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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

On-line version ISSN 2183-184X

e-Pública vol.2 no.2 Lisboa July 2015

 

DIREITO PÚBLICO

Legalidade e interpretação: a sindicabilidade pelo Tribunal Constitucional das normas enunciadas pelo juiz em matérias sujeitas aos princípios da legalidade e da tipicidade1

Legality and Interpretation : Control by the Constitutional Court of norms laid down by the judge in matters subject to the principle of legality

 

Mafalda SerrasqueiroI

ICIDP-ICJP Alameda da Universidade Cidade Universitária 1649-014 Lisboa. e-mail: mafalda.serrasqueiro@gmail.com

 

 

RESUMO

Tendo como pano de fundo o já longo debate na jurisprudência constitucional relativo à sindicabilidade, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, de normas enunciadas pelo intérprete em áreas ao abrigo dos princípios da legalidade fiscal e penal, a presente exposição procede a uma análise das diferentes posições sobre o tema na doutrina e jurisprudência, procurando igualmente apontar critérios que possam ser úteis na distinção entre decisão e interpretação normativa e no apuramento da possibilidade de sindicabilidade pelo Tribunal Constitucional destas operações interpretativas. Por fim, explora-se a existência de uma inconstitucionalidade também das normas sobre interpretação, quando interpretadas no sentido de permitirem uma interpretação violadora do princípio da legalidade.

Palavras-chave: Conceito de norma; Interpretação normativa; Justiça Constitucional; Princípio da legalidade; Fiscalização concreta da constitucionalidade.

Sumário: 1. Enunciação do problema; 2. Traços relevantes do sistema; 3. Questão prévia: a distinção entre interpretação e decisão; 3.1. A leitura da doutrina e jurisprudência; 3.2. Posição adotada; 4. A sindicabilidade das normas enunciadas por via da interpretação; 5. A inconstitucionalidade das normas sobre interpretação, quando interpretadas no sentido de permitirem uma interpretação violadora do princípio da legalidade; 6. Conclusão.

 

ABSTRACT

In light of the ongoing debate in Portuguese Constitutional case law regarding the possibility of judicial review by the Constitutional Court of legal norms created by the interpreter when faced with a strict obligation of adherence to the principle of legality, in particular in the fields of criminal and tax law, this paper analyses the different scholarly and jurisprudential approaches to the topic and attempts to offer useful criteria to allow for a conceptual distinction between interpretative procedures and judicial decision making. Furthermore, the paper looks into the possibility of the unconstitutionality of the legal rules that govern interpretation themselves, when interpreted in a manner that allows for a violation of the constitutional principle of legality.

Key-words: Concept of legal norm; Normative interpretation; Constitutional Justice; Principle of legality; Concrete review of constitutionality;

 

 

1. Enunciação do problema

Tem mantido a atualidade em decisões recentes do Tribunal Constitucional o debate, que há muito decorre na jurisprudência constitucional, em torno da sindicabilidade, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, do processo interpretativo da norma (ou, segundo a formulação de alguns autores, do processo interpretativo subjacente à decisão) em áreas cobertas pelo princípio da legalidade (penal ou fiscal), sempre que a interpretação pelo tribunal a quo se afigure violadora do referido princípio. Em particular, estão em causa as situações em que tem lugar o recurso a raciocínios de cariz analógico, ampliando desse modo o âmbito “natural” de aplicabilidade do tipo ou “fattispecie” legal. Efetivamente, é nestes domínios de necessidade de uma estrita observância do princípio da legalidade que a questão se coloca, uma vez que é também nestes ramos do Direito que as próprias regras sobre interpretação conhecem limites que não se registam nas demais áreas de produção normativa, afastando a possibilidade de enunciação de novas normas através do trabalho do intérprete. Estamos perante realidades em que é absolutamente indispensável o conhecimento prévio das normas pelo seu destinatário, de forma a que possa conformar os seus comportamentos penal ou fiscalmente relevantes, sendo pois de recusar liminarmente qualquer possibilidade de revelação de normas na fase de julgamento e decisão dos litígios daí emergentes.

Com efeito, todo o debate se tem feito relativamente à questão de saber se, nestes casos, estaremos ainda ao abrigo do controlo da constitucionalidade das normas que incumbe ao Tribunal Constitucional, ou se, por outro lado, aquilo que se tenta sindicar é a própria decisão judicial, caso em que o Tribunal, indiscutivelmente, não terá competência para apreciar o recurso com esse fundamento.

Trata-se, segundo alguma doutrina3, de uma das mais controversas e complexas questões no âmbito da delimitação entre o controlo normativo e o mero contencioso de decisões judiciais.

Contudo, antes de avançar na análise do problema e na descrição sumária do debate na jurisprudência constitucional, fará sentido deixar algumas notas sobre a forma como o sistema de fiscalização da constitucionalidade se encontra desenhado em Portugal, dado que tal enquadramento é, sem dúvida, relevante para a compreensão da questão em apreço.

2. Traços relevantes do sistema

Nos termos do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), conjugado com os artigos 69.º e ss. da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), alterada pela Lei n.º 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da lei processual, das decisões dos tribunais relativas a questões de inconstitucionalidade. Porém, o objeto do recurso não será a decisão do tribunala quo sobre o mérito da questão submetida a julgamento, mas o «“segmento” da decisão judicial relativo à questão de inconstitucionalidade» 4, ou seja, o objeto do recurso não será em caso algum a decisão recorrida, «mas a parte dessa decisão em que o juiz “a quo” recusou a aplicação de uma norma por motivo de inconstitucionalidade ou aplicou uma norma uma norma cuja constitucionalidade foi impugnada5».

Assim, constitui doutrina e jurisprudência constitucionais assentes que o objeto do recurso tem de ser uma norma, ainda que, de acordo com GOMES CANOTILHO, deva ser uma norma “interpretativamente mediatizada”6 pela decisão recorrida, uma vez que tal norma tem que ter sido aplicada (ou desaplicada) na decisão em causa7. Ademais, adianta BLANCO DE MORAIS, precisamente por esta mediatização da norma pela decisão recorrida, haverá, nalguns casos, “áreas imprecisas de delimitação entre a norma aplicável, como critério de decisão resultante de uma actividade interpretativa efectivada pelo juiz, e o próprio julgamento inerente à decisão proferida, o qual constitui o processo que culmina no juízo de aplicação da referida norma ao caso concreto8.

Não existindo no ordenamento jurídico-constitucional português nem a figura do “recurso de amparo” própria das tradições constitucionais hispânicas, nem um modelo de “queixa constitucional” inspirada no sistema alemão, desenhados para sindicar a violação de direitos fundamentais especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, designadamente do poder jurisdicional, mais facilmente se compreende, como veremos, a criação de caminhos alternativos para realizar a proteção dos direitos dos cidadãos pela jurisdição constitucional.

Por outro lado, na mesma linha de construção, por outras vias, de soluções garantísticas e que reforcem a proteção dos indivíduos, cabe ainda referir que, desde o Acórdão n.º 26/85, se tem firmado um conceito simultaneamente funcional e formal de norma: «o conceito de “norma”, para o efeito de fiscalização da constitucionalidade, não abrange apenas os preceitos gerais e abstractos, mas inclui todo e qualquer preceito contido num diploma legal, ainda que se trate de um preceito de carácter individual e concreto, e ainda que, neste caso, ele se revista de eficácia consuntiva — isto é, ainda que incorpore materialmente um acto administrativo9».

Ou seja, de acordo com LOPES DO REGO, trata-se, por um lado, de um conceito funcionalmente adequado aos fins definidos para a fiscalização concreta da constitucionalidade, de acordo com a sua própria justificação e sentido, abdicando, assim, da noção tradicional e doutrinariamente construída de norma, com recurso aos conceitos de generalidade e abstração e, por outro lado, de um conceito formal, na medida em que se admite que o Tribunal possa apreciar a constitucionalidade de preceitos que, embora individuais e concretos, constem de diplomas legais. Deste modo, e de acordo com o mesmo Autor, serão normativos, para efeito de fiscalização da constitucionalidade, todos os atos do poder público que contiverem uma “regra de conduta” para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valorização de comportamentos”10-11. Assim, é possível descortinar dois requisitos fundamentais para que se verifique o referido conceito de norma: do ponto de vista do conteúdo, deverá ser um comando, não necessariamente geral e abstrato, que traduza um padrão orientador de condutas, e, simultaneamente, do ponto de vista orgânico, tal padrão de comportamento deverá ter sido emitido por um poder normativo público12, contendo uma determinação heterónoma, ou seja, independente da vontade dos respetivos destinatários.

Por outro lado, a jurisprudência constitucional vem admitindo também, pacificamente, que o recurso de fiscalização possa incidir sobre determinadas interpretações normativas, na medida em que a norma é tomada não no seu sentido “objetivo” tal como plasmado no preceito ou fonte de onde emana, mas no modo específico como foi entendida e aplicada pelo juiz à resolução de um caso concreto. Assim, o que o recorrente levará à apreciação do Tribunal Constitucional será uma particular interpretação judicial da norma em apreço que, no seu entender, é violadora de um ou vários preceitos ou princípios constitucionais.

Refira-se que o critério da necessária normatividade da questão sujeita a juízo terá inevitavelmente que se manter, pelo que é principalmente neste campo que emergem as maiores dificuldades de delimitação entre uma questão normativa e uma mera sindicância da decisão tomada pelo tribunal a quo.

De acordo com LOPES DO REGO13, o critério genérico ao qual se deverá recorrer para distinguir estas duas realidades deverá ancorar-se no facto de tal interpretação normativa ter sempre que incidir sobre um critério normativo da decisão, isto é, sobre uma regra abstratamente enunciada, com vocação para uma aplicação genérica, não podendo nunca pretender sindicar o puro ato de julgamento enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto a que diz respeito.

Por outro lado, deve também referir-se que, contrariamente ao que se passa relativamente ao conceito funcional e formal de norma, em que a jurisprudência admite prescindir da generalidade e abstração, já relativamente à interpretação normativa, o mesmo não se verifica, sendo, como referido, imprescindível a vocação de generalidade e abstração na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente14, a fim de autonomizar definitivamente essa interpretação normativa do caso concreto na qual esta surge. É, assim, indispensável que o recorrente enuncie expressa e claramente a interpretação da norma que julga ser violadora de um princípio ou preceito constitucional, a fim de que o Tribunal, caso julgue de acordo com o entendimento do requerente, possa enunciar na decisão a norma cuja interpretação é inconstitucional e, consequentemente, não pode ser aplicada.

Refira-se que um tal desenho do sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade não é isento de críticas na doutrina. Aponte-se, a título meramente exemplificativo, o caso de REIS NOVAIS que, entre outros pontos merecedores de críticas salienta o facto de que, para compensar o défice de proteção de direitos fundamentais (assente que está a questão de que a fiscalização incide apenas sobre normas, desprotegendo eventuais lesões de direitos fundamentais através de atuações ou omissões por parte do Estado), o Tribunal Constitucional ter forçado a ampliação do conceito de norma para efeitos de fiscalização, tendo gerado «um sistema complexo de requisitos com fronteiras difusas, instáveis, e que é dificilmente perceptível e utilizável pelos “não iniciados” »15. Como segunda nota, aponta ainda o Autor que, uma vez que o sistema não distingue entre gravidade e tipo de inconstitucionalidade, o sistema acaba por permitir o acesso ao Tribunal Constitucional de “bagatelas jurídicas” com um objetivo meramente dilatório.

Quanto à fixação do conceito de norma para efeitos de fiscalização, refere o mesmo Autor que tal responde à consciencialização por parte do Tribunal Constitucional e da Comissão Constitucional de que, face à desproteção de direitos fundamentais que este sistema criaria, seria necessário compensar este óbice com a “manipulação” do conceito de norma. Uma das soluções encontradas foi, precisamente, fiscalizar não só a “constitucionalidade de normas ordinárias quando consideradas objetivamente e em abstrato na sua relação com a norma constitucional 16, mas igualmente da específica interpretação que lhe foi dada pelo julgador no caso concreto.

Uma segunda crítica do Autor citado, e que é particularmente relevante para o caso em análise, é o facto de o Tribunal Constitucional ter passado a admitir “fazer incidir o controlo de constitucionalidade não apenas sobre normas que resultavam directa, intencional e explicitamente da interpretação judicial das disposições normativas vigentes no ordenamento, mas também sobre quaisquer normas que pudessem ser pressupostas ou deduzidas intelectivamente das decisões judiciais individuais e concretas17”. Com efeito, e como bem refere o Autor, a toda a decisão judicial está subjacente uma norma jurídica. Assim, se esta norma pode decorrer de uma norma implícita (“uma norma virtual (re)construída a posteriori através de uma operação mental18), então o que sucede é que a fronteira entre decisão e norma se torna absolutamente virtual, ficando a sua fixação na disponibilidade total do Tribunal Constitucional. É, aliás, este um dos pontos que defenderemos adiante: da forma como o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade está construído, é possível que se entenda que o juiza quo criou ele próprio uma norma (nova, digamos, dado que aquela norma específica não existia antes de ter sido enunciada por aquele juiz específico através de uma interpretação normativa) através de uma interpretação normativa inovadora que seja violadora de um preceito ou princípio constitucional, e é difícil sustentar que essa eventual norma não o é, sendo uma mera sindicância da decisão em concreto.

Por outro lado, e apesar de o sistema ter sido desenhado com inspiração no modelo europeu kelseniano original, em que o Tribunal Constitucional seria um juiz do legislador, a partir do momento em que, como vimos, o Tribunal passa a admitir fiscalizar qualquer norma ainda que virtual ou implícita, na específica interpretação que o tribunal a quo lhe atribuiu, então, a fonteira entre fiscalização de normas e de decisões judiciais torna-se cada vez mais fluida e de definição porventura discricionária ou, pelo menos, de difícil sustentação. Pode, então admitir-se que se abra uma janela de oportunidade para os particulares o que, segundo alguns autores, constitui na prática, um sistema de queixa constitucional ou de recurso de quase amparo19. Deste modo, ao mesmo tempo que se pode vislumbrar a vantagem de contornar o problema atrás detetado de ausência de tutela por parte do Tribunal Constitucional relativamente a violações de direitos fundamentais, pode também observar-se que este desenvolvimento instaurou aimprecisão, o casuísmo, a diluição e incerteza nos critérios de admissibilidade dos recursos e a insegurança num domínio que devia ser transparente, claro e perceptível pelos interessados20, numa frase particularmente feliz de REIS NOVAIS.

Sustenta ainda este autor, com quem concordamos, que a distinção entre uma norma ou um ato judicial, nestes termos, é dogmaticamente impossível, porque sujeita à subjetividade, pelo que, «na prática um recurso é ou não admitido consoante quem recorre sabe ou não “escrever” ou consoante quem decide da admissibilidade do recurso “quer ou não”, recebê-lo21

Ora, admitindo, como se admite, que esta visão é correta, parece-nos que há um desvio face ao objetivo com vista ao qual o sistema foi desenhado, sendo este domínio – o dos recursos de decisões judiciais que recorrem a raciocínios analógicos ou criativos em âmbitos normativos como o Direito Penal ou o Direito Fiscal, onde tais métodos são proibidos pelos princípios da tipicidade ou da legalidade – alvo de extensa discussão jurisprudencial, com alguns ecos na doutrina.

Enfim, o problema essencial reside em saber se o que se sindica, nesse caso, é a fiscalização da norma assim apurada (em violação de princípios constitucionais) ou, contrariamente, se o que se pretende levar perante o Tribunal Constitucional é o próprio ato judicial de interpretação ou integração da suposta lacuna, consoante os casos.

3. Questão prévia: a distinção entre interpretação e decisão

3.1. A leitura da doutrina e jurisprudência

Partimos da posição apresentada por BLANCO DE MORAIS ao apontar que «o acto susceptível de impugnação é a norma (positiva ou “construída” hermeneuticamente) efectivamente aplicada ao feito e não uma solução interpretativa previamente concebida pelo juiz», para chegar àquele resultado, sob pena de se sindicar o próprio julgamento, o qual radica na actividade de subsunção e valoração». Contudo, a esta regra geral aponta ainda o Autor possíveis casos excecionais: “sempre que ao processo interpretativo sejam aplicáveis princípios constitucionais cogentes que tornem inválido um critério materialmente normativo, concebido por via hermenêutica, que se revele como pressuposto necessário para a obtenção da solução normativa final” 22; e, mesmo que o critério normativo não seja a norma efetivamente aplicada, ele é relevante se condicionar decisivamente a validade dessa mesma norma “propagando a sua inconstitucionalidade”.

Já para o Tribunal Constitucional, parece ser sindicável uma determinada interpretação de normas, desde que o tribunal a quo a tenha usado como ratio decidendi, e, por outro lado, se, num dado processo interpretativo, o juiz revelar um critério de decisão que influa no resultado final e tal critério (i) violar a Constituição, (ii) não tiver carácter singular e (iii) for aplicável a uma série de outros casos, então estaremos perante o conceito de norma para efeitos de fiscalização23

Assim, para BLANCO DE MORAIS haverá que apurar se o resultado interpretativo terá sido necessariamente pressuposto por um critério construído ou revelado pelo juiz do tribunal a quo, de forma a que manifeste uma singularidade irrepetível, exteriorizando uma solução hermenêutica inovatória e passível de aplicação a uma pluralidade de casos, então, tal resultado deverá poder ser sindicado.

Aliás, como exemplo demonstrativo do acertamento desta conclusão, o Autor aponta o facto de não fazer sentido que, havendo fundamento para julgar inconstitucional uma norma que tenha sido positivada, ela possa ser “imunizada” só porque foi construída por um juiz.

Em termos semelhantes24 se pronuncia RUI MEDEIROS, que, após ter defendido que em todos os casos em apreço aquilo de que se recorria era da decisão25, veio em posição mais recente 26 sustentar que para que haja uma norma fiscalizável é indispensável que esteja em causa um critério normativo de decisão no qual o tribunal a quo se tenha baseado como ratio decidendi, desde que a solução alcançada possa enunciar-se com generalidade e abstração.

3.2. Posição adotada

Cumpre identificar até onde decorre o processo de interpretação da norma, pois é nessa sede que se convocam os múltiplos institutos jurídicos que podem colocar as questões em análise no problema, a saber, a interpretação conforme à Constituição, a analogia, a interpretação extensiva. São estas as ferramentas que ainda modulam a norma interpretanda, levando mesmo, nalguns casos limite (e eventualmente de forma proibida pelo texto constitucional) ao aparecimento de uma norma por via interpretativa. Após este exercício, a norma é então objeto de aplicação ao caso, encontrando-se, aí, sim a dimensão da decisão jurisdicional que não é sindicável em recursos para o Tribunal Constitucional, circunscrito à constitucionalidade das normas.

Por outras palavras, são as tarefas interpretativas, o processo de revelação (e no limite, de criação da norma) que podem ser objeto de escrutínio pelos juízes do Palácio Ratton, uma vez que são ainda indissociáveis do processo conducente ao apuramento da norma a aplicar. Já não o será a fase de estrita decisão, em que o resultado daquele labor interpretativo se traduz numa sua aplicação pelo titular do poder jurisdicional ao caso sub judice.

Ainda que não seja possível distingui-los temporalmente, e mesmo que decorram simultaneamente do diálogo natural entre factos e norma, é certo que se trata sempre de uma operação concetualmente diferente (e até autónoma enquanto tarefa intelectual) da aplicação ao caso através da decisão.

4. A sindicabilidade das normas enunciadas por via da interpretação

O Acórdão n.º 674/99, de 15 de Dezembro de 199927, da 2.ªa secção, foi o primeiro a debruçar-se de forma profunda sobre a questão em apreço, apesar de esta já ter sido alvo de decisões anteriores do Tribunal Constitucional, levando a cabo uma apreciação da jurisprudência até à data da sua prolação.

Assim, logo em 1986, através do Acórdão n.º 353/8628, da 2.ª Secção, o Tribunal decidiu não conhecer o objeto do recurso na parte relativa a esta questão de inconstitucionalidade, por entender que estava em causa um ato de julgamento (in casu, a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 66.º do Código Penal, por analogia, a fim de integrar uma lacuna legal, em violação do nº1 do artigo 29.º da CRP), e não a inconstitucionalidade de uma norma jurídica.

Mais tarde, no Acórdão n.º 141/9229, da 1.ª Secção, a posição do Tribunal inverteu-se, apesar de a decisão contar com o voto de vencido do Conselheiro CARDOSO DA COSTA. O recorrente sustentou uma aplicação analógica ou interpretação extensiva do artigo 26.º do Código Penal, violando o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 29.º da CRP. O Tribunal, por sua vez aceitou conhecer o recurso, apesar de não lhe ter concedido provimento.

Contudo, imediatamente após a esta decisão seguiram-se outras cinco em sentido inverso: pelos Acórdãos n.ºs 634/9430, da 2.ª Secção (com declaração de voto do Conselheiro JOSÉ SOUSA E BRITO), 221/95 31, da 2.ª Secção, 756/9532, da 2.ª Secção (igualmente com declaração de voto do mesmo Conselheiro), 682/9533 e 154/98 34, ambos da 1.ª Secção, o Tribunal entendeu que os casos em que se questionem certas interpretações normativas por ofensa ao princípio da legalidade penal, ou fiscal, não constituiriam verdadeiras questões de inconstitucionalidade normativa, mas, inversamente, de inconstitucionalidade da própria decisão recorrida ou do ato de julgamento, pelo que o objeto do recurso, nessa parte, não poderia ser conhecido pelo Tribunal. Não estaria, portanto, a ser discutida uma verdadeira dimensão normativa do preceito, mas antes o método de subsunção jurídica caso.

Posteriormente, porém, nos Acórdãos n.ºs 205/9935, da 2ª Secção, e 285/99 36, da 1ª Secção, a posição do Tribunal inverteu-se (sujeitos, ambos, contudo, a declarações de voto). Com efeito, no primeiro dos Acórdãos referidos, foi sustentado que “o Tribunal Constitucional se confronta, neste caso, com uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, apesar de tal questão resultar de o tribunal recorrido ter atingido um resultado interpretativo eventualmente proibido, em face das restrições interpretativas impostas pelo princípio da legalidade em direito penal37.

E, para suportar este entendimento, a Relatora, a Conselheira FERNANDA PALMA, aponta algumas razões que nos parecem bastante impressivas quanto à difícil tarefa de destrinçar uma interpretação normativa de uma decisão nesta matéria. Desde logo, o recorrente não terá submetido à apreciação do tribunal um processo interpretativo utilizado pontualmente na decisão recorrida, ou seja, inserindo o caso concreto num âmbito pré-determinado pelo julgador. O que é questionado, deste modo, é se a fixação do sentido da norma segundo a qual aquela abrange o sentido adotado na decisão é uma interpretação normativa compatível com a constituição, designadamente nos n.ºs 1 e 3 do artigo 29 CRP e “é, assim, o conteúdo final da interpretação, ou dito de outro modo, o resultado interpretativo pelo qual se atinge a norma que decide o caso, norma que eventualmente não tem competência constitucional para o decidir, que é submetido ao controlo de constitucionalidade38” (negritos nossos).

Ora, o facto de se tratar do conteúdo final do processo interpretativo adotado parece-nos indispensável para dirimir a questão, dado que este resultado é efetivamente uma norma, eventualmente nova, porventura “criada” ou pelo menos “enunciada” apenas naquele momento decisório específico pelo que, assim sendo, parece-nos dificilmente sustentável que uma norma criada através de um processo inconstitucional não seja passível de ser fiscalizada. O problema, no fundo, reside em que uma interpretação normativa assim obtida, rectius, uma norma assim criada, através da interpretação do julgador, viola o princípio do nullum crimen sine lege praevia na medida em que cabe ao legislador a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos - alínea c) do n.º1 do artigo 165.º CRP), em conjugação com os n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º da CRP.

Sustenta ainda a Relatora que ao atrás exposto acresce o facto de o conteúdo interpretativo não ser apenas determinado pelo caso concreto, mas ter sido referido com elevado grau de abstração, indicando, com suficiente autonomia, os critérios jurídicos genérica e abstratamente referidos pelo julgador ao texto legal para decidir casos semelhantes.

Retira-se, portanto, desta análise de argumentos, que o resultado do processo de interpretação ou de criação normativa, como atrás defendemos, que corresponde à atividade normativa dos tribunais, não pode deixar de ser objeto de controlo de constitucionalidade pelos tribunais comuns e pelo Tribunal Constitucional “quando a própria Constituição exigir limites muito precisos a tais processos de interpretação ou criação normativa, não reconhecendo qualquer amplitude criativa ao julgador39”.

Por outro lado, este Acórdão acaba ainda por referir uma questão lateral à anterior que é a de saber se o objeto do recurso seria o preceito do Código Penal concretamente apontado no caso, ou antes uma norma construída pelo julgador através de um processo de integração de lacunas por analogia, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º do Código Civil.

Em todo o caso, a conclusão do Acórdão é que a resposta a esta questão acaba por ser relativamente irrelevante para o efeito de decidir se é ou não fiscalizável pelo Tribunal Constitucional, dado que em ambos casos se trata de uma norma cuja conformidade à Constituição é sindicável perante o Tribunal Constitucional. No primeiro caso, porque a aplicação analógica é ainda uma atividade interpretativa em sentido amplo, que produz, como resultado, uma determinada interpretação normativa que pode contrariar normas ou princípios constitucionais. No segundo caso, como vimos, trata-se de uma norma não escrita, que pode violar a constituição tanto quanto ao seu conteúdo, quanto à sua génese (por ter sido obtida através de uma operação analógica proibida pelos n.os 1 e 3 do artigo 29.º CRP), pelo que será materialmente inconstitucional.

E, por fim, o Acórdão debruça-se ainda sobre a questão de se estar em presença, ou não, de uma integração de lacuna (consoante a conceção dogmática perfilhada sobre a distinção entre interpretação e analogia), dado que no processo em questão estava em causa uma interpretação atualista, em que eventualmente se poderá entender que há um critério jurídico que o intérprete retirou ainda do texto legal, convertendo-o na linguagem do novo sistema processual penal. Porém, independentemente de ser esse o caso, conclui o Tribunal que haverá sempre uma colisão entre as possibilidades interpretativas utilizadas no caso e as autorizadas ao intérprete pela reserva de lei, violando-se o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 29.º, em conjugação com a alínea c) do artigo 165.º da CRP. Ou seja, independentemente da conceção adotada, a solução normativa do caso pressuporá sempre uma ponderação constitutiva de soluções jurídicas, pelo intérprete, com implicações na configuração das consequências do crime, algo que compete à Assembleia da República.

Já o supracitado Acórdão n.º 674/9940, viria a aderir, embora de forma não unânime, como veremos, à tese de RUI MEDEIROS41-42, em que este autor conclui que «nos casos em que o próprio legislador pode (sem ofender a Constituição) estabelecer por via legislativa solução idêntica àquela que resultava da interpretação ou integração inconstitucional da lei realizada pelo tribunal “a quo”, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso 43». Com efeito, de acordo com o entendimento do Autor, “independentemente da questão de saber se a violação do nullum crimen sine lege stricta envolve ou não uma inconstitucionalidade directa, a verdade é que, quando invoca a proibição de analogia, o que o recorrente suscita é “a inconstitucionalidade do acto de julgamento e não a inconstitucionalidade de uma norma jurídica” 44, por, na sua opinião, a inconstitucionalidade se reportar ao processo de integração de lacuna - ao processo, no fundo, de apuramento da norma.

Por outro lado, sustenta ainda o Autor que, caso não se entendesse desta forma, todas as decisões judiciais, enquanto tais, passariam a ser suscetíveis de fiscalização da constitucionalidade, defraudando-se o que a Constituição pretendeu ao determinar que o controlo fosse estritamente normativo.

No fundo, e de acordo com LOPES DO REGO sobre a posição do Autor supracitado, ficaria a cargo do Tribunal Constitucional o controlo da interpretação judicial de todas as normas situadas em áreas abrangidas pelo princípio da tipicidade, dado que sempre seria admissível sustentar que a norma teria sido aplicada pelo tribunal a quo num sentido que não o sentido objetivo – ou natural – pensado pelo legislador.

Contra este entendimento pronunciou-se, em declaração de voto ao mesmo Acórdão, o Conselheiro JOSÉ MANUEL CARDOSO DA COSTA, que defende que a conclusão a que chega o aresto, no seguimento da tese de RUI MEDEIROS, de que nos casos em que próprio legislador pudesse estabelecer legislativamente solução idêntica à que resultou da interpretação do tribunal recorrido, o Tribunal Constitucional não poderia conhecer do recurso, “recusa a protecção da justiça constitucional à generalidade dos casos de violação das garantias dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 3 e 102.º (atual 103.º) da Constituição 45”.

De facto, parece-nos que a razão está do lado deste entendimento, desde logo porque não existe um recorte do objeto idóneo de recurso de fiscalização com base no conteúdo da violação, mas sim com base no caráter normativo desse mesmo objeto, pelo que se vê como dificilmente sustentável que certas inconstitucionalidades possam ser alvo de fiscalização e, outras, consoante o princípio ou norma violados, não o possam ser.

Por outro lado, e seguindo o raciocínio de CARDOSO DA COSTA relativamente ao argumento de que “se abririam as portas do Palácio Ratton” ao controlo da interpretação judicial de todas as normas situadas em áreas abrangidas pelo princípio da tipicidade, parece-nos que há um distinguo a levar a cabo: continuaria a não caber ao Tribunal Constitucional fiscalizar todas as normas obtidas por decisão judicial errada, como seja, por exemplo, em casos de violação do princípio da separação de poderes, pelo facto de, nesse caso, haver apenas inconstitucionalidade da decisão e não da norma aplicada, pelo que o juiz “está autorizado pela Constituição a julgar tão bem como pode, mesmo que seja mal”46. Ou seja, parece-nos que cabe ao Tribunal Constitucional fiscalizar uma norma obtida e criada como resultado de um processo interpretativo violador do princípio da legalidade o que, evidentemente, não significa dizer que o Tribunal passaria a ser competente para fiscalizar se a decisão foi acertada ou não, apenas se a norma aplicada é ou não inconstitucional.

No mesmo sentido deste aresto se pronunciou o Acórdão n.º 383/200047, da 3.ª Secção, igualmente sem unanimidade, sendo uma das declarações de voto, a da Conselheira MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA particularmente exaustiva na análise da questão, razão pela qual nos parece dever ser de mencionar alguns dos argumentos aí expendidos.

Em primeiro lugar, a Conselheira começa por rebater a tese defendida no Acórdão n.º 674/9948, baseada na tese de RUI MEDEIROS, sustentando que esta “afasta certas questões de constitucionalidade da fiscalização do Tribunal Constitucional não em função do seu objeto (constituído por uma verdadeira norma), mas em função do seu fundamento: a saber, a circunstância de a norma obtida resultar de determinado processo interpretativo desconforme com o princípio da legalidade penal49”, circunstância cuja base constitucional ou legal parece ser inexistente, como acima já referimos.

Já quanto ao argumento de que se o legislador formulasse ele próprio uma norma de conteúdo idêntico ao que foi atribuído, não haveria a inconstitucionalidade, a Conselheira sustenta, parece-nos que de forma particularmente acertada, que a norma apreciada é necessariamente a que foi aplicada no processo e não uma norma hipoteticamente criada por ato legislativo. Com efeito, pode dar-se a circunstância de aquela norma em particular ter nascido no momento em que o intérprete adotou aquela interpretação concreta. Para além disso, poderá sempre argumentar-se, concretizando o argumento da Conselheira que, a tese contra a qual se manifesta, ao presumir que não cabe ao Tribunal Constitucional fiscalizar uma norma que o legislador poderia ter criado diretamente, terá também que ter em conta que o legislador… não o fez, pelo que se trata de uma norma meramente hipotética cujo tratamento não deverá ser o mesmo que é dado à norma efetivamente existente e realmente aplicada (desde logo porque viciada pelo facto de não ter sido o legislador a criá-la, nos termos constitucionalmente exigíveis).

E, avançando um pouco neste argumento, porque é que nada haveria a objetar se fosse o legislador a criar a norma? Precisamente porque um dos objetivos primordiais de uma incriminação ou proibição de uma conduta é esta ser previamente conhecida pelos destinatários para que, desta forma, conformem o seu comportamento. De outro modo, o agente nunca teria como se conformar.

Por outro lado, acrescenta a Conselheira, a inconstitucionalidade da norma pode resultar não do seu conteúdo mas do seu processo de obtenção, referindo os exemplos de inconstitucionalidades orgânicas e formais “resultantes de violação, no processo de formação da norma, de preceitos constitucionais de competência e de forma”, casos em que, mais uma vez, seria possível ao legislador elaborar uma norma de conteúdo idêntico, sem violar a constituição, “mas essa seria outra norma e não aquela cuja inconstitucionalidade orgânica ou formal se suscita50.

Um outro argumento utilizado no Acórdão n.º 674/9951 e que é, parece-nos, rebatido com sucesso pela Conselheira é o de que basear o juízo de constitucionalidade na natureza do processo de interpretação ou integração utilizado significaria sindicar o “ato de julgamento”. Ora, defende a Conselheira que, ainda que difícil, a distinção “entre tudo o que é resultado da ponderação do caso concreto submetido ao Tribunal, e que releva da decisão, daquilo que é a adopção de critérios normativos, e que releva da norma aplicada 52”, é possível: basta que o tribunal tenha extraído, a partir de uma fonte, um critério normativo válido para vários casos em abstrato, utilizando um processo hermenêutico que igualmente seja válido para esses casos – aí não é a decisão singular que está em causa, sendo uma questão de constitucionalidade normativa.

Por último refira-se ainda um último argumento constante da Declaração de Voto em apreço, que tinha já sido abordado pelo Conselheiro CARDOSO DA COSTA, relativamente ao potencial problema de um entendimento diferente do adotado no Acórdão n.º 674/9953 poder vir a levar a uma sindicância de todas as decisões consideradas erradas desde que tomada em consideração uma dimensão da norma que não fosse o seu sentido natural e, também aqui, é defendida a posição de que uma coisa é a bondade de uma interpretação e outra, completamente distinta, é a contrariedade desta à Constituição, podendo uma disposição penal ser objeto de diferentes interpretações compatíveis com o princípio da legalidade – aquilo que este princípio proíbe é que o legislador alcance uma norma cujo conteúdo ultrapassa o sentido possível da letra da lei. 54

Como resultado das conclusões dos Acórdãos n.os 674/9955 e 383/00 56, poderá então dizer-se que apenas teriam natureza normativa os recursos em que o recorrente questionasse a constitucionalidade do resultado interpretativo, desde que em abstração total do processo interpretativo que lhe deu lugar, devendo procurar-se um outro fundamento57 diferente dos princípios da tipicidade ou da legalidade, o que nos parece, com o devido respeito pelos doutos Acórdãos, um entendimento relativamente anómalo, ao defender-se que determinadas inconstitucionalidades por violações de certos princípios não são passíveis de ser fiscalizadas.

Já o Acórdão n.º 122/200058, da 2.ª Secção, veio a admitir o recurso, dando relevo à questão da formulação com elevada abstração do critério interpretativo de índole genérica, que deveria ser enunciado pelo recorrente, destacando, assim, a questão normativa das circunstâncias do caso.

O Conselheiro LOPES DO REGO considera que este Acórdão, juntamente com os Acórdãos n.os 205/99 e 285/9959 constituem a posição intermédia ou de compromisso60-61.

Posteriormente, a mesma questão debatida no Acórdão n.º 122/200062 acabaria por ser levada a Plenário do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.º 196/200363 e 197/200364), tendo sido retomada a jurisprudência do Acórdão n.º 674/99 65, ainda que, mais uma vez, sem unanimidade.

Das declarações de voto ao Acórdão nº 197/200366, cumpre referir um argumento novo trazido à discussão pela Conselheira FERNANDA PALMA, que é o facto de a solução propugnada nos arestos em causa enfraquecer o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º CRP) e, consequentemente, um direito pleno à justiça constitucional, dado que tanto a reserva de lei como a proibição de analogia quanto às normas penais positivas e às normas fiscais geradoras da obrigação de pagar impostos derivam de razões de segurança jurídica e de segurança democrática. Assim, “a diferente possibilidade de controlar a constitucionalidade nos casos de violação da reserva de lei e de violação da proibição de analogia escamoteia que a segunda corresponde, no plano da vinculação do juiz, ao sentido da primeira enquanto injunção dirigida ao legislador”. Para além disso, refere ainda a Conselheira que “tal diferenciação desvaloriza ainda o facto de que a proibição de analogia corresponde, em última análise, também a uma violação de lei”.67

Também em declaração de voto ao mesmo acórdão, vem o Conselheiro MÁRIO JOSÉ DE ARAÚJO TORRES68 defender que não faz sentido argumentar que os princípios constitucionais em apreço são dirigidos ao julgador e não ao legislador, pelo que não seriam idóneos a sustentar uma inconstitucionalidade normativa. Ora, concordamos com o Conselheiro no sentido em que ambos os princípios são dirigidos aos criadores de normas, pelo que um tribunal, por via interpretativa ou integrativa pode, efetivamente criar uma norma, norma essa que deverá poder ser alvo de fiscalização da constitucionalidade.

Por fim, relativamente aos argumentos expendidos em declarações de voto ao Acórdão n.º 197/0369, cumpre ainda dar nota da precisão levada a cabo pelo Conselheiro PAULO MOTA PINTO70, que refere o facto, a que já se fez alusão brevemente, de que as normas não existem na prática a não ser na interpretação com que foram, efetivamente, aplicadas, sendo destas que se recorre para o Tribunal Constitucional. Segundo o referido raciocínio sublinhamos a conclusão que lhe está subjacente: “a interpretação de uma norma é uma actividade sempre necessária, antes da sua aplicação, e o seu confronto com a Constituição também pressupõe sempre essa interpretação71.” Cremos que este raciocínio é importante para que se perceba concretamente de que norma se fala quando se discute a questão da distinção entre o resultado do processo integrativo ou interpretativo que resultou numa norma que é levada a julgamento e uma mera decisão.

Porém, e de acordo com LOPES DO REGO72, a chamada solução intermédia acabou por ser abandonada nos Acórdãos n.ºs 331/0373, e 336/0374, ambos da 3.ª Secção e ambos com aposição de declarações de voto, em que o Tribunal se considerou incompetente para sindicar o próprio processo interpretativo , mediante a adoção de um critério normativo expressamente assumido como generalizante e inovatório.

Em suma, parecem ser identificáveis três posições no quadro do debate jurisprudencial travado no Tribunal Constitucional sobre esta matéria:

i. A posição defendida em declarações de voto aos Acórdãos n.os 205/9975, 285/99 76 e 122/0077, que considera que não cabe, sob qualquer prisma, no âmbito do controlo normativo do Tribunal Constitucional a verificação da ocorrência de uma alegada interpretação criativa ou extensiva de uma norma penal ou fiscal, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade;

ii. A posição oposta sustentada pelos Conselheiros SOUSA BRITO e MARIA DOS PRAZERES BELEZA, nas declarações de voto apostas, respetivamente, aos Acórdãos n.os 674/9978 e 383/0079, que defendem o caráter normativo da averiguação da existência de uma violação de princípios da legalidade e da tipicidade, já que tal equivale a apreciar a conformidade da norma concretamente interpretada e aplicada, com um grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função de orientação de comportamentos;

iii. A orientação que fez vencimento nos Acórdãos n.os 674/9980, 383/0081, 205/9982, 285/99 83 e 122/0084 e que pretende levar a cabo uma distinção essencial: se a parte se limitar a sindicar o processo interpretativo concretamente seguido pelo tribunal a quo na fixação do sentido dos conceitos usados pelo legislador penal ou fiscal, sustentando que tal processo procedeu a um alargamento do âmbito natural dos conceitos legais que terá resultado numa interpretação criativa ou extensiva das normas em causa, então, aí não haverá lugar a uma questão de constitucionalidade normativa. Já se a parte questionar um critério interpretativo de índole generalizante e explicitamente invocado pelo juiz a quo, de acordo com o qual se alcançou a norma relevante para a solução do caso concreto, sendo tal critério autonomizado e claramente destacado das circunstâncias específicas do caso concreto, fazendo o juiz a quo explícito apelo à utilização de um critério normativo inovador ou criativo, eventualmente violador do princípio da legalidade, e tratando o recorrente de o enunciar com elevada abstração e vocação para uma aplicação de cariz generalizante, então aí já se estará perante uma questão suscetível de ser alvo de fiscalização de constitucionalidade85.

Contudo, parece-nos que o apelo, também levado a cabo no acórdão 336/03, à questão de o critério interpretativo ser explícita ou implicitamente formulado pelo juiz a quo ser o modo utilizado para dirimir o problema, apesar de levantar um eixo de discussão pertinente, deve também ser contrariado.

Ora, sustenta esta jurisprudência a seguinte tese: «É que – a admitir-se que uma “norma”, extraída pelo julgador mediante um processo interpretativo, meramente implícito, de um preceito normativo deve, enquanto se prove o seu conteúdo inovador, de “norma nova” – que extravasa o sentido possível dos elementos do tipo – ser objecto idóneo do controlo de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional – acabaria este Tribunal por “expropriar” os tribunais que integram as restantes ordens jurisdicionais do seu poder – e competência – para interpretar as normas de direito infraconstitucional, passando sempre a competir ao Tribunal Constitucional a “última palavra” acerca da interpretação correcta e adequada de todas as normas de direito ordinário vigentes em áreas sujeitas ao princípio da legalidade.»86

Ou seja, aquilo que esta jurisprudência sustenta é que só seria possível saber se uma determinada norma é ou não nova, depois de o Tribunal Constitucional fixar previamente o sentido de todos os preceitos no âmbito do princípio da legalidade e da tipicidade. Ora, com o devido respeito, este parece ser um argumento ad terrorem, dado que é um argumento que aponta a mira a uma tese que evidentemente ninguém defenderá e que, igualmente, nunca viria a realizar-se, dado que tal tarefa não cabe ao Tribunal Constitucional, a par da tarefa de aferir se uma dada decisão é certa ou errada.

Assim, a verificação de que uma norma é uma norma nova far-se-á sempre nos mesmos termos que até aqui – cabendo ao recorrente alegar e ao tribunal verificar se tal norma, sendo ou não nova, é violadora de uma norma ou preceito constitucional, sem necessidade (ou possibilidade) de fixar um sentido para todos os preceitos, até porque essa seria uma tarefa impossível.

Por outro lado, o problema de o critério ser ou não enunciado implicitamente poderá levar a uma desigualdade material, ficando na mão do juiz a quo o poder de decidir se aquele processo concreto poderá ou não ser alvo de recurso de constitucionalidade: para o evitar, bastará que não enuncie clara e expressamente o critério decisório, sequestrando, assim, a possibilidade de um eventual recurso vir a ser apreciado. Parece-nos que tal resultado não deve ser defendido.

Cronologicamente, a jurisprudência continuaria a revelar-se dividida, com vários Acórdãos a decidir em sentidos diferentes, pelo que, mais do que uma enumeração exaustiva de todos eles cumpre analisar o Acórdão n.º 183/200887, do Plenário do Tribunal Constitucional, em que em a divergência jurisprudencial patente nos Acórdãos n.ºs 110/0788 e 524/0789 foi decidida em sede de fiscalização abstrata sucessiva 90.

Sustentou-se neste acórdão que o problema em análise teria uma especificidade relevante que se explica partindo de uma distinção metodológica relativa ao referente da norma legal. Apoiando-se na doutrina de CASTANHEIRA NEVES91 refere o acórdão que as normas podem referir-se a: (i) fatos concretos cujo circunstancialismo envolvente será sempre inabarcável; (ii) realidades típicas não configuradas pelo legislador; (iii) meras categorias normativas fixadas por lei.

Tendo esta distinção em consideração, poderá então sustentar-se que, no primeiro caso, a determinação do referente da norma (factos concretos) estará fora do domínio da atividade fiscalizadora do Tribunal Constitucional, mas no segundo caso o mesmo não se poderá dizer com igual grau de certeza (o referente são factos típicos com um elevado grau de abstração) e, menos ainda, na terceira hipótese, em que o referente seja uma categoria legal.

Sobre esta questão pronuncia-se LOPES DO REGO92, no sentido de que, contrariamente ao que sucede quando se pergunta se determinado conjunto de factos concretos é ou não suscetível de subsunção num determinado tipo legal, quando se pergunta se a declaração de contumácia é ou não passível de consubstanciar uma causa legal de suspensão da prescrição, não se está a apurar se uma expressão legal é ou não suscetível de ter como referente um determinado conjunto de factos concretos, mas sim se um ato processual legalmente definido de forma geral e abstrata pela lei, pode ser assimilado no conteúdo normativo de outra norma.

Já a situação seria distinta se se perguntasse se um determinado facto concreto imbuído de todo o seu circunstancialismo se poderia incluir no âmbito da norma – pergunta para cuja resposta o Tribunal Constitucional já não seria competente.

No fundo, o que aqui se pergunta é se, em abstrato, será possível incluir o conteúdo normativo constante de uma norma no conteúdo normativo de outra norma. E, assim, se concluiu que os argumentos principais invocados anteriormente para não conhecer das eventuais violações do princípio da legalidade não valeriam para este caso concreto em que o possível referente da norma é outra norma geral e abstratamente fixada por lei.

No seguimento deste entendimento, o Tribunal veio a admitir a sindicância da interpretação feita acerca de “figuras processuais abstratas normativamente previstas, …, mas já não quando o que está em causa é saber se determinadas realidades empíricas ou factos jurídicos concretos cabem ou não na hipótese delineada abstractamente pela norma sujeita ao princípio da tipicidade, no exercício de uma pura actividade subsuntiva – cfr., v.g., os Acórdãos n.º s 277/08 e 417/08.93

Com este acórdão, nas palavras da Conselheira MARIA LÚCIA AMARAL94 deu-se a “viragem” jurisprudencial, dado que a partir daí o Tribunal Constitucional entendeu ainda estar a exercer a sua competência de “guardião último da Constituição, uma vez que, nos casos em que os tribunais comuns criassem “normas” aí onde só o legislador pudesse actuar (por “lei escrita, estrita e certa” estaria o poder judicial a agir, invadindo um campo reservado pela constituição ao poder legislativo95” – dado que, por um lado, estariam em causa princípios constitucionais de especial grandeza (os consagrados nos artigos 29.º e 103.º CRP) e, por outro, porque ainda se estaria no campo estrito do controlo de normas, uma vez que o tribunal a quo, com a sua atividade interpretativa, teria, nestes casos, criado uma norma nova, não subsumível a qualquer outra já existente, num campo que lhe é vedado pela Constituição.

Contudo, a jurisprudência não se fixou desde então, continuando a haver Acórdãos em sentido divergente.

5. A inconstitucionalidade das normas sobre interpretação, quando interpretadas no sentido de permitirem uma interpretação violadora do princípio da legalidade

Na realidade, mais até do que a inconstitucionalidade material do resultado da interpretação “criativa” realizada pelo juiz, está, em nosso entender, primordialmente em causa a inconstitucionalidade das normas sobre interpretação, quando interpretadas no sentido de permitir uma interpretação violadora do princípio da legalidade. Ou seja, em causa estará sempre, na base do problema, não apenas a crise da norma aplicada na decisão, mas a leitura dos preceitos sobre interpretação, uma vez que serão essas as normas nas quais o juiz se vai fundar, expressa ou implicitamente, para proceder à atividade criativa violadora do princípio da legalidade imposto pela Constituição (por hipótese, num caso em que se analise o princípio da legalidade penal, estará em crise a constitucionalidade da interpretação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 1.º do Código Penal conjugados com os artigos 9.º ou 10.º do Código Civil).

A brecha no princípio da legalidade, a violação da Constituição com esse fundamento, ocorre quando se faz uma leitura das normas sobre interpretação que habilitem uma tarefa “criativa” por parte do juiz, ao arrepio do programa desenhado pela Lei Fundamental neste domínio.

Até pode, de facto, suceder que a norma criada por via interpretativa pelo juiz seja plenamente conforme à Constituição no plano da sua constitucionalidade material – imaginemos uma “descoberta” de uma incriminação que, quanto ao seu conteúdo, quanto às condutas censuráveis que identifica, em nada conflitua com os princípios constitucionais retores da criação de Direito Penal e que asseguram adequada proteção por via penal a um qualquer bem jurídico que careça dessa tutela. Não será é nunca válida no plano da sua criação, na medida em que esta assentará sempre na atividade jurisprudencial num domínio em que esta está expressamente vedada pela estrita vinculação ao princípio da legalidade96, previsto, em matéria penal, no artigo 29.º

Isto é, pode até suceder que por via interpretativa se crie ou enuncie uma norma que, criada pela pena do legislador, seria válida e conforme ao sistema constitucional em matéria jurídico-penal. No entanto, a referida norma estará sempre inultrapassavelmente marcada de forma “infamante” pelo seu nascimento por via meramente jurisprudencial, ao arrepio do princípio da legalidade e da repartição de competências expressamente querida pela Constituição.

Não sustentamos, pois, que a norma criada por via interpretativa não seja inconstitucional – sê-lo-á seguramente por vício inultrapassável no seu processo de descoberta e criação – mas apenas que é a própria inconstitucionalidade das normas sobre interpretação que deve ser também equacionada, uma vez que uma leitura aberta das mesmas estará em direta contradição com o texto constitucional – serão, pois, materialmente inconstitucionais as interpretações das normas que regulam a interpretação sempre que apontem nesse sentido.

Não tem sido este um caminho trilhado pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência, uma vez que, de qualquer forma, vinculado como está ao princípio do pedido, nunca foi confrontado com esta linha argumentativa. No limite, porém, caso venha a ser futuramente alegada pelos particulares lesados a própria inconstitucionalidade das normas sobre interpretação, talvez se pudesse edificar uma linha jurisprudencial estável e, eventualmente, passar à produção de uma decisão em sede de fiscalização abstrata sucessiva, que poderia contribuir para suster a atividade criativa do juiz penal e do juiz fiscal. Se assim fosse, passaria a pairar sobre estes uma nova Espada de Dâmocles: a inconstitucionalidade da interpretação das próprias normas sobre interpretação, sempre que confiram poderes aos juízes que a Constituição não lhes quis atribuir, funcionará como inibidor determinante da atividade jurisprudencial criativa.

6. Conclusão

Pelos argumentos que fomos sustentando e aduzindo ao longo da presente exposição, assim como pelos argumentos contrários que se foram rebatendo, procuramos sustentar a posição mais garantística dos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente aquela que promova o direito de acesso à justiça constitucional de forma ampla e abrangente, sem ainda dobrar a fronteira que separa o controlo de normas do controlo de decisões jurisprudenciais. Assim sendo, não sufragamos a posição de que por esta via se defraudaria o sistema de fiscalização concreta prescrito pela Constituição, dotando o Tribunal Constitucional de superpoderes para conhecer de todas as decisões judiciais e transformando-o na última instância de recurso de todos os casos.

Assim, consideramos errada, devendo, portanto, ser combatida, a blindagem do acesso à Justiça Constitucional através de argumentos jurídicos que, como se pretendeu demonstrar, não se ancoram na Constituição, nem no espírito do sistema de fiscalização da constitucionalidade que, não obstante assentar no controlo de normas, não pode ser cego às tarefas interpretativas a estas associadas e que podem potencialmente lesar os direitos fundamentais dos cidadãos.

Tal como salientámos no início da análise, com recurso à argumentação de REIS NOVAIS, o sistema, tal como está construído, acarreta desvantagens graves de insegurança jurídica e de desigualdade, na medida em que há pouquíssima margem de previsibilidade para o particular sobre se o seu recurso será ou não apreciado. Sendo a segurança jurídica um dos corolários do Estado de Direito Democrático, parece-nos que esta divergência deverá ser sempre sanada no sentido mais garantístico possível para os cidadãos, abrindo-lhes as portas do Tribunal Constitucional em casos como os que vimos de analisar.

 

 

1 O presente estudo resulta do trabalho apresentado no âmbito da disciplina de Justiça Constitucional do 4º ano da Licenciatura em Direito, regida pelo Professor Doutor Alexandre Sousa Pinheiro, a quem desde já agradecemos a disponibilidade, o apoio, e todos os comentários e sugestões formulados no decurso da investigação e discussão do tema. Agradecemos ainda ao Dr. Rui Lanceiro as observações e sugestões que nos deu no decurso da redação da versão final, bem como à Professora Doutora Alexandra Leitão pelo incentivo à publicação do trabalho.
2 Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Assistente de Investigação do Centro de Investigação de Direito Público.
3 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 39.
4 J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, 10.ª reimp., p. 989.
5 J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 989.
6 J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 989.
7 CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, II, Coimbra, 2005, p. 1028.
8 CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça, pp. 1028 e 1029.
9 Acórdão nº 26/85 do Tribunal Constitucional, de 15.02.1985, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
10 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos, pp. 26 e 27.
11 Sobre o conceito de norma enquanto objeto do recurso em causa, cfr. BLANCO DE MORAIS, Justiça, pp. 173 ss., 652 ss. e 1028 ss.
12 Em bom rigor, esta aceção não será inteiramente correta, pelo que damos este ponto por meramente tendencial, dado que o Tribunal Constitucional aceitou já apreciar recursos de fiscalização da constitucionalidade de normas extraídas de Convenções Coletivas de Trabalho que, como se sabe, não são produzidas por um poder normativo público, antes sendo uma manifestação da autonomia coletiva privada. Vide, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 365/2011, de 13.06.2011, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt .
13 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos, p. 32.
14 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos, p. 32.
15 JORGE REIS NOVAIS, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático, Coimbra, 2012, p. 304.
16 JORGE REIS NOVAIS, Direitos, p.306.
17 JORGE REIS NOVAIS, Direitos, p.307.
18 JORGE REIS NOVAIS, Direitos, p.308.
19 VITAL MOREIRA, A fiscalização concreta no quadro do sistema misto de justiça constitucional, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 846.
20 JORGE REIS NOVAIS, Direitos, p. 310.
21 JORGE REIS NOVAIS, Direitos, p. 311.
22 CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça, p. 1034.
23 Vide CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça, p. 1035.
24 Para uma discussão mais alargada desta questão, vide as Declarações de Voto dos Conselheiros PAULO MOTA PINTO e FERNANDA PALMA ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 197/03, de 10.04.2003, e da Conselheira MARIA DOS PRAZERES BELEZA ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/00, de 19.07.2000, pesquisáveis em www.tribunalconstitucional.pt.
25 RUI MEDEIROS, A Decisão de inconstitucionalidade – Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Lisboa, 1999, pp. 340-342.
26 Vide , RUI MEDEIROS, A força expansiva do conceito de norma no sistema português de fiscalização concentrada da constitucionalidade, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra, 2004, pp. 183-202, onde o autor reconhece que incorreu num conceptualismo excessivo na posição anteriormente adotada.
27 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, de 15.12.1999, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
28 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 353/86, de 16.12.1986, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
29 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 141/92, de 07.04.1992, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
30 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 634/94, de 24.11.1994, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
31 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 221/95, de 26.04.1995, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
32 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 756/95, de 20.12.1995, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
33 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 682/95, de 05.12.1995, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt
34 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 154/98, de 10.02.1998, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
35 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 205/99, de 07.04.1999, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
36 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 285/99, de 11.05.1999, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
37 Citado supra.
38 Citado supra.
39 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 205/99, citado supra.
40 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, citado supra.
41 RUI MEDEIROS. A Decisão, pp. 340-342.
42 Tese entretanto matizada em posição posterior, como referido supra.
43 RUI MEDEIROS, A Decisão, pp. 341 e 342.
44 RUI MEDEIROS, A Decisão, p. 341.
45 Declaração de Voto do Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, de 15.12.1999, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
46 Idem.
47 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/00, de 19.07.2000, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
48 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, citado supra.
49 Declaração de Voto da Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/00, citado supra.
50 Declaração de Voto da Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/00, citado supra.
51 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, citado supra.
52 Declaração de Voto da Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/00, citado supra.
53 Citado supra .
54 Idem.
55 Citado supra.
56 Citado supra.
57 Argumento semelhante vem a ser utilizado também pelo Conselheiro PAULO MOTA PINTO, em Declaração de voto ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 197/2003, de 10.04.2003, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
58 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 122/00, de 23.02.2000, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
59 Citados supra.
60 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos, p.42.
61 Já BLANCO DE MORAIS considera que a solução compromissória se constitui nos Acórdãos n.ºs 285/99, de 11.05.1999, e nº 395/2003, de 22.07.2003, em que se sustentou “a admissão do recurso que tivesse como objeto o resultado de operação hermenêutica, sempre que no percurso da mesma se violasse as restrições interpretativas fixadas por princípios constitucionais (como o da legalidade penal) e o conteúdo interpretativo não fosse apenas determinado pelo caso concreto, mas envolvido por uma elevada abstração que pressupusesse a sua aplicação a casos idênticos”, in CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça, p. 1032.
62 Citado supra.
63 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 196/03, de 10.04.2003, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt
64 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 197/03, citado supra.
65 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, citado supra.
66 Citado supra.
67 Declaração de voto da Conselheira FERNANDA PALMA ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 197/03, citado supra.
68 Declaração de voto do Conselheiro MÁRIO JOSÉ DE ARAÚJO TORRES ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 197/03, citado supra.
69 Citado supra.
70 Declaração de Voto do Conselheiro PAULO MOTA PINTO ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 197/03, citado supra.
71 Idem
72 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos, p. 42.
73 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 331/03, de 07.07.2003, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
74 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 336/03, de 07.07.2003, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
75 Citado supra.
76 Citado supra.
77 Citado supra.
78 Declaração de Voto do Conselheiro Sousa e Brito ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, citado supra.
79 Declaração de Voto da Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/00, citado supra.
80 Citado supra.
81 Citado supra.
82 Citado supra.
83 Citado supra.
84 Citado supra.
85 Vide Acórdão do Tribunal Constitucional nº 336/03, citado supra.
86 Idem.
87 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 183/08, de 12.03.2008, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
88 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 110/07, de 15.02.2007, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
89 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 524/07, de 17.10.2007, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
90 Estava em causa saber se haveria violação do princípio da legalidade criminal quando se considerasse que a declaração de contumácia constituiria uma causa de suspensão da prescrição à luz do n.º 1 do artigo 119.º, do Código Penal de 1982 e do n.º1 do artigo 336.º, do Código de Processo Penal de 1987.
91 ANTÓNIO CASTANHEIRA NEVES, O actual problema metodológico da interpretação jurídica, Coimbra, 2003, pp. 251-268.
92 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos, p.48.
93 CARLOS LOPES DO REGO, Os Recursos, pp.48 e 49.
94 Declaração de voto da Conselheira MARIA LÚCIA AMARAL ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 852/14, de 10.12.2014, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt.
95 Idem.
96 Vide o caso subjacente ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 852/2014, de 10.12.2014, pesquisável em www.tribunalconstitucional.pt, em que a qualificação do homicídio assentou na descoberta pelo juiz de uma norma que resultava do conjunto e do sentido do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, mas que lá não se encontrava expressamente prevista (em causa estava o homicídio do pai da neta do agente, realidade não contemplada em qualquer alínea do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, mas que resultaria, segundo a decisão recorrida de uma leitura integrada do preceito – o Tribunal Constitucional viria a julgar inconstitucional a norma retirada do n.º 1 do artigo 132.º nestes termos). Ora, em si, a opção por definir esta situação como uma fonte de qualificação do crime de homicídio não seria materialmente violadora da Constituição, podendo representar uma opção válida a adotar pelo legislador que, se quisesse, a poderia acrescentar validamente ao n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. Mas o respeito pelo princípio da legalidade exige que apenas o legislador, nunca o intérprete, o possa fazer.