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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versión On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.2 no.1 Lisboa ene. 2015

 

DIREITO PÚBLICO

Servidões administrativas sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas como instrumento de mitigação de cheias urbanas

Easements on private margin and stream bed of public waters as urban flood mitigation tool

 

Pedro CoelhoI

IAgência Portuguesa Do Ambiente Apa - Ministério Ambiente O.T.D.R. Rua Da Murgueira, 9/9-A Aptd.7585, Amadora, Lisboa - Portugal. e-mail: pedro.coelho@apambiente.pt

 

 


RESUMO

As cheias urbanas constituem um risco natural significativo na maioria dos aglomerados urbanos portugueses. O incremento da impermeabilização do solo, a drenagem urbana ineficaz e o incremento da frequência de episódios extremos de precipitação, tem tido tradução no aumento da frequência de cheias urbanas, com tendência de agravamento, num contexto de alterações climáticas. O presente artigo pretende demonstrar o papel que a servidão administrativa sobre parcelas privadas dos leitos ou margens de águas públicas pode desempenhar na mitigação e controlo de cheias urbanas, apresentando-se como complemento aos instrumentos legais existentes no âmbito do planeamento, gestão e controlo do risco de cheias. Para materializar este desiderato, é efetuada a análise e reflexão dos diversos aspetos relacionados com a demarcação da servidão administrativa, bem como, a adequação das finalidades da mesma aos desafios que se colocam no âmbito do planeamento e gestão urbanística, em matéria de prevenção e mitigação do risco de cheia.

Palavras-chave: servidão administrativa; corrente de água não navegável nem flutuável; planeamento territorial; mitigação de risco; cheias urbanas

 

ABSTRACT

Urban flooding is a significant natural risk in most Portuguese urban areas. The increase on soil sealing, ineffective urban drainage and extreme precipitation events are responsible for the increased frequency of urban flooding, with worsening trend in climate change scenarios. This article describes the role that easements on private margin or stream beds of public waters can play in urban flooding mitigation, complementing the current tools for planning and managing flood risk. To reach this goal, it is crucial the analysis and reflection of the various aspects related to the demarcation of the easements, as well as its adequacy to the challenges faced on planning and urban management in the prevention and mitigation of flood risk.

Keywords: easements; non navigable and non floatable stream; spatial planning; risk mitigation; urban flooding

 

Sumário: 1. Introdução. 2. Riscos naturais do Direito do Urbanismo. 3. A problemática das cheias urbanas e os sistemas de drenagem de água pluvial. 4. Servidões administrativas e restrições de utilidade pública. 4.1. Servidões administrativas sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas. 4.1.1. Largura da servidão administrativa. 4.1.2. Extensão da servidão administrativa ao longo da bacia hidrográfica. 4.2. Demarcação da servidão de margens e leitos privados de águas públicas no âmbito dos planos municipais de ordenamento do território. 4.2.1. A definição de bacia hidrográfica e linha de água. 4.2.1.1. Cartografia como ferramenta de demarcação das linhas de água nos planos municipais de ordenamento do território. 4.2.2.1. Modelação hidrológica e cartografia. 5. Considerações finais.

 

 

1. Introdução

No ordenamento jurídico nacional os diplomas sobre cheias e inundações não se encontram condensados, não existindo assim um diploma que estabeleça a disciplina jurídica relativa ao planeamento, gestão e controlo do risco de inundação.

Os primeiros textos legais que abordam o risco de inundação são diplomas relativos ao regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico.

A primeira restrição imposta pelo direito público, com fundamento no risco de inundação, encontra-se no artigo 261.º do regulamento para a execução do Decreto n.º 8 de 1 de dezembro de 1892, sobre serviços hidráulicos. Este preceito estabelecia a necessidade de licenciar determinadas ações, caso estas fossem desenvolvidas em terrenos habitualmente inundados: “Não é permitido igualmente, sem licença (…) as plantações ou a execução de quaisquer obras, quer permanente, quer temporárias, nas margens, álveos ou leitos das lagoas, rios, valas, canais e mais correntes de água, quer públicas, quer comuns, e nos seus cômoros, matas, valados, diques, campos e terrenos marginais inundados habitualmente pelas águas, quer ordinárias, quer de cheias, sujeitos ao regime descrito na parte 1.ª deste regulamento.”

Todavia, as destruidoras cheias ocorridas em Lisboa em 1967, influenciam de forma determinante a publicação do primeiro diploma que incorpora normas específicas para a prevenção do risco de inundação, com tradução espacial. O Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, alterado posteriormente pelos Decretos-Leis n.os 53/74, de 15 de fevereiro, e 89/87, de 26 de fevereiro, e pela Lei n.º 16/2003, de 4 de junho, unificou o regime dos terrenos incluídos no domínio público hídrico e criou a figura das zonas adjacentes, determinando a sujeição a restrições de utilidade pública dos terrenos considerados como ameaçados pelo mar ou pelas cheias.

O elevado crescimento urbano, a tomada de consciência dos problemas ambientais, o conceito do continuum naturale e o surgimento da figura do Plano Diretor Municipal, impulsionam o surgimento da Reserva Ecológica Nacional, criada pelo Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de julho, cujo regime foi aprofundado pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de março, e posteriormente revisto pelo Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto e alterado pelo Decreto-Lei n.º 239/2012 de 2 de novembro, numa perspetiva de prevenção, veio a considerar as zonas ameaçadas pelas cheias como áreas de risco, integrando as áreas ainda livres de ocupação, as quais passaram, assim, a constituir uma restrição de utilidade pública.

Contudo, e sem prejuízo do processo de classificação das zonas adjacentes, previsto no Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, com entrada em vigor da Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, que estabelecia as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, é publicado o Decreto-Lei n.º 364/98, de 21 de novembro, determina-se a obrigação de os municípios com aglomerados urbanos atingidos por cheias num período de tempo que, pelo menos, incluísse o ano de 1967 e que ainda não se encontrassem abrangidos por zonas adjacentes, elaborarem cartas de zonas inundáveis abrangendo os perímetros urbanos, visando a adoção de restrições à edificação face ao risco de cheia.

Com a publicação da Diretiva Quadro da Água, inicia-se um novo ciclo da política e gestão da água. O primeiro instrumento publicado, é a Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos, aprovada pela Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que revogou parcialmente o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro. Em matéria de prevenção de cheias, mantém e desenvolve o regime jurídico aplicável às zonas adjacentes, estabelecendo que o Governo pode classificar como zona adjacente as zonas ameaçadas pelo mar e as zonas ameaçadas pelas cheias, sujeitando-as a restrições de utilidade pública.

A transposição da diretiva da água para o direito interno é efetuada pela Lei da Água, Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, que estabelece as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas. No âmbito das medidas de proteção contra cheias e inundações, é inscrita a obrigação de nos instrumentos de planeamento dos recursos hídricos e de gestão territorial serem demarcadas as zonas inundáveis ou ameaçadas pelas cheias — incluindo-se, nestas últimas, as zonas ameaçadas pelo mar —, as quais devem ainda ser classificadas nos termos da Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos, ficando sujeitas às restrições prevista nesta lei. Este normativo prevê igualmente um regime transitório até à aprovação da delimitação das zonas inundáveis ou ameaçadas pelas cheias, que consiste na emissão de parecer vinculativo da administração da região hidrográfica territorialmente competente no licenciamento de operações de urbanização ou edificação.

Por fim, em 2010 surge o Decreto-Lei n.º 115/2010, de 22 de outubro, que aprova o quadro para a avaliação e gestão dos riscos de inundações com o objetivo de reduzir as suas consequências prejudiciais, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2007/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro, e indo igualmente ao encontro da preocupação relativa à mitigação dos efeitos das inundações, estabelecida na Diretiva nº 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro. Este diploma estabelece a necessidade de efetuar cartas de zonas inundáveis para áreas de risco - com significância equiparada às identificadas pelos restantes Estados membros (e.g. Reno, Tamisa), planos de gestão dos riscos de inundações, a implementação de um sistema de vigilância e alerta de recursos hídricos e o envio de relatórios e informações à Comissão Europeia. Os planos de gestão dos riscos de inundações, são considerados como planos sectoriais, nos termos do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial em vigor, e visam a redução das potenciais consequências prejudiciais das inundações para a saúde humana, o ambiente, o património cultural, as infraestruturas e as atividades económicas, nas zonas identificadas com riscos potenciais significativos.

Face ao exposto, é possível concluir que nas últimas décadas têm adquirido relevância os instrumentos de prevenção e mitigação das inundações, privilegiando-se a sua operacionalização através da sua tradução nos instrumentos de planeamento com eficácia plurisubjetiva. As zonas adjacentes estendem-se desde o limite da margem até uma linha convencional definida para cada caso no diploma de classificação, que corresponde à linha alcançada pela maior cheia, com período de retorno de 100 anos, ou à maior cheia conhecida, no caso de não existirem dados que permitam identificar a anterior. Ou seja, os critérios de delimitação têm como objetivo estabelecer a zona ameaçada pelas cheias contígua à margem das águas públicas.

As zonas adjacentes mantêm-se sobre propriedade privada ainda que sujeitas a restrições de utilidade pública, que interditam e condicionam determinados usos. Será porventura, a restrição de direitos, a densidade normativa e procedimental, a possível justificação para o diminuto número de zonas adjacentes publicadas.

Contudo, as zonas adjacentes não são, nem se pretende que sejam, coincidentes com a bacia hidrográfica e com toda rede hidrográfica que contribui com escoamento para a zona mais sensível, designada como zona adjacente.

É neste âmbito que surge a necessidade de estabelecer medidas e instrumentos adicionais que assegurem uma gestão mais eficaz do escoamento na bacia de drenagem urbana, incorporando a laminação e retenção de caudais. Esta necessidade, surge de forma premente, nos perímetros urbanos, implantados na área compreendida entre as cabeceiras da linha de água e meio recetor (rio ou mar). Ora, é exatamente o problema da adequada e eficaz drenagem do escoamento superficial da rede hidrográfica existente no solo urbano e das águas pluviais geradas nas superfícies impermeabilizadas que reaparece, depois de um século de regulamentação, obras de engenharia e planeamento territorial. Este problema, tem especial acutilância, no seio do perímetro urbano, no qual o sistema de drenagem natural (rede hidrográfica) e construído (rede pluvial) frequentemente não tem respondido com a eficácia necessária e desejável, originando cheias urbanas.

Tendo presente o aumento do índice de impermeabilização do solo que se verificou nas últimas décadas nas cidades e vilas portuguesas, o envelhecimento das infraestruturas de drenagem pluvial nas zonas urbanas consolidadas, com tendência para o sub-dimensionamento originado pela expansão urbana, e o incremento da frequência e magnitude dos episódios extremos de precipitação num contexto de alterações climáticas, impõe-se uma mudança de paradigma na abordagem das cheias urbanas, colocando o planeamento e a gestão urbanística no centro da estratégia de mitigação, de modo a tornar mais robusto e eficaz o planeamento dos sistemas de drenagem urbana.

É sobre a afirmação recorrente que as cheias urbanas devem-se “a um inadequado ordenamento do território, a um inadequado planeamento e projeto de sistemas de drenagem e pela insuficiência de instrumentos legais no âmbito do planeamento e gestão urbanística”, que o presente trabalho pretende dar contributos, demonstrando os instrumentos legais existentes, salientando o papel da servidão administrativa sobre parcelas privadas dos leitos ou margens de águas públicas, como instrumento de mitigação e controlo de cheias urbanas. Pretende-se igualmente, contribuir para o esclarecimento dos diversos aspetos relacionados com a demarcação da servidão administrativa, matéria complexa, cujas dúvidas se têm perpetuado, desde o início do século XX.

2. Riscos naturais no Direito do Urbanismo

Em Portugal, a problemática da consideração dos riscos surge no âmbito do direito do ambiente, mas perpassa transversalmente todo o ordenamento jurídico. Aliás, a incorporação da prevenção de riscos no contexto do direito do urbanismo é notória, desde as primeiras normas de segurança das edificações e de salubridade.

O princípio da proteção da confiança, um dos subprincípios do Estado de direito, ganha um fôlego quando confrontado com a temática do risco, ao abrir uma conexão com o direito dos indivíduos confiarem que quaisquer atuações (jurídicas e materiais) dos poderes públicos são adotados no final de um juízo de prognose que, em atenção do estado da técnica, visa prevenir a eclosão de riscos e/ou a minimizar os respetivos efeitos lesivos. Este juízo de prevenção do risco, consiste na avaliação, à luz do estado dos conhecimentos e da técnica em dado momento, quais as consequências (em regra, lesivas) associadas à adoção de um certo comportamento ou à ocorrência de determinada atividade, bem como à respetiva omissão. A acentuada natureza pública da tarefa de prevenção de riscos orienta o problema no sentido de que aos poderes públicos competirá a realização daquele juízo de prognose. 2

Assim, coloca-se a questão de saber em que medida a tarefa de avaliação de riscos é levada em linha de conta pelos poderes públicos (quer ao nível normativo, quer ao nível da gestão urbanística), sem prejuízo da necessária intervenção dos cidadãos e quais as consequências jurídicas associadas à perceção superveniente de riscos ou à sua concretização.

No âmbito da prevenção de riscos importa distinguir duas componentes: a identificação e avaliação de riscos, e a adoção de medidas necessárias à prevenção e mitigação do risco. A identificação e avaliação do risco constituem tarefas públicas, a cargo dos entes públicos, tal como o planeamento territorial, espaço por excelência para proceder a este exercício pois tem como desígnio, proceder à localização correta das atividades humanas no espaço. A adoção de medidas necessárias à prevenção e mitigação do risco, têm um caracter dual, podendo estar na esfera de competências de entes públicos, por exemplo, através da implementação de obras públicas que promovam a mitigação do risco, ou na esfera privada, através da implementação de medidas decorrentes de imposições normativas, administrativas decorrentes da gestão urbanística e de auto-proteção.3

Na dimensão normativa, a consideração e a prevenção de riscos resultam de normas que disciplinam a ocupação, uso e transformação do solo. Essas regras jurídicas são essencialmente de dois tipos: normas legais que estabelecem um regime particular para certos tipos de solos ou que prevêm especificamente mecanismos de defesa contra riscos, e normas de valor infra-legal, constantes dos vários tipos de instrumentos de gestão territorial, bem como de regulamentos municipais.4

No âmbito das normas legais, salienta-se o Plano Nacional de Política de Ordenamento do Território (PNPOT) que elege os riscos como um dos vetores estruturantes de identificação e organização espacial do território, determinando que a gestão preventiva de riscos deve constituir uma prioridade da política de ordenamento de território e um elemento obrigatório dos outros instrumentos de gestão territorial. 5 Concomitantemente com as orientações gerais constantes no PNPOT, vigora um conjunto de diplomas legais que, com maior ou menor impacto no direito do urbanismo, possui a finalidade de prevenção de riscos, com repercussão ao nível do planeamento territorial e da gestão urbanística (e.g. Reserva Ecológica Nacional, Lei da Água).

Neste âmbito é de salientar, a inscrição da prevenção de riscos na atual Lei de bases gerais da política pública de ordenamento do território e de urbanismo6, doravante designada LBGPPOTU, o que constitui uma inovação face à lei revogada, densificando e o reforçando o papel da prevenção de riscos no quadro dos instrumentos de ordenamento do território e de urbanismo.

A LBGPPOTU coloca como um dos fins da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo a prevenção de riscos coletivos e a redução dos seus efeitos nas pessoas e bens, conferindo ao solo rústico a aptidão para a proteção de riscos. Atribui aos proprietários o dever de minimizar o nível de exposição a riscos coletivos, mas atribui igualmente ao Estado e às Autarquias, através dos objetivos da gestão territorial a prevenção e redução de riscos coletivos.

Assim, a administração central do Estado terá que estabelecer um programa sectorial para prevenção de riscos, que será vertido nos domínios aplicáveis a cada município, para os planos territoriais com eficácia plurisubjetiva. Por fim, salientar a inclusão do normativo da transferência de edificabilidade, que prevê que os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal podem permitir que a edificabilidade por eles atribuída a um lote ou a uma parcela de terreno seja transferida para outros lotes ou parcelas, de modo a prevenir ou minimizar riscos coletivos inerentes a acidentes graves ou catástrofes e de riscos ambientais.7 Este normativo, é bastante relevante, num contexto de adaptação às alterações climáticas, que impõe o aumento da resiliência do território aos riscos naturais (e.g. cheias e inundações), pois permite operacionalizar a retirada planeada ou a gestão adaptativa8, abordagens amplamente defendidas pela comunidade científica.

No âmbito infra-legal, importa destacar o planeamento territorial, segmento do planeamento administrativo, que contribui para a previsibilidade das atuações da Administração, podendo constituir um instrumento de antecipação de riscos – embora nunca da sua eliminação.

No âmbito do planeamento territorial, nos termos do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial em vigor, os planos setoriais e especiais, apresentam clara vocação de prevenção de riscos. Contudo, conforme supramencionado, a LBGPPOTU, impõe uma alteração ficando a prevenção de riscos, no âmbito dos programas setoriais e do plano territorial municipal. Em termos de conteúdo dos planos, a perceção da existência de riscos dá, em regra, origem ao estabelecimento de proibições, restrições e condicionamentos ao uso, ocupação e transformação do solo, os quais não conferem, por via de regra, ao respetivo proprietário um direito de indemnização. Com efeito, a caracterização do direito de propriedade privada não se compadece hoje com qualquer conceptualização que a aproxime do clássico ius utendi, fruendi ac abutendi, encontrando-se unanimidade na doutrina que alude à função, vinculação ou obrigação social da propriedade privada.9

Contudo, o nível infra-legal não se circunscreve unicamente aos planos, existindo também os regulamentos municipais. O Regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE) prevê que os municípios no exercício do seu poder regulamentar próprio, aprovem regulamentos municipais de urbanização e / ou edificação (RMUE), destinados a concretizar e a executar as disposições constantes do mesmo RJUE. Por outro lado, e também os Planos Municipais de Ordenamento do Território são, por vezes, completados por disposições de regulamentos municipais de urbanização e ou edificação. Uma análise de conteúdo destes regulamentos permite considerá-los também como instrumentos de prevenção de riscos. Com efeito, encontram-se aí fixadas normas técnicas, constituídas por regras urbanísticas e construtivas a ser seguidas nos projetos de arquitetura e urbanização. Por exemplo, tais diplomas podem prever que a realização de quaisquer construções seja precedida de estudos geológicos ou hidrogeológicos (com o propósito, designadamente, de aferir as condições de estabilidade dos terrenos), estabelecer condições para o depósito de resíduos urbanos, bem como, impor que a drenagem das águas pluviais 10, devem privilegiar a (re) naturalização e valorização ambiental e paisagística das margens e zonas envolventes das linhas de água e prever soluções de controlo na origem (construções de bacias de retenção com funções múltiplas, valas de infiltração, pavimentos infiltrantes), numa perspetiva de não alteração das condições preexistentes em termos de drenagem de água (“impacto zero”).

De salientar, que a abordagem da inclusão do normativo de “impacte erro”, bem como a inclusão das linhas de água como elemento integrante do sistema pluvial11, em sede de RMUE, é determinante para a prevenção de cheias urbanas, uma vez que a conjugação destas premissas suprime uma limitação normativa imposta pelo Decreto-Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto, que estabelece o valor de 10 anos como período de retorno máximo a adotar nos sistemas de drenagem de águas pluviais. Deste modo, o sistema de drenagem de águas pluviais urbanas passa a contemplar duas componentes de drenagem, a natural e a artificial (vulgo, infraestruturas) o que possibilitará que o escoamento superficial excedentário, em episódios de precipitação extrema, aflua à linha de água reduzindo a inundação urbana.

De acordo, com Alves Correia12, a subordinação das medidas expropriativas ao princípio da proporcionalidade implica que, quando a finalidade de prevenção de risco se baste com a constituição de servidões administrativas se deve dar preferência a esta solução. Existem diplomas legais que estabelecem regimes especiais de servidões administrativas, destinadas a funcionar de algum modo, como mecanismo de prevenção de riscos, tais como, as servidões impostas para proteção do património cultural ou com as constituídas para a exploração de recursos geológicos. Para além das supramencionadas, no presente trabalho pretende-se igualmente demonstrar que a servidão administrativa de leito e margens de águas públicas, constitui um mecanismo de prevenção de riscos, principalmente de cheias urbanas, uma vez que pode constituir-se com um elemento estruturante da drenagem da bacia urbana. Assim, considera-se que as funções previstas na Lei da titularidade dos recursos hídricos 13 para a servidão, encontram-se desajustadas, pois a ruralidade do início do século XX foi substituída por uma concentração urbana, que impõe novos desafios de ampla latitude, que compreende entre outros aspetos, a gestão e prevenção do risco de inundação e a promoção da qualidade ambiental dos espaços urbanos.

Por fim, a prevenção do risco no âmbito da gestão urbanística. O problema da prevenção de riscos não se circunscreve ao momento do planeamento mas afeta igualmente a gestão urbanística, possuindo implicações ao nível do controlo prévio das operações urbanísticas. A possível consideração dos riscos encontra-se partilhada entre particulares e Administração, se por um lado, a elaboração dos projetos pelos particulares deve respeitar as normas (legais e regulamentares) de prevenção de riscos14, por outro lado, o particular e/ou a administração urbanística têm de promover as consultas, autorizações ou aprovações de entidades externas, bem como verificar o cumprimento daquelas normas e extrair as consequências jurídicas em caso de incumprimento.15 Neste contexto, tendo presente a prevenção do risco de cheia, salienta-se a necessidade de proceder à consulta, nos termos, do n.º 7 do artigo 40.º da Lei da Água 16, da administração da região hidrográfica territorialmente competente para o licenciamento de operações de urbanização ou edificação, quando se localizem dentro do limite da cheia, com período de retorno de 100 anos, ou de uma faixa de 100 m para cada lado da linha de água, quando se desconheça aquele limite. Para além do parecer supracitado, impondo o RJUE a necessidade de conformidade com as servidões administrativas e restrições de utilidade pública, em todas as figuras de controlo prévio, bem como, no regime de isenção, coloca a necessidade de prenuncia da entidade competente com jurisdição sobre as mesmas. Assim, a administração da região hidrográfica, nos termos da Lei da titularidade dos recursos hídricos, é entidade competente para autorizar obras de ocupação temporária e permanente na servidão administrativa de leitos e margens de águas públicas, bem como, de todo o tipo de ocupação condicionada na restrição de utilidade pública das zonas adjacentes.

3. A problemática das cheias urbanas e os sistemas de drenagem de água pluvial

A cheia ou inundação urbana ocorre quando as águas da chuva, do mar, das linhas de água ou dos sistemas de drenagem de águas pluviais inundam áreas urbanas, designadamente arruamentos, passeios, zonas habitacionais e zonas comerciais. Impõe-se, assim, a aquisição de um conhecimento profundo do comportamento da rede hidrográfica nas áreas urbanas e da sua interação com os sistemas de drenagem.

Os sistemas pluviais urbanos, cuja função é captar as águas da via pública e rejeitá-las no meio recetor (e.g. cursos de água, oceano, lagos) podem funcionar como sistemas preventivos de inundações, principalmente nas áreas mais baixas das zonas urbanas sujeitas a alagamentos. Quando um sistema de drenagem de águas pluviais é bem projetado e tem manutenção adequada, reduz-se significativamente o risco de inundação, evitando-se, por exemplo, danos materiais e interferências com o tráfego pedestre e de veículos.

Os sistemas de drenagem de água pluvial são constituídos, essencialmente, por redes de coletores e órgãos acessórios (e.g. sarjetas, sumidouros), podendo dispor de órgãos especiais e instalações complementares (e.g. bacias de retenção, bacias de detenção). A complexidade do sistema, aumenta com a densidade urbana e com a vulnerabilidade do território a inundações, sendo o custo de implantação e manutenção dos sistemas diretamente proporcional à complexidade17.

A alteração de uso do solo, de rural para urbano, com a implantação de edificações, vias de acesso e todo o tipo de equipamentos, altera significativamente o comportamento hidrológico das bacias hidrográficas. O fenómeno de urbanização traduz-se frequentemente, no aumento da impermeabilização do solo, na ocupação de áreas inundáveis das linhas de água (leito e margens), na eliminação de zonas de retenção naturais, a que se associa um planeamento de sistemas de drenagem tradicional e a inexistência de novas zonas verdes, conduz inevitavelmente a um aumento de caudal gerado e uma diminuição do tempo de concentração, produzindo, como consequência, um aumento na frequência e na magnitude das inundações e das cheias urbanas 18 .

Em estudos realizados pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil com o propósito de avaliar as cheias urbanas de Lisboa conclui-se que as áreas de elevada densidade de edificação, com um mínimo de espaços verdes e ruas bastante inclinadas são as que registam maiores prejuízos. Os caudais em excesso transbordados sobre as ruas concentram-se nos vales formando torrentes de grande força de arraste e destruição, invadindo casas e estabelecimentos. Pelo contrário, em bacias muito planas e de amplos espaços livres, os extravasamentos podem ficar, de certo modo, repartidos por toda a área da bacia, inundando transitoriamente espaços livres e arruamentos em pequenas ou muito pequenas alturas de água19.

É, assim, comum observar-se um comportamento hidráulico deficiente de redes de drenagem pluvial devido ao subdimensionamento para a situação atual e aos entupimentos e obstruções de coletores, com consequente entrada em carga de coletores e inundações dos pontos baixos das bacias hidrográficas, muitas vezes onde estão localizadas as zonas urbanas. Paradoxalmente, o não aproveitamento integral da capacidade de transporte dos sistemas de drenagem enterrados, devido a este subdimensionamento de órgãos de entrada (e. g., sarjetas de passeio e sumidouros) ou à sua deficiente manutenção, também é com frequência causa de inundações urbanas. Outro problema gerado pela adoção de sistemas de drenagem urbana tradicionais e simplificados, consiste na transferência integral dos escoamentos para secções mais afastadas, sem qualquer preocupação com a retenção de volumes escoados e dos caudais majorados por essas zonas, o que origina frequentemente, problemas nas áreas urbanas localizadas a jusante20.

Ainda, no domínio da conceção de sistemas de drenagem urbana, é de salientar o pressuposto de dimensionamento e espaçamento entre sarjetas e sumidouros adotado em alguns sistemas, que em função das características do escoamento e dos limites aceitáveis de altura de escoamento na via pública, assumem como admissível a inundação da mesma21. Todavia, estes pressupostos revelam fragilidades significativas, e em nada contribuem para resiliência do território a inundações. A altura de escoamento determinada em projeto é facilmente alterada pela evolução da ocupação da bacia de drenagem urbana, refletindo-se no aumento de caudais pluviais gerados, bem como, pela dinâmica das operações de urbanização e edificação marginais à via pública, que dificilmente preservam a cota de soleira prevista no projeto de drenagem, o que tem como consequência, a geração de inundações em edifícios residenciais, de comércio e serviços, ou outros.

De salientar que o Decreto-Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto, que aprova o Regulamento geral dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais, estabelece no n.º 1 do artigo 130.º que os períodos de retorno22 mais frequentemente utilizáveis são de 5 ou 10 anos, que podem ser reduzidos para 2 mesmo 1 ano em situações criteriosamente estudadas de bacias muito planas, com uma percentagem elevada de espaços livres permeáveis, ou aumentados para 20 ou 25 anos em grandes bacias densamente edificadas e declivosas 23.

Apesar do legislador inscrever a possibilidade de aumentar os tempos de retorno de dimensionamento para 20 ou 25 anos, restringe esta exceção, para grandes bacias densamente edificadas e declivosas. Ora, as dificuldades e resistências em enquadrar os projetos de drenagem urbana de uma determinada operação urbanística nesta exceção24, conjugado com o reconhecimento técnico da especialidade, a nível nacional e internacional, que apontam para que os sistema de drenagem sejam dimensionado para um período de retorno que varia entre 2 e 10 anos 25, os sistemas de drenagem implantados em Portugal são dimensionados recorrentemente para tempo de retorno máximo de 10 anos. Face ao exposto, e recorrendo à formulação matemática estabelecida por Lencastre e Franco (1984) 26,27 para definir o risco de o caudal associado a um certo período de retorno ser excedido num dado período de tempo de vida útil da obra, e considerando que a infraestrutura de drenagem tem um tempo de vida útil de 50 anos, conclui-se que existe o risco de 99%, da ocorrência de caudais superiores ao previsto em dimensionamento para tempo de vida útil da obra. Contudo, mesmo considerando um tempo de vida útil da infraestrutura de 10 anos, para um período de retorno de 10 anos, obtém-se um risco de 88%.

A constatação e estudo dos problemas supramencionados impulsionaram a alteração progressiva da abordagem efetuada na drenagem pluvial urbana, que se manifesta numa evolução significativa da conceção de sistemas e no respetivo cálculo hidráulico e hidrológico. Atualmente, um sistema de drenagem deve drenar as águas sem produzir impactos negativos no local de implementação do sistema nem nas zonas urbanas a jusante, integrando as linhas de água como elemento do sistema de drenagem da bacia urbana, bem como as áreas verdes, parques e zonas de lazer28.

É no contexto deste novo paradigma de drenagem urbana, em que devem coabitar obrigatoriamente infraestruturas verdes (corredores ribeirinhos) e azuis (coletores e canais)29, que a rede hidrográfica e a correspondente servidão administrativa de margens e leito privado de águas públicas assume um papel determinante. Para além da função hidráulica já mencionada, a rede hidrográfica, apresenta, por definição, características que promovem a infiltração, a retenção e intersecção com a vegetação, diminuindo a velocidade de escoamento e funcionando como filtro biológico para a retenção de poluentes gerados pela lavagem de pavimentos, mitigando o impacte da descarga de águas pluviais no meio recetor, muitas vezes sensível, como é caso de lagoas costeiras e estuários.

4. Servidões administrativas e restrições de utilidade pública

Marcello Caetano definiu servidão administrativa como o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa. 30

No entanto, este conceito tem evoluído na medida em que, por um lado, a servidão administrativa pode incidir sobre imóvel não considerado prédio ou até sobre um direito e, por outro lado, as servidões administrativas também podem ser constituídas por atos administrativos praticados para o efeito. Assim, por servidão administrativa deve entender-se o encargo sobre um imóvel em benefício de uma coisa, por virtude da utilidade pública desta. 31

As servidões administrativas podem ser classificadas de acordo com diferentes critérios, tais como, a sua origem ou modo de constituição, duração, conteúdo e finalidade.32 Assim, podem-se estabelecer como características principais da servidão administrativa as seguintes:33

i) Resultam da imposição legal ou de ato administrativo praticado por determinada entidade administrativa com competência para tal;

ii) Têm subjacente um fim de utilidade pública;

iii) Podem não ser obrigatoriamente constituídas a favor de um prédio, podendo ser constituídas a favor de uma entidade benefeciária ou de uma outra coisa;

iv) Podem recair sobre coisas do mesmo dono;

v) Podem ser negativas (proibir ou limitar ações) ou positivas (obrigar à prática de ações);

vi) Quando a servidão é constituída por ato administrativo, é obrigatório dar conhecimento da decisão de constituir a servidão aos respetivos interessados;

vii) São inalienáveis e imprescritíveis;

viii) Cessam com a desafetação dos bens onerados ou com o desaparecimento da função de utilidade pública para a qual foram constituídas.

Não sendo objeto do presente trabalho aprofundar quais as servidões administrativas que devem dar origem a indemnização e quais as que não carecem de ser acompanhadas de indemnização, é de registar que este aspeto suscita ainda hoje, uma larga controvérsia.34 Não obstante diversos autores considerarem o caráter excessivamente restrito35 do n.º 2 do artigo 8.º do Código das Expropriações,36 este refere que a s servidões, resultantes ou não de expropriações, dão lugar a indemnização quando:
a) Inviabilizem a utilização que vinha sendo dada ao bem, considerado globalmente;
b) Inviabilizem qualquer utilização do bem, nos casos em que estes não estejam a ser utilizados;ou
c) Anulem completamente o seu valor económico.”

Assim, refere o n.º 3 do artigo 8.º do código das expropriações que a constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica -se o disposto no presente código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial.

Assumindo as servidões administrativas e as restrições de utilidade pública uma importância particular no âmbito do planeamento territorial, importa distingui-las.

Por restrição de utilidade pública deve entender-se toda e qualquer limitação sobre o uso, ocupação e transformação do solo que impede o proprietário de beneficiar do seu direito de propriedade pleno, sem depender de qualquer ato administrativo uma vez que decorre diretamente da Lei. Atualmente, as novas exigências da vida em sociedade, como sejam o ambiente, a defesa do solo agrícola, os recursos naturais, o património cultural, justificam a imposição de restrições ou limitações aos direitos dos particulares, em defesa de interesses públicos.37

Assim, o que distingue as servidões administrativas das restrições de utilidade pública é que aquelas são estabelecidas em proveito da utilidade pública de certos bens a cargo da administração, ao passo que estas não são referidas concretamente a quaisquer bens nessas condições. 38 Ou seja, a servidão administrativa tem subjacente a proteção de um bem ou de um interesse público, e apresenta características próprias.

4.1. Servidões administrativas sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas

A Lei da titularidade dos recursos hídricos, aprovada pela Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, alterada pela Lei n.º 34/2014, de 19 de junho, revogou os capítulos I e II do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro39, estabelece no artigo 21.º que as parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas estão sujeitas a servidões administrativas. Prevê o n.º 1 do artigo 21.º da Lei da titularidade que esta servidão administrativa estabelecida por lei, é uma servidão de uso público, no interesse geral de40:

i) acesso às águas

ii) passagem ao longo das águas da pesca

iii) passagem da navegação e da flutuação, quando se trate de águas navegáveis e flutuáveis

iv) passagem ao longo das águas da fiscalização e policiamento das águas pelas entidades competentes.

Assim, em conformidade, com o n.º 2 do artigo 12.º as águas públicas não navegáveis e não flutuáveis localizadas em prédios particulares, o respetivo leito e margem são particulares, nos termos do artigo 1387.º do Código Civil, sujeitos às supramencionadas servidões administrativas.

Para interpretação e demarcação espacial desta servidão em águas públicas não navegáveis e não flutuáveis, em termos de largura e extensão ao longo da bacia hidrográfica, é então necessário recorrer às noções de leito, margem e de domínio público hídrico das restantes águas previstas respetivamente nos artigos 10.º e 11.º e 7.º da Lei da titularidade dos recursos hídricos.

4.1.1. Largura da servidão administrativa

O artigo 10.º da Lei da Titularidade dos Recursos define leito como o terreno coberto pelas águas quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição aluvial . Estabelecendo no n.º 3 do mesmo artigo, que o leito das restantes água41 é limitado pela linha que corresponder à estrema dos terrenos que as águas cobrem em condições de cheias médias42, sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto. Essa linha é definida, conforme os casos, pela aresta ou crista superior do talude marginal ou pelo alinhamento da aresta ou crista do talude molhado das motas, cômoros, valados, tapadas ou muros marginais .

Por sua vez, o artigo 11.º da Lei da Titularidade dos Recursos define margem como uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas. Estabelecendo no n.º 4 do mesmo artigo, que a margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 m 43 .

4.1.2. Extensão da servidão administrativa ao longo da bacia hidrográfica

O que se pode designar como extensão da servidão administrativa, ou seja, o perfil longitudinal da servidão administrativa numa bacia hidrográfica, é o aspeto mais crítico, e que tem gerado dúvidas, interpretações divergentes e posições conflituantes, entre a autoridade da água, municípios e consultores, no âmbito dos processos de delimitação da servidão administrativa nos planos municipais de ordenamento do território.

Assim, é determinante interpretar a alínea b) do artigo 7.º da Lei da Titularidade dos Recursos que estabelece que águas nascidas em prédios privados, logo que transponham abandonadas os limites dos terrenos ou prédios onde nasceram ou para onde foram conduzidas pelo seu dono, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas , integram o domínio público hídrico das restantes águas.

A contrario sensu o artigo 1386.º do Código Civil estabelece que são particulares, as águas que nascerem em prédio particular e as pluviais que nele caírem, enquanto não transpuserem, abandonadas, os limites do mesmo prédio ou daquele para onde o dono dele as tiver conduzido, e ainda as que, ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, forem consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra água pública .

Face ao exposto, é determinante estabelecer o conceito de “água pública”.

O Decreto n.º 8 de 1 de dezembro de 1892, mantem a tipologia original do direito romano, que classificando a água em três categorias distintas: públicas, comuns e particula­res. As águas públicas são: (i) as águas salgadas das costas, até onde alcançasse o colo da máxima preia-mar de águas vivas; (ii) os lagos, lagoas, canais, valas e correntes de água navegáveis e flutuáveis, com seus respetivos leitos e margens; e (iii) as fontes públicas. As comuns são as águas compostas por: (i) canais, valas e correntes de água não navegáveis nem flutuáveis que atravessando terrenos públicos muni­cipais ou paroquiais, ou mesmo prédios particulares, se lançassem no mar ou em alguma outra corrente de água pública ou comum ; (ii) os lagos, lagoas ou pântanos sitos em terrenos municipais ou paroquiais, ou circundados por diferentes prédios particulares, ou por terrenos incultos públicos, municipais e paroquiais; e (iii) os reservatórios, fontes e poços construídos à custa dos concelhos e paroquiais. As particulares são: (i) as águas nascentes num prédio particular e que por ele corressem, enquanto não ultrapassassem os limites do mesmo prédio, ou que, ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, fossem consumidas antes de se lançarem em alguma corrente pública ou comum; e (ii) os lagos e lagoas situados em um só prédio particular, e por ele exclusivamente cercados, quando não sejam alimentados por alguma corrente de uso público ou comum44.

Com a publicação do Decreto n.º 5787 – IIII de 10 de maio de 1919 (Lei de Águas), aumentou a extensão territorial do poder de disposição do Estado através da extinção da categoria de águas comuns, que passam a integrar o domínio público, acentuando o carater público das correntes. 45

É precisamente no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto nº 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, que se levanta a questão da determinação do lugar em que as águas particulares adquirem a natureza de públicas46, já que diz: “São do domínio particular: As águas que nascerem em algum prédio particular e as pluviais que nele caírem, enquanto não transpuserem, abandonadas, os limites do mesmo prédio, ou que, ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, são consumidas antes de se lançarem no mar ou em outras águas do domínio público. Se, porem, se lançarem no mar ou em outras águas públicas deixarão de ser particulares apenas passem os limites do prédio onde nascem ou caíram.”

Portanto, para uma corrente de água particular passar à categoria de água pública era necessário que, em harmonia com o referido artigo, transpusesse, abandonada47, os limites dos prédios onde nascia ou caía e se lançasse ao mar ou em outra água do domínio público. Ora o desvio à regra começa a desenhar-se a partir do momento em que as águas transpunham os limites do prédio-mãe ou de outro para onde eventualmente, o seu dono as tivesse conduzido, mas também, na condição que as águas fossem consumidas antes de se lançarem no mar ou em alguma outra água pública.

Importa, então, estabelecer o conceito de corrente de água, que de acordo com o Dicionário Jurídico da Administração Pública, são as que provenientes das nascentes ou diretamente das chuvas, se juntam e se deslocam naturalmente, segundo a inclinação dos terrenos, escavando no solo uma conduta permanente designada por leito . Pode-se indicar como correntes de água, em sentido lato, os rios, canais, valas, ribeiros, torrentes, barrancos, e córregos de caudal descontínuo 48 .

Para uma melhor compreensão dos conceitos em presença, pode-se definir as correntes de água da seguinte forma 49:

a) Correntes de água naturais –

i. Os rios são as correntes naturais de maior porte (comprimento, largura, altura e volume de água) navegáveis ou flutuáveis nos troços principais e que, por via de regra, desaguam no mar, em rios que desaguam no mar, ou em lagos.

ii. Os ribeiros são correntes naturais de pequeno porte, geralmente não navegáveis nem flutuáveis, que desaguam em outros ribeiros, rios, ou lagos, etc.

iii. As torrentes e os barrancos são correntes caudalosas, resultantes de chuvas abundantes e cujo leito acentuadamente declivoso não permite uma utilização da água para fins de navegação ou flutuação.

iv. Os córregos de caudal descontínuo são sulcos relativamente estreitos e profundos onde as águas correm por forma intermitente conforme as condições de pluviosidade.

b) Correntes de água artificias –

i. Os canais são correntes de água, resultantes de obras de derivação e regularização do leito e margens, e adequadas à navegação ou à flutuação.

ii. As valas são correntes de água conduzidas através de sulcos abertos artificialmente no terreno para onde os locais onde devam ser utilizadas ou em certos casos para permitirem a navegação ou a flutuação.

A necessidade de estabilizar estas noções fora referida por Moreira (1920). Refere que a palavra torrente, de torreo, significa literalmente que se seca, aplicando-se para designar os cursos de água que secavam nas épocas de estiagem. Dando-se, porém, este facto com alguns rios ou correntes de importância secundária, atendeu-se à maior ou menor inclinação média do curso de água e à consequente velocidade para a distinção entre torrentes e rios, considerando-se rio a corrente de água natural, permanente ou temporária, cuja inclinação média fosse inferior a dois centímetros, por metro. Quando a inclinação fosse superior, deviam os cursos de água considerar-se torrenciais50.

Esta dificuldade em qualificar as correntes não navegáveis nem flutuáveis, deve-se em grande parte, à opção do legislador, em estabelecer requisitos apenas para a qualificação das correntes navegáveis e flutuáveis, sendo as primeiras as correntes que não preenchem os requisitos das segundas 51. Contudo, a evolução dos métodos de produção de cartografia e da modelação hidrológica, colocam desafios técnicos, nem sempre consensuais, na determinação do limite montante de uma corrente de água não navegável nem flutuável. Face ao exposto, deverá o legislador em futuras alterações legislativas, ponderar a necessidade de introduzir um comando legal que torne mais objetiva a demarcação das águas não navegáveis nem flutuáveis.

Por fim, de salientar, o fato da servidão cingir-se aos leitos e margens privados de águas públicas, torna necessário recorrer ao cadastro predial, de modo a não demarcar a servidão administrativa, sem prejuízo da existência de leito e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis, no prédio particular onde as águas nascem ou caem. Contudo, a implementação deste preceito legal constitui um desafio para os processos de demarcação da servidão, em particular em sede de plano diretor municipal, onde nem sempre existe cadastro predial (e.g. Município de Loulé e Tavira), ou quando existe, a abrangência territorial do plano e a densidade de leito e margens águas não navegáveis nem flutuáveis pode traduzir-se num exercício moroso.

4.2. Demarcação da servidão de margens e leitos privados de águas públicas no âmbito dos planos municipais de ordenamento do território

A atual Lei de bases gerais da política pública de ordenamento do território e de urbanismo, Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, doravante designada LBGPPOTU, clarifica o papel das servidões administrativas como meio de intervenção administrativa no solo, tendo mesmo o artigo 33.º como epigrafe “Servidões administrativas”. Não obstante, a Lei de bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, Lei n. º 48/98, de 11 de agosto, agora revogada, previa no n.º 3 do artigo 25.º que s ão diretamente aplicáveis aos instrumentos de gestão territorial referidos no número anterior as novas leis ou regulamentos que colidam com as suas disposições ou estabeleçam servidões administrativas ou restrições de utilidade públicas que afetem as suas prescrições.

A LBGPPOTU dedica especial atenção às servidões administrativas, estabelecendo um artigo próprio (artigo 33.º) com densidade normativa, em que no n.º 1 refere que para a prossecução de finalidades concretas de interesse público relativas à política fundiária podem, nos termos legalmente previstos, ser constituídas servidões administrativas sobre bens imóveis que, com carácter real, limitem o direito de propriedade ou outros direitos reais, por lei, ato administrativo ou contrato, prevalecendo sobre as demais restrições de uso do solo . Estabelecendo no n.º 2 que as finalidades de interesse público são as prosseguidas pelo Estado, regiões autónomas e autarquias locais; e no seu n.º 5 que quando tenham caráter permanente e expressão territorial suscetíveis de impedir ou condicionar o aproveitamento do solo, as servidões administrativas são obrigatoriamente traduzidas nos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal podendo, no âmbito dos procedimentos de elaboração, alteração ou revisão destes planos, ser ponderadas desafetações ou alterações 52.

No entanto, e sem prejuízo da abordagem minimalista das servidões administrativas efetuada na lei de bases revogada, o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial vigente, Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 316/2007, de 19 de setembro, na redação atual, dada pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, doravante designado RJIGT, prevê nos artigos dedicados ao conteúdo documental do plano diretor municipal (artigo 86.º), plano de urbanização (artigo 89.º), plano de pormenor (artigo 92.º) que as respetivas plantas de condicionantes têm que identificar as servidões e restrições de utilidade pública em vigor que possam constituir limitações ou impedimentos a qualquer forma específica de aproveitamento. Para além das disposições supramencionadas em sede de elaboração de planos municipais de ordenamento do território, o RJIGT estabelece, disposições para a alteração dos instrumentos de gestão territorial, por motivos do estabelecimento de servidões administrativas ou restrições de utilidade pública (artigo 93.º), bem como, um regime procedimental simplificado para necessidade de integrar a lacuna originada pela cessação de restrições e servidões de utilidade pública (artigo 97.º -B)53.

Ora, é precisamente no contexto de elaboração de planos municipais de ordenamento do território que surge a necessidade de demarcar a servidão administrativa sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas. Em conformidade com o supramencionado, esta servidão deverá constar na planta de condicionantes, na qual é demarcada uma faixa com a linha de água no centro da mesma, a que correspondem os 10 metros contados da crista do talude de cada margem. Contudo, é na demarcação da extensão da servidão administrativa, ou seja, no perfil longitudinal da servidão administrativa ao longo da bacia hidrográfica que surgem as principais dificuldades técnicas nos domínios da hidrologia e da cartografia, que são indissociáveis das dúvidas jurídicas abordadas no subcapítulo 4.1.

4.2.1. A definição de bacia hidrográfica, rede hidrográfica e linha de água

Para proceder à correta demarcação dos leitos e margens das linhas de água não navegáveis e flutuáveis, que no seu conjunto constituem a rede hidrográfica de uma bacia hidrográfica, em sede de plano municipal de ordenamento do território, importa conhecer previamente as definições de bacia hidrográfica, rede hidrográfica e linha de água.

Nos termos da Lei da Água, Lei n.º 58/2005, de 20 de dezembro, a bacia hidrográfica é a área terrestre a partir da qual todas as águas fluem para o mar, através de uma sequência de rios, ribeiros ou eventualmente lagos, desaguando numa única foz, estuário ou delta . As bacias hidrográficas são separadas por linhas de cumeada que constituem naturalmente linhas divisórias do escoamento superficial. Estas linhas chamam-se linhas divisórias topográficas e separam vertentes por onde as águas se escoam para talvegues diferentes, dando origem a uma linha de água. Assim, a bacia define-se para uma dada secção de uma linha de água e corresponde à área geográfica que capta a água da chuva que escoa pela superfície do solo e atinge essa mesma secção de referência da bacia, onde se efetua a descarga do caudal gerado.

De salientar, que no solo urbano, que está total ou parcialmente urbanizado ou edificado, temos segundo alguns autores, uma bacia de drenagem urbana 54 que é constituída por um sistema de linhas de água naturais (rede hidrográfica) e um sistema de drenagem, composto por valetas, valas, canais, tubos de drenagem perfurados, galerias, emissários e coletores pluviais existentes ao nível do loteamento e da rede urbana primária.

Apesar da Lei da água e da Lei titularidade dos recursos hídricos não estabelecerem as definições de rede hidrográfica e de linha de água, a interpretação do artigo 33.º da Lei da Água, com epígrafe “Medidas de conservação e reabilitação da rede hidrográfica e zonas ribeirinhas” permite concluir que a rede hidrográfica é o conjunto de linhas de água, com funções hidráulicas e ecológicas, de uma bacia hidrográfica.

As linhas de água têm início imediatamente a seguir às bacias de receção, área compreendida entre a linha de cumeada e o início da linha de água, sendo a sua origem resultante da progressiva ação concentrada de água, que provoca erosões localizadas, que se traduzem por sulcos e regos ou torrentes e ravinas. As linhas de água de menor secção (sulcos, ravinas, regatos, ribeiros e ribeiras) associam-se noutras de secção sucessivamente maior (rios), que por fim, salvo raras exceções (bacias endorreicas) comunicam com o mar55.

A variabilidade e complexidade das linhas de água são resultantes de aspetos climáticos, da interação do escoamento superficial com o substrato com diferentes características geológicas e pedológicas, da geomorfologia e hipsometria da bacia hidrográfica, bem como, das características do habitat fluvial e do biota.

Saraiva (1999) analisa os diversos autores que propuseram sistemas de classificação de corredores fluviais, salientando a relevância de sistemas hierárquicos de classificação que podem abranger um vasto leque de escalas espaciais. Das classificações baseadas em parâmetros singulares, destaca-se a classificação segundo os padrões de drenagem, que estabeleceram o conceito de ordem, Horton (1945) e Strahler (1957), que possibilita a definição da situação de um determinado curso de água ou troço face ao conjunto da rede de drenagem.

Segundo Strahler a primeira linha de água bem impressa no relevo constitui uma linha de água de primeira ordem. A confluência das linhas de água de primeira ordem dá origem a uma linha de água de segunda ordem; duas linhas de água de segunda ordem ao confluírem dão origem a uma linha de água de terceira ordem; duas de terceira dão origem a uma de quarta e assim sucessivamente. Face ao exposto, conclui-se que duas linhas de água de ordem n dão lugar a uma linha de água de ordem n + 1.56

Um outro método de classificação, frequentemente adotado em Portugal, é a designada classificação decimal elaborada pela extinta Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos e publicada no “Índice Hidrográfico e Classificação Decimal dos cursos de água em Portugal”. 57 Esta classificação teve como objetivo permitir a localização e identificação dos cursos de água, foi estabelecida sobre uma carta à escala 1:250 000 permitindo a classificação de todos os cursos de água cujas bacias hidrográficas apresentem área superior ou igual a 4 km2. Esta classificação foi complementada na Carta da Hidrografia Continental,58 com cartografia 1:25 000 dos Serviços Cartográficos do Exército e fotografia aérea disponível à data, tendo como finalidade o planeamento das bacias hidrográficas à escala nacional. Esta carta representou os cursos de água publicados no “Índice Hidrográfico e Classificação Decimal dos cursos de água em Portugal”, acrescentando outros cursos de água com comprimentos mínimos até 5 km, a Norte do Tejo, e até 6 km, a Sul do Tejo, isto nos casos das correspondentes bacias não serem inferiores respetivamente a 11 km2 e a 14 km2.

Por fim, ainda neste domínio da classificação da rede hidrográfica, mas numa ótica de planeamento territorial, Pardal (1988) propõe uma outra classificação segundo o padrão de drenagem, a qual designa de textura da rede de drenagem. Esta textura varia entre fina (nos troços montante) e grosseira (nos troços jusante), e traduz a densidade das ramificações dos cursos de água sobre a superfície do terreno. Relativamente à textura fina, que importa abordar para definir o início da linha de água, refere que ocorre em terrenos com um relevo dinâmico com um ritmo de variação em espaços curtos. A distância entre os cursos de água tributários de 1.ª ordem é, em geral, inferior a 200m. Nestas condições é, em princípio, mais fácil e claro o controlo da drenagem nas operações de planeamento, porque aumenta a probabilidade de grande parte do solo de uma unidade territorial de gestão se situar em bacias drenantes que estão totalmente dentro da unidade 59.

Em suma, a demarcação de uma linha de água, designadamente o início da mesma, e a sua bacia hidrográfica está intimamente ligada à escala de trabalho e aos objetivos que presidem à sua demarcação. De forma antagónica, é possível identificar duas escalas de trabalho, a nacional, representada pelo índice hidrográfico e a classificação decimal dos cursos de água em Portugal, que não identifica as linhas de água existentes em bacias inferiores a 4 km 2; e a local, onde prevalece a adoção da classificação de Strahler, que inicia a classificação das linhas de água de montante para jusante, sendo comummente adotada no planeamento territorial de escala local e na requalificação fluvial.

4.2.1.1. Cartografia como ferramenta de demarcação das linhas de água nos planos municipais de ordenamento do território

A demarcação dos leitos e margens das linhas de água não navegáveis e nem flutuáveis, que constituem a rede hidrográfica, nas plantas de condicionantes dos planos municipais de ordenamento do território, estão dependentes da cartografia topográfica utilizada na elaboração dos planos.

Os princípios e as normas a que deve obedecer a produção cartográfica no território nacional estão estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 141/2014, de 19 de setembro, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 193/95, de 28 de julho. Este diploma define na alínea b) do n.º 3 do artigo 1º que a cartografia topográfica, é a cartografia de finalidade múltipla representando, na forma analógica ou digital, os acidentes naturais e artificiais, de acordo com exigências de conteúdo, posicionamento e escalas de reprodução .

A produção de cartografia topográfica e cartografia topográfica de imagem nas escalas de 1:10.000 e inferiores compete à Direção Geral do Território (DGT) e ao Instituto Geográfico do Exército (IGeoE), designando-se nestes casos como cartografia oficial. Concomitantemente, a DGT e o IGeoE também são as entidades competentes para a definição das normas e especificações técnicas de produção e reprodução de cartografia. Assim, as entidades produtoras de cartografia terão que produzir a cartografia topográfica e topográfica de imagem em conformidade com as supramencionadas especificações, para posterior homologação pela DGT. De salientar, que no âmbito da elaboração dos programas e planos territoriais a cartografia topográfica e topográfica de imagem e cartografia temática que resulte dessa elaboração, estão sujeitas às normas e especificações técnicas emitidas pela DGT 60.

Ora, é a adoção de normas e especificações técnicas da cartografia topográfica, com critérios adequados para a demarcação da rede hidrográfica, o fator crítico da correta demarcação.

Neste âmbito, as normas técnicas vigentes de produção e reprodução de cartografia e ortofotocartografia à escala 1:10 000 e 1:2 000 estabelecem uma equidistância das curvas de nível, correspondentemente, de 5 metros e 2 metros, ficando a linha de água sujeita aos requisitos de precisão altimétrica definidos para as curvas de nível. Assim, a linha de água é materializada por uma inflexão das curvas de nível, com uma monotonia de decrescente de cotas ao longo do curso de água61,62

A DGT no âmbito das competências de homologação de cartografia procede à verificação da qualidade dos dados pela avaliação da consistência lógica e gráfica da informação a homologar, seguida da avaliação da exatidão posicional (planimétrica e altimétrica) e da exatidão temática (completude e classificação), com base numa amostra mínima de 10% da área cartografada63.

Sendo este processo de verificação e avaliação no âmbito da homologação determinante para a demarcação das linhas de água, é essencial que as operações sejam realizadas tendo presente a dinâmica das características geomorfológicas das linhas de água, em particular nas de 1.ª ordem da classificação de Strahler, onde a mobilização de solo pelas práticas agrícolas e florestais é uma realidade.

A título de exemplo, na verificação da qualidade dos dados pela avaliação da consistência lógica e gráfica, não podem existir erros nas relações de função e localização de objetos. Pelo que, todas as linhas de água têm que ter continuidade, terminando no mar, num rio ou numa estrutura recetora, e têm que ser observáveis a 3D no processo de estereorrestituição. Ora, a aplicação desta regra, sem ponderação, de princípios de escoamento ou de outros de cariz topográfico e hidrológico, poderá traduzir-se na homologação de cartografia que reduz a densidade de rede hidrográfica, em particular, nos troços de cabeceira da linha de água, bem como, nas zonas de sedimentação com topografia plana.

Para minimizar este problema de uma sub-representação da rede hidrográfica na cartografia homologada, é essencial densificar os critérios de demarcação das linhas de água nas normas técnicas de produção, instituindo por exemplo, o critério da “linha de água invisível”, que permitirá assumir a continuidade da linha de água num troço em que dinâmica territorial modelou de forma distinta o solo, impedindo a ligação montante – jusante.

Ora, esta necessidade de observação e densificação de critérios de demarcação das linhas de água nas normas técnicas de produção e homologação é determinante para que os leitos e margens de águas públicas, sujeitas a servidão administrativa, sejam demarcados em toda a sua extensão.

Outro aspeto relevante, que se coloca nesta relação entre cartografia topográfica adotada e demarcação da servidão, é a escala da cartografia e a correspondente equidistância das curvas de nível. Isto é, para escalas com maior detalhe (e.g. 1:2 000 com curvas de nível de 2 em 2 metros) os leitos e margens serão representados com maior precisão, podendo em tese, prolongar-se para montante em direção às cabeceiras de linhas de água, aumentando desta forma o perfil longitudinal da servidão, designada em 4.1.2 como extensão da servidão.

4.2.2.1. Modelação hidrológica e cartografia

Todavia, é de salientar que a evolução das novas tecnologias de informação registadas nas últimas décadas influenciaram determinantemente o estudo dos fenómenos hidrológicos. A permanente evolução dos sistemas de informação geográfica (SIG) e da cartografia topográfica de imagem, a que acresce uma melhoria da capacidade de processamento dos modelos hidrológicos e da sua interface com o ambiente SIG, impõe uma nova realidade.

Os modelos digitais de terreno (MDT) permitiram introduzir as representações digitais da bacia hidrográfica, nomeadamente dos limites da bacia hidrográfica, linhas de água, declives e comprimento da encosta. Assim, torna-se possível a partir do MDT determinar a rede de drenagem, recorrendo a conjunto de operações de modelação hidrológica.

É de salientar, no entanto, que a resolução ou o tamanho da célula, é a característica que mais condiciona a validade de um MDT para um determinado uso, nomeadamente na modelação hidrológica pois influencia a qualidade e a quantidade dos resultados obtidos. Quanto menor for a escala, maior é o grau de generalização, visto que aumenta a área cartográfica mínima do terreno, o que se traduzirá numa redução dos cursos de água mapeados 64.

Não obstante o uso generalizado desta ferramenta por projetistas em diversos contextos (e.g. mapeamento de zonas inundáveis, dimensionamento de sistemas de drenagem urbana, projetos de requalificação e restauro fluvial), dado que a escala do modelo digital de terreno influência de forma decisiva os resultados da modelação hidrológica, deverá a autoridade da água dispor de cartografia com escala adequada para a gestão dos recursos hídricos à escala da bacia hidrográfica.

É neste contexto, que a autoridade da água e parte dos projetistas adotaram a Cartografia Topográfica Oficial, que se traduz na Carta Militar de Portugal, 1:25 000, série M888, com 633 folhas, que cobre a totalidade do território do continente. A carta militar apresenta um conjunto de características que para além da exatidão posicional de todas as entidades geográficas representadas, apresenta uma consistência lógica (consistência de domínio, formato e topológica) entre as folhas que compõem a carta. Para além da representação da morfologia do terreno, (através de curvas de nível e pontos cotados), estão também representados as redes hidrográficas de todas as bacias hidrográficas, com todos os reservatórios superficiais de água (e.g. lagoas e albufeiras)65.

5. Considerações Finais

No âmbito das tarefas públicas de prevenção e mitigação os riscos de cheia o legislador instituiu em diplomas específicos e autónomos, as restrições de utilidade pública das zonas adjacentes,66 zonas ameaçadas pelo mar67, zonas ameaçadas pelas cheias68 e zonas inundáveis 69, tendo a particularidade das três últimas restrições, serem equiparadas em termos de regulamentação a zonas adjacentes. Institui também a restrições de utilidade pública da Reserva Ecológica Nacional70 com o objetivo de proteger as áreas com valores e sensibilidades ecológicas ou suscetibilidade a riscos naturais, nas quais se inclui a área ameaçada pelas cheias.

Com o estabelecimento destas restrições de utilidade pública, a que acrescem as cartas inundáveis, a incorporar na planta de condicionantes dos PMOT, tal como previsto no Decreto-Lei n.º 364/98, de 21 de Novembro o legislador procurou prevenir e mitigar os riscos de cheia, originados pelo extravasamento das águas do leito dos rios para as margens e áreas contíguas, consideradas críticas.

Contudo, a realidade em contexto urbano, presente em cada episódio de precipitação intensa, tem demostrado que a prevenção dos riscos de inundação direcionadas unicamente para as zonas ribeirinhas e planícies de inundação de rios ou ribeiras de maior dimensão é insuficiente.

Para mitigação e controlo das cheias urbanas, cada vez mais prioritária num contexto de alterações climáticas em que os fenómenos extremos tem tendência a ser mais frequentes e de maior magnitude, é necessário privilegiar o aumento da resiliência dos territórios, através da mitigação e controlo das afluências na origem e ao longo da bacia de drenagem urbana, leia-se rede hidrográfica e rede pluvial.

É esta nova abordagem à problemática das cheias urbanas, em que especialidade da hidráulica urbana, já reconheceu a necessidade de preservar e incorporar a rede hidrográfica existente no solo urbano, como complemento essencial à rede drenagem constituída por coletores e órgãos acessórios, que surge a necessidade de enquadrar a servidão administrativa sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas, revendo a sua função, tendo presente o uso público e interesse geral do escoamento das águas públicas gerados por fenómenos de precipitação intensa.

As servidões administrativas sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas tem como modo de constituição a Lei n.º 54/2005 de 15 de novembro, alterada pela Lei n.º 34/2014, de 19 de junho (Lei da titularidade dos recursos hídricos), não carecendo de qualquer ato administrativo para a sua constituição. Esta servidão é permanente e não tem limite temporal. Contudo, poderá ocorrer uma alteração do trajeto da linha de água dada a evolução natural do território fluvial, pelo que no limite, se poderá considerar, temporária, pois determinado local terá servidão enquanto as águas públicas fluírem permanentemente ou intermitentemente por esse terreno.

Assim, torna-se relevante apreciar e analisar os demais critérios de classificação de servidão administrativa 71,72 na servidão em apreço. Relativamente à finalidade, é possível desdobrar as servidões administrativas em ativas e passivas. Nas servidões in patiendo o titular do prédio serviente suporta uma atividade de modo passivo, sem nada ter de fazer, esta característica está patente na obrigatoriedade do titular permitir a fiscalização e policiamento da servidão, a que acrescentaria a obrigatoriedade de deixar o espaço canal disponível para o escoamento das águas. Contudo esta servidão, também possui características in faciendo, em que o proprietário tem que agir, sob a pena da administração lhe substituir, fazendo recair sobre ele as despesas a que der causa, aspeto presente na obrigatoriedade do proprietário efetuar a conservação e limpeza da linha de água nos termos do artigo 40.ª da Lei da Água, bem como, a possibilidade do Estado e do município (no caso de linhas de água em aglomerado urbano) terem a faculdade de se substituírem aos proprietários, realizando as obras necessárias à limpeza e desobstrução dos leitos e margens de águas públicas por conta deles nos termos do n.º 4 do artigo 21.º da Lei da titularidade dos recursos hídricos.

No que respeita ao conteúdo, esta servidão pode-se caracterizar por uma duplicidade, positiva e negativa. Se por um lado, a servidão se traduz numa obrigação positiva, in faciendo, do proprietário do prédio serviente, designadamente a obrigatoriedade de efetuar a conservação e manutenção da linha de água que atravessa o prédio, tal como se sucede com os proprietários dos prédios confinantes com as estradas e caminhos municipais, que são obrigados a cortar as árvores e a demolir, total ou parcialmente, ou a beneficiar as construções que ameacem desabamento. Por outro lado, a servidão também tem a característica non facere, proibição de o proprietário de prédio serviente exercer alguma ou algumas faculdades, como, por exemplo, a faculdade de construir em toda a faixa de terreno onerado com a servidão, impedindo assim o acesso e a passagem ao longo das águas. Todavia, esta servidão não apresenta característica non aedificandi, pelo que em regra, é autorizada a ocupação permanente entre os 5 metros e os 10 metros da crista do talude, mediante ato administrativo da administração da região hidrográfica competente, desde que assegurado e salvaguardado o normal escoamento das águas e o espraiamento das cheias, os ecossistemas em presença e integridade biofísica do leito e margens, nos termos do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio.

Aliás, é de referir, que os critérios que são necessários satisfazer para que seja possível ocupar temporária ou permanentemente a margem de águas não navegáveis nem flutuáveis, nos termos do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, extravasam as funções da própria servidão inscritas na Lei da titularidade dos recursos hídricos, que apenas plasmou as funções previstas no Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, que instituiu o alargamento da servidão prevista na Lei das Águas de 1919, ao leito e margens. Deste modo, a inclusão da prevenção de riscos de cheia, que se consubstancia, através da salvaguarda do normal escoamento das águas e o espraiamento das cheias, como um dos fins da servidão, não viola o princípio da eficiência. Concomitantemente, com a necessária apreciação da conformidade da operação urbanística com servidão, a ocupação é apreciada igualmente pela administração da região hidrográfica em sede de licenciamento de recursos hídricos.

Assim, atendendo às transformações da dinâmica territorial ocorridas nas últimas décadas, designadamente a concentração urbana e litoralização, considera-se que a finalidade da prevenção do risco de cheia em cada prédio sujeito a servidão, é de interesse geral, revestindo-se o espaço canal instituído pela servidão, de utilidade pública, em termos hidráulicos e ecológicos, na medida em que, permitirá a mitigação de cheias, em particular no solo urbano, onde a rede hidrográfica desempenha um papel importante de complemento à rede de drenagem pluvial, nomeadamente em eventos com períodos de retorno superiores a 10 anos. Face ao exposto, e não sendo possível determinar obstáculos no conjunto das caraterísticas e critérios de classificação de uma servidão, considera-se oportuno efetuar a revisão das finalidades da servidão, incluindo a supramencionada.

Como exposto ao longo do presente trabalho, considera-se determinante que se proceda a uma clarificação dos critérios para a demarcação da servidão, nomeadamente do limite montante de uma corrente de água não navegável nem flutuável, podendo a proposta apresentada constituir-se como uma peça relevante para a tomada de decisão. Sem prejuízo do estabelecimento de critérios de demarcação desse limite em toda a rede hidrográfica, considera-se que a finalidade da servidão “prevenção de riscos de cheia”, adquire uma relevância significativa em contexto urbano, sendo menor no contexto rural, pelo que uma das soluções possíveis será densificar os critérios de delimitação do limite montante da rede hidrográfica nas zonas urbanas e adotar critérios mais esparsos nas zonas rurais.

Atendendo a que a Lei de bases gerais da política pública de ordenamento do território e de urbanismo, prevê no n.º 5 do artigo 33.º, a faculdade de ponderar desafetações ou alterações das servidões no âmbito dos procedimentos de elaboração, alteração ou revisão dos planos territoriais, poderia efetuar-se a devida ponderação de interesses no processo de demarcação da servidão. Assim, nas situações em que a entidade com tutela da servidão considerasse que não estavam preenchidas de forma significativa as finalidades da servidão previstas no n.º1 do artigo 21.º da Lei da titularidade, com o acréscimo da prevenção de risco de cheia, não seria demarcada a servidão.

Ambas as propostas, permitiriam superar alguns dos problemas mencionados na demarcação do percurso longitudinal da servidão, entre os quais, a dificuldade técnica de identificação da rede hidrográfica nas proximidades das cabeceiras, onde as atividades agrícolas modelam frequentemente o território impondo desvios de traçado, bem como, a alusão que a servidão nos setores montante da rede hidrográfica não desempenha qualquer função.

Por fim, salientar que esta matéria assume uma elevada relevância no atual quadro de revisão dos planos diretores municipais em curso, bem como, na elaboração dos restantes planos municipais de ordenamento do território, em particular na classe do solo urbano, em que é premente aumentar a resiliência a fenómenos extremos de precipitação, com tendência de agravamento num contexto de alterações climáticas.

 

1 Mestre em Engenharia do Ambiente. Agência Portuguesa de Ambiente/Administração da Região Hidrográfica do Algarve. E-mail: pedro.coelho@apambiente.pt
2 Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Riscos e Direito do Urbanismo, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra, 2010. ISBN 978-972-40-4300-5.         [ Links ]
3
4 Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Riscos e Direito do Urbanismo, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra, 2010. ISBN 978-972-40-4300-5.         [ Links ]
5 Cfr. Lei n.º 58/2007, de 4 de setembro, aprova o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território.
6 Cfr. Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.
7 Cfr. Artigo 2.º, 10.º, 21.º, 29.º, 37.º e 40.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.
8 Neste âmbito, é de salientar a importância da integração das questões do risco natural na perequação, funcionando a perequação numa lógica de gestão e mitigação dos riscos naturais, conforme a proposta de FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES em “ Catástrofes Naturais e Direito do Urbanismo”.
9 Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Riscos e Direito do Urbanismo, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra, 2010. ISBN 978-972-40-4300-5.         [ Links ]
10 Cfr. Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, Taxas e Compensações Urbanísticas de Coimbra (RMUE). Aprovado pela Assembleia Municipal a 25-11-2009.
11 As linhas de água deverão comportar no seu leito normal, as cheias médias, que apresentam um tempo de retorno de 5 anos. No entanto, é de salientar, que nos termos da Lei da Água, o leito e margens devem apresentar ocupação compatível para a cheia de período de retorno de 100 anos. A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, assume uma largura de 10 metros em cada margem, a contar da crista do talude.
12 Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Riscos e Direito do Urbanismo, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra, 2010. ISBN 978-972-40-4300-5.         [ Links ]
13 Lei n.º 54/2005 de 15 de novembro, alterada pela Lei n.º 34/2014, de 19 de junho.
14 Nos termos do artigo 10º do RJUE, Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, os atos de iniciativa dos particulares relativos ao controlo das operações urbanísticas devem ser acompanhados por um “termo de responsabilidade”, isto é, uma declaração dos autores dos projetos, da qual conste que foram observadas as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas de construção em vigor.
15 Cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA/DULCE LOPES, Catástrofes naturais e direito do urbanismo, Direito das Catástrofes Naturais. Coord. Carla Amado Gomes, Coimbra, 2012.         [ Links ]
16 Lei n.º 58/2005, de 29 dezembro, alterado Decreto-Lei pelo n.º 130/2012, de 22 de junho.
17 Cfr. JOÃO PEDROSO DE LIMA et al., Sistemas de drenagem. In Hidrologia urbana - Sistemas de drenagem de águas pluviais urbanas. Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e Universidade de Coimbra. Lisboa, 2013. ISBN:978-989-8360-12-0.         [ Links ]
18 Cfr. FERNANDO NUNES CORREIA, Alguns procedimentos adotados pelo Soil Conservation Service para a determinação de caudais de cheia em pequenas bacias naturais e urbanas. In Contribuição para o estudo da drenagem de águas pluviais em zonas urbanas. Vol. I. Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Lisboa, 1983.         [ Links ]
19 Cfr. PEDRO C. COSTA, Drenagem pluvial urbana e suburbana. Considerações sobre aspetos hidrológicos, socioeconómicos e estruturais. In Contribuição para o estudo da drenagem de águas pluviais em zonas urbanas. Vol. I. Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Lisboa, 1983.         [ Links ]
20 Cfr. JOÃO PEDROSO DE LIMA et al., Sistemas de drenagem. In Hidrologia urbana - Sistemas de drenagem de águas pluviais urbanas. Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e Universidade de Coimbra. Lisboa, 2013. ISBN:978-989-8360-12-0.         [ Links ]
21 Cfr. RAFAELA PINTO ABREU, Metodologias para a redução de caudais de ponta e volumes de escoamento em sistemas de drenagem. Principais aspetos relativos à utilização de bacias de retenção. In Contribuição para o estudo da drenagem de águas pluviais em zonas urbanas. Vol. II. Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Lisboa, 1983.         [ Links ]
22 Define-se período de retorno como o intervalo de tempo que decorre, em média, para que um determinado evento seja igualado ou excedido
23 Cfr. Decreto-Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto.
24 A título de exemplo, na região do Algarve, os municípios com regulamentos de água e saneamento aprovados, não inscrevem a exceção impondo um tempo de retorno de 10 anos. Aliás, existem mesmo municípios, como o de Olhão, que impõem um tempo de retorno de 5 anos.
25 A adoção de tempos de retorno superiores traduzir-se-á em custos de investimento mais elevados, podendo inclusive, durante a exploração da infraestrutura ocorrer uma potenciação de sedimentação.
26 Cfr. ARMANDO LENCASTRE/F.M. FRANCO, Lições de Hidrologia. Lisboa, 1984.         [ Links ]
26 Cfr. JOSÉ ALFEU MARQUES/JOAQUIM OLIVEIRA SOUSA, Hidráulica Urbana – Sistemas de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais. Coimbra, 2008. ISBN: 978-989-8074-65-2
28 Cfr.         [ Links ] JOÃO PEDROSO DE LIMA et al., Sistemas de drenagem. In Hidrologia urbana - Sistemas de drenagem de águas pluviais urbanas. Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e Universidade de Coimbra. Lisboa, 2013. ISBN:978-989-8360-12-0.         [ Links ]
29 Cfr. COM (2012) 673 final. Uma Matriz destinada a preservar os recursos hídricos da Europa. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Comissão Europeia. Bruxelas.
30 Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol II, Coimbra, 1986.         [ Links ]
31/32Cfr. MARGARIDA CASTELO BRANCO/ANABELA COITO, Servidões e restrições de utilidade pública. Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano. Lisboa, 2011. ISBN: 978-9728569.         [ Links ]
32/33/34 , Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Volume I, 2ª edição, Coimbra, 2004.         [ Links ]
35Cfr. Artigo 8.º da Lei n.º 56/2008 de 4 de setembro, procede à quarta alteração ao Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de setembro.
37 Cfr. MARGARIDA CASTELO BRANCO/ANABELA COITO, Servidões e restrições de utilidade pública. Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano. Lisboa, 2011. ISBN: 978-9728569.         [ Links ]
38 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL/JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentários à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico. Coimbra, 1978.         [ Links ]
39 Institui a zona adjacente, alargando o quadro de atribuições dos serviços hidráulicos ao nível do planeamento urbanístico ou do licenciamento da edifi­cação, procurando-se contribuir para a resolução dos “perigos emergentes” da proximidade das águas e da probabilidade da sua ação devastadora.
40 As funções e âmbito da servidão administrativa são coincidentes com as previstas no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro. O artigo 124.º do Decreto nº 5787-IIII, de 10 de maio de 1919, já instituía a servidão para as funções em apreço, mas apenas compreendia as margens.
41 Cfr. Artigo 7.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece que o domínio público hídrico das restantes águas compreende, entre outras, águas nascidas em prédios privados, logo que transponham abandonadas os limites dos terrenos ou prédios onde nasceram ou para onde foram conduzidas pelo seu dono, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas (alínea b).
42 Segundo o entendimento da ex-Direção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos (atualmente as competências em apreço estão na Agência Portuguesa de Ambiente), são as que podem prever-se com a possibilidade de ocorrência de uma vez em cada 4 ou 5 anos.
43 Com a publicação do Decreto-Lei n.º 468/71 de 5 de novembro, a largura da faixa marginal das águas não navegáveis nem flutuáveis passou de 5 para 10 metros.
44 Cfr. GUILHERME ALVES MOREIRA, As Águas no Direito Civil Português, Livro i: Propriedade das Águas, Coimbra, 1920.         [ Links ]
45 Cfr. FRANCISCO DA SILVA COSTA, A gestão das Águas Públicas — O caso da Bacia Hidrográfica do Rio Ave no período 1902-1973. Universidade do Minho, Braga, 2007.         [ Links ] Segundo este autor, o interesse social que então se encontrava associado às correntes de água exigia a sua inclusão expressa no domínio público e o consequente abandono da classificação de coisas comuns e do regime que lhe correspondia. Estas correntes representavam um valor económico considerável para os usos industriais e agrícolas.
46 Cfr. FRANCISCO DA SILVA COSTA, A gestão das Águas Pública — O caso da Bacia Hidrográfica do Rio Ave no período 1902-1973, 2007,         [ Links ] refere que, à época, constituía um problema que suscitava dúvidas na jurisprudência e as maiores dificuldades nos tribunais.
47 Cfr. FRANCISCO DA SILVA COSTA, A gestão das Águas Pública — O caso da Bacia Hidrográfica do Rio Ave no período 1902-1973, 2007,         [ Links ] refere que é evidente que um proprietário podia não usar uma água sem que, por isso, se possa dizer que a abandonasse. Para que houvesse abandono era preciso, além do não uso, que se verificasse, por parte do proprietário, a intenção de não tornar a aproveitar-se das águas. É que podia o proprietário do terreno a quem a água era concedida deixar de aproveitar-se dela por variadíssimas circunstâncias. Ora, em todos esses casos não podia dizer-se que as águas tivessem sido abandonadas.
48 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL/JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentários à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico. Coimbra, 1978.         [ Links ]
50 Cfr. GUILHERME ALVES MOREIRA, As Águas no Direito Civil Português, Livro i: Propriedade das Águas, Coimbra, 1920.         [ Links ]
51 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL/JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentários à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico. Coimbra, 1978.         [ Links ]
52 Cfr. Artigo 33.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.
53 Cfr. Artigos 86.º, 89.º, 92.º, 93.º e 97.º do Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro.
54 Cfr. JOÃO PEDROSO LIMA/MARIA PEDROSO LIMA, Conceitos básicos de hidrologia. In Hidrologia urbana – Conceitos básicos. Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e Universidade de Coimbra. Lisboa, 2010. ISBN: 978-989-8360-03-8.         [ Links ]
55 Cfr. ARMANDO LENCASTRE/F.M. FRANCO, Lições de Hidrologia. Lisboa, 1984.         [ Links ]
56 Cfr. MARIA GRAÇA SARAIVA, O Rio como Paisagem. Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas. Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, Lisboa, 1999.         [ Links ]
57 Cfr. DIRECÇÃO-GERAL DOS RECURSOS E APROVEITAMENTOS HIDRÁULICOS, Índice Hidrográfico e Classificação Decimal dos Cursos de Água de Portugal. Ministério da Habitação e Obras Públicas. Lisboa, 1981.         [ Links ]
58 Cfr. DIRECÇÃO-GERAL DOS RECURSOS NATURAIS, Carta da Hidrografia Continental – Principais Bacias Hidrográficas. Grupo de Trabalho do Atlas do Ambiente. Lisboa, 1992.         [ Links ]
59 Cfr. SIDÓNIO COSTA PARDAL, Planeamento do Território, Instrumentos para Análise Física. Espaço e Sociedade, 9. Lisboa, 1988.         [ Links ]
60 Cfr. Artigo 1.º, 2.º, 15.º, 15º-A do Decreto-Lei n.º 141/2014, de 19 de setembro, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 193/95, de 28 de julho, e revoga o Decreto Regulamentar n.º 10/2009, de 29 de Maio.
61 Cfr. DIREÇÃO GERAL DO TERRITÓRIO, Cartografia e ortofotocartografia à escala 1:10 000 - Normas técnicas de produção e reprodução.– Divisão de Regulação e Fiscalização. Lisboa, 2013.         [ Links ]
62 Cfr. DIREÇÃO GERAL DO TERRITÓRIO, Cartografia e ortofotocartografia à escala 1:2 000 - Normas técnicas de produção e reprodução. Direção Geral do Território – Divisão de Regulação e Fiscalização. Lisboa, 2013.         [ Links ]
63 Cfr. DIREÇÃO GERAL DO TERRITÓRIO, Procedimento para homologação de cartografia topográfica. Direção Geral do Território Divisão de Regulação e Fiscalização. Lisboa, 2013.         [ Links ]
64 Cfr. C. PAULO, Os SIG e a Modelação Hidrológica na Produção de Cartografia das Áreas de Risco de Cheia. Tese de Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 1998.         [ Links ]
65 Cfr. JOÃO ROSADO, A Cartografia Militar no Ordenamento do Território. 75.ª Edição do Boletim do Instituto Geográfico do Exército (IGeoE). Lisboa, 2013. ISSN 0872 – 7600.
66 Cfr. Artigo 25.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.
67 Cfr. Artigo 22.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.
68 Cfr. Artigo 23.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.
69 Cfr. Artigo 40.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro.
70 Cfr. Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto e alterado pelo Decreto-Lei n.º 239/2012, de 2 de novembro.
71 Cfr. MARGARIDA CASTELO BRANCO/ANABELA COITO, Servidões e restrições de utilidade pública. Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano. Lisboa, 2011. ISBN: 978-9728569.         [ Links ]
72 Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Volume I, 2ª edição, Coimbra, 2004.         [ Links ]