmou francisco pereira coelho, a delimitação do dano indemnizável ficava tradicionalmente por aqui. Para este Autor, a doutrina civilista tradicional não estabelecia uma distinção entre nexo causal e cálculo da extensão do dano indemnizável. Para ela, ao lado do problema da causalidade não havia lugar para o problema da extensão do dano a indemnizar como questão autónoma: “o dano a indemnizar é o dano causado pelo facto, apenas cumprindo avaliar este dano”, sendo que “a causa hipotética não pode influir a extensão do dano a indemnizar justamente porque não afecta a causalidade do facto para o dano”. Os Autores mais modernos, porém, já autonomizam os dois planos: de um lado, o nexo causal e, do outro, a extensão do dano indemnizável52.

Neste último plano, o cálculo do dano indemnizável deve ser realizado com base na teoria da diferença, consagrada no n.º 2 do artigo 566.º do CC e, no que toca à responsabilidade da Administração, no n.º 1 do artigo 3.º do RJRCEE53. Segundo esta teoria, há que comparar as situações real e hipotética atuais do lesado, com vista a restabelecer a situação económica que este teria se não fosse a lesão, libertando-o das consequências do facto lesivo, sem que, ao mesmo tempo, se peque por excesso, ao colocá-lo, às custas do lesante, numa situação melhor do que aquela em que estaria se a lesão não tivesse tido lugar. A teoria da diferença é, assim, um critério de determinação do quantum respondeatur, tratando-se “de uma avaliação total e dinâmica do dano ... que não se esgota, na verdade, na avaliação do prejuízo provocado pela lesão do bem jurídico imediatamente atingido, mas para a qual importa todo o ciclo de consequências – vantajosas e desvantajosas – provocadas, no património do lesado no seu conjunto, pela conduta que obriga a reparar”54 (compensatio lucri cum damno).

II. Boa parte da doutrina tem sedeado a eventual relevância da renovabilidade/renovação do ato55 no plano do nexo causal (e, mais latamente, do dano juridicamente relevante tal como delimitado por esse nexo ou dano indemnizável), havendo outros Autores que parecem remetê-la para o domínio do cálculo do dano56. Seja qual for a perspetiva adotada, alguns Autores preconizam o afastamento da responsabilidade da Administração nos casos em que o ato pudesse ser abstratamente renovável57 e outros apenas nas situações em que o seja efetivamente 58. São, contudo, ressalvados os danos medio tempore resultantes da falta de disponibilidade do bem – que boa parte dos Autores considera serem sempre ressarcíveis59 – e odano autónomo – também reparável em qualquer circunstância para os Autores que o reconhecem 60.

Focando a atenção na jurisprudência do STA, constata-se que o problema é sempre resolvido no plano do nexo de causalidade (quando não, evidentemente, no da ilicitude), nunca sendo relegado para o cálculo do dano indemnizável. Abrem-se, depois, duas correntes61: a que nega a existência de causalidade do ponto de vista da teoria da adequação (ou até, mais propriamente, da da conditio que aquela não rejeita como sua base) e a que enjeita a verificação do pressuposto de acordo com a perspetiva da teoria do escopo de proteção da norma (aludindo esta última corrente à não verificação do “nexo de ilicitude” ou da “conexão de ilicitude”).

Na primeira corrente inserem-se arestos com linhas de argumentação relativamente distintas entre si, mas com um traço comum que se pode resumir da seguinte forma: nega-se o estatuto de causa adequada ao ato ilegal por, sendo este renovável, não ter ficado demonstrado que a ilegalidade externa do mesmo tenha sido determinante para o seu conteúdo decisório, exigindo-se (por vezes expressa, por vezes implicitamente), para se dar por verificado o pressuposto do nexo causal, que o autor faça prova de que, se a norma instrumental tivesse sido respeitada, o ato teria tido conteúdo diverso e não lesivo 62 (no fundo, de que o comportamento lícito alternativo teria evitado o resultado danoso).

Para a corrente que perspetiva a questão do ponto de vista da teoria do escopo de proteção da norma, o raciocínio seguido é o seguinte: o dano produzido insere-se numa zona de interesses situada para além do “horizonte de responsabilização da norma”, pelo que falha o “nexo de ilicitude” ou a “conexão de ilicitude”. Seria necessário, para concluir de modo diverso, que o autor lograsse demonstrar que o ato anulado o atingia num direito ou posição juridicamente tutelada de natureza substantiva. É dizer, pende sobre ele o ónus de demonstrar que, se porventura a Administração tivesse optado pelo comportamento lícito alternativo, o seu interesse substantivo teria sido satisfeito63.

Embora com formulações e enquadramento dogmático distintos, ambas as correntes partilham, por conseguinte, de um mesmo pressuposto: o de que compete ao lesado a demonstração de que o comportamento lícito alternativo teria conduzido a resultado diverso e não lesivo, sob pena de não se considerar preenchido o nexo causal.

III. A nosso ver, talvez seja preferível equacionar a eventual relevância negativa do comportamento lícito alternativo no plano do cálculo da indemnização e não no do nexo causal propriamente dito64. Na verdade, o desafio introduzido pelo comportamento lícito alternativo não parece poder ser afastado neste segundo plano, posto que, no mundo sensível, houve, de facto, uma causa real (o ato anulado) que desencadeou um resultado danoso e que não é apagada pela causa alternativa hipotética (a renovabilidade) 65 nem pela causa alternativa efetiva subsequente (a renovação). É dizer, o ato externamente ilegal, tendo existido e produzido os seus efeitos/sido executado, foi a causa naturalística do dano.

Ademais, não parece ser possível afirmar que não tenha sido também causa adequada do mesmo, na medida em que, segundo a conhecida e já mencionada formulação negativa da teoria da causalidade adequada, quando se esteja perante um facto ilícito, basta um grau de probabilidade mínima para que se estabeleça o nexo causal, ou seja, basta a demonstração de que o ato ilícito não foi de todo em todo indiferente para a causação do dano. Por este motivo, julgamos ser de repudiar o entendimento do STA segundo o qual os atos inquinados por vícios externos não seriam causa adequada do dano, a menos que o lesado demonstrasse que o ato, praticado sem a ilegalidade, teria tido conteúdo diverso e não lesivo. Esta importação, para dentro do pressuposto do nexo causal, da condição de demonstração pelo lesado de que a conduta lícita alternativa não teria produzido o resultado danoso, como se do pressuposto fizera parte integrante, traduz uma aplicação metodologicamente errada da teoria da causalidade adequada, na medida em que se exige uma certeza absoluta ou máxima de que o dano não se teria verificado sem o ato ilegal, ao invés de se considerar suficiente a demonstração de que o ato ilícito não foi de todo em todo indiferente para a causação do resultado danoso.

Por outro lado, observando a questão da perspetiva da teoria do escopo de proteção da norma, também não acompanhamos a ideia de que a posição jurídica substantiva dos particulares não é, em caso algum, tutelada pelas normas instrumentais violadas, conforme acima demos nota. Aliás, a admissibilidade da invocação e da demonstração pelo lesado de que, se o ato tivesse sido legalmente praticado, não teria sido lesivo (e, consequentemente, o reconhecimento do dever de indemnizar nestes casos) mostra bem como o próprio STA reconhece que a norma instrumental violada abarca no seu escopo de proteção o dano (material) causado na posição subjetiva substantiva do lesado66.

4. Ónus de alegação e ónus da prova do comportamento lícito alternativo hipotético e seu resultado

Como vimos dizendo, a imposição ao lesado do ónus de alegar e comprovar que o ato, depurado do vício externo, teria tido outro conteúdo (não lesivo), predominante na jurisprudência do STA, é criticável sob vários pontos de vista.

Em primeiro lugar, porque arranca da ideia de que a inexistência de um resultado alternativo não lesivo é um facto constitutivo do direito do lesado à indemnização (integrando, parece, a própria estrutura do pressuposto da ilicitude ou do nexo causal ou então constituindo um pressuposto ad hoc da responsabilidade civil da Administração) e não um facto impeditivo ou extintivo da obrigação de indemnizar da Administração (cf. artigo 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC)67. Note-se, de um lado, que esta abordagem contraria a solução normativa contida no artigo 491.º, no n.º 1 do artigo 492.º e no n.º 1 do artigo 493.º do CC, os quais, contemplando casos de causalidade hipotética (abrangendo, assim, o comportamento lícito alternativo), estabelecem que a demonstração de que a conduta lícita alternativa não teria evitado os danos cabe ao lesante68. Ademais, mesmo admitindo a hipótese de que, por se tratar da violação de normas de proteção, a prova do “nexo de ilicitude” (i.e., de que os danos causados se inserem no tipo de danos que a norma visa evitar) cabe ao lesado 69, há entre os civilistas quem defenda, nestes casos, que “a prova da causalidade, que cabe ao lesado, é facilitada, na prática, muitas vezes pelas regras sobre «a prova de primeira aparência» ou pela inversão do ónus da prova”. Deste modo, “se uma norma de protecção procura reagir contra uma possibilidade de pôr em perigo típica e se, em violação dessa norma, ocorrer um prejuízo do género que a norma visa impedir, é de considerar, em primeira aparência, uma relação causal entre a violação da norma de protecção e o prejuízo” 70.

Em segundo lugar, por ignorar o facto de, por princípio, ser à Administração que compete a demonstração, em juízo, do preenchimento dos pressupostos legais da sua atuação (quando agressiva). De facto, no âmbito das ações administrativas de impugnação de atos, entende-se que “deve ser a Administração a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova (de o juiz não se ter convencido) da verificação dos pressupostos legais que permitem à Administração agir com autoridade (pelo menos, quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares)” 71. Pela nossa parte, não vemos como possa esta constatação ser afastada no âmbito de uma ação administrativa de responsabilidade civil, posto se tratar de um corolário do princípio da legalidade enquanto fundamento e limite do agir administrativo.

Em terceiro lugar, porque fazer recair sobre o lesado o ónus de alegar e comprovar que existiria um ato alternativo e qual seria o seu conteúdo decisório equivale a exigir – e, por conseguinte, permitir – uma reinstrução do procedimento administrativo pelo próprio tribunal, em substituição da Administração, fazendo-o mergulhar de imediato na esfera da margem de livre decisão administrativa e impondo-lhe a reconstrução, através de um juízo de prognose póstuma, do iter procedimental e do sentido da decisão (quando é certo, não esqueçamos, que outro tribunal, no plano da tutela primária, não foi capaz de formular tal reconstrução, razão pela qual o ato veio a ser anulado). Este modo de conceber o problema não é, por conseguinte, compatível com o princípio da separação de poderes.

Por último, por ser evidente que o particular raramente estará em condições de demonstrar que a decisão seria tomada num sentido e não noutro: é uma verdadeira diabolica probatio que se lhe exige. A este respeito, impõe-se fazer uma alusão ao acórdão do STA de 01.10.2008 (proc. n.º 63/08) 72 que julgou procedente o pedido indemnizatório formulado, por ter considerado que, na prática, era impossível a demonstração pelo lesado de que, se a Administração tivesse optado pela conduta alternativa legal (ato devidamente fundamentado), o seu interesse substantivo teria sido satisfeito. Embora seja de louvar o resultado final obtido, não pode deixar de se apontar uma crítica à ratio decidendi do aresto: o STA considerou que, ao não fundamentar o ato anulado (cessação da comissão de serviço do autor), a Administração impossibilitou o lesado de provar que o ato era substantivamente ilegal, aplicando, consequentemente, a regra de inversão do ónus da prova consagrada no n.º 2 do artigo 344.º do CC. Embora por esta via se chegue ao resultado que julgamos materialmente acertado (ónus da prova pelo lesante), pensamos não ser necessário ir tão longe, ou seja, aplicar uma regra de inversão do ónus, uma vez que, como referido, e em nosso entender, este recaía ab initio sobre a Administração.

Defendemos, por isso, com a generalidade da doutrina, que o ónus de alegação e da prova do comportamento lícito alternativo hipotético, nos casos em que este seja invocável (o que veremos de seguida), e independentemente do enquadramento dogmático que se lhe queira conferir, compete, em regra, à Administração e não ao lesado73, decidindo-se em desfavor daquela as situações de non liquet.

5. Síntese conclusiva: os casos de invocabilidade da relevância negativa do comportamento lícito alternativo

Em suma, procurando agora identificar os casos de invocabilidade do comportamento lícito alternativo (hipotético ou efetivo), estamos em condições de concluir que o recorte das hipóteses em que o mesmo poderá (ou não) assumir uma relevância negativa ou desresponsabilizante é o seguinte:

(a) Se o ato (ablativo) ilegal for efetivamente renovado, com o mesmo conteúdo decisório, e simplesmente depurado do vício externo que o afetava, dá-se a ocorrência de um comportamento lícito alternativo efetivo. Nesta hipótese, em que a prova do comportamento lícito alternativo que incumbe à Administração se afigura facílima74, consideramos adequado, sob pena de enriquecimento injustificado do particular, que a Administração não tenha de suportar uma indemnização pelo dano definitivo resultante da perda do bem, objeto do direito ou interesse, visto que a mesma acabou por ter lugar por modo lícito75; a perda abandona, assim, a sua feição de prejuízo ressarcível, passando a existir enquanto afetação legalmente consentida da esfera do particular76. Pelo contrário, quanto aos danos medio tempore decorrentes da falta de disponibilidade do bem, uma vez que a renovação do ato não elimina a ilicitude do ato original nem a causalidade do ato para os danos incorridos, e que, por força da regra da irretroatividade dos atos renovadores, estes últimos não podem revestir eficácia ex tunc, terá a Administração de os ressarcir77. Finalmente, para quem entenda existir um dano autónomo, o mesmo será indemnizável segundo um critério de equidade (cf. artigo 496.º, n.º 3, do CC).

(b) Se o ato (ablativo) ilegal for substituído por outro de conteúdo diferente e não lesivo para o particular, entendemos que a Administração deverá ser condenada a indemnizar a totalidade dos danos sofridos pelo lesado (danos pela perda definitiva do bem, se a houver, e danos pela falta de disponibilidade do bem), incluindo o dano autónomo para quem o admita. Efetivamente, nesta situação, torna-se “seguro que a Administração abdicou da intervenção agressiva, tendo tornado, por assim dizer, «definitivamente indevida» a intervenção inicial” 78. Aliás, foi justamente em casos que revestiam esta particularidade que o STA proferiu os anteriormente mencionados acórdãos de 19.06.1992 (proc. n.º 30582) e de 04.06.1998 (proc. n.º 40575), tendo ainda, em outros três arestos, de 24.04.1996 (proc. n.º 28189A), de 31.05.2000 (proc. n.º 41201) e de 03.10.2001 (proc. n.º 43193), referido, obiter dictum, que os vícios externos suportam com êxito o pedido indemnizatório nas hipóteses em que, reeditado o ato isento do vício, a nova decisão é favorável à pretensão substantiva do administrado. Não pensamos que, nestes casos, a Administração possa invocar e provar um comportamento lícito alternativo hipotético para efeitos de se exonerar da sua responsabilidade, pois isso configuraria uma alegação contrária aos ditames da boa-fé.

(c) Se o ato (ablativo) ilegal não for renovado, torna-se necessário, parece-nos, apurar as razões da sua não renovação (salvo quanto ao dano autónomo, o qual, para quem reconheça a sua existência e ressarcibilidade, será sempre indemnizável qualquer que seja a causa da não renovação do ato ilegal).

- Assim, se a Administração, podendo renovar livremente o ato (ablativo), optar por não o fazer, deve ressarcir o lesado pela totalidade dos danos sofridos (danos pela perda definitiva do bem e danos pela falta de disponibilidade do bem). Neste sentido pronunciou-se o STA, nos seus dois arestos de 24.04.1996 (proc. n.º 28189A) e de 03.10.2001 (proc. n.º 43193), já mencionados, salientando que haverá lugar a condenação se, “tratando-se de acto ablativo, a Administração o não renovou sendo livre de o fazer”. Tal como na hipótese anterior, também não vemos que a Administração possa invocar o comportamento lícito alternativo hipotético, sendo abusiva tal invocação, apenas destinada a esquivar-se da obrigação de indemnizar, quando, na realidade, entendeu, fosse por que razão, não reeditar o ato.

- Se, ao invés, a renovação do ato (ablativo) se tornou impossível, em virtude de alterações de facto ou de direito entretanto ocorridas ( tempus regit actum), julgamos que deve ser dada oportunidade à Administração de alegar e comprovar (como exceção perentória) que, tivesse o ato sido praticado ab initio com observância da norma instrumental violada, teria tido o mesmo conteúdo, isto é, de conferir relevância negativa ao comportamento lícito alternativo hipotético79.

Em sentido contrário, porém, e de certa forma assumindo uma posição radical em face do seu clássico entendimento nesta matéria, o STA, em acórdão de 03.10.2001 (proc. n.º 43193), estando em causa um ato de demissão anulado com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, cuja renovação não era já possível em virtude da extinção da entidade onde o lesado exercia a presidência, decidiu que “anulado judicialmente o acto administrativo com fundamento em vício de forma e não podendo este ser repetido encontra-se verificado o pressuposto do direito à indemnização” 80. Não é percetível da leitura do aresto se a Administração procurou invocar o comportamento lícito alternativo como fator excludente de responsabilidade81, mas, seja como for, os termos tão perentórios em que o STA resume a questão levam a crer que, neste caso, se alinhou por um entendimento, inédito na jurisprudência deste Tribunal, que considera ser necessária a efetiva renovação do ato anulado, recusando a atribuição de qualquer relevância negativa a um comportamento alternativo hipotético 82. A nosso ver, julgamos que este entendimento do STA não é de sufragar, visto nenhuma razão existir para afastar, in casu, o raciocínio geralmente aceite, no âmbito do direito civil, de que o comportamento lícito alternativo (desde que devidamente comprovado pelo lesante) tem, por princípio, uma relevância desresponsabilizante.

 

 

* Advogada na Sérvulo & Associados e mestranda em Direito Administrativo (programa de mestrado orientado para a investigação), em fase de preparação de tese, na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola de Lisboa). O presente artigo corresponde, com algumas alterações, ao relatório final elaborado para a cadeira de Responsabilidade Civil dos Poderes Públicos, no 1.º semestre do ano letivo de 2014/2015, no âmbito daquele mestrado. E-mail: deboramfernandes@gmail.com.
1 A expressão que, por comodidade, usamos pretende englobar os atos praticados com violação de normas formais, procedimentais e orgânicas, v .g., atos adotados com preterição da forma legalmente exigida, violação dos deveres de audiência prévia e de fundamentação, falta de parecer obrigatório ou vício de incompetência (relativa ou absoluta).
2 A reparação dos danos resultantes da atividade administrativa está sujeita a um regime substancialmente idêntico ao do direito civil, relevando, segundo é genericamente reconhecido, os mesmos pressupostos que neste domínio. Cf., v.g., acórdão do Surpemo Tribunal Administrativo de 04.06.1998, proc. n.º 40575. Salvo indicação em contrário, todos os acórdãos mencionados no presente artigo encontram-se disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
3 No presente artigo, quando fazemos referência à figura do comportamento lícito alternativo, não pretendemos excluir os casos em que os atos padecem do vício de incompetência e em que, portanto, o comportamento lícito alternativo não é o do próprio lesante, mas de terceiro (o órgão competente). Em termos rigorosos, e segundo a distinção feita no direito civil, estaríamos aí perante uma situação de causa virtual, e não de comportamento lícito alternativo proprio sensu, mas pensamos que, para os efeitos do presente artigo, as duas figuras não devem receber um tratamento diferenciado. Por esta razão, usaremos, indistintamente, e por comodidade, a expressão “comportamento lícito alternativo” para abarcar ambas as realidades (i.e., o comportamento lícito alternativo em sentido próprio e a causa virtual).
4 Os acórdãos do STA sobre este tema reportam-se, na sua esmagadora maioria, aos vícios de falta ou insuficiência de fundamentação e de preterição de audiência prévia, encontrando-se também alguns, em menor número, relativos aos vícios de incompetência e falta ou extemporaneidade de parecer obrigatório.
5 Extravasa, por conseguinte, do âmbito da nossa análise a eventual responsabilidade por atos administrativos praticados com inobservância de trâmites procedimentais que se degradam em formalidades não essenciais, bem como aqueles afetados por vícios externos não invalidantes, como é o caso dos vícios que não determinam a anulação contenciosa, por efeito da aplicação, pelo tribunal, do princípio do aproveitamento do ato administrativo. Não ignoramos, todavia, que a questão é também suscetível de controvérsia. Pela nossa parte, e independentemente de ulterior reflexão, julgamos que, nas hipóteses assinaladas, será possível defender que não se verifica o preenchimento do pressuposto da ilicitude, por uma questão de unidade e coerência sistemática do ordenamento jurídico: se a ilegalidade não é de molde a determinar a invalidação do ato, tal significa que não representa uma desconformidade com o direito suficientemente ponderosa que possa conduzir a um juízo de reprovação ou censura, ínsito na ideia de ilicitude. Contra, porém, cf. mário aroso de almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, o Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 2.ª ed., Coimbra, 2015, pp. 277 e 278.         [ Links ] Sobre isto, v. ainda rui medeiros, Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, Coimbra, 1992, p. 168;         [ Links ] estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade externa do acto administrativo e responsabilidade civil da Administração, Coimbra, 2010, pp. 174 e 321;         [ Links ] e alexandra leitão, Duas questões a propósito da responsabilidade extracontratual por (f)actos ilícitos e culposos praticados no exercício da função administrativa: da responsabilidade civil à responsabilidade pública. Ilicitude e presunção de culpa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, IV, Coimbra, 2012, pp. 53 e 54.         [ Links ]
6 Cf., v.g., a síntese feita no acórdão do STA de 04.11.1998, proc. n.º 40165.
7 Embora sem lhe conferir, na esmagadora maioria das vezes, esse nomen juris.
8 Nos direitos penal e civil, onde a figura mais tem sido estudada, o comportamento lícito alternativo é sempre consideado como um processo causal hipotético do próprio lesante. Cf., por todos, sinde monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Coimbra, 1989, pp. 86 ss.         [ Links ].
9 De facto, pelas particularidades dos casos que são objeto do presente artigo, dá-se a singularidade de o comportamento lícito alternativo poder virde facto a ter lugar, em momento posterior ao comportamento ilícito, assim se tornando possível falar em comportamento lícito alternativoefetivo. Aliás, como refere francisco pereira coelho, “a causa hipotética tanto pode ser um facto real como um facto impedido ou frustrado e, portanto um facto hipotético”, cf. O problema da causa virtual na responsabilidade civil, Coimbra, reimpr. 1998, p. 105.
10 Pelo contrário, marcello caetano entendia que “a ilicitude coincide com a ilegalidade do acto e apura-se nos termos gerais de direito”. No entanto, embora com fundamentação diversa, o Autor chegava ao mesmo resultado que a restante doutrina, dado que, no contexto do pressuposto do “prejuízo”, defendia a limitação da indemnização ao prejuízo indemnizável, isto é, “tanto o que se traduza em ofensa de direitos subjectivos como o que se traduza em ofensa das disposições legais destinadas a proteger interesses dos particulares”. Cf. Manual de Direito Administrativo, II, 10.ª ed., Coimbra, 1986, pp. 1225-1227.         [ Links ]
11 Cf., neste sentido, inter alia, gomes canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra, 1974, p. 75, nota 17,         [ Links ] e Comentário ao Ac. STA de 12 de Dezembro de 1989, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 3816, Ano 125, 1992-1993, pp. 83 e 84;         [ Links ] rui medeiros, Ensaio, p. 168;         [ Links ] margarida cortez, Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado, Stvdia Ivridica, 52, 2000, pp. 70-72.         [ Links ]
12 Cf., a título não exaustivo, acórdãos de 12.12.1989, proc. n.º 24814A, de 16.02.1995, proc. n.º 36023, de 01.07.1997, proc. n.º 41588, de 04.11.1998, proc. n.º 40165, e de 24.03.2004, proc. n.º 1609/02.
13 Posteriormente alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de julho.
14 Ou, noutra formulação, a necessidade da ilicitude do resultado (por contraposição à mera ilicitude da conduta). Cf. vieira de andrade, A Responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa na nova lei sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 3951, Ano 137, julho-agosto de 2008, p. 365.
15 Cf. acórdão do STA de 25.02.2003, proc. n.º 1992/02, e mário aroso de almeida, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (org. Rui Medeiros), Lisboa, 2013, p. 254.         [ Links ]
16 Usamos aqui a distinção empregue por, entre outros, margarida cortez, cf. Responsabilidade, pp. 72-75. Normas formais/instrumentais são as que regulam os aspetos organizatórios, funcionais e formais do exercício do poder, abrangendo esta categoria as normas formais stricto sensu, as procedimentais e as orgânicas ou de competência. Por seu turno, as normas substantivas/materiais são todas as que conformam diretamente o conteúdo decisório do ato.
17 É esta a posição adotada por gomes canotilho, O problema, p. 75, nota 17;         [ Links ] e margarida cortez, Responsabilidade, pp. 74-79 e 144, e O crepúsculo da invalidade formal?, Cadernos de Justiça Administrativa, 7, janeiro/fevereiro 1998, p. 38.         [ Links ] No mesmo sentido vai também o Parecer n.º 40/80 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, Boletim do Ministério da Justiça, 306, 1981, pp. 63ss.
18 Inserem-se nesta corrente doutrinária Autores como rui medeiros, Ensaio, pp. 169 e 170; ivo miguel barroso, Ilegalidade e ilicitude no âmbito da responsabilidade civil extracontratual da Administração, in Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo – Estudos sobre a Reforma do Processo Administrativo, Lisboa, 2005, p. 213;         [ Links ] carlos alberto cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Anotado, Coimbra, 2008, p. 152-154;         [ Links ] luís cabral de moncada, Responsabilidade civil extra-contratual do Estado – a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, Lisboa, 2008, p. 67;         [ Links ] estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, pp. 226-228;         [ Links ] alexandra leitão, Duas Questões, p. 52;         [ Links ] e mário aroso de almeida,Comentário ao Regime, p. 257.         [ Links ] No mesmo sentido parecem ir também marcelo rebelo de sousa / andré salgado de matos, Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa, 2.ª ed., Lisboa, 2010, p. 499;         [ Links ] e paulo otero, Causas de exclusão da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por facto ilícito, in E studos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, II, Coimbra, 2010, pp. 978 e 981.         [ Links ]
19 Note-se, contudo, que margarida cortez, para além de situar a questão no plano da ilicitude, não deixa de afirmar que ela também assume relevância nos planos do nexo causal e do cáculo do dano inemnizável, cf. Responsabilidade, pp. 75 e 129-136. Abordando também a questão simultaneamente nos planos da ilicitude e do nexo causal, o já mencionado Parecer n.º 40/80 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
20 Cf. acórdãos de 08.11.1994, proc. n.º 31900, 16.02.1995, proc. n.º 36023, de 01.07.1997, proc. n.º 41588, de 04.11.1998, proc. n.º 40165, de 20.12.2000, proc. n.º 44649, de 13.02.2001, proc. n.º 44445, de 25.02.2003, proc. n.º 1992/02, de 24.03.2004, proc. n.º 1690/02, de 18.11.2004, proc. n.º 728/04, de 27.01.2010, proc. n.º 513/09, e de 23.02.2012, proc. n.º 1107/11.
21 Cf. acórdão de 09.11.2000, proc. n.º 46441.
22 Cf. acórdão de 14.05.2003, proc. n.º 1317/02.
23 O número de acórdãos que alinha por uma ou outra posição é praticamente idêntico, com uma ligeira preponderância, a partir de 2006, para a segunda. Todavia, existem dois arestos mais recentes, um de 2010 e outro de 2012, que, um pouco contracorrente, retomam a defesa da impossibilidade de equiparação, sempre e em qualquer caso, da ilegalidade externa a ilicitude (cf. acórdãos de 27.01.2010, proc. n.º 513/09, e de 23.02.2012, proc. n.º 1107/11).
24 Pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
25 Pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
26 Cf. Responsabilidade, p. 78.
27 Cf. Responsabilidade, p. 79.
28 Cf. Responsabilidade, p. 145.
29 Como ensinava jhering, “a forma é inimiga jurada do arbítrio, irmã gémea da liberdade”. A fonte da citação é Geist des Römischen Rechts, 2.2, 9.ª ed., Aalen, 1968, p. 471.
30 Sobre a função garantística das normas do procedimento, cf., v.g., barbosa de melo,Do vício de forma nos actos administrativos (Algumas Considerações), diss., Coimbra, 1961, p. 25;         [ Links ] pedro machete,A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Lisboa, 1995, p. 8;         [ Links ] e mário aroso de almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Coimbra, 2002, pp. 130 e 131.         [ Links ] E, no que tange às normas orgânicas ou de competência, cf. sérvulo correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, p. 313;         [ Links ] afonso queiró, Competência, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, II, Lisboa, 1990, p. 536;         [ Links ] e bernardo diniz ayala, O (Défice) de Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 188 e 189.         [ Links ]
31 Cf., neste sentido, barbosa de melo, Do vício, p. 103.
32 Segundo friedhelm hufen, “especialmente en resoluciones discrecionales o de valoración no se suelen poder distinguir claramente las irregularidades materiales de las procedimentales”, cf. La Sistematica de las Consecuencias de las Irregularidades Procedimentales, Revista de Documentatión Admnistrativa, 235/236, julho-dezembro 1993, p. 342.         [ Links ]
33 Cf., neste sentido, vitalino canas, O vício de forma no acto administrativo, Revista Jurídica, 9/10, junho 1987, p. 158.         [ Links ]
34 Não assim os acórdãos que julgaram os pedidos indemnizatórios procedentes, o que, tanto quanto pudemos apurar através da nossa pesquisa, sucedeu apenas em três casos. No primeiro, o pedido de indemnização foi julgado procedente devido ao facto de o ato anulado não ter sido renovado, mas substituído por outro de conteúdo contrário (acórdão de 04.06.1998, proc. n.º 40575); no segundo caso, a Administração foi condenada porque se concluiu que, sendo facticamente impossível a repetição do ato anulado, “a ilegalidade não foi reparada” (acórdão de 03.10.2001, proc. n.º 43193); e, no terceiro acórdão, a ação foi jugada procedente por se ter considerado que, na prática, era impossível a demonstração pelo lesado de que, se a Administração tivesse optado pela conduta alternativa legal (ato devidamente fundamentado), o seu interesse final ou substantivo teria sido satisfeito (acórdão de 01.10.2008, proc. n.º 63/08). Com exceção, ainda, inter alia, do acórdão de 19.06.1992, proc. n.º 30582, e do acórdão de 25.06.2003, proc. n.º 47940. Nestes dois casos, o STA julgou procedentes os recursos interpostos pelos lesados, revogando as sentenças recorridas que haviam absolvido a Administração. Na primeira situação, em que o ato (ablativo) anulado com fundamento em vício de forma (falta de fundamentação) foi substituído por outro de conteúdo contrário e não lesivo, o STA considerou, relativamente a um dos pedidos, estarem preenchidos os pressupostos da ilicitude e do nexo causal, determinando a baixa dos autos para prosseguimento da ação a fim de se apurar o requisito da culpa e o montante dos prejuízos. No segundo caso, estando em causa um ato (ablativo) viciado por falta de fundamentação e não tendo o ato sido renovado, o STA considerou não ser abstratamente impossível o preenchimento do pressuposto do nexo causal (como entendera o tribunal recorrido), determinando a baixa dos autos para que o tribunal a quo apurasse se o pressuposto estava ou não preenchido. Afastou, assim, a relevância negativa da mera renovabilidade do ato que, in casu, não fora efetivamente reeditado.
35 No presente artigo, restringimos as nossas conclusões às situações opositivas, isto é, àquelas em que o ato anulado subtraiu ou limitou o gozo de um bem da vida pelo lesado. De facto, nas situações pretensivas, em que o particular pretende ver ampliada a sua esfera jurídica e por isso se candidata à obtenção de uma vantagem, a questão é bem mais complexa, prendendo-se com as condições de indemnizibilidade dos danos daperda de chance, de que não podemos aqui tratar. Seja como for, mesmo nas situações pretensivas, a questão da indemnizibilidade do dano autónomo coloca-se nos mesmos termos. Diremos mais até: quando se trate de situações pretensivas inseridas no contexto de um procedimento pré-contratual, a mera violação das normas procedimentais pode dar lugar ao dever de indemnizar os custos incorridos com a participação no procedimento, desde que o particular demonstre que teria uma possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato (cf. artigo 7.º, n.º 2, do RJRCEE e artigo 7.º, n.º 2, da Diretiva 92/13/CEE). Sobre a perda de chance, v., por todos, júlio vieira gomes, Sobre o dano da perda de chance, Direito e Justiça, XIX-2, 2005, pp. 9-47. Sobre o artigo 7.º, n.º 2, do RJRCEE e o artigo 7.º, n.º 2, da Diretiva 92/13/CEE, v., por todos, rui medeiros e patrícia fragoso martins, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (org. Rui Medeiros), Lisboa, 2013, pp. 181-216.
36 Designadamente por (i) configurar um caso de degradação de formalidade essencial em não essencial, (ii) se tratar de ato vinculado cujo conteúdo, independentemente do vício externo, se conclui só poder ser aquele ou, (iii) tratando-se de ato discricionário, a discricionariedade ter ficado reduzida a zero, concluindo-se outrossim que aquele era o único conteúdo possível para o ato. Para uma síntese da jurisprudência em matéria de (ir)relevância dos vícios externos na anulação de atos administrativos, v., por todos, rui machete, A relevância processual dos vícios procedimentais no novo paradigma da justiça administrativa portuguesa, in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, III, Coimbra, 2006, pp. 875 e 876.
37 Diz-se “quase” por uma questão de pura prudência, pois da exaustiva pesquisa de jurisprudência efetuada não se detetou um único acórdão que tivesse por referência uma pretensão indemnizatória com base em ato externamente ilegal mas não judicialmente invalidado.
38 Sobre a distinção entre lesão e dano, v., por todos, antunes varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª ed., Coimbra, 2000, pp. 531-533.
39 Por isso aplaudimos o facto de o STA, no seu acórdão de 28.11.2007, proc. n.º 808/07, não ter negado a qualificação prima facie das normas instrumentais violadas (atinentes ao procedimento de avaliação de impacte ambiental que in casu não fora observado) como normas de proteção, tendo tido o cuidado de indagar se tais normas compreendiam, ou não, no seu escopo de proteção interesses materiais dos particulares. O STA acabou por concluir que essas normas não visam tutelar interesses privados, mas antes “evitar danos ambientais”, não configurando a violação das mesmas um ato ilícito (temos algumas dúvidas sobre se a questão não deveria antes ter sido resolvida no plano do nexo causal, considerado de acordo com a teoria do escopo de proteção da norma – é que parece ser o dano, e não a posição jurídica subjetiva do particular, que extravasa do âmbito de proteção das normas em causa). Infelizmente, porém, na maior parte dos arestos em que se decide pela inexistência de ato ilícito, a conclusão de que as normas instrumentais não visam proteger interesses materiais dos particulares é praticamente automática e indemonstrada nos seus pressupostos.
40 Não podemos, contudo, deixar de observar que muitas das posições jurídicas subjetivas instrumentais dos particulares encontram-se expressamente consagradas na Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”): os direitos de audição e de defesa em procedimentos sancionatórios no n.º 3 do artigo 269.º; a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito no n.º 5 do artigo 267.º; o direito de informação procedimental no n.º 1 do artigo 268.º; a notificação e a fundamentação no n.º 3 do artigo 268.º.
41 Esta é mais uma razão pela qual não podemos acompanhar margarida cortez na crítica que faz à sobrevalorização do direito das formas. Na verdade, a ponderação do valor das formas e formalidades impostas por lei é (deve ser) feita, pelo legislador e pelo juiz, no plano da tutela primária, tendo por vetores, inter alia, os princípios da proporcionalidade, do aproveitamento do ato, da economia processual e da eficiência. É neste plano, e não no da tutela secundária, que deve ser encontrado o equilíbrio adequado entre a forma e a substância. Assim, se, de uma perspetiva axiológica, a forma não tiver razão de ser, ou esta tiver sido alcançada por outra via, ou ainda se não pudesse ter tido qualquer influência no sentido final da decisão, então o ato não deve ser judicialmente invalidado. Mas, sendo-o (é dizer, tendo a forma uma razão de ser que merece ser protegida ao ponto de determinar a anulação do ato), não se vê por onde se poderia enjeitar o caráter ilícito do ato.
42 estêvão nascimento da cunha, após analisar em pormenor cada tipo e subtipo de norma instrumental, conclui, em termos que acompanhamos, que “as normas de legalidade externa podem, regra geral, ser consideradas como normas de proteção, no sentido publicístico do termo, delas resultando, portanto, direitos subjectivos públicos ou ao menos interesses legalmente protegidos, salvo quando se demonstre que os seus fins nada têm a ver com os interesses dos particulares”, cf. Ilegalidade, p. 168.
43 Apêndice ao Diário da República de 16.04.1996, p. 4233.
44 Cf. estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, pp. 277 e 279.         [ Links ]
45 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e cuja entrada em vigor ocorreu no dia 08.04.2015. No antigo CPA, a disposição que proibia a irretroatividade dos atos renovadores era a parte final da alínea b) do n.º 1 do 128.º.
46 Cf. rui medeiros, Ensaio, p. 209;         [ Links ] ivo miguel barroso, Ilegalidade, pp. 258 e 259;         [ Links ] estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, pp. 309-311;         [ Links ] e alexandra leitão, Duas Questões, p. 52.         [ Links ] Contra o entendimento defendido no texto, manifestou-se, todavia, o Juiz Conselheiro Vítor Gomes, em declaração de voto lavrada no acórdão do TC n.º 154/2007, na qual esclarece que, apesar de acompanhar no essencial a decisão e os seus fundamentos, entende que “o artigo 22.º da Constituição não impede que, independentemente do que a lei ordinária disponha quanto à eficácia retroactiva dos actos renovadores de actos contenciosamente anulados, se atribua relevância excludente da indemnização à «conduta alternativa lícita» da Administração, mesmo quanto aos efeitos produzidos medio tempore”. No mesmo sentido, o já mencionado acórdão do STA de 19.06.1992, proc. n.º 30582, que, relativamente a um dos pedidos, absolveu a Administração, por o ato ilegal ter sido renovado com o mesmo conteúdo, considerando não ressarcíveis os danos medio tempore. Não podemos, contudo, acompanhar este entendimento: a regra da proibição da retroatividade dos atos renovadores é estabelecida no interesse do particular, pelo que nos parece incoerente admitir que, para não prejudicar este último, o ato renovado apenas pode ter eficácia ex nunc (para, naturalmente, não esvaziar de utilidade a sentença anulatória), mas que o ordenamento jurídico, maxime o artigo 22.º da CRP, não exigiria a reparabilidade dos danos causados pelo ato inválido in medio tempore, isto é, até à adoção do novo ato (o que resultaria em claro desfavor do particular).
47 Cf., neste sentido, os acórdãos do STA de 19.06.1992, proc. n.º 30582, de 24.04.1996 (proc. n.º 28189A) e de 03.10.2001 (proc. n.º 43193).
48 Segundo a doutrina e tal como acolhido pela jurisprudência, incluindo a administrativista, na responsabilidade por facto ilícito, esta teoria assume uma formulação negativa (preconizada por enneccerus/lehman): a condição só deixará de ser causa adequada, quando, “dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (gleichglütig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstânciasexcepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto”, cf. antunes varela, Das Obrigações, pp. 890 e 891. Ou seja, segundo esta formulação negativa, basta um grau de probabilidade mínima para que se considere estabelecido o nexo causal.
49 Esta teoria traduz a aplicação, no plano do nexo causal, da Schutznormtheorie a que aludimos acima a propósito do pressuposto da ilicitude. Parte, assim, da ideia de que a distinção entre danos indemnizáveis se deve fazer segundo os interesses tutelados pela norma violada: só os danos correspondentes à frustração das utilidades que a norma visa conferir ao sujeito através do direito subjetivo ou da norma de proteção é que são juridicamente relevantes e, por isso, ressarcíveis. Cf. luís menezes leitão, Direito das Obrigações, I, 11.ª ed., Coimbra, 2014, p. 313.         [ Links ]
50 Segundo a qual, causa é toda e qualquer condição sem a qual o resultado não se teria verificado. Ou, numa formulação negativa, caso se suprimisse mentalmente o ato e ainda assim subsistisse o dano, então não existiria causalidade, porque o ato não tinha sido uma conditio sine qua non.
51 Como salienta sinde monteiro, as duas teorias normativas não são excludentes, “mas antes procuram alcançar uma delimitação materialmente adequada do dano a partir de pontos de vista diferentes”, cf. Responsabilidade, p. 271.
52 Cf. francisco pereira coelho, O problema, p. 187.         [ Links ]
53 Cf. filipa urbano calvão, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (org. Rui Medeiros), Lisboa, 2013, p. 102.         [ Links ]
54 Cf. francisco pereira coelho, O problema, p. 194.         [ Links ]
55 Cf. marcelo rebelo de sousa / andré salgado de matos, Direito, p. 499;         [ Links ] e carlos alberto cadilha, Regime, pp. 83 e 152-154.         [ Links ] Note-se que o Parecer n.º 40/80 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, para além de rejeitar a existência de ilicitude, também afasta o preenchimento do nexo causal; de igual forma, margarida cortez lança mão da Schutznormtheorie não só no plano da ilicitude, mas também no do nexo de causalidade, considerando que também este pressuposto fica por preencher por o dano extravasar do âmbito de proteção da norma, Responsabilidade, p. 145, nota 347. Por último, embora a exposição suscite dúvida, paulo otero parece também perspetivar a relevância da causa hipotética através da lente do nexo causal (enquanto nexo que delimita o dano indemnizável), ao identificar a questão como uma causa típica de exclusão da admissibilidade do prejuízo, isto é, como uma situação “em que nem sequer se reconhece que existe um dano passível de gerar protecção indemnizatória”, cf. Causas, pp. 978 e 981.
56 Segundo nos parece, é esta a posição de rui medeiros, Ensaio, p. 205;         [ Links ] alexandra leitão,A Protecção Judicial dos Terceiros nos Contratos da Administração Pública, Coimbra, 2002, pp. 428 e 429;         [ Links ] e estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, p. 385.         [ Links ] Uma vez mais, Margarida cortez também acaba por analisar a questão da perspectiva do cálculo do dano, cf. Responsabilidade, pp. 129-136.
57 Cf. marcelo rebelo de sousa / andré salgado de matos, Direito, p. 499,         [ Links ] com aparente concordância com a jurisprudência que atribui relevância ao comportamento lícito alternativo hipotético.
58 rui medeiros, por exemplo, defende que “para a eventual relevância negativa da causa virtual não basta afirmar que a Administração pode refazer o acto anulado; é necessário que ela pratique de novo um acto de conteúdo idêntico ao acto ilegal, sem repetir o vício que determinou a anulação”, cf. Ensaio, p. 207. estêvão nascimento da cunha rejeita também qualquer relevância negativa ao comportamento lícito alternativo hipotético, exigindo, portanto, uma efetiva renovação do ato para que possa ser, em parte, excluído o ressarcimento de certos danos, cf. Ilegalidade, pp. 311 e 388-390. Esta parece ser também a posição de mário aroso de almeida, na medida em que este Autor considera que, nas situações em que se verifique a impossibilidade de renovação do ato, “parece não haver outro caminho senão o de entender que o lesado terá ... o direito a ser indemnizado pelos danos causados pelo ato ilegal na sua situação substantiva”, cf. Comentário ao Regime, p. 259.
59 Cf. rui medeiros, Ensaio, p. 209;         [ Links ] ivo miguel barroso, Ilegalidade, pp. 258 e 259;         [ Links ] estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, pp. 309-311;         [ Links ] e alexandra leitão, Duas Questões, p. 52.         [ Links ]
60 Cf. mário aroso de almeida, Comentário ao Regime, p. 258,         [ Links ] que defende a ressarcibilidade, sempre e em qualquer caso, do dano autónomo, recusando a atribuição de qualquer relevância negativa ao comportamento lícito alternativo quanto ao mesmo. Parece também ser este o entendimento de sérvulo correia que, segundo dá notícia estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, pp. 199 e 200, terá admitido a possibilidade de indemnização por danos morais, mesmo quando o conteúdo conferido ao ato seja vinculado, baseado no “valor parcelarmente autónomo dos direitos fundamentais procedimentais”, nos quais inclui o direito à fundamentação.
61 Cf. estevão nascimento da cunha, Ilegalidade, p. 67.         [ Links ]
62 Cf. acórdãos de 19.06.1992, proc. n.º 30582, de 08.05.1997, proc. n.º 29943, de 14.06.2000, proc. n.º 2734, de 14.03.2001, proc. n.º 46175, de 02.07.2002, proc. n.º 405/02, de 13.02.2003, proc. n.º 1961/02, de 09.02.2006, proc. n.º 294/05, de 29.06.2006, proc. n.º 1300/04, de 12.05.2007, proc. n.º 1214/05, de 06.07.2007, proc. n.º 631/06, e de 24.01.2008, proc. n.º 829/07.
63 Cf. acórdãos de 31.05.2000, proc. n.º 41201, de 20.12.2000, proc. n.º 44649, de 06.02.2003, proc. n.º 1720/02, de 25.06.2003, proc. n.º 47940, e de 12.02.2008, proc. n.º 749/07.
64 Cf., neste sentido, francisco pereira coelho, O problema, pp. 169 e 206-208.         [ Links ] O Autor defende que “a causa hipotética ... não releva em sede de causalidade”, mas que “o conceito de dano como diferença exige que a causa hipotética seja atendida no cálculo da indemnização”. Pela nossa parte, parece-nos defensável aplicar o mesmo raciocínio ao comportamento lícito alternativo (hipotético ou efetivo). Contra, porém, sinde monteiro, cf. Responsabilidade, p. 287, e paulo mota pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, II, Coimbra, 2008, p. 1061, nota 2970, que consideram ser um problema de “nexo de ilicitude” ou “causalidade da ilicitude”.
65 Cf., neste sentido, rui medeiros, Ensaio, p. 205.         [ Links ]
66 Cf., neste sentido, estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, pp. 353 e 354. Cf., ainda, o já citado acórdão do STA de 12.05.2007, proc. n.º 1214/05, segundo o qual as normas que impõem os deveres de fundamentação e de audiência prévia “não se destinam a tutelar unicamente os seus interesses processuais do particular …, antes se podendo ver, também, tais preceitos, ainda que indirectamente, como reportados à posição jurídico-material do Autor, assim sendo possível identificar a violação das posições jurídicas subjectivas de responsabilização das normas em causa …, daí que as ilegalidades em causa … se não situem puramente na zona de protecção instrumental”.
67 Refira-se que mesmo margarida cortez entende que a invocação do comportamento lícito alternativo como causa de exoneração da obrigação de indemnizar é algo que é excecionado pela Administração, cf. Responsabilidade, p. 145.
68 Acrescente-se, ainda, que, para que a relevância negativa possa operar, exige-se nas mencionadas disposições prova, não de que os danos não teriam possível ou provavelmente ocorrido, mas de que a conduta alternativa os teria realmente evitado.
69 Cf., neste sentido, sinde monteiro, Responsabilidade, p. 292.         [ Links ]
70 Cf. adelaide menezes leitão, Normas de Protecção e Danos Puramente Patrimoniais, Coimbra, 2009, p. 738. Cf., no mesmo sentido, sinde monteiro, Responsabilidade, pp. 290 e 295, embora restringido a sua posição aos casos que a doutrina alemã tipicamente trata sob a epígrafe rechtmäßiges Alternativverhalten (“comportamento alternativo lícito”) e que o Autor considera deverem ser apelidados, com maior propriedade, de gerechtfertigtes Alternativverhalten (“compostamento alternativo justificado”), mais parecendo fazer alusão a uma espécie de causa de justificação da ilicitude – casos em que a ação teria sido lícita se tivesse sido previamente obtida uma autorização ou se tivesse sido seguida outra formalidade, presumindo-se, aqui, um “nexo de ilicitude”.
71 Cf. vieira de andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 13.ª ed., Coimbra, 2014, p. 449.         [ Links ] No mesmo sentido, cf. mário aroso de almeida,Anulação, pp. 195-199;         [ Links ] mário aroso de almeida / carlos alberto cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, 2010, pp. 605-607;         [ Links ] e ainda os acórdãos do STA de 24.11.1999, proc. n.º 32434, de 26.01.2000, proc. n.º 37739, e de 25.01.2005, proc. n.º 0290/04.
72 Seguido, de muito perto, nos seus fundamentos pelos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.03.2009, proc. n.º 1496/05.0BEVIS, e de 02.04.2009, proc. n.º 1504/05.4BEVIS.
73 Cf. sinde monteiro, Responsabilidade, pp. 290 e 295; paulo mota pinto, Interesse, pp. 1063 e 1064, nota 2790;         [ Links ] e estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, p. 371.         [ Links ]
74 Cf. francisco pereira coelho, O problema, p. 106.         [ Links ]
75 Cf., neste sentido, mário aroso de almeida, Teoria, p. 278.         [ Links ]
76 Cf., neste sentido, acórdãos do STA de 19.06.1992, proc. n.º 30582, e de 25.06.2003, proc. n.º 47940. Mas, neste último aresto, parece afastar-se a ressarcibilidade dos danos medio tempore, o que já não acompanhamos.
77 Contra, porém, o acórdão do STA de 19.06.1992, proc. n.º 30582, e o Juiz Conselheiro vítor gomes, em declaração de voto lavrada no acórdão do TC n.º 154/2007.
78 Cf. estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, p. 312.
79 Contrariamente ao preconizado por estêvão nascimento da cunha, Ilegalidade, pp. 360-363, não vemos que a relevância negativa da causa hipotética nos casos de atos inquinados por vício de incompetência (causa virtual) deva ser aferida em termos substancialmente diversos dos dos restantes casos, visto que a entidade demandada pode também, nesses primeiros casos, lograr demonstrar que o ato, a ser praticado pelo órgão competente, teria tido o mesmo conteúdo decisório. Parece-nos que aqui haverá apenas uma eventual dificuldade acrescida de prova para a Administração, por ter de levar em linha de conta a atuação de um terceiro.
80 Em sentido contrário, porém, veja-se o acórdão de 14.03.2001, proc. n.º 46175, embora aqui estivesse em causa um situação pretensiva e não opositiva.
81 Aparentemente invocou apenas a circunstância de o ato ser potencialmente renovável.
82 Defendendo posição semelhante à manifestada no acórdão, mário aroso de almeida considera que, “nestas situações, torna-se impossível demonstrar que, mesmo que o ato anulado tivesse sido validamente praticado, a decisão teria sido tomada com o mesmo conteúdo”. “Nestas situações de dúvida insanável”, prossegue o Autor, “parece não haver outro caminho senão o de entender que o lesado terá, não apenas o direito a ser indemnizado, segundo um critério de equidade, pelo dano autónomo que, para ele, constituiu, em si mesma, a violação da norma formal ou de procedimento ditada (também) no seu interesse, como também o direito a ser indemnizado pelos danos causados pelo ato ilegal na sua situação substantiva”, cf. Comentário ao Regime, p. 259. estêvão nascimento da cunha partilha igualmente do entendimento do STA, visto preconizar a irrelevância negativa do comportamento lícito alternativo hipotético como solução de princípio, cf. Ilegalidade, pp. 388-390.